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Os interesses metaindividuais trabalhistas e a sua defesa em juízo pelo sindicato

Os interesses metaindividuais trabalhistas e a sua defesa em juízo pelo sindicato

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Em que pese entendimento em contrário, especialmente da jurisprudência trabalhista dominante, é possível concluir pela inexistência de litispendência entre ação coletiva ajuizada por sindicato representante de categoria profissional, na condição de substituto processual, e reclamação individual trabalhista pelo empregado.

Sumário: Introdução – 1. Interesses Metaindividuais Trabalhistas – 1.1 A Massificação dos Conflitos Sociais e a Coletivização da Tutela Jurisdicional – 1.2 A Necessidade de Coletivização do Direito do Trabalho – 1.3 Ações Coletivas – 1.3.1 – Ações Coletivas na Seara Trabalhista – 1.4 Os Interesses Metaindividuais – 1.4.1 Os Interesses Difusos – 1.4.2 Os Interesses Coletivos – 1.4.3 Os Interesses Meindividuais Homogêneos – 1.4.4 Os Interesses Metaindividuais no Âmbito do Direito do Trabalho – 2. A Defesa Judicial dos Interesses Metaindividuais Trabalhistas pelo Sindicato – 2.1 Legitimidade do Sindicato – 2.1.1 Substituição Processual ou Representação? 2.2 Competência – 2.3 Eficácia da Decisão 2.4 Ações Individuais e Litispendência – Conclusão


INTRODUÇÃO

A massificação dos conflitos sociais é fenômeno típico da sociedade moderna, e decorre da complexidade por ela alcançada. Com efeito, as relações humanas tendem, cada vez mais, a revestir-se de caráter coletivo, em detrimento do individualismo.

Nesse contexto, novas demandas se apresentam, fruto das lesões impostas a um grupo de indivíduos. Trata-se dos interesses metaindividuais, cuja titularidade excede o indivíduo singularmente considerado.

 No âmbito das relações de trabalho, tal fenômeno igualmente se apresenta, podendo ser ainda mais facilmente identificado, ante a hipossuficiência do empregado face ao poderio econômico e social do empregador.

De fato, assim como no direito comum, o sistema processual trabalhista clássico revelou-se insuficiente à efetiva defesa dos interesses decorrentes das macrolesões perpetradas aos empregados. A coletivização da tutela, então, apresentou-se como medida de urgência.

No Brasil, os instrumentos de tutela coletiva dos interesses metaindividuais remontam às duas últimas décadas, alcançando seu apogeu com a Constituição Federal de 1988. Com efeito, é possível hoje a defesa de qualquer interesse metaindividual por meio do sistema integrado da Lei n° 7347/85 (Lei da Ação Civil Pública) e a Lei n° 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), inclusive em matéria trabalhista.

Nesse sentido, o papel do sindicato na defesa judicial dos interesses metaindividuais da categoria reveste-se de enorme relevância. A legitimidade para o cumprimento de tal mister emana diretamente da ordem constitucional (Art. 8°, III).

O presente artigo visa a apontar, ainda que brevemente, as principais características que permeiam a relevante tarefa dos sindicatos na defesa dos interesses metaindividuais dos trabalhadores.

O estudo do tema tem origem na experiência do autor no âmbito da Consultoria Jurídica junto ao Ministério do Trabalho e Emprego, como cediço, órgão da Advocacia-Geral da União - AGU responsável pelo assessoramento jurídico naquela Pasta. Efetivamente, através da análise de atos normativos, atendimento de consultas jurídicas e, principalmente prestação de subsídios jurídicos aos órgãos de contencioso da AGU, a matéria referente à defesa dos interesses metaindividuais trabalhistas pelos sindicatos, é tratada, com certa freqüência, por aquele órgão consultivo.

Nesse contexto, pode-se afirmar que são vários são os pontos sensíveis decorrentes do tema, especialmente no que toca à legitimidade do sindicato para atuar em nome próprio na defesa dos interesses dos integrantes da categoria que representa. Tratar-se-ia de uma substituição processual ou uma mera representação?

A resposta a tal questionamento implica ainda em outros aspectos relevantes à atuação judicial do sindicato. As teses jurídicas aqui defendidas buscarão a efetivação da proteção concedida aos interesses metaindividuais trabalhistas, visando sempre, em últimas instância, o bem estar dos obreiros, tão vilipendiados em seus direitos básicos decorrentes da relação de trabalho.


1 INTERESSES METAINDIDUAIS TRABALHISTAS

1.1 A MASSIFICAÇÃO DOS CONFLITOS SOCIAIS E A COLETIVIZAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL

A maior complexidade alcançada pela vida social conduz a um fenômeno de fundamental importância para o estudo que ora se pretende realizar. Trata-se do fenômeno da massificação dos conflitos sociais.

O jurista italiano Mauro Cappelletti, em obra dedicada ao tema, explica o fenômeno social em epígrafe, nos seguintes termos:

Cada vez mais freqüentemente, por causa dos fenômenos de massificação, as ações e relações humanas assumem caráter coletivo, mais do que individual: elas se referem preferentemente a grupos, categorias e interesses de pessoas, do que apenas a um ou poucos indivíduos (...) E na verdade, cada vez mais freqüentemente, a complexidade das sociedades modernas gera situações nas quais um único ato do homem pode beneficiar ou prejudicar um grande número de pessoas, com a conseqüência, entre outras , de que o esquema tradicional do processo judiciário como “lide entre duas partes (Zweipateienprozess) e “coisa das partes” (Sache der Parteien) resulta completamente inadequado.[1]

A multiplicação dos conflitos de massa reclamou, assim, uma mudança de paradigma por parte da atividade jurisdicional do Estado. Com efeito, o modelo processual clássico revelou-se ineficaz à solução das novas demandas que se apresentavam, de modo a provocar um processo de coletivização da tutela. Nas palavras de Marcos Neves Fava:

O modelo clássico do processo civil, como vista, individualista, privatístico e ritualista, não apresenta utilidade efetiva no atendimento às demandas assim desenhadas, plúrimas, pulverizadas e marcadamente transindividuais. (...) A mudança implicou (ou decorreu) a renovação dos conceitos de ação – paulatinamente desvinculada da estrita apreciação de dissídios inter-subjetivos individuais – do processo – ampliado em sua concepção de direito subjetivo frente ao Estado para a de instrumento de realização da ordem jurídica justa -, e da atividade jurisdicional – despregada do conceito poder-órgão-função para atividade de aproximação do jurisdicionado.[2]

1.2 A NECESSIDADE DE COLETIVIZAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO

A crise instaurada na atividade jurisdicional revelou-se igualmente presente no modelo processual trabalhista clássico. A reparação individual das lesões sofridas pelos trabalhadores era ineficaz ao combate dos abusos cometidos pelas empresas. Sobre o tema, registrou o Ministro Ronaldo Leal, do Tribunal Superior do Trabalho, em artigo publicado:

Até então tudo se fazia na esfera da reclamação trabalhista individual. As lesões eram reparadas uma a uma, trabalhador por trabalhador. Enquanto isso, a maior parte das empresas traçava uma política de lesão massiva, vale dizer, sonegava determinados direitos trabalhistas de todo o universo dos seus trabalhadores, confiante na estatística segundo a qual apenas dez por cento deles iriam valer-se da Justiça do Trabalho. Aos advogados trabalhistas de empregados ficava entregue esse varejo destituído de eficácia preventiva e repressiva.

A insalubridade e a periculosidade, por exemplo, não eram erradicadas. Eram, ao invés, perpetuadas, por mais que mudassem os quadros de trabalhadores e ocorresse a rotatividade da mão-de-obra. Dez por cento deles recebiam uma reparação pecuniária, os outros noventa por cento, nem isso. Mas certamente todos, geração a geração, sofriam os efeitos nefastos de más condições ambientais de trabalho.[3]

De fato, a ineficácia do sistema de legitimação individual do empregado ensejava a imposição de macrolesões aos trabalhadores, cada vez mais desestimulados a ingressar no Judiciário.

