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A validade e a legitimidade do critério etário como instrumento definidor do ingresso de estudante no ensino fundamental

A validade e a legitimidade do critério etário como instrumento definidor do ingresso de estudante no ensino fundamental

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Ao invés da prematura propositura de demandas judiciais, seria recomendável que o Ministério Público Federal solicitasse informações técnicas ao Ministério da Educação para a melhor compreensão da matéria, evitando prejuízo para milhares de estudantes.

Resumo: O presente estudo versa sobre a validade e a legitimidade da Resolução nº 6, de 20 de outubro de 2010, elaborada pelo Ministério da Educação, por meio do Conselho Nacional da Educação – CNE/MEC. Inicialmente, é apresentada uma breve exposição sobre o motivo do tema do artigo científico e a instabilidade advinda para o sistema educacional em razão da constante judicialização pelo Ministério Público Federal da referida Resolução. No desenvolvimento, é abordada a competência normativa do CNE. Também, é demonstrada a validade da adoção do critério da idade cronológica como forma de requisito para o ingresso no Ensino Fundamental, assim como opção de política educacional. É demonstrada, outrossim, a legitimidade da Resolução do CNE/MEC, segundo a ideologia de Jurgen Habermas. Na conclusão, é deduzida argumentação sobre a validade e legitimidade da Resolução do CNE/MEC e, consequentemente, a sua consonância com o ordenamento jurídico, assim como a ausência de razoabilidade na propositura de ações civis públicas sobre a matéria.

Palavras-chave: Resolução CNE/MEC. Fixação de critério etário. Ensino fundamental. Validade e Legitimidade. Jurgen Habermas.


1.INTRODUÇÃO

O tema do presente artigo científico trata da validade e da legitimidade do critério etário como instrumento definidor do ingresso de estudante no ensino fundamental.

À luz da visão de Advogado da União e de ex - Coordenador - Geral de Assuntos Contenciosos no Ministério da Educação, responsável pela prestação subsídios fáticos e jurídicos para a defesa judicial da União, é que foi elaborado o presente estudo, que tem por escopo tratar do assunto, sob a perspectiva da validade e da legitimidade da Resolução nº 6, de 20 de outubro de 2010, editada pelo Ministério da Educação, por meio do Conselho Nacional de Educação – CNE/MEC[1], cujo teor versa sobre a definição das diretrizes operacionais para a matrícula no ensino fundamental e na educação infantil.

É importante consignar que o CNE/MEC, com a finalidade de uniformizar o tratamento da matéria nas 27 (vinte) unidades federativas (26 estados e o Distrito Federal), editou a Resolução nº 6, de 20 de outubro de 2010.

Ademais, merece destaque que, antes mesmo da sua publicação, o assunto tratado na mencionada Resolução, que é de natureza técnico-educacional, foi objeto de discussão, em audiências públicas e fóruns nacionais, pelos conselhos de educação dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, dentre outras entidades.

Todavia, o Ministério Público Federal vem ajuizado diversas ações civis públicas, com o escopo de declarar a ilegalidade da referida Resolução do CNE/MEC, sob o fundamento de que as normas ali existentes implicam violação constitucional e legal, uma vez que o estabelecimento de critério etário obsta o acesso de crianças à educação, conforme se pode verificar dos argumentos apresentados na petição inicial do Processo Judicial Nº 0013466-31.2011.4.05.8300, em trâmite na Seção Judiciária de Pernambuco, e do Processo Judicial Nº 1478-40.2012.4.01.3304, em trâmite na Seção Judiciária da Bahia, dentre outras demandas judiciais análogas.

Merece registro que em diversas dessas ações judiciais, o Poder Judiciário Federal concedeu a tutela de urgência, requerida pelo Parquet, suspendendo os efeitos da Resolução do CNE/MEC em alguns estados da federação.

Dessa forma, é manifesto imbróglio existente no sistema educacional pátrio, notadamente no período de início do ano letivo, tendo em vista a instabilidade advinda da ausência de critério único para o ingresso das crianças no ensino fundamental e, consequentemente, a ausência de segurança jurídica na sua regulamentação, pois, em diversos estados brasileiros, não existe uniformidade ou mesmo qualquer balizamento rígido sobre o assunto.

Portanto, tem-se que a temática acima apresentada, demonstra-se atual e relevante no contexto sócio-jurídico, uma vez que as demandas judiciais apresentados pelo Ministério Público Federal contrariam o ordenamento jurídico pátrio, assim como a ideologia de Jurgen Habermas sobre a legitimidade advinda da sua teoria da ação comunicativa.

