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Os efeitos jurídicos do memorando de entendimento no Brasil

Os efeitos jurídicos do memorando de entendimento no Brasil

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Sob a ótica do direito civil brasileiro, toda fase preliminar de negociações contratuais, na qual, normalmente, se insere o memorando de entendimento, deve ser regida pelos princípios de probidade e boa-fé objetiva. O memorandum of understanding (MoU) abrange documentos intitulados de gentlemen’s agreement, heads of agreement, carta de intenção e letter of understanding, assim como as cartas de confidencialidade e as cartas de exclusividade, em razão da troca de informação, tecnologia e expertise entre as partes.

Resumo: O presente trabalho visa analisar os efeitos jurídicos do memorando de entendimento segundo a lei brasileira. Nesse sentido, demonstraremos que, do ponto de vista prático, independentemente da forma adotada pelas partes e dos efeitos por elas determinados no documento, o memorando de entendimento poderá gerar controvérsias acerca de seus efeitos jurídicos. Para isso, realizaremos a análise do conceito do memorando de entendimento, em seguida, analisaremos as definições das fases pré-contratual e contratual, previstas no Código Civil Brasileiro, abrangendo as obrigações pré-contratuais e o contrato preliminar, respectivamente, a fim de demonstrar que os efeitos jurídicos do memorando de entendimento no Brasil dependerão não somente dos termos adotados no referido documento, mas também de condutas e deveres de boa-fé objetiva e probidade das partes antes e depois de sua celebração.

Sumário: 1. INTRODUÇÃO. 2. O CONCEITO DO MEMORANDO DE ENTENDIMENTO (MOU). 3. A FASE PRÉ-CONTRATUAL E AS OBRIGAÇÕES PRÉ-CONTRATUAIS NO ÂMBITO DO MEMORANDO DE ENTENDIMENTO. 4. A RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL: DA NEGOCIAÇÃO À EXECUÇÃO DO MEMORANDO DE ENTENDIMENTO. 5. A FASE CONTRATUAL, O CONTRATO PRELIMINAR E O MEMORANDO DE ENTENDIMENTO. 6. A RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL PELO DESCUMPRIMENTO DE PREVISÃO ESTABELECIDA NO MEMORANDO DE ENTENDIMENTO. 7.CONCLUSÃO. 8. BIBLIOGRAFIA


1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa identificar o conceito do memorando de entendimento ou memorandum of understanding (MoU) e, a partir do mesmo, os efeitos jurídicos esperados pelas partes quando da celebração do memorando de entendimento, no âmbito do direito internacional.

Do ponto de vista prático, demonstraremos que, o memorando de entendimento, independentemente da forma e dos efeitos determinados pelas partes, poderá gerar controvérsias quanto aos seus efeitos jurídicos, haja vista algumas posições e manifestações adotadas pelas partes.

Nesse sentido, demonstraremos as implicações dessas controvérsias quanto à possível responsabilização e obrigação de reparação de danos.  

Frise-se que, no presente estudo não pretendemos focar na indagação sobre o direito aplicável ao memorando de entendimento. Faremos a análise específica do memorando de entendimento à luz da lei brasileira, tanto na formação, quanto na execução e extinção do referido documento.

Veremos que, sob a ótica do direito civil brasileiro, toda fase preliminar de negociações contratuais, na qual, normalmente, se insere o memorando de entendimento, deve ser regida pelos princípios de probidade e boa-fé objetiva.

Nessa linha de raciocínio, ainda que o documento preliminar, que estabelece apenas condições básicas para um acordo, não crie obrigações entre partes, poderá gerar responsabilização civil e obrigação de reparação de danos, conforme preleciona o Prof. Caio Mário:[1]

Enquanto se mantiverem tais, as conversações preliminares não obrigam. Há uma distinção bastante precisa entre esta fase, que ainda não é contratual, e a seguinte, em que já existe algo preciso e obrigatório. Não obstante faltar-lhe obrigatoriedade, pode surgir responsabilidade civil para os que participam das negociações preliminares, não no campo da culpa contratual, porém da aquiliana.

Em seguida, faremos uma abordagem das obrigações pré-contratuais, que, segundo o Código Civil Brasileiro, são manifestadas na fase pré-contratual, com fundamento nos deveres de conduta provenientes dos princípios da boa-fé objetiva e probidade, positivados no art. 422 do Código Civil Brasileiro.

A fase pré-contratual dura até a formação do contrato, quando há o encontro de – no mínimo – duas declarações de vontade relativamente ao mesmo objeto, através das figuras jurídicas da proposta e da aceitação, ou quando as partes, no mesmo momento, concordam em estabelecer o contrato.

A simples manifestação unilateral de vontade do proponente, porém, efetivada através da proposta, tem relevância jurídica no Direito brasileiro.[2]

A proposta de contrato tem caráter vinculante obrigando em princípio o proponente a contratar[3]. Caso não haja a contratação, o oblato não dispõe, porém, de tutela jurídica específica para que o contrato seja considerado como estabelecido, mas somente de tutela reparatória, de natureza pré-contratual. Outrossim, na hipótese de não ser mais possível o estabelecimento do contrato e o cumprimento do seu objeto, passarão a incidir também as regras que estabelecem a responsabilidade pré-contratual pelo não estabelecimento do contrato, as quais irão conceder ao oblato a tutela reparatória.[4]

Assim, ao longo das negociações e da celebração de um memorando de entendimento, importa a verificação: (i) dos termos escritos constantes da referida negociação e do próprio memorandum of understanding; além (ii) da observância dos deveres provenientes dos princípios-regras de probidade e de boa-fé objetiva, a fim de se definir a natureza jurídica de tal documento: se trata-se de um documento preliminar ou de um contrato. Veremos que, geralmente, no âmbito de um memorando de entendimento, a fase pré-contratual normalmente se perpetua mesmo após a celebração do referido documento, haja vista sua característica de documento preliminar, sem efeito vinculante para as partes. Desse modo, em geral, por não se tratar de um contrato, tanto o descumprimento dos deveres de conduta afetos à boa-fé objetiva no âmbito da negociação e da celebração do memorando de entendimento, bem como o descumprimento de cláusula específica do memorando de entendimento, ensejará responsabilização pré-contratual, como veremos detidamente mais adiante no presente estudo.

Nesse sentido, na seara da responsabilidade civil pré-contratual, analisaremos a possível responsabilização e obrigação de reparação de danos no processo de negociação, celebração e execução do memorando de entendimento.

Ato contínuo, abordaremos a fase contratual e o contrato preliminar de acordo com o Código Civil Brasileiro, bem como a responsabilidade civil contratual e sua aplicação ao memorando de entendimento.

Por fim, concluindo, demonstraremos que, os documentos preliminares, como, in casu, o memorando de entendimento, em geral, não são vinculantes, eis que representam os termos preliminares da negociação e não criam compromissos para os envolvidos, apesar de poderem gerar responsabilização civil pré-contratual. Já os documentos vinculantes geram obrigações entre as partes e já espelham a estrutura preliminar de um contrato futuro, como é o caso do contrato preliminar previsto no Código Civil Brasileiro, cujo descumprimento ensejará responsabilização civil contratual. Seus termos devem ser refletidos no documento definitivo (contrato definitivo) a ser firmado para a formalização de determinado negócio jurídico.

Há casos em que o memorando de entendimento apresenta características de um contrato, na medida em que estipula obrigações para uma ou todas as partes. Essas obrigações poderão atribuir-lhe a natureza de contrato preliminar ou até mesmo definitivo.

Além disso, veremos que os efeitos jurídicos do memorando de entendimento no Brasil, independentemente da forma adotada e dos efeitos determinados pelas partes, dependerá não somente dos termos previstos no referido documento, mas também das condutas das partes envolvidas, levando-se em consideração os deveres de boa-fé objetiva e probidade, na realização da negociação, na formação e na execução do memorando de entendimento.


2. O CONCEITO DO MEMORANDO DE ENTENDIMENTO (MOU)

Em sentido lato, o memorando de entendimento ou memorandum of understanding (MoU)[5] abrange documentos intitulados de gentlemen’s agreement, heads of agreement, carta de intenção e letter of understanding, assim como também abrange documentos como as cartas de confidencialidade e as cartas de exclusividade, em razão da troca de informação, tecnologia e expertise entre as partes.[6]

O memorando de entendimento é documento bastante utilizado no âmbito do direito internacional público, com o fim de traçar diretrizes para um acordo de cooperação entre diferentes países em determinadas áreas de interesse mundial, tais como, o meio ambiente, a agricultura etc., bem como no âmbito do direito internacional privado, quando, p.ex., é celebrado por partes domiciliadas em diferentes países[7], com o fim de traçar diretrizes para um acordo de cooperação em área de interesse comum privativo das referidas partes. De forma geral, trata-se de instrumento de Direito Internacional, não vinculante entre as partes, que tem sido utilizado para atos com menor formalidade, destinados a registrar princípios gerais, diretrizes, que orientarão as relações entre as partes, seja no plano político, econômico, jurídico, cultural ou em outros.

