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Possibilidade jurídica de adoção por homossexuais

Possibilidade jurídica de adoção por homossexuais

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Não há impedimento legal para que casal homossexual venha a adotar uma criança ou um adolescente, desde que preencham os requisitos pautados pelo ECA e que propiciem ao adotando um ambiente saudável, com suporte necessário ao seu desenvolvimento, não sendo a orientação sexual dos adotantes motivo forte para o não deferimento da adoção.

Resumo: O presente artigo buscou analisar a possibilidade jurídica da adoção de crianças e adolescentes por casais homossexuais. Mostrou-se a visão histórica da homossexualidade e deu-se ênfase aos princípios constitucionais da dignidade humana, da igualdade e, com especial destaque, ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Sendo a família procedente da união homoafetiva constituída dos mesmos elementos conformadores do modelo familiar adotado pela maioria, não é possível discriminá-las tão somente em virtude da orientação sexual de seus membros.

Palavras-chave: homossexuais. adoção. possibilidade jurídica.


1 INTRODUÇÃO

Este artigo objetiva discutir a possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais, tendo em vista que tal adoção ainda é causa de muita polêmica não só no Brasil como também em diversos países.

Os princípios constitucionais da dignidade humana e da igualdade permitem atribuir aos pares homossexuais o status de família, merecendo igual reconhecimento e proteção do Estado, conforme do art. 226, caput, da Constituição Federal[1].

Considerando-se, no entanto, que a questão sob estudo envolve diretamente crianças e adolescentes, é preciso dar ênfase ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.

Observa-se que ainda sem lei que regulamente tal assunto, já houve decisões no sentido favorável para casais homossexuais adotar em conjunto uma criança ou adolescente. Isto porque os juízes que decidiram os casos se pautaram nos princípios fundamentais da dignidade humana, igualdade e o melhor interesse da criança e adolescente de serem adotados.


2 A HOMOSSEXUALIDADE

Época triste a nossa, em que é mais difícil quebrar um preconceito do que um átomo.

Albert Einstein

O termo homossexual surgiu pela primeira vez em 1869, com o médico húngaro Kartebeny.

A expressão é um híbrido do grego e do latim, com o primeiro elemento derivado do grego homos – mesmo –, significando, portanto, atos sexuais e afetivos entre pessoas do mesmo sexo.

Nas palavras de Vecchiatti[2]:

Como se sabe, a sociedade contemporânea ainda tem muitas reservas com relação a homossexuais. Em decorrência da ignorância e de seus preconceitos sobre o tema, acaba dispensando a eles um tratamento muitas vezes discriminatório – seja por meio de agressões físicas, verbais ou até mesmo pela proibição da manifestação homoafetiva em determinados locais, quando manifestações heteroafetivas idênticas são permitidas. Faz isso por considerar a homoafetividade uma conduta ‘imoral’, que seria passível de reprovação. Ora, se a sexualidade da pessoa dependesse da ‘opção’ dela, qual pessoa escolheria de livre e espontânea vontade ser de uma forma que sofre o repúdio social? [...] Entenda-se bem o que se está dizendo: não se trata de considerar esta ou aquela orientação sexual como ‘certa’, ‘natural’, e assim por diante. Trata-se apenas de afirmar que as pessoas optariam viver da forma mais fácil, sem a dificuldade ‘extra’ do preconceito social. Afinal, aqueles que amam pessoas do mesmo sexo têm, além das mesmas dificuldades cotidianas daquelas que direcionam seu amor a pessoas de sexto diverso, a dificuldade oriunda da discriminação homofóbica, do desprezo social.

2.1 VISÃO HISTÓRICA DA HOMOSSEXUALIDADE

2.1.1 Visão Bíblica

A homossexualidade existe na história da humanidade desde os povos mais antigos, no entanto a Bíblia Sagrada em Levítico[3] (18:22 e 20:13), que trata da santidade do casamento, repudia a prática homossexual quando nos diz: “Não se deite com um homem como que se deita com uma mulher; é repugnante”; “Se um homem se deitar com outro homem como quem se deita com uma mulher, ambos praticaram um ato repugnante. Terão que ser executados, pois merecem a morte”.

De acordo com Dias[4], a Bíblia busca preservar a etnia baseada em Gênesis e utilizando a história de Adão e Eva, ponderando como fator essencial da vida o homem, a mulher e sua família.

2.1.2 Cultura romana

Na Idade Antiga a prática homossexual era considerada normal entre os gregos, egípcios, romanos e assírios.

Segundo Braga[5], “A história registra que dos quinze primeiros imperadores de Roma, só Cláudio era exclusivamente heterossexual. Mas foi o imperador Júlio César que ganhou a fama, [...]”.

A homossexualidade em Roma não era praticada de forma tão intensa quanto na Grécia, visto que Roma censurava os que figuravam no polo passivo da relação sexual com pessoas do mesmo sexo.

Dias[6] explica que em Roma a passividade era alvo de preconceito da sociedade pelo fato de ser socialmente associada à impotência política, implicando fraqueza de caráter.

2.1.3 Código de Ética Judaica

A conduta homossexual, no código de ética judaica, era considerada uma anomalia de conduta gravíssima, assim como em Levítico (20:13), sujeita a pena de morte.

Os judeus ortodoxos entendem o comportamento homossexual como uma abominação proibida pela Torá – o livro sagrado que foi revelado diretamente por Deus.

Apesar de grupos ortodoxos afirmarem que qualquer mudança em Torá é um atentado contra a lei divina, uma divisão recente no Comitê da Lei Judaica, em janeiro de 2007, reinterpretou a questão significativamente, e agora permite que homens e mulheres homossexuais se tornem rabinos.

De acordo com Oliveira[7], as práticas homossexuais são vistas pelo judaísmo progressivo como aceitáveis. Segundo o autor, “alguns acreditam que a proibição presente na Torá tinha a intenção de banir o sexo homossexual praticado em rituais [...], cultos de fertilidade e templos de prostituição”.

2.2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Um Estado que se intitula Democrático de Direito não pode desrespeitar seus princípios fundamentais, devendo assegurar a realização das garantias, direitos e liberdades que consagra, sob pena de comprometer sua própria soberania[8].

O Estado na condição de protetor da sociedade deve propiciar a todos, inclusive aos casais homossexuais, condições efetivas que acolham aos seus interesses, como por exemplo, a adoção, com respaldo nos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade em decorrência de sexo e ou preferência sexual, visando sempre o bem estar social e a justiça.

2.2.1 Dignidade da pessoa humana

A Constituição Federal[9] estabelece os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, entre eles está a dignidade da pessoa humana.

O princípio da dignidade da pessoa humana mostra-se sob dois aspectos: primeiro, como um direito individual protetivo em relação ao Estado e aos demais indivíduos; segundo, como um dever fundamental de tratamento igualitário dos demais indivíduos.

A dignidade da pessoa humana é conceituada, na linguagem de Sarlet, como:

A qualidade intrínseca e distintiva da cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem à pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos[10].

Segundo a Resolução do Conselho de Direitos Humanos de ONU, em junho 2011, todos os seres humanos nascem livres e iguais no que diz respeito a sua dignidade e seus direitos e que cada um pode se beneficiar do conjunto de direitos e liberdades, sem nenhuma distinção de qualquer espécie[11].