Deste modo, por meio do presente estudo, será factível verificar a validade e a legitimidade da Resolução nº 6, de 20 de outubro de 2010, editada pelo Ministério da Educação, por meio do Conselho Nacional de Educação, no que se refere à fixação da idade cronológica como critério hábil a definir o ingresso de estudante no ensino fundamental, cuja transcrição parcial é a seguinte, in litteris:

Art. 1º Os entes federados, as escolas e as famílias devem garantir o atendimento do direito público subjetivo das crianças com 6 (seis) anos de idade, matriculando-as e mantendo-as em escolas de Ensino Fundamental, nos termos da Lei nº 11.274/2006.

Art. 2º Para o ingresso na Pré-Escola, a criança deverá ter idade de 4 (quatro) anos completos até o dia 31 de março do ano que ocorrer a matrícula.

Art. 3º Para o ingresso no primeiro ano do Ensino Fundamental, a criança deverá ter idade de 6 (seis) anos completos até o dia 31 de março do ano em que ocorrer a matrícula.

Art. 4º As crianças que completarem 6 (seis) anos de idade após a data definida no artigo 3º deverão ser matriculadas na Pré-Escola.


2. DESENVOLVIMENTO

2.1. DA COMPETÊNCIA NORMATIVA DO CONSELHO NACIONAL DE EDCUCAÇÃO

Antes de adentrar no cerne da questão em debate, cumpre esclarecer que o art. 7º, caput, da Lei nº 9.131, de 24 de novembro de 1995, que alterou a Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, e o art. 9°, §1°, da Lei nº 9.394, de 20 de Dezembro de 1996,[2] [3]textualizam claramente que o CNE possui atribuições normativas, in verbis:

Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961.

Art. 7º O Conselho Nacional de Educação, composto pelas Câmaras de Educação Básica e de Educação Superior, terá atribuições normativas, deliberativas e de assessoramento ao Ministro de Estado da Educação e do Desporto, de forma a assegurar a participação da sociedade no aperfeiçoamento da educação nacional. (Redação dada pela Lei nº 9.131, de 1995) (grifei)

Lei nº 9.394, de 20 de Dezembro de 1996.

Art.9º - omissis

§ 1º Na estrutura educacional, haverá um Conselho Nacional de Educação, com funções normativas e de supervisão e atividade permanente, criado por lei. (grifei)

Não subsiste dúvida, portanto, que o Conselho Nacional de Educação do Ministério da Educação – CNE/MEC tem a prerrogativa legal de editar resoluções de caráter normativo, no que tange aos assuntos de natureza educacional, logicamente.

Com a finalidade de robustecer os argumentos acima declinados e demonstrar a exegese conferida pelo Poder Judiciário aos dispositivos legais acima mencionados, cumpre colacionar a seguinte ementa de julgado do Tribunal Regional Federal da 2ª Região[4], cujo teor corrobora o poder normativo do CNE, in verbis:

MANDADO DE SEGURANÇA. CONSELHO REGIONAL DE TÉCNICOS EM RADIOLOGIA. REGISTRO. I. Cabe à União, a supervisão, a avaliação, e assim, a autorização e o reconhecimento dos cursos das instituições de ensino, aí inserido o curso profissionalizante de Técnico em Radiologia, nos termos do art. 9º, IX, da Lei n. 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), cabendo as funções normativas e de supervisão ao Conselho Nacional de Educação (art. 9º, §1º). II. A Constituição Federal estabelece em seu 5º, XIII, que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. (grifei)

Deste modo, conforme explicitado anteriormente, é pacífica a compreensão de que o Conselho Nacional de Educação possui poder normativo, motivo pelo qual a Resolução nº 6, de 20 de outubro de 2010, não padece de qualquer irregularidade formal, em relação a sua edição por órgão da estrutura administrativa do Ministério da Educação.


2.2. DO CRITÉRIO DA IDADE CRONOLÓGICA COMO FORMA DE REQUISITO PARA O INGRESSO NO ENSINO FUNDAMENTAL

Conforme se depreende da redação do art. 29 e do art. 32, da Lei nº 9.394, de 20 de Dezembro de 1996, a primeira etapa da educação básica é designada de educação infantil, atendendo às crianças com até seis anos de idade. A segunda fase da educação básica é denominada de ensino fundamental e incorpora os estudantes da faixa etária de 6 (seis) a 14 (quatorze) anos.