No presente trabalho, iremos focar nos efeitos jurídicos do memorando de entendimento à luz da lei brasileira e no âmbito do direito internacional privado.

Quando se trata de grandes negócios entre empresas, a celebração dos contratos é frequentemente precedida de longas e complexas negociações, que por vezes se desenvolvem durante meses e até mesmo anos, em numerosas sessões, com a participação de diferentes equipes de advogados e técnicos das empresas envolvidas. Normalmente essas negociações seguem diretrizes previamente traçadas pelas partes, que prevêem reuniões prévias, cada uma tendo por objeto a discussão de determinados pontos a serem definidos pelos negociadores. Nesse sentido, vai se formando o entendimento em relação a cada ponto das tratativas, que irão possibilitar a manifestação de vontades das partes de se vincularem a um contrato. Tal manifestação se concretiza pela celebração de um contrato preliminar ou até mesmo definitivo, caso não haja nenhum elemento futuro condicionante da celebração do contrato definitivo.[8]

Assim, é natural que os negociadores tomem a cautela de documentar o entendimento em relação a cada ponto da negociação, seja para simples memória, ou para evitar sejam revisitados pontos já discutidos e assentados, ou para avaliação futura do comportamento das partes, em vista das respectivas responsabilidades, no caso de não ser celebrado o contrato definitivo.[9]

Os documentos normalmente utilizados para a consignação dos pontos sobre os quais se progride na direção do consenso no decorrer das negociações recebem intitulações diversas, assim como são várias as formas que assumem, são eles: o memorando de entendimento ou memorandum of understanding (MoU), o gentlemen’s agreement, o heads of agreement, a carta de intenção, a letter of understanding. Em geral, a intenção das partes ao firmá-los não é a de se vincularem, mas simplesmente registrar fatos, como demonstrado acima.

Em alguns casos, verifica-se a criação de obrigações para as partes, de modo que o documento passa a ser vinculante.

Em outras palavras, esses documentos ora tem por finalidade preponderante: (i) traçar regras básicas de negociação para um acordo; (ii) registrar etapas, pontos importantes ou acordos parciais da negociação; (iii)  retratar a completude da tratativa e subordinação a determinado evento do início da vigência do contrato.

Assim, embora o memorando de entendimento seja um documento que, em geral, não é criado para gerar obrigações, algumas vezes ele acaba gerando obrigações para as partes e torna-se vinculante. Porém, independentemente dele gerar ou não obrigações para as partes não afasta a possibilidade de ensejar responsabilização civil, ou seja, a obrigação de reparação do dano causado a outrem, como veremos adiante. [10]


3. A FASE PRÉ-CONTRATUAL E AS OBRIGAÇÕES PRÉ-CONTRATUAIS PREVISTAS NO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO NO ÂMBITO DO MEMORANDO DE ENTENDIMENTO

Para que o Direito atue como meio instrumentalizador da Justiça, é necessária a preservação de um equilíbrio entre as partes contratantes que subsista em todas as fases da relação contratual e não apenas durante o momento de conclusão do negócio.

Nesse sentido, é de grande relevância a tutela jurídica do período que antecede a conclusão do contrato propriamente dito, a que a doutrina tem se referido como fase pré-contratual.

Segundo o artigo 422, do Código Civil Brasileiro, “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.

Com relação à fase de negociação contratual ou fase pré-contratual, o termo “conclusão do contrato”, tal como constante do artigo 422, merece uma interpretação igualmente extensiva, abrangendo também a fase preliminar à conclusão, ou de “pré-conclusão”. Afinal, a expressão “conclusão” do contrato mostra-se indicativa de um processo que culmina com a contratação. Por isso, o processo de conclusão do contrato, ao longo do qual as partes devem, nos termos do dispositivo em tela, guardar os princípios da probidade e da boa-fé, alcança as tratativas preliminares à efetiva celebração do acordo.[11]

Uma das críticas que Antônio Junqueira de Azevedo[12] faz acerca do modo como o novo Código Civil trata a boa-fé contratual reside, justamente, na falta de previsão expressa quanto à fase de negociação.

Sendo assim, faz-se necessário demonstrar de que modo o princípio da boa-fé, mais propriamente o da boa-fé objetiva, passou a figurar no rol das diretrizes que norteiam as relações contratuais e, in casu, pré-contratuais de acordo com o ordenamento jurídico nacional.

A noção de boa-fé é ambivalente, comportando a boa-fé subjetiva e a boa-fé objetiva. Como princípio aplicável ao direito contratual, o preceito em análise cuida da boa-fé objetiva. A distinção entre a boa-fé objetiva e a boa-fé subjetiva não suscita divergência. A boa-fé subjetiva relaciona-se com o estado de consciência do agente por ocasião de um dado comportamento. Referida em diversos dispositivos legais, como é o caso do art. 1.201 do C.C., consiste nos desconhecimento de um vício, relativamente ao ato jurídico que se pratica ou à posse que se exerce.[13]

Já a boa-fé objetiva consiste em um dever de conduta. Obriga as partes a terem comportamento compatível com os fins econômicos e sociais pretendidos objetivamente pela operação negocial. No âmbito contratual, portanto, o princípio da boa-fé impõe um padrão de conduta a ambos os contratantes no sentido da recíproca cooperação, com consideração aos interesses comuns, em vista de se alcançar o efeito prático que justifica a própria existência do contrato.[14]

É importante destacar que, sob a perspectiva constitucional, a boa-fé objetiva encontra fundamento na dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), na solidariedade social (art. 3º, I, CF), no valor social da livre-iniciativa (art. 1º, IV, CF), bem como na condição de princípio componente da ordem econômica constitucional (art. 170 e ss., CF), da qual a ordem contratual é parte integrante.

Nesse sentido, “a incidência da boa-fé objetiva sobre a disciplina obrigacional determina uma valorização da dignidade da pessoa, em substituição à autonomia do indivíduo, na medida em que se passa a encarar as relações obrigacionais como um espaço de cooperação e solidariedade entre as partes e, sobretudo, de desenvolvimento da personalidade humana”.[15]

Na promoção de uma ética de solidariedade contratual, o princípio da boa-fé opera de diversas formas e em todos os momentos da relação, desde a fase de negociação à fase posterior à sua execução, constituindo-se em fonte de deveres e de limitação de direitos de ambos os contratantes.[16]

Nesse sentido, a autonomia privada, o princípio da obrigatoriedade dos pactos, ou da intangibilidade do conteúdo do contrato (pacta sunt servanda) e a relatividade de seus efeitos devem conciliar-se com o conjunto de novos princípios, atualmente previstos no Código Civil Brasileiro: boa-fé objetiva, equilíbrio econômico entre as prestações e função social do contrato.

Na fase de negociação, a boa-fé atua como fundamento de deveres cuja violação enseja a chamada responsabilidade pré-contratual. Como norma de criação de deveres jurídicos, a boa-fé dá origem aos chamados “deveres laterais”, também conhecidos como acessórios, ou ainda secundários, em razão de não se referirem direta e primordialmente ao objeto central da obrigação.[17]

Antônio Menezes Cordeiro[18] divide tais deveres em deveres de lealdade, deveres de proteção e deveres de esclarecimento ou informação.

