Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/24911
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Aspectos gerais do divórcio e inventário pela via extrajudicial

Aspectos gerais do divórcio e inventário pela via extrajudicial

Publicado em . Elaborado em .

A Lei 11.441 representa um avanço da sociedade brasileira, pois trouxe agilidade ao desfecho do inventário e partilha amigável, bem como simplificou o procedimento de separação e divórcio consensual, contribuindo para desafogar o Poder Judiciário e melhorar a vida das pessoas.

Resumo: A Lei 11.441, de 4 de janeiro de 2007, que alterou os artigos 982, 983 e 1.031 do Código de Processo Civil Brasileiro, trouxe grandes inovações para o ordenamento jurídico pátrio e surgiu com o objetivo de diminuir os feitos em trâmite perante os Juízos nacionais e obter celeridade procedimental para os jurisdicionados. Tal norma possibilitou a realização de separação, divórcio, inventário e partilha pela via extrajudicial. O Objetivo deste artigo é apresentar e comentar alguns aspectos gerais disciplinados pela referida lei.

Palavras-chave: Divórcio. Inventário. Extrajudicial.


1. Introdução

Nos últimos anos, o Código de Processo Civil tem sofrido constantes modificações com a finalidade de desafogar o Poder Judiciário, tornar a prestação jurisdicional mais célere e simplificar a vida dos cidadãos.

Neste contexto, foi editada a Lei 11.441, de 04 de janeiro de 2007, que alterou os artigos 982, 983 e 1.031, e acrescentou o artigo 1.124-A no Código de Processo Civil Brasileiro, possibilitando a realização de separação, divórcio, inventário e partilha por via extrajudicial.

Merece considerar que, apesar da doutrina majoritária entender que a Emenda Constitucional nº 66/2010 aboliu do ordenamento jurídico o instituto da separação judicial, não trataremos especificamente sobre tal questão.

A Lei 11.441/2007 é fruto do Projeto de Lei do Senado nº 155/2004, de autoria do Senador César Borges, que tratava somente da realização de inventário extrajudicialmente.

Após tramitação no Senado, o Projeto foi modificado na Câmara dos Deputados, através do Substitutivo de nº 6.416/2005, do Deputado Federal Maurício Rands, com o intuito de que os efeitos da medida alcançassem todos os processos de inventário e partilha onde não houvesse testamento, onde todos os interessados fossem civilmente capazes e se encontrassem em consenso. O substitutivo previu, ainda, a realização de separações e divórcios consensuais por escritura pública, desde que os requerentes não possuíssem filhos menores ou incapazes.

A Lei surgiu em um importante momento no qual se discutia a morosidade do Poder Judiciário, bem como o excesso de formalidades existentes na realização de determinados atos.

A Constituição Federal/88, em seu artigo 5º, inciso LXXVIII, assegura a todos os cidadãos a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Dessa forma, a nova lei introduzida no ordenamento brasileiro, cumpre esse papel adotado, possibilitando maior agilidade e presteza no tocante ao tema ora abordado.

Chaves e Rezende afirmam que “trata-se, em verdade, de uma lei transformadora” asseverando ainda que “o grande mérito da Lei nº 11.441/2007 reside no fato de que seu espírito visa o bem do cidadão, colocando-o acima de qualquer outro interesse. Por meio de um procedimento rápido, eficiente e de menor custo, desobstrui o Poder Judiciário...”. Apontam vantagens de cunho psicológico e emocional, afirmando que o procedimento é menos dispendioso também sob este aspecto (2010, p. 299/300).

Com o novo regramento abre-se uma possibilidade de duplo favorecimento para ambos os lados: o jurisdicionado ganha uma nova forma de realizar separação, divórcio e inventário muito mais ágil, e o Judiciário ganha mais tempo para se dedicar às questões complexas, com a redução da tramitação desses processos (CASSETTANI, 2010, p. 29).