No entanto, a discriminação fundamentada na orientação sexual configura desrespeito à dignidade da pessoa humana, violentando o maior princípio da nossa Carta Magna.

2.2.2 Igualdade

O princípio da igualdade, também conhecido como princípio da isonomia, está consagrado no capítulo atinente aos direitos e garantias fundamentais, no art. 5º da Constituição Federal[12], onde visa garantir a igualdade de todas as pessoas perante a lei.

Além do art. 5º, tanto o art. 3º em seu inciso IV[13] como o art. 7º em seu inciso XXX[14], ambos da Constituição Federal brasileira, vedam expressamente qualquer desigualdade em razão do sexo.

Nas lições de Chimenti, o princípio da igualdade ou isonomia:

Deve ser considerado sob duplo aspecto: o da igualdade na lei e o da igualdade perante a lei. Igualdade na lei constitui exigência destinada ao legislador, que, na elaboração da lei, não poderá fazer nenhuma discriminação. Aliás, a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais (art. 5º, XLI). A igualdade perante a lei pressupõe que esta já esteja elaborada e se traduz na exigência de que os Poderes Executivo e Judiciário, na aplicação da lei, não façam qualquer discriminação [...][15]

Segundo Rios[16], o princípio da igualdade no direito brasileiro envolve as dimensões formal e material, além de adotar critérios proibitivos de diferenciação. “O rol destes critérios proibitivos de diferenciação tem sua sede principal no art. 3º, IV, da Constituição da República, [...]”. A Carta Magna não dispõe expressamente da vedação a discriminação por orientação sexual. “Desse modo, a ausência de expressa previsão do critério orientação sexual não é obstáculo para seu reconhecimento, não bastasse a explícita abertura constitucional para hipóteses não arroladas explicitamente no texto normativo.” Pode-se, finalmente, subentender que a vedação se encontra, in fine, do art. 3º, IV, sob o pretexto “quaisquer outras formas de discriminação”.

2.2.3 Melhor interesse da criança e do adolescente

O melhor interesse da criança e do adolescente foi considerado como um princípio fundamental a partir da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil através do Decreto nº 99.710/90, que dispõe:

Artigo 3

1. Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança[17]. [Grifo nosso].

A Constituição Federal introduz vários dispositivos voltados ao tratamento da criança e do adolescente e em concordância com a ratificação dada à Convenção dos Direitos da Criança de 1989 e através da Emenda Constitucional nº 65/2010, amplia os direitos da criança e do adolescente, dando nova escrita ao art. 227, da Magna Carta, que dispõe:

Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)[18]

Vale ressaltar que com a Convenção dos Direitos da Criança, nasceu em julho de 1990, pela Lei nº 8.069, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que vem dando maior importância à proteção integral da criança, ampliando o rol dos direitos infanto-juvenis e alterando a proteção e a justiça para os menores de dezoito anos.

O melhor interesse da criança é o que tem prevalecido nas decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Exemplo disso é o Acórdão da Quarta Turma, do STJ, tendo como Relator o Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27 de abril de 2010, que permitiu a adoção de crianças por um casal homossexual:

DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. ADOÇÃO DE MENORES POR CASAL HOMOSSEXUAL. SITUAÇÃO JÁ CONSOLIDADA. ESTABILIDADE DA FAMÍLIA. PRESENÇA DE FORTES VÍNCULOS AFETIVOS ENTRE OS MENORES E A REQUERENTE. IMPRESCINDIBILIDADE DA PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DOS MENORES. RELATÓRIO DA ASSISTENTE SOCIAL FAVORÁVEL AO PEDIDO. REAIS VANTAGENS PARA OS ADOTANDOS. ARTIGOS 1º DA LEI 12.010/09 E 43 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. DEFERIMENTO DA MEDIDA.

1. A questão diz respeito à possibilidade de adoção de crianças por parte de requerente que vive em união homoafetiva com companheira que antes já adotara os mesmos filhos, circunstância a particularizar o caso em julgamento.

[...]

3. O artigo 1º da Lei 12.010/09 prevê a "garantia do direito à convivência familiar a todas e crianças e adolescentes". Por sua vez, o artigo 43 do ECA estabelece que "a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos".

4. Mister observar a imprescindibilidade da prevalência dos interesses dos menores sobre quaisquer outros, até porque está em jogo o próprio direito de filiação, do qual decorrem as mais diversas consequencias que refletem por toda a vida de qualquer indivíduo.

5. A matéria relativa à possibilidade de adoção de menores por casais homossexuais vincula-se obrigatoriamente à necessidade de verificar qual é a melhor solução a ser dada para a proteção dos direitos das crianças, pois são questões indissociáveis entre si.

[...]

7. Existência de consistente relatório social elaborado por assistente social favorável ao pedido da requerente, ante a constatação da estabilidade da família. Acórdão que se posiciona a favor do pedido, bem como parecer do Ministério Público Federal pelo acolhimento da tese autoral.

8. É incontroverso que existem fortes vínculos afetivos entre a recorrida e os menores – sendo a afetividade o aspecto preponderante a ser sopesado numa situação como a que ora se coloca em julgamento.

9. Se os estudos científicos não sinalizam qualquer prejuízo de qualquer natureza para as crianças, se elas vêm sendo criadas com amor e se cabe ao Estado, ao mesmo tempo, assegurar seus direitos, o deferimento da adoção é medida que se impõe.

10. O Judiciário não pode fechar os olhos para a realidade fenomênica. Vale dizer, no plano da “realidade”, são ambas, a requerente e sua companheira, responsáveis pela criação e educação dos dois infantes, de modo que a elas, solidariamente, compete a responsabilidade.

11. Não se pode olvidar que se trata de situação fática consolidada, pois as crianças já chamam as duas mulheres de mães e são cuidadas por ambas como filhos. Existe dupla maternidade desde o nascimento das crianças, e não houve qualquer prejuízo em suas criações.

12. Com o deferimento da adoção, fica preservado o direito de convívio dos filhos com a requerente no caso de separação ou falecimento de sua companheira. Asseguram-se os direitos relativos a alimentos e sucessão, viabilizando-se, ainda, a inclusão dos adotandos em convênios de saúde da requerente e no ensino básico e superior, por ela ser professora universitária.

13. A adoção, antes de mais nada, representa um ato de amor, desprendimento. Quando efetivada com o objetivo de atender aos interesses do menor, é um gesto de humanidade. Hipótese em que ainda se foi além, pretendendo-se a adoção de dois menores, irmãos biológicos, quando, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, que criou, em 29 de abril de 2008, o Cadastro Nacional de Adoção, 86% das pessoas que desejavam adotar limitavam sua intenção a apenas uma criança.

14. Por qualquer ângulo que se analise a questão, seja em relação à situação fática consolidada, seja no tocante à expressa previsão legal de primazia à proteção integral das crianças, chega-se à conclusão de que, no caso dos autos, há mais do que reais vantagens para os adotandos, conforme preceitua o artigo 43 do ECA. Na verdade, ocorrerá verdadeiro prejuízo aos menores caso não deferida a medida.