Soma-se a isso o temor do empregado em recorrer individualmente à Justiça do Trabalho, em face da possibilidade de represália patronal. Como conseqüência, nas palavras do Ministro Ronaldo Leal:

(...) aqueles empregados que mantém contrato vigente não exercitam judicialmente seus direitos, o que gera um estoque de lesões reprimidas, ao longo de uma relação de duração continuada, como é a relação de trabalho. Superada a paralisia do interesse de agir pelo desligamento do empregado, eclode a litigiosidade, a qual, no entanto, está destituída de qualquer conseqüência preventiva ou repressiva no tocante à massividade das lesões”.[4]

A ineficácia do modelo processual trabalhista individual, portanto, ante as peculiaridades das relações de trabalho, aponta para a necessidade de coletivização do direito laboral.

É de se ressaltar, no entanto, que o acesso coletivo dos trabalhadores à Justiça do Trabalho não é novidade. De fato, como cediço, a Justiça laboral adota, paralelamente ao acesso individual do obreiro por meio dos dissídios individuais, o sistema coletivo, mediante os dissídios coletivos. Nestes, a Justiça do Trabalho, pelo exercício do chamado Poder Normativo, estabelece normas gerais e abstratas que serão aplicadas às relações individuais de trabalho dos obreiros e empresários que integram as categorias representadas. A sentença normativa vincula os integrantes da categoria, independentemente de constarem de forma individual da respectiva decisão.

Há também a “ação de cumprimento”, por meio do qual o respectivo sindicato, mesmo sem outorga de poderes explícitos, ajuíza postulação pelo pagamento de aumentos salariais avençados em sentenças normativas.

Marcos Fava[5] registra, como hipótese precursora de tratamento coletivo de direitos não individuais, o art. 195, § 2º da CLT, que autorizava a postulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade por intermédio do sindicato de classe.

O problema das macrolesões trabalhistas, contudo, não é solucionado por meio do dissídio coletivo. Este tem por objeto a busca por melhores condições de trabalho. A reparação dos danos opostos aos trabalhadores, por outro lado, somente é possível por meio da chamada jurisdição trabalhista metaindividual, capaz de colocar a salvo os interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos dos trabalhadores.

1.3 AS AÇÕES COLETIVAS

A defesa dos interesses metaindividuais reclama a adoção de um sistema processual diverso do utilizado para a solução das demandas tipicamente individuais, que seja devidamente adequado às peculiaridades inerentes a tais interesses, decorrentes, como visto, da massificação dos conflitos sociais.

Assim, a tutela coletiva, segundo Hugo Mazzilli[6], apresenta as seguintes características, dentre outras: a defesa judicial faz-se por meio de legitimação extraordinária; a destinação do produto da indenização normalmente é especial; a coisa julgadas ultrapassa as partes, tendo caráter erga omnnes ou ultra partes; e preponderam os princípios de economia processual.

Em que pese a existência anterior de diplomas que contemplassem previsões acerca da defesa de direitos e interesses metaindividuais, a sua efetiva proteção remonta ao advento da Lei n° 7347, de 24 de julho de 1985 (Lei da Ação Civil Pública – LACP), que disciplinou a ação civil pública por danos a interesses difusos e coletivos.

Posteriormente, a Constituição Federal de 1988, além de elevar a ação civil pública ao patamar de ação constitucional (Art. 129, III), contemplou uma série de medidas visando à tutela dos interesses metaindividuais, a saber: concedeu legitimidade às entidades associativas, quando expressamente autorizadas, para representar seus filiados judicial e extrajudicialmente (Art. 5°, XXI); instituiu o mandado de segurança coletivo (Art. 5°, LXX); ampliou o objeto da ação popular (Art. 5°, LXXIII); legitimou os sindicatos à defesa dos direitos ou interesses coletivos ou individuais da categoria (Art. 5º, LXX; Art. 8ª, III); ampliou o rol dos legitimados ativos para a ação de inconstitucionalidade (Art.103); concedeu ampla legitimação ao Ministério Público para a defesa do patrimônio publico e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (Art. 129, III, IV e V, e seu § 1º); e legitimou os índios, suas comunidades e organizações a propor ações em defesa de seus intersses (Art. 232)[7].

A sistematização do processo coletivo, outrossim, foi promovida pela Lei n° 8078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor - CDC), de modo a possibilitar a proteção dos interesses dos grupos em todas as esferas do Direito. Com efeito, as normas de caráter processual previstas no CDC são autônomas em relação às regras consumeristas, de modo que sua aplicação não se restringe somente às relações de consumo. Nessa esteira, calha registrar a lição de Ada Pellegrini Grinover:

Os dispositivos processuais do Código de Defesa do Consumidor se aplicam, no que couber, a todas as ações em defesa de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, coletivamente tratados.[8]

Ademais, o CDC é responsável pela introdução da figura da ação coletiva no ordenamento jurídico brasileiro, bem como pela ampliação do objeto da ação civil pública (Art. 110, CDC), por meio da inclusão do inciso IV ao art. 1° da Lei n° 7347/85.

De fato, segundo a atual redação do art. 1° da LACP, pode a ação civil pública ser manejada para a defesa de interesses metaindividuais atinentes: I – ao meio ambiente; II – ao consumidor; III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo (inciso acrescentado pelo CDC); V - a infrações à ordem econômica e à economia popular; VI – à ordem urbanística;

Inexiste, portanto, taxatividade na defesa dos interesses metaindividuais, com base na LACP.

Outrossim, a complementação recíproca existente entre a LACP (art.21[9]) e o CDC (art. 90[10]) permite que se resguarde qualquer interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo, seja pela via da ação civil pública ou da ação civil coletiva. “Estabeleceu o legislador uma via de mãos dupla entre os mencionados diplomas legais, que faculta ao seu intérprete trânsito livre nesse caminho”[11].

A integração existente entre a LACP e o CDC aplica-se ainda no que toca à legitimação ativa para propositura da ação civil pública e da ação civil coletiva.Com efeito, a conjunção dos arts. 5° da LACP e 81 do CDC permite apontar como legitimados à defesa dos interesses metaindividuais: a) Ministério Público; b) União, Estados, Municípios e Distrito Federal; c) autarquias, empresas públicas, fundações e sociedades de economia mista; d) associações civis constituídas há pelo menos um ano, com finalidades institucionais compatíveis com a defesa do interesse questionado; e e) entidades e órgãos da administração pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos metaindividuais[12].

A defesa de qualquer interesse metaindividual, portanto, pode ser promovida, em âmbito judicial, por meio de ação coletiva (seja ação civil pública da Lei n° 7347/85 ou ação civil coletiva do CDC), por qualquer dos legitimados legais. Trata-se do chamado microssistema processual coletivo, conseqüência da integração existente entre a LACP e o CDC.

1.3.1 Ação Coletiva na Seara Trabalhista

No âmbito do direito do trabalho, os interesses metaindividuais igualmente podem ser resguardados por meio da tutela coletiva, seja pela via da ação civil pública ou da ação civil coletiva.

A utilização analógica dos referidos meios processuais em sede de direito do trabalho torna-se juridicamente possível em face da previsão do art. 8° da CLT[13]. De fato, não há incompatibilidade entre a tutela coletiva fundamentada na integração entre a Lei 7347/85 e o CDC, e o processo trabalhista, o que permite sua aplicação analógica.