Cahali é bem minucioso ao enumerar os princípios e a finalidade almejada pelo legislador na redação da Lei 11.441/2007 e demonstrados na exposição de motivos (2008, p. 14):

a). A lei busca uma simplificação de procedimentos, ou seja, a lei é procedimental, não altera o direito material.

b) Via alternativa para os procedimentos de separação, divórcio, inventário e partilha, em que haja partes maiores e capazes em consenso; ou seja, a via judicial segue possível.

c). Maior racionalidade e celeridade, decorrente do procedimento notarial, que deverá ser mais apropriado para as partes que estão em consenso, resguardando o Judiciário para as causas em que haja litígio. Desta forma, se obtém celeridade por duas vias: o procedimento consensual é mais rápido e o procedimento litigioso, pela via judicial, também o será, posto que as causas consensuais não tomarão o tempo dos juízes.

d) Concentrar o Poder Judiciário na jurisdição contenciosa, seu destino tradicional, descentralizando para delegados do poder público a atividade consensual.

e) Desafogar o Poder Judiciário, posto que o diagnóstico é de uma sobrecarga de causas, com tendência a crescimento, e o Estado não pretende ou não pode destinar mais recursos para aparelhar o Poder e fazer face à demanda.

f) Facilitar a vida do cidadão, visto que o procedimento notarial envolve burocracia menor.

g) Desonerar o cidadão, com a previsão de gratuidade para os atos de separação e divórcio e com tabelas de emolumentos notariais mais baratas do que as tabelas de custas em vigor na maioria dos Estados para os atos de inventário e partilha.

Quando do surgimento, diversos pontos da Lei geraram dúvidas entre os doutrinadores e operadores do direito. Todavia, após alguns anos de vigência, a maioria das questões controvertidas já foram pacificadas e até regulamentadas pela edição da Resolução 35 do Conselho Nacional de Justiça, além de Recomendações do Colégio Notarial do Brasil, edição de Manual Preliminar da Anoreg – Associação dos Notários e Registradores do Brasil, de Orientações da Corregedoria-Geral de Justiça dos Estados e de Provimentos dos Tribunais de Justiça dos Estados.

Desta forma, no intuito didático-pedagógico, teceremos a seguir alguns comentários gerais sobre os principais pontos inovadores da referida norma.


2. Disposições Comuns

2.1. Facultatividade do procedimento administrativo

O texto literal da Lei n° 5.869, de 11 de janeiro de 1973, CPC, foi alterado, passando a ter a seguinte redação:

Art. 982. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial; se todos forem capazes e concordes, poderá fazer-se o inventário e a partilha por escritura pública, a qual constituirá título hábil para o registro imobiliário.

Art. 1.124-A. A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento.

O texto legal é claro ao dizer que é uma faculdade das partes e não obrigatoriedade de se optar pela via administrativa. Tanto o art. 982 do CPC, ao mencionar que poderá fazer-se o inventário e a partilha por escritura pública, aponta de forma indiscutível, o caráter facultativo desse procedimento, quanto o art.1.124-A ao disciplinar que separação consensual e o divórcio consensual poderão ser realizados por escritura pública.

Sobre a questão, conclui Humberto Theodoro Júnior:

“A interpretação teleológica e sistemática, portanto, não conduz  a ver na permissão do inventário e partilha por escritura pública, nos casos do artigo 982 do CPC, uma vedação a que se prefira a partilha amigável homologada em juízo prevista, como regra geral, no artigo 1.031, do mesmo Código. É muito mais coerente com o seu sistema o caráter optativo da disposição feita pelo atual artigo 982” (2007, p.77)

Ainda neste sentido, segundo Cassettari, essa interpretação é histórica, pois o Senador César Borges, autor do Projeto de Lei 155 de 2004 do Senado Federal, ao apresentar sua proposta a justificou afirmando que as providências legislativas preconizadas tornarão mais simples e menos onerosos os procedimentos, sem eliminar a possibilidade de sua realização pelos meios judiciais já previstos em lei (2010, p.38).

Através da Resolução 35, o Conselho Nacional de Justiça sacramentou a questão no artigo 2º, destacando que é facultada aos interessados a opção pela via judicial ou extrajudicial; podendo ser solicitada, a qualquer momento, a suspensão, pelo prazo de 30 dias, ou a desistência da via judicial, para promoção da via extrajudicial.