Já Judith Martins-Costa[19] traz uma lista de tais deveres, enumerando-os, exemplificando-os e, desta forma, elucidando-os. São eles:

a) os deveres de cuidado, previdência e segurança, como o dever do depositário de não apenas guardar a coisa, mas também de bem acondicionar o objeto deixado em depósito; b) os deveres de aviso e esclarecimento, como o do advogado, de aconselhar o seu cliente acerca das melhores possibilidades de cada via judicial passível de escolha para a satisfação de seu desideratum, o do consultor financeiro de avisar a contraparte sobre os riscos que corre, ou o do médico, de esclarecer ao paciente sobre a relação custo-benefício do tratamento escolhido, ou dos efeitos colaterais do medicamento indicado, ou ainda, na fase pré-contratual, o do sujeito que entra em negociações, de avisar o futuro contratante sobre os fatos que podem ter relevo na formação da declaração negocial; c) os deveres de informação, de exponencial relevância no âmbito das relações jurídicas de consumo, seja por expressa disposição legal (CDC, arts. 12, in fine, 14, 18, 20, 30 e 31, entre outros), seja em atenção ao mandamento da boa-fé objetiva; d) o dever de prestar contas, que incumbe aos gestores e mandatários, em sentido amplo; e) os deveres de colaboração e cooperação, como o de colaborar para o correto adimplemento da prestação principal, ao qual se liga, pela negativa, o de não dificultar o pagamento, por parte do devedor; f) os deveres de proteção e cuidado com a pessoa e o patrimônio da contraparte, como, v.g., o dever do proprietário de uma sala de espetáculos ou de um estabelecimento comercial de planejar arquitetonicamente o prédio, a fim de diminuir os riscos de acidentes; g) os deveres de omissão e de segredo, como o dever de guardar sigilo sobre atos ou fatos dos quais se teve conhecimento em razão do contrato ou de negociações preliminares (...)

Assim, tendo em vista que o memorando de entendimento, em tese, se insere na fase pré-contratual prevista no Código Civil Brasileiro, eis que, normalmente, é documento celebrado durante o processo de negociação entre duas ou mais empresas e se presta a ser um documento preliminar, que não cria obrigações para as partes, como já dito, os efeitos jurídicos dele esperados estão associados ao reforço das acima mencionadas obrigações pré-contratuais, decorrentes do princípio da boa-fé objetiva, resguardando as partes de um eventual rompimento injustificado das tratativas, que ensejará a responsabilidade civil pré-contratual. O registro das tratativas facilita a eventual demonstração de que uma parte estava negociando em contrariedade a esse princípio.

Porém, é importante frisarmos que os efeitos jurídicos do memorando de entendimento são incertos, dependendo da análise de seu conteúdo e do comportamento das partes para sua correta determinação. Isso porque, o memorando de entendimento além de reforçar deveres que já poderiam decorrer do princípio da boa-fé objetiva, tais como, o dever de manter o sigilo das informações trocadas durante as tratativas, pode estabelecer outros tipos de obrigação, determinando, p.ex., que uma das partes antecipe o cumprimento de determinados pontos do acordo. Nesse caso, restará descaracterizada a natureza jurídica do memorandum of understanding como documento preliminar, passando a ter característica contratual, saindo da fase pré-contratual para a fase contratual.


4. A RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL: DA NEGOCIAÇÃO À EXECUÇÃO DO MEMORANDO DE ENTENDIMENTO

Historicamente têm sido reconhecidas duas grandes espécies de responsabilidade civil: a extracontratual, quando entre o causador do dano e a vítima não havia qualquer tipo de relação jurídica de natureza contratual; e a contratual, quando é causado no âmbito de uma preexistente relação de natureza contratual entre as partes.[20]

Nesse contexto é que surge a problemática da responsabilidade civil pré-contratual. Na fase das tratativas não há ainda vínculo jurídico contratual entre as partes, de modo que não há prestação a ser cumprida entre elas. Esse simples fato poderia levar o exame de situações em que uma das partes das negociações causa danos à outra para a esfera da responsabilidade civil extracontratual.[21]

No Brasil, a doutrina majoritária reconhece o caráter extracontratual da responsabilidade pré-contratual. Nesse sentido já tinha se pronunciado Eduardo Espínola[22], no que foi acompanhado por Caio Mário da Silva Pereira[23], Martinho Garcez Neto[24], Sílvio Rodrigues[25], Antonio Junqueira de Azevedo[26], Maria Helena Diniz[27], Clóvis do Couto e Silva[28], Carlos Alberto Bittar[29], Lindbergh Montenegro[30] e José Alexandre Tavares Guerreiro[31].

Contudo, Regis Fichtner Pereira[32], respaldado por uma boa parte da doutrina, defende que a responsabilidade pré-contratual tem natureza específica, sui generis. Isso porque, a investigação das circunstâncias em que o fato danoso ocorre e principalmente dos deveres que são cometidos às partes durante o desenrolar das negociações contratuais, faz com que as regras e os princípios da responsabilidade civil extracontratual não se amoldem aos fatos peculiares às atividades conduzidas na fase pré-contratual. O contato havido entre as partes, em decorrência de estarem negociando com vistas à formação da relação jurídica contratual, não se assemelha ao simples contato social, que é característico das hipóteses de responsabilidade civil extracontratual. O contato que as partes desenvolvem com a finalidade de discutirem as bases de um eventual negócio jurídico a ser constituído é contato qualificado. Embora não haja ainda relação jurídica contratual – afastando a cogitação de responsabilidade civil contratual – entre as partes há, não obstante, deveres jurídicos qualificados, que fazem surgir entre elas uma relação jurídica especial, cuja configuração afasta os preceitos da responsabilidade civil extracontratual.[33]

Em razão dessas considerações, surgiu a necessidade de se criar, ao lado da responsabilidade civil contratual e da responsabilidade civil extracontratual, um sistema próprio de regras de responsabilidade civil para os danos que uma pessoa causa a outra durante o desenvolvimento de negociações tendentes à formação da relação jurídica contratual. Surge, portanto, no âmbito das relações jurídicas existentes durante a fase das negociações contratuais, uma terceira espécie de responsabilidade civil. À terceira espécie ou terceira via de responsabilidade civil tem sido dada a denominação de responsabilidade civil pré-contratual.[34]

Regis Fichtner Pereira[35] entende que a responsabilidade civil pré-contratual tem quatro hipóteses típicas, nas quais pode se configurar: a) quando tenha havido a ruptura injustificada das negociações contratuais; b) quando durante o desenrolar das negociações um dos contraentes venha a causar danos à pessoa ou aos bens do outro contraente; c) quando tenha ocorrido o estabelecimento de contrato nulo ou anulável e um dos contraentes conhecia ou deveria conhecer a existência do vício no negócio jurídico; d) quando, mesmo instaurada a relação jurídica contratual, das negociações preparatórias tenham surgido danos a serem indenizados. Segundo o Autor[36], os requisitos para a configuração da responsabilidade civil pela ruptura das negociações contratuais são: a) a existência de negociações; b) a culpa, entendida como violação do princípio da boa-fé; c) o dano; d) o nexo causal.

Assim, partindo do pressuposto que o MoU é um documento preliminar, entendemos[37] que, uma vez firmado o MoU – no decorrer de uma negociação - acerca de alguns pontos, ou elementos, de um futuro contrato, a negociação somente poderá ser rompida justificadamente, motivadamente, sobretudo se a razão do rompimento estiver vinculada aos pontos nele acordados. A grande questão, porém, reside em se definir o que seja justo motivo para a ruptura do acordado no memorando de entendimento. Trata-se, sem dúvida alguma, de um conceito jurídico indeterminado, cuja presença ou não somente pode ser avaliada no caso concreto. A mera reconsideração de aspectos que já tinham sido definidos no memorando de entendimento, não preenche o requisito de justo motivo para a sua ruptura. Por outro lado, se o contraente passa a considerar que o contrato projetado não atende mais aos seus interesses, em razão de um elemento que tenha surgido supervenientemente, tem ele a faculdade de encerrar as negociações, sem que possa ser responsabilizado por quaisquer prejuízos que venham a ser suportados pela parte contrária.[38] Nesse caso, o risco de perda de tempo e dinheiro, inerente às negociações contratuais, se materializou, sem que se possa imputar à parte contrária qualquer conduta não consentânea com o princípio da boa-fé.

Assim, entendemos que a ruptura do acordado no âmbito de um memorando de entendimento poderá ensejar responsabilidade civil pré-contratual, a qual somente será afastada se houver justo motivo para a ruptura do acordado e desde que não haja culpa da parte que deu causa ao rompimento do memorando de entendimento, pautada no descumprimento dos deveres de boa-fé objetiva.

Em suma, ainda que motivada a ruptura, poderá a parte que causou a ruptura, conforme o estabelecido no MoU, ser obrigada a ressarcir a outra parte pelas despesas em que se viu obrigada a incorrer na condução da negociação. Por outro lado, em caso de ruptura injustificada ou ruptura justificada, porém com culpa da parte que deu causa ao rompimento, em razão do descumprimento dos deveres de boa-fé objetiva, poderá a parte responsável não somente responder pelas despesas que a outra parte se viu obrigada a incorrer na condução da negociação mas também por outros danos que eventualmente tenha sofrido ou que venha a sofrer a parte contrária, como danos à reputação comercial ou industrial e perdas de outras oportunidades (custo-oportunidade).