15. Recurso especial improvido[19]. [Grifo nosso]

Seguindo o voto do relator, a Turma reafirmou um entendimento já consolidado pelo STJ: nos casos de adoção, deve prevalecer sempre o melhor interesse da criança. “Esse julgamento é muito importante para dar dignidade ao ser humano, para o casal e para as crianças”, afirmou.


3 A INSTITUIÇÃO FAMÍLIA

 A família é a base da sociedade e tem proteção especial do Estado[20], é o que determina a nossa Magna Carta.

Podemos expor duas teorias básicas: a patriarcal e a matriarcal. A primeira é fundamentada no conceito de que “o pai é o chefe natural da família monogâmica ou poligâmica”[21]. Já a segunda passou a ser conhecida com a descoberta de outras civilizações, onde “a mulher, senhora soberana da casa, exercia ação nos negócios públicos”[22].

O Direito, sendo uma ciência dinâmica, deve seguir as mudanças que ocorrem na sociedade. Com o passar dos tempos foram surgindo diversos acontecimentos que abalaram a sociedade e geraram inúmeras transformações, e com elas surgiram os novos modelos de família. As famílias que antigamente eram formadas pelo casamento, passam a ser compostas por divorciadas (os), pais e mães solteiros e seus filhos, casais do mesmo sexo, entre outras.

Segundo Jenczak[23]:

A típica família brasileira – patriarcal, matrimonializada e hierarquizada – não escapou ao impacto da modernidade. Sua estrutura foi afetada e modificada por fenômenos que vão da urbanização e da industrialização, passando pelas revoluções tecnológicas, o movimento feminista, os anticoncepcionais e a diminuição da interferência da Igreja, até a instituição do divórcio no Brasil, em 1977. Tudo isso gerou novas espécies de família.

Nas palavras de Ana Carolina Teixeira[24]:

A mudança mais recente e que mais influenciou o modus vivendi atual foi a sua passagem de uma instituição econômica e patriarcal para um núcleo afetivo, voltado para a promoção da personalidade e da dignidade de seus membros. A família passou a existir em função de seus componentes, e não o contrário.

A família atual é uma família que existe em prol da pessoa humana e não em prol de um modelo fixo de família desejado pelo Estado ou pelo moralismo social.

3.1 ENTENDIMENTO TRADICIONAL DE FAMÍLIA: MATRIMONIAL

Da união entre um homem e uma mulher nasceu a concepção de família para a sociedade, sendo que o casamento foi um meio para institucionalizar tal entidade. Seguindo a afirmação acima, para Regis de Oliveira[25], “o matrimônio é o meio mais comum e mais aceito pela sociedade do mundo todo para se constituir uma família”.

Farias[26] aduz que a família era entendida como uma unidade de produção, onde eram realçados os vínculos patrimoniais. Seus membros uniam-se em família com o objetivo de formar patrimônio, para posteriormente transmitir aos herdeiros, independendo de laços afetivos.

Com a revolução industrial necessitou-se de mão de obra, assim a mulher entrou no mercado de trabalho e também passou a ser fonte de subsistência da família. A família mudou-se do campo para a cidade e deixou de ser vista somente como reprodutiva.

O casamento, até a entrada da Constituição atual, era a única forma de concepção da família.

3.2 FAMÍLIA HOMOAFETIVA: UMA NOVA CONCEPÇÃO DE FAMÍLIA

A união entre pessoas do mesmo sexo, com intuito de constituir família, antes tão mistificada, hoje é comum, ganhando cada vez mais espaço e força social.

Martins[27], em seu artigo Pais fora do comum, vem nos falando o que é uma família hoje:

O que é uma família hoje? Formas de relacionamento novas resultam em arranjos inéditos, o que significa que a partir de agora o afeto vale muito mais do que laços burocráticos. A possibilidade de escolher as pessoas com quem se quer viver – a chamada “nova família” – abre um leque variado de combinações possíveis em que o amor parece ser a chave do relacionamento.

Para Boscaro[28]:

A entidade familiar não mais se constitui para a proteção do próprio grupo que representa, ou do instituto do casamento e, sim, para procurar defender os interesses individuais de cada um dos seus membros, unidos por opção pessoal e não mais por imposição social e na busca de um ideal comum de felicidade e de realização própria, ao lado de pessoas que lhes são caras.

Essa nova concepção de família é um fato que necessita ser observada e amparada pelo Direito. Hoje não se nega a existência de tais uniões, o que ainda discute-se é a formação de entidade familiar, seus contornos e efeitos no mundo jurídico.

O Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), em 2007, elaborou o Estatuto das Famílias – Projeto de Lei nº 2.285, que inseriu a união homoafetiva no âmbito de proteção legal, reconhecendo-a como entidade familiar merecedora da tutela jurídica, equiparada à união estável.

No dia 05 de maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou conjuntamente a ADI nº 4.277/DF e a ADPF nº 132/RJ, reconhecendo, por unanimidade, a união civil entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, devendo o Estado dispensar às uniões homoafetivas o mesmo tratamento atribuído às uniões estáveis heterossexuais. Segue ementa do julgamento:

Ementa: 1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO. [...]

2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. [...]

3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA. [...]

4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO. IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE “ENTIDADE FAMILIAR” E “FAMÍLIA”. [...]

5. DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO. [...]

 6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA “INTERPRETAÇÃO CONFORME”). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES[29].

O Relator Ministro Ayres Britto, em seu voto, disse que o artigo 1723 do Código Civil deve ser interpretado conforme a Constituição, para dele excluir “qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como ‘entidade familiar’, entendida esta como sinônimo perfeito de ‘família’”.

A partir deste julgamento, os casais formados por pessoas do mesmo sexo passaram a ter reconhecido o direito de receber pensão alimentícia, ter acesso à herança de seu companheiro em caso de morte, poderão adotar filhos e registrá-los em seus nomes, dentre outros direitos, já que aos mesmos ficaram assegurados os direitos e deveres da união estável heterossexual.

Logo após a decisão histórica do STF que reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, no dia 27 de junho de 2011 houve a primeira sentença no Brasil que converteu a união estável homoafetiva em casamento, o responsável por tal sentença foi o juiz Fernando Henrique Pinto, de São Paulo.

No dia 25 de outubro de 2011, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso especial nº 1183378/RS no qual duas mulheres pediam para serem habilitadas ao casamento civil, conforme decisão a seguir:

DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO (HOMOAFETIVO). INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO EXPRESSA A QUE SE HABILITEM PARA O CASAMENTO PESSOAS DO MESMO SEXO. VEDAÇÃO IMPLÍCITA CONSTITUCIONALMENTE INACEITÁVEL. ORIENTAÇÃO PRINCIPIOLÓGICA CONFERIDA PELO STF NO JULGAMENTO DA ADPF N. 132/RJ E DA ADI N. 4.277/DF.

[...]

2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto da ADPF n. 132/RJ e da ADI n. 4.277/DF, conferiu ao art. 1.723 do Código Civil de 2002 interpretação conforme à Constituição para dele excluir todo significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de família.

3. Inaugura-se com a Constituição Federal de 1988 uma nova fase do direito de família e, consequentemente, do casamento, baseada na adoção de um explícito poliformismo familiar em que arranjos multifacetados são igualmente aptos a constituir esse núcleo doméstico chamado "família", recebendo todos eles a "especial proteção do Estado". [...]