2.2 Escolha do tabelionato de notas e competência para a lavratura da escritura

O artigo 1º da Resolução 35 do Conselho Nacional de Justiça determina que para a lavratura dos atos notariais de que trata a Lei n.º 11.441107, é livre a escolha do tabelião de notas, não se aplicando as regras de competência do Código de Processo Civil.

Da mesma forma, afirma Cassettari que não há competência territorial dos tabelionatos de notas, como há, por exemplo, no registro de imóveis e no registro civil, o que permite que as escrituras públicas possam ser lavradas em qualquer tabelionato que esteja localizado em qualquer parte do país (2010, p. 42).

A nova redação do artigo 982, parágrafo único, do Código de Processo Civil menciona que o "tabelião" lavrará a escritura. Mas não se trata de ato privativo do titular do Tabelionato. Como em outras escrituras, admite-se a delegação da prática do ato por escrevente habilitado, embora sob a necessária orientação e integral responsabilidade do notário, conforme dispõe a Lei 8.935, de 18 de novembro de 1994, que regula as atividades notariais.

De outra parte, é livre a escolha do tabelião de notas pelas partes, desde que o ato seja praticado nos limites da área de sua atuação funcional (art. 8º da Lei n. 8.935/94).

2.3 Obrigatoriedade da presença do advogado

Conforme a nova redação dada ao art. 982 do CPC (determinada pelas Leis 11.441/07 e 11.965/09), a escritura pública do inventário e partilha somente será lavrada pelo tabelião se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado comum ou por advogados diversos, sendo que a qualificação e assinatura dos mesmos constarão do ato notarial.

Como os advogados comparecerão para a lavratura da escritura junto aos interessados e suas assinaturas também constarão do ato notarial, dispensa-se a apresentação de procuração (Resolução nº 35/2007 do CNJ, art. 8º).

Todavia, a obrigatoriedade da presença do advogado não deve ser entendida apenas como um mero requisito legal, algo a ser cumprido com a simples presença do advogado, mas sim como a materialização de um preceito constitucional.

O art. 9º da Resolução nº 35/2007 do CNJ traz duas disposições importantes relativas aos advogados. A primeira veda ao tabelião a indicação de advogado às partes. As partes deverão comparecer já devidamente acompanhadas de profissional de sua confiança, para celebração do ato notarial. A segunda disposição estabelece que se as partes não dispuserem de condições econômicas para contratar advogado, o tabelião deverá recomendar-lhes a Defensoria Pública, onde houver, ou, na sua falta, a Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil.

Cabe ressaltar os ensinamentos do Professor Sérgio Magalhães, segundo o qual, o papel do advogado neste procedimento alcança grande relevância, como elemento central de garantia da legalidade e de justiça na convenção estatuída entre as partes, ultrapassando a função de mera assistência técnica:

 “Dir-se-á mais que, aqui, o Legislador atribui ao advogado muito mais do que uma função assistencial indispensável. A ausência do Juiz e do representante do Parquet, na apreciação das Escrituras de Inventário e Partilha, como também nas de Separação e de Divórcio, acaba por engrandecer a sublime e nobilíssima função do Advogado, e tudo em abono do que preceitua, positiva e adequadamente, o artigo 133 da Carta Magna, no seu capítulo IV, que trata “Das Funções Essenciais à Justiça” (2007, p. 125).

Por fim, cabe destacar, que o advogado não se limita à prestação de assistência ou orientação jurídica aos interessados, uma vez que sua participação deve ser efetiva na lavratura da escritura pública, enquanto interveniente necessário. Por conseqüência, a ausência de assistência por um advogado ou a falta de sua assinatura no ato notarial constituem causas de nulidade da escritura pública, pois configuram ausência de requisito essencial de validade da escritura.


3. Separação e divórcio consensuais extrajudiciais

3.1. Requisitos para a realização da separação e do divórcio consensual extrajudicial

A Lei nº 11.441/07 inseriu no Código de Processo Civil o artigo 1.124-A, junto aos procedimentos previstos para a separação consensual. Esse dispositivo unifica o tratamento dado à separação consensual, enquanto dissolução da sociedade conjugal, e o divórcio consensual, entendido como extinção do vínculo matrimonial, no que diz respeito à possibilidade de realização desses atos jurídicos em âmbito extrajudicial, mediante lavratura de escritura pública. Cabe relembrar aqui, situação já registrada anteriormente, de que neste texto, não trataremos da questão doutrinária sobre a extinção ou não do instituto da separação judicial.