Cumpre frisar que o escopo de documentos preliminares como o memorando de entendimento é também de impedir ou evitar negociações paralelas, ainda que isso não esteja previsto expressamente em seus termos.

Nesse sentido, partindo para um exemplo prático, se duas ou mais empresas celebram um memorando de entendimento e uma das partes desiste da realização do mesmo em razão de uma negociação paralela melhor, mais lucrativa, com outra empresa, é possível se verificar uma justificativa para tal ruptura, contudo, é necessário também se verificar se houve o cumprimento dos deveres de informação e lealdade, oriundos da boa-fé objetiva, para se confirmar se haverá responsabilidade civil pré-contratual nesse caso. Ou seja, é essencial que a parte que ensejou a ruptura do memorando de entendimento em razão de uma negociação paralela tenha agido em conformidade com os deveres de boa-fé objetiva, nesse caso, respeitando o dever de confidencialidade ínsito ao caso, bem como o dever de informação, informando as outras partes que celebraram com ela o memorando de entendimento sobre a referida negociação e, finalmente, o dever de lealdade, dando-as direito de preferência, ainda que o mesmo não tenha sido previsto no documento celebrado, concedendo-as a oportunidade de negócio – em primeiro lugar - segundo os termos da negociação realizada em paralelo.[39]

Seguindo em outro exemplo prático, quando duas ou mais empresas estrangeiras e brasileiras estipulam – por meio de um memorando de entendimento – que pretendem envidar esforços a fim de realizarem oferta conjunta em licitação para outorga das atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural em determinados blocos localizados no Brasil e que, nesse sentido, caso uma delas tenha interesse em realizar oferta para algum dos blocos constantes de tal licitação, sujeitar-se-á à aceitação da(s) outra(s) empresa(s) e as partes, então, deverão discutir acerca de outro documento específico (Joint Bidding Agreement) para detalhar os termos da oferta em conjunto das empresas naquela licitação, ainda que no referido MoU as partes estipulem a isenção de responsabilidade por danos diretos ou indiretos causados à(s) outra(s) parte(s), incluindo-se a isenção dos lucros cessantes e danos emergentes e a perda de negócios, poderá, ainda assim, haver responsabilização da(s) parte(s). Isto porque, primeiramente, mesmo quando há isenção de responsabilidade por acordo das partes, a cláusula de não indenizar não suprime a responsabilidade que somente a lei pode excluir[40], ela apenas limita o dever de indenizar inter partes[41].

Ressalte-se, ainda, que, o Código Civil Brasileiro[42] garante que, havendo dolo ou culpa grave da parte que provocou o dano, haverá responsabilização civil da mesma, ainda que haja a cláusula de não indenizar. Isso porque, o Código Civil não admite condições puramente potestativas, ou seja, que sujeitam uma parte ao arbítrio de outra. Assim, uma cláusula limitadora de responsabilidade das partes não terá aplicabilidade, caso haja o inadimplemento contratual por uma das partes, que tenha agido com dolo ou culpa grave. [43]

Nesse sentido, caso haja a prática – por quaisquer das partes - de conduta que afronte os deveres de boa-fé objetiva, tais como os mencionados acima: dever de colaboração ou cooperação entre as partes, lealdade, solidariedade, informação etc., a qual se acrescenta os demais elementos gerais da responsabilidade civil aquiliana (extracontratual), ou seja, a culpa, o dano e o nexo causal, poderá haver o dever de reparação pela parte que provocou o dano, ainda que haja cláusula de limitação de responsabilidade das partes. Em outras palavras, havendo cláusula de não indenizar entre as partes, prevista no memorando de entendimento, como no caso exposto, o dever de reparar o referido dano, inter partes, estará limitado aos termos da referida cláusula apenas se restar demonstrado que a parte que provocou o dano não agiu com culpa grave ou dolo, pautado no descumprimento dos deveres de boa-fé objetiva. Do contrário, ainda que exista cláusula de exclusão de responsabilidade entre as partes, haverá o dever de reparação do dano causado como se não houvesse a referida cláusula. Outrossim, não será admitida cláusula supressora de responsabilidade entre as partes, na medida em que, como visto acima, o Código Civil Brasileiro não permite condições que privem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitam ao puro arbítrio de uma das partes.

Nesse contexto, a reparação de dano causado por descumprimento do acordado no âmbito de um memorando de entendimento com cláusula de exclusão de responsabilidade entre as partes, estará vinculada à comprovação de culpa grave ou dolo, pautado no descumprimento dos deveres de boa-fé objetiva da parte que provocou o dano. Tendo em vista a dificuldade da prova de culpa grave e dolo, existem autores que defendem que a preservação da boa-fé e a proteção da confiança daqueles que negociam e celebram os contratos (ou pré-contratos) não se constitui em direito disponível, que possa ser afastado pela autonomia da vontade das partes, refletida no contrato. Em tal situação, impõe-se a aplicação das regras gerais, segundo as quais a lei estabelece que o objeto da obrigação de indenizar é medido pela integral reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o descumprimento.[44]

Seguindo esse entendimento, os deveres de boa-fé objetiva afastariam a cláusula de limitação de responsabilidade das partes, na medida em que tais deveres estão previstos em Lei, leia-se Código Civil Brasileiro, e, portanto, são limitadores da autonomia privada.[45] Tal entendimento encontra respaldo no Enunciado 24 do Conselho da Justiça Federal (CJF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), aprovado na I Jornada de Direito Civil (2004), segundo o qual “em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa”. Complementando, o Enunciado 363 do CJF/STJ dispõe que: “Os princípios da probidade e da confiança são de ordem pública, estando a parte lesada somente obrigada a demonstrar a existência da violação”.

Lembre-se que o maior intuito da celebração de um memorando de entendimento é o de afastar a possibilidade de negociação com outras empresas. Assim, a previsão de cláusula de limitação de responsabilidade das partes com o fim de afastar a responsabilização das partes caso as mesmas realizem outras negociações em paralelo, sem dar a(s) outra(s) parte(s) o direito de preferência, vai de encontro a um dos objetos principais do memorando de entendimento, qual seja, o de evitar que negociações paralelas com outras empresas prejudiquem a negociação estabelecida no memorando de entendimento. Essa cláusula afastaria o dever de reparar o dano causado pelo não cumprimento do memorandum of understanding em razão de negociação paralela com outra(s) empresa(s). Desse modo, haveria um nítido comportamento contraditório das partes que celebraram o memorando de entendimento ao prever a citada cláusula de limitação de responsabilidade das partes, eis que o efeito jurídico de tal documento estaria vinculado ao mero alvedrio de uma das partes, o que é vedado pelo Código Civil Brasileiro (art. 122). Isto porque, qualquer das partes poderia cumprir o estabelecido no memorando de entendimento, ou, simplesmente, desistir de cumpri-lo em razão de outra negociação melhor e a parte que sofreu o dano arcaria com os prejuízos sem o direito de ressarcir-se pelo dano causado pela outra parte.

Nesse caso, a cláusula de limitação de responsabilidade desnaturaria o memorando de entendimento, eis que esvaziaria os efeitos jurídicos do referido documento, de modo que o direito à reparação do dano causado, afastado pela mencionada cláusula, deverá prevalecer como se não houvesse tal cláusula.


5. A FASE CONTRATUAL, O CONTRATO PRELIMINAR E O MEMORANDO DE ENTENDIMENTO

Após a fase em que ocorrem as negociações preliminares sobre um contrato preliminar ou definitivo, chegamos à fase contratual. A formação do contrato acontece quando há o encontro de – no mínimo – duas declarações de vontade relativamente ao mesmo objeto, através das figuras jurídicas da proposta e da aceitação, ou quando as partes, no mesmo momento, concordam em estabelecer o contrato.

O contrato preliminar, ou contrato-promessa, outra designação utilizada para denominar o contrato preliminar, como regra geral, não cria efeitos substanciais, já que o seu objeto se reduz, precisamente, à celebração de um contrato futuro (contrato definitivo ou principal), este sim capaz de modificar substancialmente a situação jurídica dos contratantes, ainda que se possa convencionar o cumprimento antecipado de algumas das prestações constantes do contrato definitivo. O contrato preliminar gera, pois, uma obrigação de concluir outro contrato, ou seja, uma obrigação de fazer, o seu objeto é a outorga de um contrato definitivo. Neste sentido, afirma-se que os contratos preliminares nada mais são do que figuras intermediárias entre as meras negociações e o contrato perfeito e acabado (STF, 2ª T., RE 88.716, Rel. Min. Moreira Alves, julg. 11.09.1979).[46]

Com algumas pequenas variações, o conceito de contrato preliminar está associado à idéia de um contrato acessório a um contrato futuro, sem cuja existência aquele deixa de fazer sentido.[47]

Segundo o disposto no art. 462, do Código Civil Brasileiro, “o contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado”.