Afigura-se, assim, como clarividente a opção do legislador em estabelecer a idade cronológica – critério etário - como requisito para estabelecer a migração do aluno do Ensino Infantil para o Fundamental.

Insta ressaltar que o critério da idade cronológica possui relevância no ordenamento pátrio, sendo erigido como requisito determinante para produção de diversos efeitos no cenário jurídico.

A Constituição da República estabelece que o alistamento eleitoral e o voto são obrigatórios para os maiores de dezoito anos, sendo facultativo para os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos, consoante a redação do art. 14, §1°, I e II, c.

A idade mínima é condição de elegibilidade para diversos cargos públicos, assim como é necessária a observância da faixa etária prevista na Constituição Federal para ingressar como Ministro do Supremo Tribunal Federal ou como membro do Conselho Nacional de Justiça, dentre tantas outras hipóteses.

Vale registrar, ainda, que ordenamento jurídico pátrio estabelece inúmeras hipóteses em que a idade cronológica é utilizada como único requisito para constituição de um fato jurídico lato sensu específico, conforme se verifica do art. 3º, I e o art. 4º, I, ambos do Código Civil Pátrio, cujo conteúdo versa sobre capacidade civil.

 Outro exemplo a ser citado é a hipótese da imputabilidade penal que apenas tem início para os maiores de 18 (dezoito) anos, conforme os termos do art. 27 do Código Penal.

Cabe citar ainda o art. 5º da Lei nº 8.112, de 11 de novembro de 1990, que fixa a idade mínima para investidura em cargo público. Nesse mesmo sentido, o art. 7º, XXXIII, da Magna Carta proíbe o trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, e o art. 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente considera criança, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquele entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos idade.

Com o objetivo de ilustrar e corroborar o argumento da validade do critério da idade cronológica como critério de aplicabilidade interdisciplinar, cumpre trazer à colação o seguinte julgado do Pretório Excelso que se amolda, mutatis mutandis, ao assunto em discussão, in litteris:

De acordo com o art.37, inciso I, da Constituição Federal, que é a norma específica a disciplinar a matéria, os cargos, empregos e funções são acessíveis aos brasileiros, que preencham os requisitos estabelecidos em lei e esses requisitos podem compreender, também, o da idade. Certo está que uma lei não pode estabelecer limites de idade que não sejam razoáveis [...][5]

Insta assinalar o entendimento doutrinário acerca do critério da idade cronológica no âmbito de direito penal, ipsis verbis:

[...] dotando o melhor e mais aceito critério, o CP estabelece, neste art.27, a presunção absoluta de inimputabilidade para os menores de 18 anos. Tal presunção obedece a critério puramente biológico, nele não interferindo o maior ou menor grau de discernimento. Ela se justifica, pois o menor de 18 anos não tem personalidade já formada, ainda não alcançou a maturidade de caráter. Por isso, o CP presume sua incapacidade para compreender a ilicitude do comportamento e para receber sanção penal.

Ainda que o jovem idade menor a 18 anos seja casado ou emancipado, ou mesmo que se trate de um superdotado com excepcional inteligência, a presunção legal persiste pelo seu caráter absoluto, que inadmite prova contrário.

Assim, ainda que o menor pratique um fato típico e ilícito, jamais poderá ser responsabilizado na esfera penal, pois lhe falta a imputabilidade, que é pressuposto da culpabilidade. Apenas ficará sujeito às providências previstas pelo Estatuto Criança e do Adolescente.[6]

Nesse passo, é forçoso concluir que o critério da idade cronológica é recepcionado como legítimo pela Carta da República, refletindo a opção do legislador pátrio como requisito genérico e abstrato capaz de averiguar o discernimento, a capacidade intelectual, o desenvolvimento psicológico e físico, aptidão de autodeterminação, adaptação ao convívio social, dentre outros requisitos.

Adoção de entendimento diverso sobre a ilegitimidade do critério etário conduziria à intelecção que a própria Constituição Federal possui diversas normas desarrazoadas e desproporcionais, pois elegem o critério etário como marco definidor de diversas situações jurídicas – por exemplo, idade mínima ou máxima para ser membro de um tribunal superior.