O referido dispositivo determina que “a separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento”.

A via extrajudicial, segundo o artigo 1.124-A, restringe-se às separações e divórcios consensuais, desde que os filhos do casal, caso eles existam, sejam maiores e capazes. Assim, não havendo consenso, existindo incapazes ou menores, obrigatoriamente a separação ou divórcio deve ser judicial. No mesmo sentido ocorre quando da existência de nascituro, ou seja, quando a mulher estiver grávida.

3.2.Da partilha

A partilha de bens não necessita ser efetuada no momento da lavratura da escritura, uma vez que o artigo 1.581 expressamente prevê a possibilidade de ser realizada futuramente.

Todavia, optando as partes em realizarem a partilha de bens no mesmo ato deverá o Notário atentar-se para o artigo 1.108 do Código de Processo Civil e provimentos das Corregedorias de Justiça, que exigem a manifestação prévia da fazenda pública para proceder-se à partilha.

Além disso, ao Titular da serventia notarial caberá mensurar o quinhão de cada parte em relação ao todo, face ao regime de bens adotado. Se for o caso de acréscimo patrimonial por transferência por ato inter vivos deverá ser exigido o respectivo pagamento do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis – ITBI ou Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCMD, conforme as peculiaridades do caso.

Conforme entendem Nery Junior e Nery, nada obstante a imperatividade do núcleo do verbo do CPC 1124-A caput (“constarão”), as partes podem lavrar a escritura apenas com a manifestação da vontade da separação consensual, deixando a partilha dos bens para ser realizada posteriormente, circunstância que é expressamente autorizada para o divórcio, pelo CC 1581, aplicável à separação por extensão (2009, p. 1124).

No mesmo sentido a Súmula n.º 197 do STJ disciplina que “O divórcio direto pode ser concedido sem que haja prévia partilha dos bens”. Todavia, na escritura de separação ou divórcio deve constar explicitação de que, para a partilha, será dada solução posterior, tendo em vista as exigências do artigo 1124-A (descrição dos bens, partilha, pensão e nome), do CPC.

3.3. Constituição de título hábil perante o registro de imóveis

O § 1º do art. 1.124-A é claro ao frisar que a escritura pública da separação e do divórcio consensual independe de qualquer homologação judicial, se constitui em título hábil para averbar o novo estado civil diante do cartório de registro civil (LRP, arts. 29 § 1º, “a”, e 100), e averbar nas matrículas a combinação da partilha dos bens imóveis perante o cartório de registro de imóvel competente (LRP, art. 167, II, 14).

3.4.Dos alimentos

O valor dos alimentos é de livre estipulação entre as partes, não cabendo ao Notário apreciar se o valor contratado pelas partes limitam ou extrapolam às necessidades do alimentando. A exoneração futura ou a minoração da pensão alimentícia poderá ser pleiteada, posteriormente, por via judicial pelo devedor de alimentos, se atendida os requisitos da lei.

3.5.Do nome

A escritura deverá conter, também, a questão relativa ao nome que o casal passará a usar com o divórcio, se mantém o nome de casado ou se volta a utilizar o nome de solteiro.

3.6. Dos documentos exigidos para a realização da escritura de separação e divórcio

De acordo com as recomendações do Colégio Notarial do Brasil[1], para a lavratura da escritura pública de separação ou de divórcio consensuais, deverão ser apresentados os seguintes documentos e informações:

- certidão de casamento (atualizada – prazo máximo de 90 dias)

- documento de identidade oficial, CPF e informação sobre profissão e endereço dos cônjuges

- escritura de pacto antenupcial (se houver)

- documento de identidade oficial, CPF e informação sobre profissão e endereço dos filhos maiores (se houver) e certidão de casamento (se casados)

- documentos necessários à comprovação da titularidade dos bens (se houver):

a) imóveis urbanos: via original da certidão negativa de ônus expedida pelo Cartório de Registro de Imóveis atualizada (30 dias), carnê de IPTU, certidão de tributos municipais incidentes sobre imóveis, declaração de quitação de débitos condominiais.