1.4 OS INTERESSES METAINDIVIDUAIS

De início, importa delinear, com suporte na doutrina especializada, o conceito de interesses metaindividuais, ou interesses coletivos, em sentido lato. Ada Pellegrini os define nos seguintes termos:

Por interesses coletivos entendem-se os interesses comuns a uma coletividade de pessoas e apenas a elas, mas ainda repousando sobre um vínculo jurídico definido que as congrega. A sociedade comercial, o condomínio, a família dão margem ao surgimento de interesses comuns, nascidos em função da relação-base que congrega seus componentes, mas não se confundindo com os interesses individuais.[14]

Registre-se ainda o que diz Hugo Nigro Mazzilli:

Situados numa posição intermediária entre o interesses público e o interesse privado, existem os interesses transindividuais (também chamados de interesses coletivos, em sentido lato), os quais são compartilhados por grupos, classes ou categorias de pessoas (como os condôminos de um edifício, os sócios de uma empresa, os membros de uma equipe esportiva, os empregados do mesmo patrão). São interesses que excedem o âmbito estritamente individual, mas não chegam propriamente a constituir interesse público.[15]

Os destinatários dos direitos e interesses metaindividuais são, segundo Bezerra Leite, não apenas os homens singularmente considerados, mas o próprio gênero humano. Ensina ainda o eminente doutrinador que tais interesses correspondem aos direitos de fraternidade, de modo a abranger, portanto, “o direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio ambiente sadio, o direito ao patrimônio comum da humanidade, o direito à comunicação, e em sentido restrito, os direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos”[16].

Com efeito, a doutrina, bem como a legislação (Art. 81, CDC) apontam como espécies do gênero interesses metaindividuais, os interesses difusos, os interesses coletivos em sentido estrito e os interesses individuais homogêneos. Referidos tipos serão a seguir abordados.

1.4.1 Interesses difusos

Segundo a conceituação legal, são difusos os interesses “transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato” (Art.81, I, CDC).

Como bem lembra Mazzilli, tais interesses referem-se a pessoas não apenas indeterminadas, mas indetermináveis.

São os sujeitos unidos por conexas circunstâncias de fato. Não há, em verdade, vínculo jurídico ou fático preciso. Com efeito, adverte Mazzilli que, embora a relação fática existente também se subordine a uma relação jurídica, no caso dos interesses difusos, a lesão ao grupo não decorre diretamente da relação jurídica em si, mas da situação fática resultante.

O objeto dos interesses difusos tem natureza indivisível. Em outras palavras, “a utilidade tutelável não pode, por sua natureza, ser dividida entre os possíveis prejudicados”[17].

1.4.2 Interesses coletivos

São os interesse coletivos em sentido estrito “os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base” (Art.81, II, CDC).

Assim como os interesses difusos, os interesses coletivos possuem objeto indivisível. A distinção entre ambos está origem da lesão, bem como na identificação do sujeito.

Com efeito, os interesses coletivos em sentido estrito referem-se a grupo, categoria ou classe de pessoas determinadas, ligadas pela mesma relação jurídica básica. Carregam, pois, os interesses coletivos, a idéia de categoria, classe ou grupo de indivíduos, onde a lesão produzida decorre da própria relação jurídica que as une.

1.4.3 Interesses individuais homogêneos

Segundo o CDC, os interesses individuais homogêneos são interesses transindividuais de origem comum.

Contrariamente às demais espécies de interesses metaindividuais, os interesses individuais homogêneos possuem objeto passível de divisão, ou seja “o dano ou a sua responsabilidade se caracterizam por sua extensão divisível ou individualmente variável entre os integrantes do grupo”[18].

Aproximam-se, por outro lado, dos interesses difusos por igualmente se originarem de circunstâncias de fato comuns. A lesão não decorre diretamente de uma relação jurídica-base.

A semelhança dos interesses individuais homogêneos com os interesses coletivos em sentido estrito, outrossim, reside na determinação de seus titulares, embora naqueles, como visto, a divisibilidade do objeto proporcione a exata delimitação de cada interesse.

A doutrina costuma denominar os interesses individuais homogêneos de interesses coletivos por ficção, ou como prefere o mestre Barbosa Moreira, interesses acidentalmente coletivos[19] em face de seu caráter eminentemente individual. Com efeito, muito embora as lesões produzidas sejam originariamente individuais, a enorme freqüência com que ocorrem permite dispensar aos interesses individuais homogêneos um tratamento processual diferenciado, semelhante ao conferido aos interesses coletivos e difusos.

1.4.4 Os Interesses Metaindividuais no Âmbito do Direito do Trabalho

Conforme visto, não existe taxatividade na defesa dos interesses metaindividuais. Com efeito, a atual redação do art. 1º da LACP, permite que se resguarde, por meio das ações coletivas, qualquer interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo, inclusive em matéria trabalhista.

Sobre os interesses metaindividuais trabalhistas no âmbito laboral discorre o Juiz do Trabalho Wolney de Macedo Cordeiro, em artigo sobre o tema:

Muito embora não exista uma regulamentação própria da tutela de direitos metaindividuais em matéria trabalhista, não há mais qualquer dúvida quanto à possibilidade de identificação de direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos laborais e a aplicação subsidiária dos institutos processuais preconizados pela Lei de Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor.[20]

Os exemplos de interesses metaindividuais trabalhistas são fartamente apontados pela doutrina especializada. Nelson Nazar cita como exemplos:

(...) as questões que envolvam a salubridade do meio ambiente de trabalho; as que envolvam a proteção ao direito das minorias étnicas e raciais ao trabalho; a preservação da igualdade constitucional entre trabalhadores de ambos os sexos; a proteção ao direito constitucional de ação.[21]

Já Ives Gandra aponta como hipóteses de tais interesse no âmbito das relações de trabalho: “locação de mão-de-obra fora das hipóteses legais de serviço temporário; exigência de atestados de esterilização para contratação de mulheres; não recolhimento dos depósitos do FGTS, adoção de medidas discriminatórias; e utilização de trabalho escravo no meio rural”.[22]

Marcos Fava aborda os seguintes temas, segundo ele, passíveis de serem defendidos mediante ação civil pública trabalhista:

(...) trabalho escravo ou análogo ao da escravidão; trabalho infanto-juvenil; saúde e meio ambiente do trabalho; questões relativas à jornada de trabalho; cooperativas fraudulentas; fraudes em comissão de conciliação prévia; admissão pelo Estado sem concurso público; discriminação no trabalho;e dispensas coletivas.[23]

Em sede laboral, por outro lado, os critérios diferenciadores das espécies de interesses metaindividuais são distintos daqueles utilizados no direito processual civil.

Ives Gandra afasta a adoção, como critério para distinguir os interesses coletivos dos individuais homogêneos, da indivisibilidade do objeto. Segundo o autor, tal critério

não se adequaria perfeitamente às relações trabalhistas, na medida em que, no caso de determinados procedimentos genéricos das empresas, contrários è ordem jurídica trabalhista, eles se concretizam como lesão em momentos distintos para cada empregado e podem não atingir efetivamente a todos, como no caso de orientação normativa interna da empresa, relativa a medidas discriminatórias a serem adotadas contra empregado que ajuíze reclamação trabalhista contra a empresa. O procedimento, na hipótese, é genérico, mas a lesão se materializa em relação a cada empregado que ajuizar a reclamatória postulando seus direitos.[24]

O referido autor aponta, portanto, como elemento diferenciador:  

(...)  o fato de, nos primeiros, a prática lesiva se estender no tempo, isto é, constituir procedimento genérico e continuativo da empresa, enquanto, nos segundos, sua origem se fixa no tempo, consistente em ato genérico, mas isolado, atingindo apenas alguns ou todos os que compunham a categoria no momento dado.[25]

Os interesses coletivos na seara trabalhista, segundo Bezerra Leite, “são aqueles que dizem respeito a classe, grupo ou categoria (ou parte dela) de trabalhadores que estejam ligados entre si ou com o empregador ou grupo de empregadores (categoria econômica) por meio de uma relação jurídica base”[26].

Efetivamente, no âmbito trabalhista, os interesses coletivos em sentido estrito apresentam o vínculo empregatício como relação jurídica base, de modo que esta se estabelece com a parte contrária, ou seja, com a empresa.