Assim, na concepção de Caio Mário da Silva Pereira[48], considera-se contrato preliminar: “aquele por via do qual ambas as partes ou uma delas se comprometem a celebrar mais tarde outro contrato, que será o principal”.

Nesse sentido, a função do contrato preliminar é assegurar um contrato futuro cuja celebração, desde logo, é por alguma razão inconveniente ou mesmo impossível.[49]

Existem duas modalidades de contrato preliminar: a promessa bilateral e a promessa unilateral. A diferença entre as duas é – basicamente – a seguinte: enquanto a promessa bilateral constitui acordo negocial preparatório de outro contrato, que ambas as partes querem celebrar e cujos termos essenciais devem ser desde logo definidos, na promessa unilateral, apenas um dos contraentes assume a obrigação de celebrar, no futuro, certo contrato em dados termos, ficando o outro livre, até determinado momento, para decidir se deseja ou não a conclusão do contrato.[50] O Código Civil Brasileiro trata especificamente do contrato preliminar unilateral no art. 466[51].

Feita essa breve introdução ao conceito de contrato preliminar, passaremos às diferenças entre o contrato preliminar e o memorando de entendimento.

Como vimos acima, o memorando de entendimento é um documento preliminar, ou seja, documento celebrado durante a fase de negociação de um contrato, denominada fase pré-contratual, em razão de ainda não haver o interesse das partes ou a possibilidade de se celebrar um contrato preliminar ou definitivo.

De outro lado, o contrato preliminar é um contrato denominado acessório, ou contrato-promessa, que tem por objeto prever a celebração de outro contrato, denominado contrato definitivo. Por se tratar de um contrato, diferentemente do memorando de entendimento, o contrato preliminar insere-se na fase contratual, na qual há o interesse das partes de estabelecer obrigações para uma ou todas as partes por meio de um contrato, porém, ainda não há o interesse ou a possibilidade de se celebrar um contrato definitivo.

Note-se que, o memorando de entendimento não estabelece a obrigação das partes de celebrarem um futuro contrato, como acontece no contrato preliminar. O memorando de entendimento pode até fazer menção a um contrato futuro, porém, em nenhum momento vincula as partes à celebração de tal contrato. Embora, como visto, variável o seu conteúdo, o memorando de entendimento limita-se, em geral, a estabelecer regras para a negociação de um posterior contrato, que poderá ser ou não celebrado, conforme o êxito da negociação, fixando deveres acessórios ligados a esse momento pré-contratual, como os deveres de exclusividade, preferência, sigilo, de arcar com as despesas da negociação, etc.

Porém, o intérprete deverá verificar se o documento intitulado de memorando de entendimento (ou outra denominação equivalente) revela-se, na prática, um contrato preliminar, que vincula as partes a um contrato futuro, ou, mesmo, revela-se um contrato definitivo, pendente apenas de uma formalização ou do advento de uma condição suspensiva. Nesse caso, haverá evidente desnaturação do memorando de entendimento, que deixará de ser um documento preliminar, inserido na fase pré-contratual, passando a ter os mesmos efeitos jurídicos de um contrato.

Assim, dependendo dos termos e condições estabelecidos no memorando de entendimento, poderá haver a obrigatoriedade de celebração do contrato definitivo. Nesse caso, estaremos diante de um contrato preliminar, vinculante para as partes, obrigando-as à celebração do contrato definitivo, sempre que já estejam estabelecidas, em detalhes, as condições essenciais do futuro contrato, tais como o objeto do contrato, valores e formas de pagamento, prazos, seguros, garantias e causas para rescisão, salvo se contiver no referido documento cláusula de arrependimento ou uma condição essencial do futuro contrato a ser celebrado entre as partes.[52]

Portanto, se mudarmos um pouco o exemplo que demos acima, caso duas ou mais empresas estrangeiras e brasileiras estipulem – por meio de um MoU – que pretendem envidar esforços a fim de realizar oferta conjunta em licitação para outorga das atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural em determinados blocos localizados no Brasil e, nesse sentido, estabeleçam no referido memorando de entendimento os termos e condições essenciais do documento específico, denominado Joint Bidding Agreement, a ser celebrado por elas a fim de ofertar conjuntamente em licitação, nesse caso, o referido MoU deixará de ter a natureza jurídica de documento preliminar e passará a ter natureza jurídica de contrato preliminar. Desse modo, qualquer das partes poderá exigir da(s) outra(s) a execução específica do negócio pactuado (Joint Bidding Agreement), caso uma das partes se recuse a fazê-lo voluntariamente.

 No entanto, caso o memorando de entendimento preveja a celebração de um contrato futuro, mas não contenha previsão dos principais termos e condições do acordo a ser celebrado pelas partes, o referido MoU será tratado como instrumento de mera manifestação das partes de sua intenção de contratar, sem o condão de obrigá-las à celebração de contrato definitivo. Nesse caso, a natureza jurídica do memorando de entendimento se encontrará preservada, revelando-se um documento preliminar de uma negociação, onde foram estabelecidas as diretrizes gerais para um possível contrato entre as partes, tais como, os termos e condições sob os quais as partes trocarão informação para fins de negociação e avaliação da viabilidade e interesse em futura parceria.


6. A RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL PELO DESCUMPRIMENTO DE PREVISÃO ESTABELECIDA NO MEMORANDO DE ENTENDIMENTO

Voltando ao exemplo no qual duas ou mais empresas estrangeiras e brasileiras estipulam – por meio de um memorando de entendimento – que pretendem envidar esforços a fim de realizar oferta conjunta em licitação para outorga das atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural em determinados blocos localizados no Brasil e, nesse sentido, deixam já estipulados no referido MoU os termos e condições essenciais do documento específico, denominado Joint Bidding Agreement, a ser celebrado por elas a fim de ofertar conjuntamente em licitação, como vimos, nesse caso, o MoU celebrado terá natureza jurídica de contrato preliminar. Portanto, qualquer das partes poderá exigir da(s) outra(s) a execução específica do negócio pactuado (Joint Bidding Agreement), caso uma das partes se recuse a fazê-lo voluntariamente. Assim, o descumprimento de qualquer previsão estabelecida no referido MoU, leia-se, o não cumprimento da obrigação de celebração do negócio pactuado (Joint Bidding Agreement), nos termos e condições estabelecidos no MoU, irá gerar para a(s) parte(s) que descumprir(em) o estabelecido no memorando de entendimento uma responsabilização de origem contratual, isto é, uma responsabilidade civil contratual.

Nesse caso, haverá uma infração a um dever estabelecido pela vontade dos contratantes, ou seja, decorrente de relação obrigacional preexistente. Diferente da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana, que decorre de uma lesão ao direito de alguém, sem que haja qualquer liame obrigacional anterior entre o agente causador do prejuízo e a vítima.

O Código Civil Brasileiro trata da responsabilidade contratual no art. 389[53] e da responsabilidade extracontratual nos arts. 186 a 188[54] e 927[55] e seguintes.

Contudo, como vimos, a existência de um contrato não aflora sempre de forma clara. Há situações dúbias nas quais a existência de uma obrigação negocial é questionada. Essa dúvida, porém, não é óbice para o dever de indenizar.[56] Ou seja, havendo ou não o liame obrigacional pautado no memorando de entendimento, poderá haver o dever de indenizar a parte lesada por ato ou conduta lesiva da outra parte. Principalmente, quando houver conduta de uma das partes contrária aos deveres de boa-fé objetiva, que, como vimos acima, para alguns autores, afasta, inclusive, a possibilidade de limitação de responsabilidade entre as partes.


7. CONCLUSÃO

No presente trabalho procuramos conceituar o memorando de entendimento para então – a partir de seu conceito – analisar os efeitos jurídicos de tal documento.

Nesse sentido, vimos que os documentos normalmente utilizados para a consignação dos pontos sobre os quais se progride na direção do consenso no decorrer das negociações recebem intitulações diversas, assim como são várias as formas que assumem, são eles: o memorando de entendimento ou memorandum of understanding (MoU), o gentlemen’s agreement, o heads of agreement, a carta de intenção, a letter of understanding. Em geral, a intenção das partes ao firmá-los não é a de se vincularem, mas simplesmente registrar fatos, como demonstrado acima.