b) imóveis rurais: via original da certidão negativa de ônus expedida pelo Cartório de Registro de Imóveis atualizada (30 dias), declaração de ITR dos últimos 5 (cinco) anos ou Certidão Negativa de Débitos de Imóvel Rural emitida pela Secretaria da Receita Federal, CCIR – Certificado de Cadastro de Imóvel Rural expedido pelo INCRA.

c) bens móveis: documentos de veículos, extratos de ações, contratos sociais de empresas, notas fiscais de bens e jóias, etc.

d) descrição da partilha dos bens.

e) definição sobre a retomada do nome de solteiro ou manutenção do nome de casado.

f) definição sobre o pagamento ou não de pensão alimentícia.

g) carteira da OAB, informação sobre estado civil e endereço do advogado.

Em caso de partilha de bens, deve ser providenciado também o pagamento de eventuais impostos devidos.

A partilha é a divisão dos bens do casal, onde são definidos e especificados o patrimônio que será destinado a cada um dos separandos/divorciandos.

Quando houver transmissão de bem imóvel de um cônjuge para o outro, a título oneroso, sobre a parte excedente à meação, incide o imposto municipal ITBI.

Quando houver transmissão de bem móvel ou imóvel de um cônjuge para outro, a título gratuito, sobre a parte excedente à meação, incide o imposto estadual ITCMD.


4. Inventário Extrajudicial

4.1 . Requisitos para a realização do inventário extrajudicial

Nas palavras de César Fiuza "Inventário é, pois, processo judicial pelo qual se apura o ativo e o passivo da herança, a fim de se chegar à herança líquida (ativo menos passivo). Esta herança líquida, que se apura após o pagamento das dívidas e recebimento dos créditos, será, então, partilhada entre os herdeiros” (2004, p. 952).

Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial; se todos forem capazes e concordes, poderá fazer-se o inventário e a partilha por escritura pública, a qual constituirá título hábil para o registro imobiliário (Art. 982 do Código de Processo Civil, com redação dada pela Lei nº 11.441/07).

Dessa forma, são requisitos para que o inventário seja realizado extrajudicialmente, por meio de escritura pública em Tabelião de Notas, que (i) todos os herdeiros sejam capazes; (ii) o autor da herança não tenha deixado testamento e (iii) haja acordo entre os herdeiros quanto a partilha de bens.

Neste sentido, Sílvio de Salvo Venosa aduz que "persiste a necessidade de inventário judicial se houver testamento ou interessado incapaz. No testamento, há interesse público para seu exame e, havendo incapaz, há que se assegurar sua plena proteção" (VENOSA, 2008).

Existe uma corrente doutrinária que se manifesta no sentido de que o inventário só será obrigatoriamente judicial se o de cujus deixar testamento contendo disposições de ordem patrimonial. Se existir testamento com disposições apenas pessoais, abrir-se-á a possibilidade de que o inventário seja feito pela via administrativa, não obstante a existência daquele.

Esta corrente possui entre seus defensores a professora Maria Helena Diniz, que leciona serem requisitos do regime notarial na sucessão causa mortis: a) todos os interessados sejam maiores e capazes ou emancipados; b) a sucessão seja legítima, pois o de cujus não pode ter deixado testamento contendo disposições de ordem patrimonial. Logo, nada obsta a que o inventário se dê administrativamente, se o testamento por ele feito contiver disposições pessoais, p. ex., emancipação de filho; reconhecimento de prole ou de união estável; instituição de tutor testamentário (CC, art. 1.729, parágrafo único) ou de bem de família convencional (CC, art. 1.711); revogação de testamento anterior, para que sejam aplicáveis as normas da sucessão legítima [...] (DINIZ, 2009).

Vale relembrar que, tal como na separação e divórcio extrajudicial, as escrituras públicas de inventário e partilha também não dependem de homologação judicial e são títulos hábeis para o registro civil e o registro imobiliário, para a transferência de bens e direitos, bem como para promoção de todos os atos necessários à materialização das transferências de bens e levantamento de valores – DETRAN, Junta Comercial, Registro Civil de Pessoas Jurídicas, instituições financeiras, companhias telefônicas, etc.(art. 3ºda Resolução CNJ n.º 35/2007).