Aliás, o vínculo empregatício apresenta-se como elemento diferenciador dos interesses coletivos em relação aos interesses difusos. Nestes, os titulares são ligados por uma situação de fato comum, não havendo uma relação jurídica base.

Outra peculiaridade dos interesses coletivos em sentido estrito na seara trabalhista reside no fato de ensejarem o ajuizamento de ações individuais. Com efeito, a ação de cumprimento de uma sentença normativa que verse sobre interesses coletivos pode ser ajuizada individualmente por cada empregado, além do sindicato da categoria.

Os interesses individuais homogêneos, por sua vez, assim como no processo civil, sempre ensejam o ajuizamento de ações individuais. De fato, havendo uma lesão patronal genérica que atinja pluralidade de empregadores, surgem os interesses individuais homogêneos, que podem tanto ser defendidos mediante reclamações trabalhistas individuais ou plúrimas, como por meio de tutela coletiva, eis que “pela origem comum, assumem aglutinação e relevância social, suficientes para apartá-los daqueles interesses tipicamente individuais”[27].

Quanto aos interesses difusos, caracterizados pela indeterminação dos titulares, corrente doutrinária sustenta a sua inexistência no âmbito das relações de trabalho. Argumentam que aqui, já se sabe de antemão que dois são os sujeitos determinados, ou pelo menos determináveis, da relação de emprego: empregado e empregador.[28]

Ocorre que, como já demonstrado, os titulares dos interesses difusos estão diluídos na sociedade, apresentando apenas uma situação de fato comum. Nesse sentido, ainda que não haja, como nos interesses coletivos em sentido estrito, uma relação jurídica base, correspondente, no âmbito laboral, ao vínculo empregatício, é possível vislumbrar interesses de natureza trabalhista, cujos sujeitos sejam indeterminados ou indetermináveis.

Bezerra Leite cita, dentre outros, o seguinte exemplo de direito difuso passível de defesa por meio de ação civil pública trabalhista:

[...] quando algum órgão da administração pública direta ou indireta de quaisquer dos poderes promovesses a contratação em massa de servidores para a investidura de cargo ou emprego de natureza permanente, não criados por lei, que não fossem de livre nomeação e exoneração e sem que tivesses sido aprovados em concurso público de provas e títulos. Aqui, o Ministério Público do Trabalho atuaria em defesa da ordem constitucional violada e dos interesses transindividuais, de natureza indivisível, d todos os brasileiros indeterminadamente considerados que, em potencial, seriam os naturais candidatos àqueles empregos públicos, sabido que a prestação de trabalho à administração sem que o trabalhador esteja submetido a um regime jurídico próprio atrai automaticamente a tutela do Direito do Trabalho e, conseqüentemente, a competência da Justiça Trabalhista em razão da matéria (trabalhista) e de pessoa (a Administração = real empregadora x trabalhador = empregado)[29].

Nada obsta, portanto, a presença de interesses difusos na seara do direito do trabalho. Esta é a posição da maioria da doutrina, o que pode ser confirmado por meio do resultado trazido por Adriana Maria de Freitas Tapety[30], referente à pesquisa realizada no 9° Congresso de Direito Coletivo do Trabalho, onde 91,4% dos congressistas entendem haver direitos difusos de natureza trabalhista.


2 A DEFESA JUDICIAL DOS INTERESSES METAINDIVIDUAIS TRABALHISTAS PELO SINDICATO

2.1 LEGITIMIDADE DO SINDICATO

Em matéria trabalhista, a legitimidade para defesa dos interesses metaindividuais, seja por meio da ação civil pública ou da ação civil coletiva, é atribuída, de forma concorrente, ao Ministério Público do Trabalho e aos sindicatos. Nesse sentido é o magistério de Ives Gandra Martins Filho, que distingue a forma de atuação dos referidos legitimados:

A defesa dos interesses coletivos em juízo, através da ação civil pública, pode ser feita tanto pelo Ministério Público do Trabalho como pelos sindicatos, de vez que o ordenamento processual assegura a legitimidade concorrente de ambos (CF, art.129, §1º; Lei 7.347/85, art.5º, I e II). No entanto, o prisma pelo qual cada um encara a defesa dos interesses coletivos é distinto:

a) o sindicato defende os trabalhadores que a ordem jurídica protege (CF, art. 8º, III); e

b) o Ministério Público defende a própria ordem jurídica protetora dos interesses coletivos dos trabalhadores (CF, art. 127)[31].

A legitimidade dos entes sindicais emana da previsão do art.8°, III, da Constituição Federal, que determina:

Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

[...]

III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;

Em que pese a clareza dos termos utilizados pela Carta Magna para atribuir legitimidade aos sindicatos para a defesa da categoria, intensas são as discussões, no âmbito da doutrina, sobre diversos aspectos de tal atuação.

Registre, a princípio, que a legitimidade do sindicato para a defesa dos interesses individuais da categoria não abrange os interesses meramente pessoais de seus membros, mas somente os individuais homogêneos da categoria por ele representada, ou seja, aqueles que, conforme visto, embora resultantes de lesões individuais, originam-se de circunstância de fato comuns.

Questão não menos importante refere-se à legitimidade para defesa dos interesses difusos trabalhistas. Parte da doutrina defende a legitimidade exclusiva do MPT em tal hipótese, de modo a excluir a legitimidade do sindicato. Tal entendimento deriva da interpretação do art 8°, III, da CF, que como visto, refere-se a interesses coletivos ou individuais da categoria. Segundo os adeptos dessa corrente, os interesses difusos, por serem titularizados por pessoas indeterminadas, naturalmente se afastam da noção de categoria, de modo a não serem abrangidos pelos dispositivos constitucional em comento e da proteção do sindicato. Esta é a posição de Bezerra Leite[32].

Com efeito, a idéia de categoria, conforme já visto, refere-se aos interesse coletivos em sentido estrito, que por definição dizem respeito a pessoas determinadas ligadas entre si por uma relação jurídica base. Tal fato, contudo, não exclui a possibilidade de que, quando atue na defesa de um interesse coletivo da categoria que representa, igualmente busque a tutela de interesses difusos, como por exemplo, referentes a futuros empregados que pertencerão àquela mesma categoria profissional, ou ainda à sociedade como um todo.

Ademais, segundo Mazzilli:

(...) em tese, o sindicato pode defender interesses transindividuais não só em matérias diretamente ligadas à própria relação trabalhista em si mesma, mas também em questões relativas ao meio-ambiente do trabalho ou à condição de consumidores de seus associados, ou ainda em outras hipóteses de interesse da respectiva classe, grupo ou categoria, desde que haja autorização dos estatutos ou de assembléia (não se exige autorização de cada substituto processual)[33].

A legitimidade do sindicato abrange a defesa judicial dos interesses metaindividuais trabalhistas de todos os integrantes da categoria, sejam eles sindicalizados ou não.

Exige-se do sindicato, outrossim, a comprovação de pertinência temática entre os seus fins institucionais e o interesse coletivo defendido na ação coletiva, sob pena de não restar caracterizado o seu interesse de agir (Art. 82, IV, do CDC  e art. 5°, I, da LACP)

Outra exigência legal consiste na necessidade de comprovação de que está legalmente constituído há pelo menos um ano. Tal condição, no entanto, pode ser dispensada pelo juiz, em privilégio ao objeto tutelado. Marcos Fava defende a sua inaplicabilidade ao sindicato, em face do princípio da unicidade sindical (Art. 8°, II, CF):

No dizente ao sindicato, dado o reprovável regime da unicidade sindical vigente por força do art. 8° da Constituição Federal, não há falar em aplicação do quesito da pré-constituição. Do contrário, como só um sindicato pode representar os interesses de determinada categoria em dada base geográfica, correr-se-ia o risco de, durante pelo menos um ano, escoar-se a legitimação desse importante órgão de representação dos direitos transindividuais.[34]

2.1.1 Substituição Processual ou Representação?

Adota o direito processual pátrio a regra geral segundo a qual a titularidade da ação se confunde com a titularidade do direito material subjetivo que se pretende resguardar. Tal regra consubstancia-se no art. 6° do Código de Processo Civil, cuja previsão é no sentido que “ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei”. Trata-se da chamada legitimação ordinária.