Assim, de forma geral, o MoU é um instrumento de Direito Internacional, não vinculante entre as partes, que tem sido utilizado para atos com menor formalidade, destinados a registrar princípios gerais, diretrizes, que orientarão as relações entre as partes, seja no plano político, econômico, jurídico, cultural ou em outros.

É comum que numa negociação as partes tomem a cautela de documentar o entendimento em relação a cada ponto da negociação, seja para simples memória, ou para evitar sejam revisitados pontos já discutidos e assentados, ou para avaliação futura do comportamento das partes, em vista das respectivas responsabilidades, no caso de não ser celebrado o contrato definitivo.

Em nossa análise, verificamos que os efeitos jurídicos do memorando de entendimento dependem da verificação pelo intérprete dos termos e condições estabelecidos no referido documento, bem como da conduta adotada pelas partes na celebração, execução e extinção do memorando de entendimento.

Frise-se que a análise dos efeitos jurídicos do memorando de entendimento foi realizada à luz da lei brasileira e, nesse sentido, restou demonstrado que mesmo na fase preliminar de negociações, na qual, em geral, se insere o MoU, os princípios da probidade e boa-fé objetiva devem ser observados pelas partes.

Em outras palavras, com fundamento no art. 422, do Código Civil Brasileiro, na fase pré-contratual, na qual há a celebração de documentos preliminares, e.g., o MoU, é necessário observar os deveres de conduta provenientes dos princípios da boa-fé objetiva e probidade, que se traduzem em obrigações pré-contratuais.

Nesse sentido, ainda que o memorando de entendimento estabeleça apenas condições básicas para um acordo, sem criar obrigações entre as partes, poderá gerar responsabilização civil e obrigação de reparação de danos.

Isto porque, mesmo na fase pré-contratual, a autonomia privada, o princípio da obrigatoriedade dos pactos, ou da intangibilidade do conteúdo do contrato (pacta sunt servanda) e a relatividade de seus efeitos devem conciliar-se com o conjunto de novos princípios, atualmente previstos no Código Civil Brasileiro: boa-fé objetiva, equilíbrio econômico entre as prestações e função social do contrato.

Na fase de negociação, a boa-fé atua como fundamento de deveres cuja violação enseja a chamada responsabilidade pré-contratual.

Como vimos acima, existem autores, inclusive, que classificam a responsabilidade civil para os danos que uma pessoa causa a outra durante o desenvolvimento de negociações tendentes à formação da relação jurídica contratual, como uma terceira espécie ou via de responsabilidade civil, denominada de responsabilidade civil pré-contratual.

Segundo Régis Fichtner Pereira[57], os requisitos para a configuração da responsabilidade civil pela ruptura das negociações contratuais são: a) a existência de negociações; b) a culpa, entendida como violação do princípio da boa-fé; c) o dano; d) o nexo causal.

Assim, ainda que as partes não tenham estabelecido no MoU a obrigação de indenizar no caso de ruptura daquela negociação, haverá a obrigação de indenizar quando houver o descumprimento dos deveres de boa-fé objetiva.

Por outro lado, vimos que a reparação de dano causado por descumprimento do acordado no âmbito de um memorando de entendimento com cláusula de limitação de responsabilidade entre as partes, estará vinculada à comprovação de culpa grave ou dolo, pautado no descumprimento dos deveres de boa-fé objetiva da parte que provocou o dano. Contudo, tendo em vista a dificuldade da prova de culpa grave e dolo, existem autores que defendem que a preservação da boa-fé e a proteção da confiança daqueles que negociam e celebram os contratos (ou pré-contratos) não se constitui em direito disponível, que possa ser afastado pela autonomia da vontade das partes, refletida no contrato. Em tal situação, impõe-se a aplicação das regras gerais, segundo as quais a lei estabelece que o objeto da obrigação de indenizar é medido pela integral reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o descumprimento.[58]

Seguindo esse entendimento, os deveres de boa-fé objetiva afastariam a cláusula de limitação de responsabilidade das partes, na medida em que tais deveres estão previstos em Lei, leia-se Código Civil Brasileiro, e, portanto, são limitadores da autonomia privada.[59] Tal entendimento encontra respaldo no Enunciado 24 do Conselho da Justiça Federal (CJF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), aprovado na I Jornada de Direito Civil (2004), segundo o qual “em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa”. Complementando, o Enunciado 363 do CJF/STJ dispõe que: “Os princípios da probidade e da confiança são de ordem pública, estando a parte lesada somente obrigada a demonstrar a existência da violação”.

Ressalte-se que o maior intuito da celebração de um memorando de entendimento é o de afastar a possibilidade de negociação com outras empresas. Assim, o estabelecimento de cláusula de limitação de responsabilidade entre as partes a fim de afastar parcialmente ou quase totalmente a obrigação de reparar o dano causado à outra parte pela ruptura da negociação em curso em razão de uma negociação paralela mais atrativa, não merece prosperar. Em outras palavras, essa cláusula de limitação de responsabilidade entre as partes tem grandes chances de ser considerada nula pelo intérprete.

Em sequência, vimos que a fase pré-contratual dura até a formação do contrato, quando há o encontro de – no mínimo – duas declarações de vontade relativamente ao mesmo objeto, através das figuras jurídicas da proposta e da aceitação, ou quando as partes, no mesmo momento, concordam em estabelecer o contrato.

Assim, dependendo dos termos e condições estabelecidos no memorandum of understanding, o mesmo poderá deixar de ser um documento preliminar, passando a se classificar como um contrato preliminar ou definitivo, seja por estabelecer a obrigação de celebração de outro contrato, seja por estabelecer obrigações entre as partes sem a necessidade de celebração de outro contrato, respectivamente. Nesse sentido, havendo ruptura do memorandum of understanding, estaremos diante de uma responsabilidade civil contratual, originada de um contrato.

Contudo, a existência de um contrato não aflora sempre de forma clara. Há situações dúbias nas quais a existência de uma obrigação negocial é questionada. Essa dúvida, porém, não é óbice para o dever de indenizar. Isso porque, havendo ou não liame obrigacional por meio de um memorando de entendimento, ainda que não seja da natureza de um MoU criar obrigações entre as partes, além da responsabilidade das partes estabelecida no referido documento, poderá haver responsabilidade civil por descumprimento dos deveres de boa-fé objetiva, estabelecido no art. 422, do Código Civil Brasileiro.

Os deveres de boa-fé objetiva deverão ser respeitados pelas partes desde a fase de negociação de um contrato até depois do término do mesmo.

Assim, caso estejamos diante de um memorando de entendimento, com natureza de contrato, devemos observar não só o estabelecido pelas partes no documento acerca da responsabilidade por descumprimento do contrato mas, além disso, o intérprete deverá avaliar se o dano causado a uma das partes se deu por descumprimento dos princípios de boa-fé e probidade. Outrossim, se estivermos diante de um documento preliminar, como normalmente é o caso do MoU, o intérprete deverá observar especificamente se na ruptura do acordado entre as partes houve descumprimento dos princípios de boa-fé e probidade, na medida em que no documento não foram estabelecidas nenhuma obrigação entre as partes.

Portanto, podemos destacar a diferença e a semelhança entre a responsabilidade civil contratual e a responsabilidade civil pré-contratual da seguinte forma.

A responsabilidade civil contratual é pautada: (i) nas hipóteses de descumprimento contratual, previstas no próprio contrato; (ii) na cláusula penal, onde se estabelece o valor do contrato, ou seja, a quantia ou forma de se chegar a quantia que deverá ser ressarcida à parte lesada caso o contrato seja descumprido por uma das hipóteses nele estabelecidas; (iii) na cláusula de limitação de responsabilidade entre as partes; por fim, como vimos, (iv) na inobservância dos deveres de boa-fé objetiva e probidade.

Já a responsabilidade civil pré-contratual é pautada exclusivamente na inobservância dos deveres de boa-fé objetiva e probidade.

Desse modo, vislumbramos que nos dois tipos de responsabilidade civil mencionados a inobservância dos deveres de boa-fé e probidade é hipótese que gera o dever de reparar o dano causado a uma das partes. 