4.2. Do Prazo e possibilidade de desistência do inventário judicial

O artigo 983, do CPC determina que o prazo para abertura de inventário é de 60 dias. Todavia, o referido artigo, trata tão somente da penalidade de ordem fiscal, que caso não seja respeitado o respectivo prazo de 60 dias – contados a partir da data do óbito do autor da herança – haverá a aplicação de multa sobre o valor do imposto, além de correção monetária e juros de mora.

O artigo 31 da Resolução do Conselho Nacional de Justiça determina que “a escritura pública de inventário e partilha pode ser lavrada a qualquer tempo, cabendo ao tabelião fiscalizar o recolhimento de eventual multa, conforme previsão em legislação tributária estadual e distrital específicas.”

É facultada aos interessados a opção pela via judicial ou extrajudicial; podendo ser solicitada, a qualquer momento, a suspensão, pelo prazo de 30 dias, ou a desistência da via judicial, para promoção da via extrajudicial, nos termos do artigo 2º da Resolução do Conselho Nacional.

4.3. Nomeação de responsável e indícios de fraude

É obrigatória a nomeação de interessado, na escritura pública de inventário e partilha, para representar o espólio, com poderes de inventariante, no cumprimento de obrigações ativas ou passivas pendentes, sem necessidade de seguir a ordem prevista no art. 990 do Código de Processo Civil. (art. 11 da Resolução 35/2007).

Além disso, o tabelião poderá se negar a lavrar a escritura de inventário ou partilha se houver fundados indícios de fraude ou em caso de dúvidas sobre a declaração de vontade de algum dos herdeiros, fundamentando a recusa por escrito (nos termos do art. 32 da Resolução 35/2007),

4.4. Recolhimento dos tributos

Cabe ressaltar que os prazos e alíquotas de recolhimento do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCMD dependem das leis estaduais que tratam da matéria. Todavia, o recolhimento do referido ITCMD é efetuado antes da lavratura das escrituras de inventário e partilha, mesmo se os bens partilhados forem situados em outras unidades da federação.

4.5. Existência de herdeiro analfabeto

Conforme leciona Cassettari, no caso da existência de herdeiro analfabeto, o notário deverá declarar o fato na escritura e colher a impressão digital do referido herdeiro, solicitando que alguém assine a seu rogo (2010, p.153).

Neste mesmo sentido, o referido autor cita orientação do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, estabelecendo que “sendo a parte analfabeta ou não podendo assinar, o notário declarará, colhendo a impressão digital do herdeiro, cônjuge supérstite, separando ou divorciando impossibilitado, caso em que a pessoa qualificada assina a seu rogo”.

4.6. A Cessão de Direitos Hereditários, doação e renúncia de direitos na escritura de inventário

A cessão, doação e renúncia de direitos hereditários são atos jurídicos distintos do inventário, plenamente autorizados, podendo ser realizados no teor da escritura de inventário e partilha.

No caso específico da renúncia, que é ato jurídico unilateral, cabe destacar também que existem duas modalidades: a renúncia pura e simples ou também chamada de abdicativa, quando não beneficia um herdeiro específico, e a renúncia imprópria ou translativa, quando feita em favor de alguém, importando em cessão de direitos hereditários. No primeiro caso, não incidirá os impostos causa-mortis e inter-vivos, no segundo, ocorrerá incidência tributária.

4.7. Sobrepartilha

A Sobrepartilha ou a partilha adicional, segundo Maria Helena Diniz, é uma nova partilha de bens que, por razões fáticas ou jurídicas, não puderam ser divididos entre os titulares dos direitos hereditários (DINIZ, 2008).

Nesse sentido versa os artigos 2.021e 2.022 do Código Civil, respectivamente:

Art. 2.021- Quando parte da herança consistir em bens remotos do lugar do inventário, litigiosos, ou de liquidação morosa ou difícil, poderá proceder-se, no prazo legal, à partilha dos outros, reservando-se aqueles para uma ou mais sobrepartilhas, sob a guarda e administração do mesmo ou diverso inventariante, e consentimento da maioria dos herdeiros.