Referida regra de coincidência funciona a título subsidiário, de modo que, eventualmente, a lei outorga legitimidade a quem, por definição, não integra os pólos subjetivos do objeto litigioso. Tal dissociação entre os sujeitos do processo e os da lide decorre de conveniência, e se chama “legitimação extraordinária”[35].

A legitimidade extraordinária autônoma ou substituição processual ocorre quando pessoa estranha ao objeto litigioso atua em nome próprio, no processo, e com absoluta independência em relação ao legitimado ordinário. Nelson Nery a define como “o fenômeno pelo qual alguém, autorizado por lei, atua em juízo como parte, em nome próprio e no seu interesse, na defesa de pretensão alheia”[36].

Afasta-se, pois, a substituição processual, da figura da representação, fenômeno ordinário, que decorre naturalmente do mandato. Na representação, em verdade, o representante não atua em seu próprio nome, mas em nome do representado.

Mas qual seria a natureza jurídica da atuação do sindicato na defesa dos interesses metaindividuais trabalhistas, com base no art. 8º, inciso III da Constituição? Substituição processual ou mera representação? A questão reveste-se de enorme relevância, não se constituindo em mera discussão acadêmica. Sua identificação, em verdade, implica em conseqüências de ordem prática, restringindo ou ampliando a abrangência da tutela coletiva pelo sindicato.

Em 1993, o TST editou a Súmula 310, com vistas a assentar o posicionamento quanto à hipótese do art. 8°, III, CF:

SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL – SINDICATO

I- O art. 8°, inciso III, da Constituição da República não assegura a substituição processual pelo sindicato. II – A substituição processual autorizada ao sindicato pelas Leis ns. 6.078, de 30.10.1979 e 7.238, de 29.10.1984, limitada aos associados, restringe-se às demandas que visem aos reajustes salariais previstos em lei, ajuizadas até 03.07.1989, data em que entrou em vigor a Lei n. 7.778. III – A Lei n. 7.788/1989, em seu art. 8°, assegurou, durante sua vigência, a legitimidade do sindicato como substituto da categoria. IV – A substituição processual autorizada pela lei n. 8073, de 30.07.1990, ao sindicato alcança todos os integrantes da categoria e é restrita às demandas que visem à satisfação de reajustes salariais específicos resultantes de disposição prevista em lei de política salariaL. V – Em qualquer ação proposta pelo sindicato como substituto processual, todos os substituídos serão individualizados na petição inicial, para o início da execução, devidamente identificados pelo número da Carteira de Trabalho e Previdência Social ou de qualquer outro documento de identidade.[...].

Ao negar à atuação sindical o caráter de substituição processual, bem como restringi-lo às hipóteses estritamente previstas em lei e exclusivamente aos seus filiados, o entendimento consubstanciado na Súmula 310/TST ensejou, durante vários anos, a extinção sem julgamento de mérito, de inúmeros processos coletivos promovidos pelas entidades sindicais, de modo a ignorar um enorme número de lesões perpetradas em face dos trabalhadores.

Em posição jurisprudencialmente oposta ao TST, no que toca à interpretação do referido dispositivo constitucional, o Supremo Tribunal Federal posicionava-se no sentido de admitir a substituição processual pelo sindicato[37].

Em face do claro conflito com o entendimento firmado pelo STF, bem como das severas críticas ecoadas no âmbito doutrinário, o TST, embora tardiamente, cancelou a retrógrada Súmula 310, de modo a admitir a atuação do sindicato como substituto processual com base no art. 8°, III, CF.

Efetivamente, não pode prosperar o argumento segundo o qual a substituição processual deve estar expressamente prevista em lei, por se tratar de exceção à regra geral do sistema processual.

Com efeito, conforme explica Marcos Fava, “a substituição processual implica regra de exceção apenas no sistema clássico processual, e não no moderno processo coletivo, em que as peculiaridades da defesa dos interesses transindividuais exige legitimação ordinária dos corpos intermediários”[38].

Com efeito, os interesses metaindividuais apresentam características que reclamam a adoção, para sua efetiva defesa, de um sistema processual diverso do sistema tradicional, marcadamente individualista. Em sede de interesses coletivos em sentido amplo, a titularidade excede às pessoas singularmente consideradas, de modo a pertencer ao próprio gênero humano, coletivamente considerado. Tais características conduzem à necessidade de adoção da legitimidade extraordinária, relativizando-se as regras contempladas pelo sistema processual clássico.

Opera-se, assim, na seara do processo coletivo, uma inversão do preceito adotado pelo sistema processual clássico, no que toca à legitimidade extraordinária, que de exceção, passa a ser a regra geral. Nesse sentido, é a lição de Marcos Fava:

Da ótica do processo coletivo, a legitimação ativa para a proteção dos interesses transindividuais mostra-se, ordinariamente, extraordinária. Isto é, a regra geral, ao reverso do que se dá no processo clássico, é a da existência da relação de substituição processual, ordinariamente, o que exige a visitação deste instituto jurídico.[39]

Nesse sentido, ao atribuir ao sindicato, a defesa dos interesses metaindividuais trabalhistas da categoria, o art. 8°, III, CF contempla uma autêntica substituição processual. Com efeito, a entidade sindical atua, nesse caso, em nome próprio, em defesa de direito alheio, de modo a se adequar perfeitamente ao conceito do instituto em comento.

Trata-se de substituição processual anômala, eis que legitima o sindicato a propor a ação coletiva, sem, no entanto, desautorizar o empregado a ingressar individualmente.

Conforme visto, a jurisprudência do STF sempre tendeu a reconhecer a natureza jurídica de substituição processual da atuação do sindicato com base no art. 8°, III, CF. Veja-se, a título de ilustração, trecho do voto proferido pelo Min. Sepúlveda Pertence, no MS n° 20.936-4:

Tenho por iniludível, assim, que, no art.8º, III, efetivamente, não se tem representação, nem substituição processual voluntária, como no âmbito do art. 5º, XXI, mas, sim, autêntica substituição processual ex lege, por força direta e incondicional da própria Constituição

A doutrina, em sua ampla maioria compartilha do entendimento ora exposto[40]. Calha citar, por sua clareza e pertinência, a lição de Ronaldo Leal, abordando a paralisia do interesse de agir no âmbito laboral como justificativa para a substituição processual:

No campo do direito do trabalho, a paralisia do interesse de agir existe e é similar à primordial. Também aqui a realização do crédito traz consigo em débito, representado pela despedida, com o desemprego e a conseqüente cessação dos salários. Daí a necessidade da substituição do empregado isolado pelo seu sindicato classista, ao qual cabe, nos termos da Constituição, a defesa dos direitos e interesses da categoria, inclusive em questões judiciais. Ao sindicato da categoria está entregue o exercício da invocação da tutela jurisdicional ressarcitória como meio dê superação da paralisia do interesse de agir que acomete o empregado, em decorrência de uma situação sóciojurídica. (LEAL, 2002)

Registre-se, por outro lado, posição de parte da doutrina, no sentido de que, a hipótese em discussão não alberga caso de legitimação extraordinária na forma de substituição processual, mas sim de legitimação autônoma. Argumenta tal corrente que quando os entes legitimados atuam em defesa dos interesses difusos e coletivos, o fazem em defesa de seus interesses próprios, eis que relacionados às suas funções institucionais. Nesse sentido, Marcos Fava afirma:

[...] a dictomia tradicional que separa legitimação ordinária de extraordinária, simplesmente pela titularidade do direito material correspondente ao objeto da tutela não se amolda às necessidades do processo coletivo. Neste, diversamente do que ocorre no clássico, a titularidade do direito de ação do ente legitimado em favor da coletividade não decorre de vinculação a interesse próprio, stricto sensu, mas de um largo interesse, ligado umbilicalmente às suas funções institucionais. O sindicato não tem direito material às horas extraordinárias, mas lhe pertence o ônus de ajuizar ação coletiva em busca da regularidade da jornada dos trabalhadores de determinada empresa, renitente em corretamente aplicar o texto legal correspondente.[41]

Ocorre que os entes legitimados, no caso os sindicatos, quando atuam na proteção dos interesses metaindividuais, defendem muito mais que meros interesses próprios, agindo sim na defesa dos direitos individuais de cada um dos integrantes da categoria, em substituição de todo o grupo lesado. Em verdade, a coisa julgada em caso de procedência do pedido, aproveita a todo o grupo. Nessa esteira, Hugo Mazzilli afirma, em brilhante lição:

Alguns autores mencionam a natureza autônoma ou ordinária da legitimação para as ações civis públicas ou coletivas. [...] Que os legitimados ativos à ação civil pública ou coletiva também tenham interesse próprio na solução da lide, isso é perfeitamente possível admitir, Com efeito, uma associação civil que compareça a juízo na defesa de interesses transindividuais, também estará defendendo seu objeto estatutário e, portanto, interesse próprio, os entes públicos, não excluído o Ministério Público, a par de defenderem interesses de grupos, também defendem interesses da coletividade, como um todo, para o que estão votados. Entretanto, os legitimados ativos à ação civil pública ou coletiva fazem mais que defender interesse próprio. Não só quando o objeto da ação coletiva seja a defesa de interesses individuais homogêneos, mas também quando verse interesses difusos e coletivos, está claro eu os legitimados ativos defendem interesses de cada integrante do grupo lesado e, nesse ponto, estamos diante de uma forma de legitimação extraordinária.[42]

Resta, pois, demonstrado que a hipótese do art. 8°, III, CF corresponde a uma autêntica substituição processual, atuando o sindicato na defesa dos interesses metaindividuais da categoria como seu substituto processual.

Como conseqüência lógica do entendimento ora exposto, decorre a constatação no sentido da prescindibilidade de autorização expressa dos filiados por meio de instrumento de mandato ou ata da assembléia geral com poderes específicos, sob pena de restar prejudicada a efetiva tutela dos interesses metaindividuais dos trabalhadores, que assim ficariam sujeitos à retaliação patronal.

2.2 COMPETÊNCIA

A competência para apreciar as ações coletivas trabalhistas é obviamente da Justiça do Trabalho, em face do art. 114, I da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional n° 45/04, que atribui a esta justiça especializada o julgamento “das ações oriundas da relação de trabalho”.

Nesse sentido, em se tratando de ação civil pública trabalhista, o procedimento a ser adotado é o da reclamação trabalhista[43].

Quanto à competência funcional na ação civil pública e na ação civil coletiva, em matéria trabalhista, calha registrar a existência de corrente na doutrina, embora minoritária, no sentido de atribuir competência originária aos tribunais. Tal entendimento decorre de suposta semelhança de tais ações com os dissídios coletivos, cuja competência, por força do art. 678, I, da CLT, pertence aos órgãos de segundo grau de jurisdição.

As ações coletivas, no entanto, não se confundem com os dissídios coletivos, eis que na verdade, apresentam características que as aproximam mais dos dissídios individuais. Nesse sentido é a jurisprudência dominante do Tribunal Superior do Trabalho, conforme se pode verificar no acórdão de n° ACP-92867/93.1, de relatoria do Min. João Orestes Dalazen:

Impende realçar, por primeiro, que a ação civil pública “trabalhista”, em que pese pressuponha a defesa de interesses coletivos e/ou difusos, não exprime propriamente um dissídio coletivo, na acepção corrente em direito e processo do trabalho. Trata-se a rigor, de uma figura híbrida, com características do dissídios individual e do dissídio coletivo. Identifica-se com este no que supõe uma pluralidade indeterminada de sujeitos em conflito. Todavia, no ordenamento jurídico brasileiro, aparta-se do dissídio coletivo e afina-se com o dissídio individual no que tange ao objeto. (...) Logo, por mais irônico e paradoxal que se mostre, a ação civil pública “trabalhista” assemelha-se mais a um dissídio individual plúrimo que a um dissídio coletivo.

No que toca à competência territorial, esta pertence à vara do trabalho onde ocorreu a lesão, se de âmbito local, ou a vara do trabalho da capital do Estado ou do Distrito Federal, seja a lesão de âmbito regional ou nacional. Trata-se da regra do art. 93, de aplicação às ações coletivas trabalhistas.

O TST acolheu a tese ora exposta, consolidando-a por meio da Orientação Jurisprudencial n° 130, da SBDI-2:

SDI – II – OJ. 130 - Ação civil pública. Competência territorial. Extensão do dano causado ou a ser reparado. Aplicação analógica do art. 93 do código de defesa do consumidor. DJ 04.05.2004 - Parágrafo único do artigo 168 do Regimento Interno do TST. Para a fixação da competência territorial em sede de ação civil pública, cumpre tomar em conta a extensão do dano causado ou a ser reparado, pautando-se pela incidência analógica do art. 93 do Código de Defesa do Consumidor. Assim, se a extensão do dano a ser reparado limitar-se ao âmbito regional, a competência é de uma das Varas do Trabalho da Capital do Estado; se for de âmbito supra-regional ou nacional, o foro é o do Distrito Federal.

Registre-se que mencionado entendimento tem recebido severas críticas de parcela da doutrina. Argumenta-se que a aplicação analógica do art. 93 do CDC, desprezando-se a regra geral do art. 2° da LACP, de modo a fixar foro único para os danos que se estendam por mais de um Estado (DF) ou por mais de uma de uma localidade de um mesmo Estado (Capital do Estado), dificulta a efetivação da tutela coletiva.

Sendo assim, tal corrente defende o cancelamento ou revisão da referida OJ para afastar a incidência analógica do art. 93 do CDC, ou então conceder-lhe interpretação que resguarde a competência concorrente dos foros de qualquer das localidade alcançadas pela extensão do dano causado ou a ser reparado, m atenção à regra geral do art. 2° da LACP. Nessa esteira, veja-se o entendimento de Bezerra Leite sobre o tema:

De nossa parte, não sustentamos o cancelamento da OJ n. 130, e sim a sua adequação ao moderno sistema da LACP/CDC, de modo a permitir a competência concorrente, não apenas para a ação de conhecimento, como também, e principalmente, para a liquidação e a execução do julgado.[44]

Em artigo dedicado ao polêmico assunto, Fábio Leal Cardoso conclui pela:

(...) necessidade de revisão da Orientação Jurisprudencial n. 130, da SBDI-2, do Tribunal Superior do Trabalho, seja para permitir a competência concorrente entre as varas das capitais dos Estados com os órgãos do foro do Distrito Federal nas hipóteses de dano regional ou nacional, seja para resgatar-se a amplitude geográfica dos danos supraindividuais, como prevista no art. 93, da Lei do Consumidor.[45]

Em que pese a razoabilidade deste entendimento, frise-se que a OJ 130 da SBDI-2 do TST, permanece válida, de modo que para o TST, a competência é exclusiva do foro do DF, em se tratando de danos que estendam por mais de um Estado, e da Capital do Estado, quando se estendam por mais de uma localidade do mesmo Estado (aplicação analógica do art. 93 do CDC).