Nesse sentido, cumpre frisar que, para muitos autores, o Código Civil Brasileiro afastou a possibilidade de limitação de responsabilidade entre as partes quanto à obrigatoriedade de observância dos princípios de probidade e boa-fé objetiva seja na fase pré-contratual ou na fase contratual. Isso porque, o Código Civil Brasileiro positivou os princípios de probidade e boa-fé objetiva como limitadores da autonomia privada. Desse modo, na ruptura de um contrato ou de um documento preliminar, caso reste demonstrado ter havido o descumprimento por uma das partes dos princípios da boa-fé objetiva: tais como, lealdade, solidariedade, informação, etc., haverá o dever de reparar o dano causado à outra parte, ainda que haja no referido documento cláusula de limitação de responsabilidade entre as partes, eis que ela será considerada nula, na medida em que tais princípios são considerados regras de ordem pública.

Portanto, para parte da doutrina, com fundamento nos Enunciados do Superior Tribunal de Justiça, acima transcritos, a cláusula de limitação de responsabilidade estabelecida num documento preliminar de negociação, como normalmente é o memorando de entendimento, ou contrato, somente terá eficácia caso o descumprimento do acordado no referido documento não esteja associado ao descumprimento dos deveres de conduta de boa-fé objetiva.


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Notas

[1] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. vol. III, p.19.

[2] PEREIRA, Regis Fichtner. A Responsabilidade Civil Pré-Contratual, Ed. Renovar, 2001, p.47.

[3] CódigoCivil Brasileiro. “Art. 1.080. A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou das circunstâncias do caso.”

[4] PEREIRA, Regis Fichtner. A Responsabilidade Civil Pré-Contratual, Ed. Renovar, 2001, p.48.

[5] Memorandum of understanding. See LETTER OF INTENT., “Black’s Law Dictionary”, Ninth Edition, p. 1074.

Letter of Intent. (1942) A written statement detailing the preliminary understanding of parties who plan to enter into a contract or some other agreement; a noncommittal writing preliminary to a contract. A letter of intent is not meant to be binding and does not hinder  the parties from bargaining  with a third party. Business people typically mean not to be bound  by a letter of intent, and courts ordinarily do not enforce one; but courts occasionally find that a commitment has been made. – Abbr. LOI. – Also termed memorandum of intent; memorandum of understanding; term sheet; commitment letter. Cf. precontract under CONTRACT.

[6] “Para Luiz Olavo Batista (1994, p.97), ‘Da amplitude da liberdade de negociar e de redação decorre naturalmente a variedade de modelos e finalidades da carta de intenção, que tornam difícil sua conceituação rígida’.” In: BASSO, Maristela. Contratos internacionais do Comércio, Porto Alegre, 2ª ed., Ed. Livraria do Advogado, p.188.

[7] “O que caracteriza a internacionalidade de um contrato é a presença de um elemento que o ligue a dois ou mais ordenamentos jurídicos. Basta que uma das partes seja domiciliada em um país estrangeiro ou que um contrato seja celebrado em um país para ser cumprido em outro.” ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado, teoria e prática brasileira., Rio de Janeiro, Ed. Renovar, 2003, p.312.

[8] LOBO, Carlos Augusto da Silveira. Contrato Preliminar. in O direito e o Tempo: Embates Jurídicos e Utopia, 2008, p. 313. Artigo lido no site: <<http://loboeibeas.com.br/artigos-e-cartas-circulares/contrato-preliminar>>.

8 Idem ibidem.

[10] “(...) o tratamento que a nova “lex mercatoria” dedica às cartas de intenção é no sentido de que podem produzir consequências jurídicas, mesmo quando as partes pensem o contrário. Segundo Draetta (1984, p.51), ‘a tendência dos órgãos arbitrais chamados a decidir acerca da relevância de tais ‘cartas’ é justamente presumir que as partes, se redigiram um instrumento, o fizeram visando a algum efeito útil’.” In: BASSO, Maristela. Contratos internacionais do Comércio, Porto Alegre, 2ª ed., Ed. Livraria do Advogado, p.187.

[11] TEPEDINO, Gustavo. (Coord.) Código Civil Comentado, Vol. II, Rio de Janeiro, Ed. Renovar, p.16.

[12]  AZEVEDO, Antônio Junqueira. Insuficiências, Deficiências e Desatualização do Projeto de Código Civil na Questão da Boa-Fé Objetiva. In Revista dos Tribunais, n.º 775, São Paulo, mai. 2000, p. 11-17, p.12, apud NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato. Novos Paradigmas. Rio de Janeiro, Ed. Renovar, 2ªed., 2006, p.118.

[13]  NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato. Novos Paradigmas. Rio de Janeiro, Ed. Renovar, 2ªed., 2006, p.118.

[14] Idem ibidem.

[15] NEGREIROS, Teresa. Fundamentos para uma Interpretação Constitucional do Princípio da Boa-Fé. Rio de Janeiro, Ed. Renovar, 1998, p. 281-282.

[16] NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato. Novos Paradigmas. Rio de Janeiro, Ed. Renovar, 2ªed., 2006, p.118.

[17]  TEPEDINO, Gustavo. (Coord.), Código Civil Comentado, Vol. II, Rio de Janeiro, Ed. Renovar, p.18.

[18]  CORDEIRO, Antônio Menezes. Da Boa-Fé no Direito Civil, p. 605, in TEPEDINO, Gustavo. (Coord.), Código Civil Comentado, Vol. II, Rio de Janeiro, Ed. Renovar, p.18.

[19] MARTINS-COSTA, Judith. A Boa-Fé no Direito Privado, p. 439, in TEPEDINO, Gustavo. (Coord.), Código Civil Comentado, Vol. II, Rio de Janeiro, Ed. Renovar, p.19.

[20] PEREIRA, Regis Fichtner. A Responsabilidade Civil Pré-Contratual. Rio de Janeiro, Ed. Renovar, 2001, p. 100.

[21] Idem.

[22] ESPÍNOLA, Eduardo. Sistema do Direito Civil Brasileiro. Vol. II. Tomo I. Litho-typ Encardenações Reis. 1908. Salvador, p. 352 e 353, in: PEREIRA, Regis Fichtner. A Responsabilidade Civil Pré-Contratual. Rio de Janeiro, Ed. Renovar, 2001, p. 245, verbis: “Nesse ponto, nos afastamos da habilíssima construção de IHERING, ainda com as modificações propostas por CHIRONI e entendemos que se trata de culpa aquiliana. Não se tendo efetuado o contrato ou decretado sua nulidade por culpa de uma das partes, não é, em virtude da falta de cumprimento que à outra cabe indenização pelos danos sofridos, mas em respeito ao dever genérico de neminem laedere.”

[23] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro. 5ª edição. Editora Forense. 1994. p. 74, in: PEREIRA, Regis Fichtner. A Responsabilidade Civil Pré-Contratual. Rio de Janeiro, Ed. Renovar, 2001, p. 245, verbis: “Para que ocorra tal responsabilidade, em que se desenha um caso especial de responsabilidade civil, é que a culpa que se apura é aquiliana e não contratual, porque assenta no princípio geral que impõe a qualquer pessoa abster-se de prejudicar outrem, e não em infração de alguma cláusula do contrato, pois que nesta fase, ainda não existe contrato.”

[24] NETTO, Martinho Garcez. Prática da Responsabilidade Civil. 4ª edição. São Paulo. Ed. Saraiva, 1989, p. 176, in: PEREIRA, Regis Fichtner. A Responsabilidade Civil Pré-Contratual. Rio de Janeiro, Ed. Renovar, 2001, p. 245, verbis: “É importante assinalar que a natureza da responsabilidade pré-contratual é a mesma da responsabilidade geral, que decorre da culpa aquiliana; baseia-se nos princípios gerais do direito ou, mais estritamente, no princípio comum do neminem laedere.”

[25] RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Vol. III, 27ª edição. São Paulo. Ed. Saraiva. 1997, p. 60, in: PEREIRA, Regis Fichtner. A Responsabilidade Civil Pré-Contratual. Rio de Janeiro, Ed. Renovar, 2001, p. 246, verbis: “Mas, como já apontei, tal responsabilidade só se caracteriza se houver comportamento censurável daquele que abandonou as negociações; pois, se não houve dolo, negligência ou imprudência de sua parte, sua atitude é inatacável, visto que constitui o exercício regular do direito de se recusar a contratar.”

[26] AZEVEDO, Antônio Junqueira de. A boa-fé na formação dos contratos. Revista de Direito do Consumidor. Vol 3, p. 79, in: PEREIRA, Regis Fichtner. A Responsabilidade Civil Pré-Contratual. Rio de Janeiro, Ed. Renovar, 2001, p. 246, verbis: “A relação entre os pré-contratantes somente terá eficácia jurídica pelo lado negativo, ou patológico, isto é, somente pelo lado do dever de não se comportar de forma socialmente condenável. Esse dever e não obrigação, é sancionado pela ação de indenização do art. 159 do CC.”