Art. 2.022- Ficam sujeitos a sobrepartilha os sonegados e quaisquer outros bens da herança de que se tiver ciência depois da partilha.

Francisco José Cahali ensina que a sobrepartilha também pode ser chamada de complementação da partilha, partilha adicional ou nova partilha, o que demonstra que ela poderá ser feita não só nas hipóteses do artigo 1.040 do CPC, mas também quando necessário para dividir bens que por qualquer motivo não tenham sido partilhados no inventário (2003, p. 519).

O Conselho Nacional de Justiça, na Resolução nº. 35, de 24/04/2007, definiu claramente, em seu artigo 25, a competência do tabelião para realizar sobrepartilhas, nos seguintes temos:

Art. 25. “É admissível à sobrepartilha por escritura pública, ainda que referente a inventário e partilha judiciais já findos, mesmo que o herdeiro, hoje maior e capaz, fosse menor ou incapaz ao tempo do óbito ou do processo judicial.”

Admite-se escritura pública com partilha parcial, quando não seja possível partilhar todos os bens deixados pelo autor da herança. Os bens deixados para sobrepartilha são aqueles que dependem de decisão por serem litigiosos, os sonegados, os que se achem em lugar distante ou de difícil acesso e os que se apurem posteriormente.

A sobrepartilha será realizada pela mesma forma como a partilha, ou seja, por outra escritura pública, desde que todos os herdeiros sejam capazes e concordes. Caso subsista litígio, a sobrepartilha será objeto de ação judicial, por inventário comum.

No caso da existência de erros na partilha, pode ser feita a retificação por meio de escritura pública, com as mesmas formalidades do ato original, desde que compareçam todos os interessados.

4.6. Dos documentos exigidos para a realização da escritura de inventário

De acordo com as recomendações do Colégio Notarial do Brasil, para lavratura da escritura de inventário são necessários os seguintes documentos:

- Documentos do falecido

- RG, CPF, certidão de óbito, certidão de casamento (atualizada até 90 dias) e escritura de pacto antenupcial (se houver);

- Certidão comprobatória de inexistência de testamento expedida pelo Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo (http://www.cnbsp.org.br/Rcto.aspx);

- Certidão negativa da Receita Federal e Procuradoria Geral da Fazenda Nacional;

- Documentos do cônjuge, herdeiros e respectivos cônjuges

- RG e CPF, informação sobre profissão, endereço, certidão de nascimento, certidão de casamento dos cônjuges (atualizada até 90 dias).

- Documentos do advogado

- Carteira da OAB, informação sobre estado civil e endereço do advogado

- Informações sobre bens, dívidas e obrigações, descrição da partilha e pagamento do ITCMD

- imóveis urbanos: certidão de ônus expedida pelo Cartório de Registro de Imóveis (atualizada até 30 dias), carnê de IPTU, certidão negativa de tributos municipais incidentes sobre imóveis, declaração de quitação de débitos condominiais

- imóveis rurais: certidão de ônus expedida pelo Cartório de Registro de Imóveis (atualizada até 30 dias), cópia autenticada da declaração de ITR dos últimos 5 (cinco) anos ou Certidão Negativa de Débitos de Imóvel Rural emitida pela Secretaria da Receita Federal – Ministério da Fazenda, CCIR – Certificado de Cadastro de Imóvel Rural expedido pelo INCRA

- bens móveis: documento de veículos, extratos bancários, certidão da junta comercial ou do cartório de registro civil de pessoas jurídicas, notas fiscais de bens e jóias, etc.

Atenção: O pagamento do imposto de transmissão causa mortis (ITCMD) deve ser efetuado em até 180 dias da data do óbito.


5. Conclusões

A Lei nº 11.441, de 4 de janeiro de 2007, alterou a redação do Código de Processo Civil, possibilitando que a separação, o divórcio, o inventário e a partilha, sejam objeto de lavratura de escritura pública através da via administrativa, desde que obedecidas as exigências legais e preenchidos os requisitos e pressupostos jurídicos.