2.3 EFICÁCIA DA DECISÃO

Quanto aos efeitos da decisão proferida em ação coletiva proposta pelo sindicato em defesa de interesses individuais homogêneos ou coletivos da categoria, eventual procedência do pedido a todos aproveitará, enquanto a improcedência somente prejudicará os trabalhadores que tiverem intervindo no feito na qualidade de litisconsortes (Art. 103, III e § 2° do CDC; Art. 21 da LACP)

Quando a defesa referir-se a interesses difusos, outrossim, a improcedência por falta de provas não impede o ajuizamento de outra ação coletiva, desde que esta seja fundada em nova prova. O trânsito em julgado, contudo, em razão de qualquer outro motivo diverso da falta de prova implica na extinção sem julgamento de mérito de outra ação coletiva com o mesmo objeto (Art. 103, I, CDC; Art 16 da LACP).

2.4 AÇÕES INDIVIDUAIS E LITISPENDÊNCIA

Questão polêmica refere-se à possibilidade de existência de litispendência entre ação coletiva ajuizada por sindicato representante de categoria profissional, na condição de substituto processual e reclamação individual trabalhista pelo empregado, quando ambas possuem o mesmo pedido.

Sobre o tema, é possível apontar tendência predominante, nos julgados proferidos pela Justiça Trabalhista, inclusive o TST, no sentido do reconhecimento de litispendência em tais casos, de modo a se extinguir o processo sem julgamento de mérito, com fundamento no art. 267, V, do Código de Processo Civil – CPC. Nesse sentido, são os seguintes arestos: (Apud LEITE, 2010)

Litispendência – Ação anterior proposta pela entidade sindical – Substituição processual – E posterior pelo trabalhador individualmente – Acolhimento. Provada a anterioridade da ação ajuizada e a identidade da matéria, relativamente à ação posterior, impõe-se o acolhimento da preliminar suscitada, inteligência do parágrafo 3º do artigo 267 do CPC, a par do seu relevante interesse, já que se destina a evitar a prolação de decisões conflitantes e contraditórias. Irrelevante a circunstância de se tratar de anterior ação proposta pelo Substituto Processual (não havendo identidade de partes), seja porque o trabalhador possa ter figurado no rol de substituídos e, ainda que assim não fosse, dele seria o direito material em debate. Hipótese em que a extinção do processo é de rigor – art. 267, V, do CPC”. (TRT 15ª R., 5ª T. ac.25259/97, Rel. Luís Carlos Cândido Martins Sotero.

Litispendência Substituição processual Violação legal. Não viola a lei decisão do egr. Regional que reputa configurada a litispendência entre a ação individual do empregado e a ajuizada pelo Sindicato da categoria do Autor, como substituto processual, porquanto presentes a identidade substancial de partes e de pedido. Inteligência do artigo 301, V, § 1º, do CPC. Recurso não conhecido”. (TST, 1ª T., ac. 2372/97, Rel. Min. João Oreste Dalazen)

Ocorre que, data vênia, a corrente jurisprudencial citada olvida o disposto no art. 104 do CDC, segundo o qual:

 As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva. (grifou-se)

Na mesma toada, asseveram Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, ao analisarem o mencionado dispositivo:

Sabe-se, por outro lado, que a litispendência é instituto concebido (e, conseqüentemente, regido arbitrariamente) pelo legislador, que pode dar-lhe a disciplina que bem lhe aprouver. Em relação à litispendência considerada em face das ações individuais, a solução alvitrada pelo legislador é simples: a segunda ação deve ser extinta sem resolução do mérito (art. 267, V, c/c o art. 301, § 3º, do CPC). Mas no referente às ações coletivas a disciplina é outra: a litispendência não se opera como regra, sendo livre a propositura, na pendência de ação coletiva, de ação individual (ou vice-versa), sem que uma venha a influenciar a outra. De fato, como se prevê no dispositivo examinado, a sorte da ação coletiva não influencia o resultado da ação individual – ainda que ambas versem sobre o mesmo tema, fundados na mesma causa de pedir e contendo o mesmo pedido – a não ser quando, ciente da propositura da ação coletiva, o autor da ação individual expressamente requeira a suspensão de seu pleito nuclear para aguardar o resultado daquela. (grifou-se).[46]

Se não bastasse a clareza do citado art. 104 do CDC, é possível concluir que não há identidade de partes na hipótese em discussão. Isso porque, na ação coletiva, muito embora defenda interesses dos substituídos, o sindicato atua em nome próprio.

A tese que ora se defende, no sentido da inexistência de litispendência, é endossada por grande parte da doutrina, como, a título de exemplo, Ada Pellegrine Grinover[47], Carlos Henrique Bezerra Leite[48] e o Ministro do TST, Luiz Philippe Vieira de Mello Filho[49], em artigo publicado sobre o tema.

Ademais, a jurisprudência predominante do STJ perfilha tal entendimento[50]:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. REAJUSTE. PLANO COLLOR. AÇÃO AJUIZADA POR SINDICATO E AÇÃO INDIVIDUAL. LITISPENDÊNCIA. INOCORRÊNCIA. DISSÍDIO PRETORIANO COMPROVADO. 1. Esta turma,reiteradamente, tem decidido que, a teor do art. 255, e parágrafos, do RISTJ, para comprovação e apreciação do dissídio jurisprudencial, devem ser mencionadas e expostas as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, bem como juntadas cópias integrais de tais julgados ou, ainda, citado repositório oficial. Dissídio comprovado. 2. Pacificou-se a jurisprudência da Corte no sentido de que não ocorre litispendência da ação individual em face de ação coletiva ajuizada por entidade de classe ou sindicato. 3. Recurso conhecido e provido para afastar o óbice processual, determinando o retorno dos autos ao Tribunal de origem para exame das demais questões postas.” (REsp 327184/DF, 5ª T., Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ 02.08.2004)

AÇÃO COLETIVA. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. AÇÃO INDIVIDUAL. LITISPENDÊNCIA. A circunstância de existir, em curso, ação coletiva, em que se objetiva a tutela de direitos individuais homogêneos, não obsta o ajuizamento da ação individual. CADERNETA DE POUPANÇA. A responsabilidade pelo pagamento a menor do devido aos poupadores é do depositário, com quem contratou, e que terá sido o beneficiário da diferença, salvo no caso em que houve o bloqueio do numerário, perdendo ele a respectiva disponibilidade. O art. 17 da Lei nº 7.730/89 não se aplica às cadernetas de poupança cujo período aquisitivo se tenha iniciado até 15 de janeiro do ano em que editada. Interpretação conforme a Constituição. (REsp 147473/SC, 3ª T., Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 6.03.1998)


CONCLUSÃO

Procurou-se, por intermédio do presente trabalho abordar as peculiaridades dos interesses metaindividuais decorrentes da relação de trabalho, bem como as principais caractarísticas de sua defesa judicial pelas entidades sindicais. Nesse sentido, podemos apontas as seguintes conclusões:

Ante a massificação dos conflitos, a coletivização da tutela se fez necessária, com vistas a resguardas os interesses metaindividuais.

De fato, a titularidade dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, espécies do gênero interesses metaindividuais, excede o indivíduo singularmente considerado, referindo-se a um grupo de indivíduos ou até mesmo a toda a coletividade.

No âmbito do direito do trabalho, a coletivização da tutela mostrou-se igualmente necessária ante a ineficácia verificada no sistema de legitimação individual por meio das reclamações trabalhistas. O empregado resiste em ingressar na Justiça do Trabalho com receio de retaliação patronal.

No Brasil, a defesa de tais interesses tem fulcro na complementação recíproca existente entre a Lei n° 7347/85 (Lei da Ação Civil Pública) e a Lei n° 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor). Registre-se que a Constituição Federal de 1988 contemplou uma série de medidas visando à defesa dos interesses metaindividuais.

Com efeito, a ordem jurídica brasileira enseja atualmente a defesa de qualquer interesse metaindividual, inclusive em matéria trabalhista, já que não há taxatividade na sua proteção.

Não há incompatibilidade entre a tutela coletiva fundamentada na integração entre a Lei 7347/85 e o CDC, e o processo trabalhista, o que permite sua aplicação analógica.