[27] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. 3, São Paulo, Ed. Saraiva. 1990/92, p. 38, in: PEREIRA, Regis Fichtner. A Responsabilidade Civil Pré-Contratual. Rio de Janeiro, Ed. Renovar, 2001, p. 246, verbis: “Todavia, é preciso deixar bem claro que, apesar de faltar obrigatoriedade aos entendimentos preliminares, pode surgir, excepcionalmente, a responsabilidade civil para os que deles participam, não no campo da culpa contratual, mas no da aquiliana.”

[28] COUTO E SILVA, Clóvis F. A Cia. Siderúrgica Mannesmann. RCGE, Porto Alegre, 1975, p. 238, in: PEREIRA, Regis Fichtner. A Responsabilidade Civil Pré-Contratual. Rio de Janeiro, Ed. Renovar, 2001, p. 246, verbis: “Em termos de responsabilidade delitual, a única que poderia configurar seria a resultante do prejuízo sofrido pela confiança na autenticidade da cártula (“culpa in contrahendo”)”.

[29] BITTAR, Carlos Alberto. Curso de Direito Civil. Vol. I. Rio de Janeiro. Ed. Forense Universitária. 1994, p. 474, in: PEREIRA, Regis Fichtner. A Responsabilidade Civil Pré-Contratual. Rio de Janeiro, Ed. Renovar, 2001, p. 246, verbis: “No Código vigente, encontra a responsabilidade pré-contratual fundamento na teoria do ato ilícito (art.159), configurando-se, pois, caso de sancionamento dentro da extracontratualidade.”

[30] MONTENEGRO, Antonio Lindbergh C. Responsabilidade Civil. 2ª edição. Ed. Lúmen Júris, p. 265, in: PEREIRA, Regis Fichtner. A Responsabilidade Civil Pré-Contratual. Rio de Janeiro, Ed. Renovar, 2001, p. 246.

[31] GUERREIRO, José Alexandre Tavares. A boa-fé nas negociações preliminares. Revista de Direito Civil (Imobiliário, Agrário e Empresarial). Vol.16, Ano 5. Abril/Junho 1981. Ed. Revista dos Tribunais, p. 50, in: PEREIRA, Regis Fichtner. A Responsabilidade Civil Pré-Contratual. Rio de Janeiro, Ed. Renovar, 2001, p. 246, verbis: “No Direito brasileiro, a nosso ver, não se pode recusar o caráter aquiliano da reponsabilidade pré-contratual.”

[32] PEREIRA, Regis Fichtner. A Responsabilidade Civil Pré-Contratual. Rio de Janeiro, Ed. Renovar, 2001, p. 248 e 257/273.

[33] PEREIRA, Regis Fichtner. A Responsabilidade Civil Pré-Contratual. Rio de Janeiro, Ed. Renovar, 2001, p. 100.

[34] Idem, p.102.

[35] Idem, p.102 e 103.

[36] Idem, p.295.

[37] No mesmo sentido, Maristela Basso. In: BASSO, Maristela. Contratos internacionais do Comércio, Porto Alegre, 2ª ed., Ed. Livraria do Advogado, p.190.

[38] PEREIRA, Regis Fichtner. A Responsabilidade Civil Pré-Contratual. Rio de Janeiro, Ed. Renovar, 2001, p. 323.

[39] Idem, p. 348.

[40] CódigoCivil Brasileiro. “Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.”

[41] CódigoCivil Brasileiro. “Art. 946. Se a obrigação for indeterminada, e não houver na lei ou no contrato disposição fixando a indenização devida pelo inadimplente, apurar-se-á o valor das perdas e danos na forma que a lei processual determinar.”

[42] CódigoCivil Brasileiro. “Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.”

[43] “1. Cartas de intenção que balizam as negociações em curso. (...) Um documento pré-contratual deste teor destina-se a evitar que o contrato definitivo se configure e reforça a exoneração de responsabilidade em caso de recesso das tratativas. Todavia, ainda que tais cláusulas sejam expressamente registradas, a parte que se defrontar com a ruptura abusiva das negociações não encontrará obstáculo em promover ação pelos prejuízos sofridos devido ao comportamento doloso, ou abusivo da outra parte.” In: BASSO, Maristela. Contratos internacionais do Comércio, Porto Alegre, 2ª ed., Ed. Livraria do Advogado, p.189.

[44] RIBEIRO, Carla Casagrande e MOURA, Cristina A. de Oliveira. A Cláusula de Não Indenizar: Segurança vs. Incremento dos Negócios Jurídicos. Pinheiro Neto Advogados: Anexo, Biblioteca Informa n. 1.934, São Paulo, 17 de novembro de 2006. <www.pinheironeto.com.br/upload/tb_pinheironeto_artigo/pdf/0205071612>.

[45] Enunciados Aprovados na I Jornada de Direito Civil do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Enunciado 26 - Art. 422: a cláusula geral contida no art. 422 do novo Código Civil impõe ao juiz interpretar e, quando necessário, suprir e corrigir o contrato segundo a boa-fé objetiva, entendida como a exigência de comportamento leal dos contratantes. (grifos nossos)

[46] TEPEDINO, Gustavo. (Coord.) Código Civil Comentado, Vol. II, Rio de Janeiro, Ed. Renovar, p.99.

[47] Idem ibidem.

[48] PEREIRA, Caio Mário. Instituições de Direito Civil, Vol. III, 11ª Ed., Rio de Janeiro. Ed. Forense, 2003, p.81,  in: TEPEDINO, Gustavo. (Coord.) Código Civil Comentado, Vol. II, Rio de Janeiro, Ed. Renovar, p.99.

[49] TEPEDINO, Gustavo. (Coord.) Código Civil Comentado, Vol. II, Rio de Janeiro, Ed. Renovar, p.99.

[50] Idem, p.100.

[51] CódigoCivil Brasileiro. “Art. 466. Se a promessa de contrato for unilateral, o credor, sob pena de ficar a mesma sem efeito, deverá manifestar-se no prazo nela previsto, ou, inexistindo este, no que lhe for razoavelmente assinado pelo devedor.”

[52] Código Civil Brasileiro. “Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra para que o efetive.”

[53] Código Civil Brasileiro. “Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.”

[54] Código Civil Brasileiro. “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 188. Não constituem atos ilícitos:

I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;

II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.

Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.”

[55] Código Civil Brasileiro. “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”

[56] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, Responsabilidade Civil, Vol. IV, 2ª Ed., São Paulo. Ed. Atlas S.A., 2002, p.20.

[57] PEREIRA, Regis Fichtner. A Responsabilidade Civil Pré-Contratual. Rio de Janeiro, Ed. Renovar, 2001, p. 295.

[58] RIBEIRO, Carla Casagrande e MOURA, Cristina A. de Oliveira. A Cláusula de Não Indenizar: Segurança vs. Incremento dos Negócios Jurídicos. Pinheiro Neto Advogados: Anexo, Biblioteca Informa n. 1.934, São Paulo, 17 de novembro de 2006. <www.pinheironeto.com.br/upload/tb_pinheironeto_artigo/pdf/0205071612>.

[59] Enunciados Aprovados na I Jornada de Direito Civil do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Enunciado 26 - Art. 422: a cláusula geral contida no art. 422 do novo Código Civil impõe ao juiz interpretar e, quando necessário, suprir e corrigir o contrato segundo a boa-fé objetiva, entendida como a exigência de comportamento leal dos contratantes. (grifos nossos)

 


Abstract: This study aims to examine the legal effects of the memorandum of understanding (MoU) under Brazilian law. In this sense, we demonstrate that, from a practical standpoint, regardless of the form adopted by the parties and the effects determined by them in the document, the memorandum of understanding could lead to controversies about its legal effects. For this, we will perform analysis of the concept of the memorandum of understanding, then we will examine the definitions of the pre-contractual and contractual, under the Civil Code, covering the pre-contractual obligations and the preliminary agreement, respectively, in order to demonstrate that the legal effects of the MoU in Brazil will depend not only on the terms used in this document, but also the conduct and duties of objective good faith and honesty of the parties before and after its conclusion.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRISTOFARO, Angela Lima Rocha. Os efeitos jurídicos do memorando de entendimento no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3701, 19 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25097. Acesso em: 26 abr. 2024.