Máxima do princípio constitucional da razoável duração dos processos e da celeridade processual, a lei surgiu para satisfazer os anseios da população moderna. Todavia, embora existam posicionamentos doutrinários em sentido diverso, o novo procedimento surge como uma faculdade aos interessados e não como uma obrigação para que eles requeiram seus direitos extrajudicialmente.

Inegavelmente, a referida Lei inovou o ordenamento jurídico brasileiro e representa um avanço da sociedade brasileira, tendo em vista que trouxe agilidade ao desfecho do inventário e partilha amigável, bem como simplificou o procedimento de separação e divórcio consensual, contribuindo para desafogar o Poder Judiciário e melhorar a vida das pessoas.


6. Referências Bibliográficas

BRANDELLI, Leonardo. Teoria Geral do Direito Notarial. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

CAHALI, F. J. et al. Escrituras públicas: separação, divórcio, inventário e partilha consensuais. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008

CAHALI, Francisco José; HIRONAKA, Gilselda Maria Fernandes Novaes. Curso Avançado de Direito Civil, 2. ed. São Paulo. RT, 2003.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 16. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007.

CARVALHO, Dimas Messias de; CARVALHO, Dimas Daniel de. Direito das sucessões, inventário e partilha. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

CASSETARI, C. Separação, divórcio e inventário por escritura pública: teoria e prática. 4. ed. rev. e ampl. São Paulo: Método, 2010.

CHAVES, C. F. B.; Rezende, A. C. F. Tabelionato de notas e o notário perfeito. 6. ed. Campinas, SP: Millennium Editora, 2010.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução nº 35, 24 de abril de 2007: disciplina a aplicação da Lei nº 11.441/07 pelos serviços notariais e de registro. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/atos-administrativos/atos-da-presidencia/resolucoespresidencia/121 51- resolu-no-35-de-24-de-abril-de-2007>. Acesso em: 20 fev. 2012.

CRUZ, Maria Luiza Povoa. Separação, divórcio e inventário via administrativa: implicações das alterações no CPC promovidas pela lei 11.441/2007. Editora: Del Rey, Belo Horizonte, 2008.

DIAS, M. B. Divórcio Já! Comentários à Emenda Constitucional 66, de 13 de julho de 2010. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. 23. ed. reformulada. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 6.

EMILIASI, Demétrios. Manual dos Tabeliães. Doutrina, Legislação, Jurisprudência e Modelos. 11ª ed. São Paulo: Vale do Mogi, 2008.

FILHO, Sergio de Magalhães, O advogado e a Lei nº 11.441/2007, in Revista do Advogado n. 91 (2007).

FIUZA, César. Direito civil: curso completo. 13. ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das sucessões. 3. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 7.

HERTEL, Daniel Roberto. Aspectos processuais da emenda constitucional 45. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 385, mai/jun, 2006.

JÚNIOR, Humberto Theodoro. Inventário e partilha por via administrativa – Reforma da Lei nº 11.441, de 4/1/2007, in Revista do Advogado n. 91 (2007).

KOLLET, Ricardo Guimarães. Manual do Tabelião de Notas para Concursos e Profissionais. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

LINS, Caio Mário de Albuquerque. A Atividade Notarial e de Registro. Companhia Mundial de Publicações, 2009.

LOUREIRO, L. G. Registros públicos: teoria e prática. São Paulo: Método, 2010.

MORAES, A. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

NERY JUNIOR, N.; NERY, R. M. A. Código civil comentado. 7 ed. rev., ampl. e atual. até 25.8.2009. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

OLIVEIRA, Antonio José Tibúrcio de. Direito das sucessões. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: direito das sucessões. 15. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2006. v. 6.

PUGLIESE, Roberto J. Direito Notarial Brasileiro. São Paulo: LEUD, 1989.

RIBEIRO, Juliana de Oliveira Xavier. Direito Notarial e Registral. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil - ob. cit., 2009.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito das sucessões.8. ed. São Paulo: Atlas, 2008. v. 


Nota

[1] Colégio Notarial do Brasil: http://www.cnbsp.org.br/AtosNotariais.aspx?AtoID=7


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Jadir Silva. Aspectos gerais do divórcio e inventário pela via extrajudicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3663, 12 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24911. Acesso em: 26 abr. 2024.