Quanto à legitimidade para defesa dos interesses metaindividuais, em matéria trabalhista, a ordem jurídica atribuiu, seja por meio da ação civil pública ou da ação civil coletiva, de forma concorrente, ao Ministério Público do Trabalho e aos sindicatos.

No caso do sindicato, sua legitimidade emana da previsão do art.8°, III, da Constituição Federal. Sua defesa abrange os direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos dos integrantes da categoria, sejam sindicalizados ou não.

Ao atribuir ao sindicato, a defesa dos interesses metaindividuais trabalhistas da categoria, o art. 8°, III, CF contempla uma autêntica substituição processual. Com efeito, a entidade sindical atua, nesse caso, em nome próprio, em defesa de direito alheio, de modo a se adequar perfeitamente ao conceito do instituto em comento.

Dessa forma, verifica-se a desnecessidade de autorização expressa dos filiados por meio de instrumento de mandato ou ata da assembléia geral com poderes específicos.

Em que pese a existência de entendimento em contrário, especialmente da jurisprudência trabalhista dominante, é possível concluir, amparado no art. 104 do CDC, na melhor doutrina, bem como na jurisprudência do STJ, pela inexistência de litispendência entre ação coletiva ajuizada por sindicato representante de categoria profissional, na condição de substituto processual e reclamação individual trabalhista pelo empregado. 

Da pesquisa ora realizada, infere-se, principalmente, que a efetiva tutela dos interesses metaindividuais da categoria pelo sindicato não comporta uma interpretação restritiva da legislação aplicável , mas reclama, em verdade, uma exegese que amplie sua legitimidade, de modo a ressarcir, efetivamente, os trabalhadores lesados e iniba as macrolesões contra eles perpetradas.


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Notas

[1] PÉRISSÉ, Paulo Guilherme Santos. Interesses Tuteláveis por meio de Ação Coletiva.  In: RIBEIRO JÚNIOR, José Hortêncio; CORDEIRO, Juliana Vignoli; FAVA, Marcos Neves; CAIXETA, Sebastião Vieira (Orgs.). Ação Coletiva: na visão de juízes e procuradores do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 118-134.

[2] FAVA, Marcos Neves. Ação Civil Pública Trabalhista. São Paulo: LTr, 2005.

[3] LEAL, Ronaldo José Lopes. A Jurisdição Trabalhista e a Tutela dos Direitos Coletivos. In: SILVESTRE, Rita Maria; NASCIMENTO, Amauri Mascaro (Coord.). Os Novos Paradigmas do Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 603-619.

[4] LEAL, Ronaldo José Lopes. Ob. cit. p. 603-619.

[5] FAVA, Marcos Neves. Ação Civil Pública Trabalhista. São Paulo: LTr, 2005.

[6] MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Direitos Difusos em Juízo (18 ed.). São Paulo: Saraiva, 2005.

[7] MAZZILLI, Hugo Nigro. Ob cit.

[8] Apud LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ministério Público do Trabalho. São Paulo: LTr, 2006.

[9] Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.

[10] Art. 90. Aplicam-se às ações previstas neste título as normas do Código de Processo Civil e da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições.

[11] CARDOSO, Fábio Leal. Competência na Ação Coletiva Trabalhista. In: RIBEIRO JÚNIOR, José Hortêncio; CORDEIRO, Juliana Vignoli; FAVA, Marcos Neves; CAIXETA, Sebastião Vieira (Orgs.). Ação Coletiva: na visão de juízes e procuradores do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p.45-58.

[12] MAZZILLI, Hugo Nigro. Ob cit.

[13] Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

Parágrafo único - O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste.

[14] Apud  FAVA, Marcos Neves. Ob cit.

[15] MAZZILLI, Hugo Nigro. Ob cit..

[16] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ob cit.

[17] FAVA, Marcos Neves. Ob cit.

[18] Idem, Ob cit.

[19] Apud ARARUNA, Eduardo Varandas; PINHO, Eduardo Kelson Fernandes de. A Conceituação de Direitos Individuais Homogêneos à Luz do Código de Defesa do Consumidor e do Anteprojeto de Código de Processo Coletivo. Revista do Ministério Público do Trabalho, Brasília, n. 32, p. 85-129, out.1996.

[20] CORDEIRO, Wolney de Macedo. A delimitação procedimental da Liquidação das Sentenças de Tutela de Direitos Individuais Homogêneos no Processo do Trabalho. In: RIBEIRO JÚNIOR, José Hortêncio; CORDEIRO, Juliana Vignoli; FAVA, Marcos Neves; CAIXETA, Sebastião Vieira (Orgs.). Ação Coletiva: na visão de juízes e procuradores do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p. 327-348

[21] Apud MARTINS FILHO, Ives Gandra. A Ação Civil Pública Trabalhista. Revista LTr. São Paulo, vol. 56. n. 07, jul. 1992, p. 809-813.

[22] Idem, ob cit.

[23] FAVA, Marcos Neves. Ob cit.

[24] Apud LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ob cit.

[25] Apud TAPETY, Adriana Maria de Freitas. Ação Civil Pública para a Tutela de Interesses Difusos na Justiça do Trabalho. Revista do Ministério Público do Trabalho, n. 11, mar. 1996, p. 13-32.

[26] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ob cit.

[27] Idem, ob cit.

[28] Idem, ob cit.

[29] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ob cit.

[30] Apud TAPETY, Adriana Maria de Freitas. Ação Civil Pública para a Tutela de Interesses Difusos na Justiça do Trabalho. Revista do Ministério Público do Trabalho, n. 11, mar. 1996, p. 13-32.

[31] MARTINS FILHO, Ives Gandra. A Ação Civil Pública Trabalhista. Revista LTr. São Paulo, vol. 56. n. 07, jul. 1992, p. 809-813

[32] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ob cit.

[33] MAZZILLI, Hugo Nigro. Ob cit.

[34] FAVA, Marcos Neves. Ob cit.

[35] ASSIS, Araken de. Substituição Processual. In: DIDIER JR., Fredie (Org). Leituras Complementares de Processo Civil (4 ed.). Salvador: Edições PODIVM, 2006.

[36] NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado (4 ed.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

[37] A título de ilustração: MS 22.132-RJ, rel. Min. Carlos Velloso; RE 181.438-SP, rel. Min. Carlos Velloso.

[38] FAVA, Marcos Neves. Ob cit.

[39] Idem. Ob cit

[40] Nesse sentido: MAZZILLI, 2005; LEITE, 2006; e LEAL, 2002.

[41] FAVA, Marcos Neves. Ob cit.

[42] FAVA, Marcos Neves. Ob cit.

[43] MARTINS FILHO, Ives Gandra. Ob cit.

[44] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ob cit.

[45] CARDOSO, Fábio Leal. Competência na Ação Coletiva Trabalhista. In: RIBEIRO JÚNIOR, José Hortêncio; CORDEIRO, Juliana Vignoli; FAVA, Marcos Neves; CAIXETA, Sebastião Vieira (Orgs.). Ação Coletiva: na visão de juízes e procuradores do trabalho. São Paulo: LTr, 2006, p.45-58.

[46] Apud MELLO FILHO, Luiz Philippe Vieira de. A Ação Coletiva Induz Litispendência para a ação individual no Processo do Trabalho? Breves Reflexões. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, vol. 74, no 3, jul/set 2008, p. 35-42.

[47] Idem, ob cit.

[48] LEITE, Litispendência entre ação coletiva para tutela de interesses individuais homogêneos e ação invididualÂmbito Jurídico, Rio Grande, 64, 01/05/2009. Disponível em http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6027. Acesso em 08/12/2010.

[49] MELLO FILHO, Luiz Philippe Vieira de. Ob cit.

[50] Apud LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ob cit


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MACHADO, Gustavo Nabuco. Os interesses metaindividuais trabalhistas e a sua defesa em juízo pelo sindicato. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3710, 28 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25151. Acesso em: 29 mar. 2024.