4. O pluralismo familiar engendrado pela Constituição - explicitamente reconhecido em precedentes tanto desta Corte quanto do STF - impede se pretenda afirmar que as famílias formadas por pares homoafetivos sejam menos dignas de proteção do Estado, se comparadas com aquelas apoiadas na tradição e formadas por casais heteroafetivos.

5. O que importa agora, sob a égide da Carta de 1988, é que essas famílias multiformes recebam efetivamente a "especial proteção do Estado", e é tão somente em razão desse desígnio de especial proteção que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento, ciente o constituinte que, pelo casamento, o Estado melhor protege esse núcleo doméstico chamado família.

6. Com efeito, se é verdade que o casamento civil é a forma pela qual o Estado melhor protege a família, e sendo múltiplos os "arranjos" familiares reconhecidos pela Carta Magna, não há de ser negada essa via a nenhuma família que por ela optar, independentemente de orientação sexual dos partícipes, uma vez que as famílias constituídas por pares homoafetivos possuem os mesmos núcleos axiológicos daquelas constituídas por casais heteroafetivos, quais sejam, a dignidade das pessoas de seus membros e o afeto.

[...]

8. Os arts. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565, todos do Código Civil de 2002, não vedam expressamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e não há como se enxergar uma vedação implícita ao casamento homoafetivo sem afronta a caros princípios constitucionais, como o da igualdade, o da não discriminação, o da dignidade da pessoa humana e os do pluralismo e livre planejamento familiar.

[...]

11. Recurso especial provido[30]. [Grifo nosso]

Em seu voto, o Relator Ministro Luis Felipe Salomão, afirmou que “o mesmo raciocínio utilizado, tanto pelo STJ quanto pelo STF, para conceder aos pares homoafetivos os direitos decorrentes da união estável, deve ser utilizado para lhes franquear a via do casamento civil, mesmo porque é a própria Constituição Federal que determina a facilitação da conversão da união estável em casamento (art. 226, § 3º)”.

O Ministro Raul Araujo votou para o não conhecimento do recurso, divergindo do Relator. Segundo o mesmo, o caso seria de comprtência do STF, por envolver interpretação da Constituição Federal, continua ainda, afirmando que o reconhecimento à união homoafetiva dos mesmos efeitos jurídicos da união estável entre homem e mulher, da forma como já decidido pelo STF, não alcança o instituto do casamento.

O ministro Marco Buzzi, acompanhando o voto do Relator, destacou que a união homoafetiva é reconhecida como família. Se o fundamento de existência das normas de família consiste em gerar proteção jurídica ao núcleo familiar, e se o casamento é o principal instrumento para essa opção, seria despropositado concluir que esse elemento não pode alcançar os casais homoafetivos.

No dia 05 de maio deste ano, a decisão do STF que reconheceu a união estável para casais homossexuais completou 1 (um) ano, e para comemorar essa data, em 10 de maio foi publicado pela Assessoria de Comunicação do IBDFAM[31] que, Maria Berenice Dias, vice-presidente nacional do Instituto e presidente da Comissão de Diversidade Sexual do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), deu inicio a campanha para apresentar o projeto do Estatuto da Diversidade Sexual por iniciativa popular, buscando 1,4 milhão de assinaturas, ou  a participação de 1% do eleitorado nacional.

Segundo a matéria, “o Estatuto tem como objetivo assegurar todos os direitos à população LGBT – lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, além de criminalizar a homofobia e a adoção de políticas públicas para coibir a discriminação”. Dentre os direitos que deverão ser assegurados, podemos observar o art. 15 do Anteprojeto do Estatuto da Diversidade Sexual:

Art. 15 - A união homoafetiva faz jus a todos os direitos assegurados à união heteroafetiva no âmbito do Direito das Famílias e das Sucessões, entre eles:

I – direito ao casamento;

II – direito à constituição de união estável e sua conversão em casamento;

III – direito à escolha do regime de bens;

IV – direito ao divórcio;

V – direito à filiação, à adoção e ao uso das práticas de reprodução assistida;

VI – direito à proteção contra a violência doméstica ou familiar;

VII – direito à herança, ao direito real de habitação e ao direito à concorrência sucessória[32]. [Grifo nosso]

Ainda na notícia publicada pela Assessoria do IBDFAM, é enfatizado pela presidente da Comissão de Diversidade Sexual da OAB, seção Rio de Janeiro, Raquel Costa, a necessidade de haver uma legislação específica para garantir tais direitos aos homossexuais.

De acordo com informação divulgada no site do STF, em 05 de maio deste ano, a decisão que levou ao reconhecimento da união estável para casais do mesmo sexo é a 2ª (segunda) mais acessada na história da corte[33].


4 ADOÇÃO POR CASAIS HOMOSSEXUAIS

Quando se é capaz de lutar por animais, também se é capaz de lutar por crianças ou idosos. Não há bons ou maus combates, existe somente o horror ao sofrimento aplicado aos mais fracos, que não podem se defender.

Brigitte Bardot

O tema “Adoção” é um dos mais polêmicos e contraditórios que norteiam as famílias formadas por homossexuais, principalmente por dois motivos: o reconhecimento perante a sociedade e o Estado da existência de um núcleo familiar homoafetivo e, em segundo plano, a consequência gerada aos adotados por estas famílias.

O que não se pode ignorar é o direito dos homossexuais à adoção e as benesses trazidas à sociedade, em decorrência a formação de um novo lar aos adotados.

A Dinamarca, em 1999, foi o primeiro país do mundo a reconhecer o direito dos homossexuais à adoção. Na América do Sul, o primeiro país a permitir tal adoção foi o Uruguai, em 2009, seguido pela Argentina e pela Cidade do México, ambos em 2010[34].

4.1 CONCEITO DO INSTITUTO DA ADOÇÃO

Acquaviva[35] discorre sobre a origem da palavra Adoção, enfatizando que vem do latim Ad optare, que quer dizer, optar, escolher.

O instituto da adoção foi conceituado por diversos civilistas. Para Venosa adoção é a modalidade artificial de filiação que busca imitar a filiação natural[36]. Diniz conceituou com sendo o ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha[37].

Sob a ótica do estatuto, adoção é na doutrina de Bandeira:

[...] o vínculo jurídico que liga, via de regra, um menor de 18 anos a uma família substituta. Esse vínculo tem caráter irrevogável e atribui ao adotado os mesmos direito do filho natural, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com os pais biológicos e parentes naturais, ressalvando-se os impedimento matrimoniais[38].

Das lições acima mencionadas, verifica-se que a adoção é o ato de adotar legalmente uma criança ou adolescente como se seu filho fosse, inserido o mesmo no seio familiar com todos os direitos e garantias do filho consanguíneo.

Atualmente o instituto da adoção é regulamentado pela Lei nº 8.069/90 (ECA) com as devidas alterações decorrentes da nova lei de adoção, Lei nº 12.010/09, sancionada pelo Presidente da República em 29 de julho de 2009.

4.2 REQUISITOS PARA ADOÇÃO FRENTE AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI Nº 12.010/09 NO ECA

A adoção, como já exposto, é regulamentada pelo Estatuto da Criança e Adolescente, Lei nº 8.069/90, devidamente atualizada pela nova lei de adoção.

O adotando, como previsto no art. 40 do ECA, deve apresentar no momento da adoção idade inferior a 18 (dezoito) anos, salvo se já estiver sob a guarda ou tutela dos adotantes.

O ECA, em seu art. 42, já com a nova redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009, dispõe que “Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil”, com exceção dos ascendentes e os irmãos do adotando, sendo este o primeiro requisito para a adoção.

O parágrafo segundo do artigo acima, prevê que para a adoção conjunta, os adotantes devem ser casados civilmente ou manter união estável, comprovada a estabilidade da família. Seguindo o parágrafo ora exposto, vem outro requisito, qual seja que o adotante deve ser, pelo menos, 16 (dezesseis) anos mais velho que o adotando.

Vale ressaltar que a adoção conjunta, frente a redação atual, pode ainda ser realizada por divorciados, judicialmente separados e ex-companheiros, desde que: a) concordem sobre a guarda e as visitas; b) o estágio de convivência com o adotando tenha iniciado na constância de convivência dos adotantes; c) seja comprovada o vínculo de afetividade e afinidade com o que não seja detentor da guarda.

Poderá ainda ser deferida a guarda compartilhada, no caso acima, desde que haja benefício para o adotando, conforme o art. 1.583 do Código Civil.

Conforme o parágrafo sexto, ainda do art. 42 do ECA, quando o adotante manifestar inequívoca vontade de adotar e vier a falecer durante o processo, antes de prolatada a sentença, poderá a adoção ser deferida.

O “caput” do art. 45, do ECA, afirma que “a adoção depende do consentimento dos pais ou do representante legal do adotando”, valendo destacar o parágrafo segundo do referido artigo, onde se o adotando for maior de 12 (doze) anos de idade, será necessário também o consentimento do adolescente.

Depois de preenchidos todos os requisitos legalmente exigidos para a adoção, os adotantes devem ainda preencher um cadastro fornecendo as informações necessárias e aguardar em uma fila de espera até que chegue o momento da adoção.

4.3 POSSIBILIDADE JURÍDICA DA ADOÇÃO POR CASAIS HOMOSSEXUAIS

A adoção de crianças e adolescentes por casais homossexuais, ainda muito discutido e polêmico no ordenamento jurídico brasileiro, tem seu fundamento nos princípios já expostos no presente artigo, sendo eles: a dignidade da pessoa humana, a igualdade e principalmente, o melhor interesse da criança e do adolescente.

Atualmente no Brasil há vários projetos de lei no que diz respeito à adoção por homossexuais, sendo que uns visam vedar tal adoção, dentre os quais podemos destacar o projeto de lei nº 3.323/2008[39], do deputado Walter Brito Neto (PRB/PB) e o projeto de lei nº 4.508/2008[40], do deputado Olavo Calheiros (PMDB/AL).

O primeiro, do deputado Walter Brito Neto, propõe acrescentar a proibição ao art. 39 do ECA, em seu parágrafo 2º, que ficaria com a seguinte redação:

Art. 39 [...]

§ 2º é vedada a adoção por casal do mesmo sexo. [Grifo nosso]

O deputado justifica o projeto, afirmando que devem ser observados os dogmas religiosos, tendo em vista que o Estado é laico, porém não é ateu. Afirma ainda que, a população brasileira Cristã é constituída pro mais de 90% da população, no entanto temos que garantir e respeitar o direito da maioria.

O segundo projeto, do deputado Olavo Calheiros, propõe a alteração do parágrafo único do art. 1.618 do Código Civil, que vigoraria com a seguinte redação:

Art. 1.618 [...]

Parágrafo único. A adoção poderá ser formalizada, apenas por casal que tenha completado dezoito anos de idade, comprovada o casamento oficial e a estabilidade da família, sendo vedada a adoção por homossexuais. [Grifo nosso]

Em sua justificativa, o dep. Olavo Calheiros fala do objetivo da lei, qual seja o de “resguardar a criança adotada, que não poderá ser exposta a situação que possa interferir na sua formação”, continua sua justificativa afirmando que “a adoção por casais homossexuais pode expor a criança a sérios constrangimentos”.

Analisando esses projetos de lei, pode-se notar um forte preconceito que não vem acompanhando as mudanças ocorridas na sociedade, vale notar ainda que ferem os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade.

Ao contrario dos projetos de lei anteriores, em 30 de agosto de 2011, foi apresentado pela Deputada Janete Pietá (PT-SP) o Projeto de Lei nº 2.153, cujo visa alterar o § 2º do art. 42 do ECA, permitindo expressamente a adoção de crianças e adolescentes por casais homoafetivos.

Segundo o Projeto ora citado, passará a vigorar a seguinte redação[41]:

Art. 42 [...]

§ 2º Para adoção conjunta é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente, ou mantenham união estável ou homoafetiva, comprovada a estabilidade familiar. [Grifo nosso]

Na justificação do referido projeto a Deputada Janete Pietá fala nas mudanças sofridas pela sociedade com o surgimento dos novos núcleos familiares, dentre eles a família homoparental. Afirma que os pares homoafetivos recorrem à adoção por serem estes impossibilitados biologicamente de geraram filhos entre si.

Conclui a justificativa expondo que “filhos, gerados ou adotados de forma responsável, como fruto do afeto, merecem a proteção legal, mesmo quando vivam no seio de uma família homoafetiva”.

Como pode ser observado, não faltam projetos, mas sim vontade política e coragem para aprová-los, visto que ocorre um verdadeiro engavetamento de tais projetos.

Dentre os doutrinadores que entendem ser possível a adoção por homossexuais, Vera Sapko leciona que:

Não há como se negar o direito de paternidade ou de maternidade a homossexuais apenas com fundamento em sua orientação sexual, o que significaria fazer tabula rasa dos dispositivos constitucionais, negando-lhes um direito assegurado a todo o ser humano. Igualmente, reconhecer o direito de gays e lésbicas serem pais e mães não viola o princípio da proteção integral à criança, sendo mera especulação pressupor que a orientação sexual dos pais possa causar riscos a sua formação[42].

A Desembargadora Maria Berenice Dias, em seu artigo Adoção por homossexuais, esclarece que:

No Brasil, vem crescendo o número de homossexuais que se candidatam à adoção. Ainda que de forma tímida, vem sendo concedida a adoção a um homossexual, não havendo mais necessidade de que oculte sua orientação sexual para a habilitação. O curioso é que sequer são questionados os pretendentes sobre se vivem um relacionamento homoafetivo. Assim, é deferida a adoção sem atentar em que a criança irá viver em um lar formado por duas pessoas e que será criada e amada por ambas[43].

Em janeiro de 2007, a Revista Crescer publicou depoimentos de pais e mães homossexuais que conseguiram adotar, dentre eles temos o casal Vasco Pedro da Gama Filho, 35 anos, e Dorival Pereira de Carvalho Júnior, 43 anos, de Catanduva/SP, que adotaram Theodora, 5 anos. Vejamos trecho do depoimento:

Nossa "gestação" começou no dia 3 de junho de 2005, quando a Justiça de Catanduva, cidade no interior de São Paulo, nos autorizou a entrar na fila da adoção. Após 13 anos de união, decidimos que era hora de ampliar a família. Como todo relacionamento, o nosso também teve fases. Namoramos, casamos e sentimos a necessidade de dar continuidade à nossa relação. Só uma criança teria essa capacidade. Fomos então pedir permissão à Justiça. A rápida decisão favorável surpreendeu. [...] Nosso vínculo afetivo foi imediato. Temos agora a guarda definitiva. Na certidão, consta o nome dos dois pais. Mas, durante mais de um ano, tínhamos de falar com a juíza periodicamente. A Theodora sempre me perguntava se ia continuar conosco. Eu dizia que sim. Na última vez, perguntei se ela queria mandar um recado para a juíza. Ela disse: ‘Fala para ela obrigada, porque eu estou muito feliz’[44]. [Grifo nosso]

Em outra publicação, ainda da Revista Crescer, a psicóloga Mariana Chalfon fala de um estudo norte-americano que mostra que o fato da criança viver em seio de família homossexual não afeta em nada seu desenvolvimento, conforme redação a seguir:

Para as crianças adotadas isso é o de menos. Um estudo norte-americano acompanhou 106 crianças adotadas em idade pré-escolar e comprovou que todas mostraram um desenvolvimento cognitivo adequado, não importando se os pais eram heterossexuais, gays ou lésbicas. Ou seja, o que importa mesmo é a disponibilidade para receber as crianças, a troca afetiva e a garantia de que elas terão suas necessidades básicas garantidas, como educação, alimentação e higiene. É mais um bom argumento e incentivo para os casais homossexuais que desejam adotar[45]. [Grifo nosso]

Nos requisitos para a adoção, não há vedação quanto a orientação sexual dos adotantes. No entanto, é válido falar que todos têm direito a adotar, bastando que demonstre que é capaz de criar e educar uma criança, que é pessoa bem resolvida, de boa índole, madura e responsável[46]. Assim, abre-se a possibilidade jurídica da adoção por casais homoafetivos.


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade proíbem distinções na aplicação da lei fundadas na orientação sexual do indivíduo, impedindo a restrição de direitos com base na homossexualidade, haja vista que o direito a esta opção é assegurado constitucionalmente.

Quanto ao esboço realizado sobre a instituição família, conclui-se que o conceito de família esta sofrendo várias alterações, haja vista as mudanças ocorridas em nossa sociedade, criando-se um novo conceito do que venha a ser entidade familiar. Deste modo, apresentam-se novas formas de entidades familiares, onde o afeto vem como elo fundamental entre os membros das famílias atuais, incluindo-se as famílias formadas por casais homossexuais.

No que diz respeito ao instituto da adoção, concluímos da análise da lei que o disciplina – o Estatuto da Criança e do Adolescente – que, para o seu deferimento, necessário se faz o preenchimento de todos os requisitos legais e a demonstração de que o adotando obtenha reais vantagens com ela.

Chega-se a conclusão de que não há impedimento legal para que casal homossexual venha a adotar uma criança ou um adolescente, desde que preencham os requisitos pautados pelo ECA e que propiciem ao adotando um ambiente saudável, em que este receba todo suporte necessário ao seu desenvolvimento, não sendo a orientação sexual dos adotantes motivo forte para o não deferimento da adoção. Lembrando-se que crianças criadas por casais homossexuais possuem desenvolvimento tão sadio quanto aquelas criadas por heterossexuais.


REFERÊNCIAS

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BOSCARO, Márcio Antonio. Direito de filiação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

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BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Organização de Alexandre Gialluca e Nestor Távora. Niterói: Impetus, 2012.

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_________. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Organização de Alexandre Gialluca e Nestor Távora. Niterói: Impetus, 2012.

_________. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 889852/RS. Relator: Min. Luis Felipe Salomão. Julgado em: 27/04/2010. Publicado no DJe de 10/08/2010. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200602091374&dt_publicacao=10/08/2010>. Acesso em: 20 mar. 2012.

_________. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1183378/RS. Relator: Min. Luis Felipe Salomão. Julgado em: 25/10/2011. Publicado no DJe de 01/02/2012. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201000366638&dt_publicacao=01/02/2012>. Acesso em: 15 abr. 2012.

_________. Supremo Tribunal Federal. ADI 4277 E ADPF 132. Rel. Min. Ayres Britto, julgado em: 05/05/2011. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628633. Acesso em: 13 abr. 2012.

CHIMENTI, Ricardo C. et al. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006.

DIAS, Maria Berenice. Adoção por homossexuais. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/uploads/2_-_ado%E7%E3o_por_homossexuais.pdf>. Acesso em: 04 de maio de 2012.

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DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, v. 5.

ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. 9 ed. trad. Abguar Bastos. Rio de Janeiro: Calvino Ltda., 1944.

FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito das Famílias. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

JENCZAK, Dionísio. Aspectos das relações homoafetivas à luz dos princípios constitucionais. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008.

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MARTINS, Fernandinho. Pais fora do comum. In: Mix Brasil. Disponível http://www2.uol.com.br/mixbrasil/cultura/especial/pai/pai.shl. Acesso em 29 de abril de 2012.

OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Homossexualidade: uma visão mitológica, religiosa, filosófica e jurídica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

RIOS, Roger Raupp. O princípio da igualdade e a discriminação por orientação sexual: a homossexualidade no direito brasileiro e no norte-americano. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

SAPKO, Vera Lúcia da Silva. Do direito à paternidade e maternidade dos homossexuais: sua viabilização pela adoção e reprodução assistida. Curitiba: Juruá, 2005.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Novas entidades familiares. Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro, XXXX, v. 16, out./dez., 2003.

VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Manual da homoafetividade: da possibilidade jurídica do casamento civil, da união estável e da adoção por casais homoafetivos. São Paulo: Método, 2008.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. 7. ed.. São Paulo: Atlas S.A, 2007.


ANEXO 1 – Projeto de Lei nº 3.323, de 2008 (Do Sr. Walter Brito Neto)

PROJETO DE LEI Nº 3.323, DE 2008

(Do Sr. Walter Brito Neto)

Altera a Lei 8069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, para vedar a adoção por casal do mesmo sexo.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1.º Esta Lei acrescenta parágrafo a Lei 8069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, para vedar a adoção por casais do mesmo sexo.

Art. 2.º Acrescente ao art. 39 da Lei 8069, de 13 de julho de 1990 , Estatuto da Criança e do Adolescente, o parágrafo seguinte:

“Art. 39.................................................................

.............................................................................

§ 1º. É vedada a adoção por procuração.

§ 2º. É vedada a adoção por casal do mesmo sexo.” (AC)

Art. 3.º Esta lei entra em vigor 60 (sessenta) dias após a data de sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

A luta homoafetiva pelo seu espaço na sociedade vem criando debates e surgerindo novos conceitos. A constante transformação do paradigma familiar ainda não conseguiu quebrar os tabus, preconceitos e principalmente entendimentos religiosos e jurídicos que pudessem absorver tal polêmica, no entanto, com objetivo de reforçar o que já está estabelecido no nosso ordenamento jurídico, é que apresento esta proposição.

De acordo com a sociedade e a Constituição Brasileira o modelo de família é constituído por um homem e uma mulher, seja por união estável ou por casamento, a fim de formar uma família. No entanto, os “casais” do mesmo sexo afirmam que para eles o que realmente interessa é o amor de um para com o outro, ao passo de deixar de lado a sistemática da formação familiar.

Neste sentido, dentro do sistema jurídico não existe nenhuma censura, em razão da opção sexual. Por outro lado, existem empecilhos para adoção por parte de casal do mesmo sexo, conforme dispositivos da Constituição Federal e do Código Civil Brasileiro, a saber:

Art. 226 § 3º, da Constituição Federal: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”; e

Art.1.622 do Código Civil: “Ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher.”

Como se observa, a Constituição acrescenta como entidade familiar, além do casamento civil, a união estável entre homem e mulher. De forma objetiva, o Código Civil de 2002 manteve o texto no qual não permite a adoção por aqueles.

Há de se observar também os dogmas religiosos. É sabido que o Estado é laico, no entanto, não se pode falar que ele é ateu. Hoje, mais de 90% da população brasileira é Cristã, ou seja, além de garantir o direito da minoria temos o dever de respeitar o direito da maioria.

Por outro lado, não podemos esquecer a relação psicológica envolvida diretamente ao adotado, pois há uma grande discussão entre psicólogos e psiquiatras sobre o comportamento dessa criança ao ser inserida em uma família de casal do mesmo sexo. Seria possível responder a tais questionamentos:

1.A ausência de referência de ambos os gêneros tornaria confusa a identidade sexual da criança?

2.A criança poderia ser alvo de repúdio, chacotas, discriminação no meio que vier a freqüentar?

3.Diante do tabu da sociedade, muitos “casais” do mesmo sexo não se expõem, dificultando assim a visualização do contexto familiar. Em razão desta situação, a criança absorveria como algo natural chamar os pais do mesmo sexo diferenciando cada um por PAI E MÃE?

Assim, tendo em vista a relevância deste Projeto de Lei para a proteção da família, esperamos contar com o apoio de nossos Pares nesta Casa para a célere aprovação desta proposta.

Sala das Sessões, em 23 de abril de 2008.

Deputado WALTER BRITO NETO

ANEXO 2 – Projeto de Lei nº 4.508, de 2008 (Do Sr. Olavo Calheiros)

PROJETO DE LEI Nº 4.508, DE 2008

(Do Sr. OLAVO CALHEIROS)

Proíbe a adoção por homossexual.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º Esta Lei tem por finalidade vedar a adoção por homossexuais.

Art. 2º. O parágrafo único do art. 1.618 da Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 1.618..........................................................................

Parágrafo único. A adoção poderá ser formalizada, apenas por casal que tenha completado dezoito anos de idade, comprovado o casamento oficial e a estabilidade da família, sendo vedada a adoção por homossexual.” (NR)

Art. 3º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

O objetivo desta lei é resguardar a criança adotada, que não poderá ser exposta a situação que possa interferir na sua formação. Toda criança deve ter direito a um lar constituído de forma regular, de acordo com os padrões da natureza.

A adoção por casais homossexuais pode expor a criança a sérios constrangimentos. Um criança, cujos pais adotivos mantenham um relacionamento homoafetivo, terá grandes dificuldades em explicar aos seus amigos e colegas de escola, por exemplo, porque tem dois pais, sem nenhuma mãe, ou duas mães, sem nenhum pai.

Em épocas festivas, como dia das mães ou dia dos pais, essa criança sofrerá constrangimentos marcantes pela ausência de um pai ou de uma mãe. Até mesmo a compreensão por parte da criança quanto a essa realidade afigurar-se-á difícil e distorcida no que tange à composição do núcleo familiar.

É dever do Estado por a salvo a criança e o adolescente de qualquer situação que possa causar-lhes embaraços, vexames e constrangimentos. A educação e a formação de crianças e adolescentes devem ser processadas em ambiente completamente adequado e favorável a um bom desenvolvimento intelectual, psicológico, moral e espiritual.

Por essa razão, o ordenamento jurídico, adequando-se aos preceitos constitucionais deve resguardar os jovens de qualquer exposição que possa comprometer-lhes a formação e o desenvolvimento.

Desse modo, apresento este Projeto vedando expressamente a adoção por casais que vivam em união homoafetiva, para o qual conto com o apoio dos ilustres Pares.

Sala das Sessões, em 16 de dezembro de 2008.

Deputado OLAVO CALHEIROS

ANEXO 3 – Projeto de Lei nº 2.153, de 2011 (Da Sra. Janete Rocha Pietá)

PROJETO DE LEI Nº 2.153, DE 2011

(Da Sra. Janete Rocha Pietá)

Altera o § 2º do art. 42 da Lei n. 8.069 de 13 de junho de 1990, para permitir a adoção de crianças e adolescentes por casais homoafetivos.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º O § 2º do art. 42 da Lei nº 8.069, de 13 de junho de 1990, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 42. (...)

......................................................................................................

§ 2º Para adoção conjunta é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente, ou mantenham união estável ou homoafetiva, comprovada a estabilidade familiar.

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

Inegáveis são as mudanças sofridas pela sociedade brasileira em meio ao dinamismo do mundo globalizado, onde surgem novos núcleos familiares que merecem a proteção jurídica do Estado. Dentre estes núcleos, temos a família homoparental, formada por pares homoafetivos que, diante da impossibilidade biológica de gerarem filhos entre si, recorrem à adoção como meio de realizar o desejo da maternidade ou da paternidade afetiva, contraindo todos os direitos e deveres do referido instituto em face das crianças e adolescentes que, por motivos diversos, não gozam do amparo e do amor dos pais biológicos.

De outro lado, “temos, no Brasil, cerca de 200 mil crianças institucionalizadas em abrigos e orfanatos. A esmagadora maioria delas permanecerá nesses espaços de mortificação e desamor até completarem 18 anos porque estão fora da faixa de adoção provável. Tudo o que essas crianças esperam e sonham é o direito de terem uma família no interior das quais sejam amadas e respeitadas. Graças ao preconceito e a tudo aquilo que ele oferece de violência e intolerância, entretanto, essas crianças não poderão, em regra, ser adotadas por casais homossexuais. Alguém poderia me dizer por quê? Será possível que a estupidez histórica construída escrupulosamente por séculos de moral lusitana seja forte o suficiente para dizer: - "Sim, é preferível que essas crianças não tenham qualquer família a serem adotadas por casais homossexuais?” Ora, tenham a santa paciência. O que todas as crianças precisam é cuidado, carinho e amor. Aquelas que foram abandonadas foram espancadas, negligenciadas e/ou abusadas sexualmente por suas famílias biológicas. Por óbvio, aqueles que as maltrataram por surras e suplícios que ultrapassam a imaginação dos torturadores; que as deixaram sem terem o que comer ou o que beber, amarradas tantas vezes ao pé da cama; que as obrigaram a manter relações sexuais ou atos libidinosos eram heterossexuais, não é mesmo? Dois neurônios seriam, então, suficientes para concluir que a orientação sexual dos pais não informa nada de relevante quando o assunto é cuidado e amor para com as crianças. Poderíamos acrescentar que aquela circunstância também não agrega nada de relevante, inclusive, quanto à futura orientação sexual das próprias crianças, mas isso já seria outro tema. Por hora, me parece o bastante apontar para o preconceito vigente contra as adoções por casais homossexuais com base numa pergunta: - "que valor moral é esse que se faz cúmplice do abandono e do sofrimento de milhares de crianças[i]?"

Desta forma, devemos pensar muito mais no interesse dos menores do que nos preconceitos da sociedade; isto porque os filhos, gerados ou adotados de forma responsável, como fruto do afeto, merecem a proteção legal, mesmo quando vivam no seio de uma família homoafetiva.

Por este motivo, conto com o apoio dos ilustres pares para a aprovação desta proposição.

Sala das Sessões, em 29 de agosto de 2011.

JANETE ROCHA PIETÁ


Notas

[1] BRASIL. CF, art. 226: A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. Organização de Alexandre Gialluca e Nestor Távora. Niterói: Impetus, 2012.

[2] VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Manual da homoafetividade: da possibilidade jurídica do casamento civil, da união estável e da adoção por casais homoafetivos. São Paulo: Método, 2008. p. 110-111.

[3] LEVÍTICO. In: A Bíblia da garota de fé: tradução de Omar de Souza. São Paulo: Mundo Cristão, 2009.

[4] DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva: o preconceito e a justiça. 5. ed.. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 37.

[5] BRAGA, Francisco Cid Lira. Adoção por casal formado por pessoas do mesmo sexo. Disponível em: <http://palavradaverdade.com/print2.php?codigo=2463>. Acesso em: 08 fev. 2012.

[6] DIAS, Op. Cit, p. 35.

[7] OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Homossexualidade: uma visão mitológica, religiosa, filosófica e jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 45.

[8] DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva: o preconceito e a justiça. 5. ed.. rev. atual. e ampl.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 80.

[9] BRASIL. CF, art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana [...]. Organização de Alexandre Gialluca e Nestor Távora. Niterói: Impetus, 2012.

[10] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

[11] ARAÚJO, Cristine Borges da Costa. Da possibilidade da conversão de união estável homoafetiva em casamento. Disponível em: <http://www.araujoecosta.com/images/artigo-29092011.pdf>. Acesso em: 18 mar. 2012.

[12] BRASIL. CF, art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes [...]. Organização de Alexandre Gialluca e Nestor Távora. Niterói: Impetus, 2012.

[13] BRASIL. CF, art. 3º, IV: promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Organização de Alexandre Gialluca e Nestor Távora. Niterói: Impetus, 2012.

[14] _______. CF, art. 7º, XXX: proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil. Organização de Alexandre Gialluca e Nestor Távora. Niterói: Impetus, 2012.

[15] CHIMENTI, Ricardo C. et al. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 64.

[16] RIOS, Roger Raupp. O princípio da igualdade e a discriminação por orientação sexual: a homossexualidade no direito brasileiro e no norte-americano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 132.

[17] BRASIL. Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990. Promulga a Convenção sobre os Direitos da Criança. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D99710.htm>. Acesso em: 26 mar. 2012.

[18]­­­­­­­______. CF/88, art. 227. Organização de Alexandre Gialluca e Nestor Távora. Niterói: Impetus, 2012.

[19] STJ. REsp 889852/RS, Quarta Turma, Min. Rel. Luis Felipe Salomão, j. 27/04/2010. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200602091374&dt_publicacao=10/08/2010>. Acesso em: 20 mar. 2012.

[20] BRASIL. CF, art. 226. Organização de Alexandre Gialluca e Nestor Távora. Niterói: Impetus, 2012.

[21] ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. 9. ed.. trad. Abguar Bastos. Rio de Janeiro: Calvino Ltda., 1944, p. 263.

[22] Idem, p. 279.

[23] JENCZAK, Dionísio. Aspectos das relações homoafetivas à luz dos princípios constitucionais. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008. p. 76.

[24] TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Novas entidades familiares. Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro, XXXX, v. 16, out./dez., 2003, p. 4.

[25] OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Homossexualidade: uma visão mitológica, religiosa, filosófica e jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 163.

[26] FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito das Famílias. 2. ed.. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 4.

[27] MARTINS, Fernandinho. Pais fora do comum. In: Mix Brasil. Disponível <http://www2.uol.com.br/mixbrasil/cultura/especial/pai/pai.shl>. Acesso em 29 de abr. de 2012.

[28] BOSCARO, Márcio Antonio. Direito de filiação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 78.

[29] STF, ADI 4277 E ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, j. 05.05.2011. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628633. Acesso em: 13 abr. 2012.

[30] STJ. REsp 1183378/RS, Quarta Turma, Min. Rel. Luis Felipe Salomão, j. 25/10/2011. Disponível em:https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201000366638&dt_publicacao=01/02/2012. Acesso em: 15 abr. 2012.

[31]Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?noticias&noticia=4754>. Acesso em: 13/05/2012.

[32]ANTEPROJETO DO ESTATUTO DA DIVERSIDADE Sexual. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/_img/artigos/Estatuto%20da%20Diversidade%20Sexual.pdf>. Acesso em 14/05/2012.

[33]DECISÃO SOBRE CASAIS HOMOAFETIVOS COMPLETA UM ANO E ESTÁ ENTRE AS NOTÍCIAS MAIS ACESSADAS DO SITE DO STF. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=206647&caixaBusca=N>. Acesso em: 14/05/2012.

[34]DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva: o preconceito e a justiça. 5. ed.. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 62-63.

[35]ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário jurídico brasileiro acquaviva. 11. ed.. Ampl., rev. e atual. São Paulo: Jurídica Brasileira, 2000, p. 119.

[36]VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. 7. ed.. São Paulo: Atlas, 2007, p. 253.

[37]DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 25ª ed. vol. 5. São Paulo: Ed Saraiva, 2010, p. 522.

[38]BANDEIRA, Marcos. Adoção na prática forense. 1ºed. Ilhéus: Editus, 2001, p. 33.

[39] ANEXO 1 – Projeto de lei nº 3.323/2008

[40] ANEXO 2 – Projeto de lei nº 4.508/2008

[41] ANEXO 3 – Projeto de Lei nº 2.153/2011

[42] SAPKO, Vera Lúcia da Silva. Do direito à paternidade e maternidade dos homossexuais: sua viabilização pela adoção e reprodução assistida. Curitiba: Juruá, 2005, p. 163.

[43]DIAS, Maria Berenice. Adoção por homossexuais. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/uploads/2_-_ado%E7%E3o_por_homossexuais.pdf>. Acesso em: 04 de maio de 2012.

[44] Disponível em: <http://revistacrescer.globo.com/Revista/Crescer/0,,EMI1396-10521,00.html>. Acesso em: 03 de maio de 2012.

[45]  Disponível em: <http://revistacrescer.globo.com/Revista/Crescer/0,,EMI180844-10521,00.html>. Acesso em: 03 de maio de 2012.

[46]  SAPKO, Vera Lúcia da Silva. Do direito à paternidade e maternidade dos homossexuais: sua viabilização pela adoção e reprodução assistida. Curitiba: Juruá, 2005, p. 117.


[i] http://www.rolim.com.br/cronic162.htm, acesso em 26 de agosto de 2011.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DANTAS, Pamela Rayssa dos Santos. Possibilidade jurídica de adoção por homossexuais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3661, 10 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24926. Acesso em: 16 abr. 2024.