Mister se faz refletir sobre os seguintes questionamentos hipotéticos: i) os agentes públicos, após o cômputo da idade necessária, poderiam ter o direito de aposentadoria negado, desde que fosse comprovada a sua capacidade, por meio da devida avaliação, para continuar laborando?; ii) o menor de 14 (quatorze) anos, que por meio de avaliação, demonstre a devida capacidade poderia ingressar como servidor no serviço público federal?; iii) e a tão tormentosa e discutida questão do critério etário na definição da (in)imputabilidade penal, poderia o menor de 18 (dezoito) anos ser considerado imputável, caso comprovada a sua capacidade de autodeterminação?.

Portanto, seria manifesto o contrassenso em considerar como ilegítimo o critério etário como marco definidor para o ingresso no ensino fundamental, quando existem inúmeras situações em que o ordenamento jurídico pátrio elege a idade cronológica como requisito para aquisição de direitos e de obrigações.

Frise-se, por necessário, que a fixação do limite temporal de até 31 de março para comprovação da idade de 06 (seis) anos para o ingresso no primeiro ano do Ensino Fundamental – art. 3º da Resolução nº 06, de 20 de outubro de 2010[7] - é decorrência da necessidade de uniformizar o assunto de forma equânime por todas as instituições e sistemas de ensino, conferindo, assim, segurança jurídica no tratamento da matéria.

Contextualizando a discussão por outra tese argumentativa, cumpre frisar que o requisito legal de idade mínima para ingressar no ensino fundamental constitui critério objetivo e impessoal, não dando margem ao enquadramento do estudante na educação básica de forma a permitir a discriminação ou avaliação subjetivas no tratamento da questão em debate.

Dessa forma, tem-se que a adoção do posicionamento de mensurar na situação específica apresentada a capacidade intelectual e psicológica da criança como forma de definir o enquadramento do estudante no ensino infantil ou fundamental, não tem o condão de fragilizar o critério erigido da idade cronológica como marco definidor da educação básica, visto que se trata de norma geral e abstrata, editada pelo legislador ordinário e reproduzida pelo Conselho Nacional de Educação, não sendo razoável a transformação de uma solução apresentada para uma situação pontual e peculiar em regra geral que será aplicada para um número imensurável de estudantes.

Entendimento diverso pode ensejar, por exemplo, a materialização de situações fáticas graves de não adaptação das crianças demasiadamente novas ao ingressar no ambiente do Ensino Fundamental, marcado por maiores restrições e pelo convívio com crianças mais velhas, pertencentes a séries mais avançadas.

 Em suma, as normas em discussão trazem em seu bojo preceitos abstratos, cuja função precípua é regular inúmeras situações hipotéticas que possam vir a ocorrer no mundo jurídico, razão pela qual não se pode enveredar pela errônea tese da ilegitimidade do critério da idade cronológica em face da sua inaplicabilidade em alguns casos concretos e excepcionalíssimos, visto que as normas aplicáveis cuidam de regras impessoais, abstratas e genéricas.

Nesse diapasão, é forçosa a conclusão de que o estabelecimento da idade cronológica como forma de definição para o ingresso de criança no ensino fundamental encontra-se em harmonia com o ordenamento jurídico pátrio, máxime com a Constituição Federal, motivo pelo qual a Resolução nº 06, de 20 de outubro de 2010, editada pelo Ministério da Educação, por meio do Conselho Nacional de Educação, não padece de qualquer ilegalidade.


2.3.DA POLÍTICA PÚBLICA EDUCACIONAL ADOTADA

A política pública pode ser compreendida como um programa ou quadro de ação governamental, uma vez que consiste num conjunto de medidas articuladas e coordenadas, cujo objetivo é movimentar a administração pública com a finalidade de concretizar algum dispositivo normativo que traduz um direito subjetivo.

Cumpre informar que toda atividade administrativa, inclusive a concretização de políticas públicas, é desenvolvida nos estritos parâmetros legais, visto que é vedada à Administração Pública atuar em dissonância com a legislação de vigência.

A política educacional, no âmbito da legislação vigente, encontra-se estabelecida em diversos dispositivos normativos, dentre eles, a Lei nº 9.394, de 20 de Dezembro de 1996, a qual foi alterada pela Lei nº 11.114, de 16 de Maio de 2005, e pela Lei nº 11.274, de 06 de fevereiro de 2006.

A promulgação das referidas Leis, além de fundamentar as atuais propostas pedagógicas, tem como objetivo a elevação do nível de escolaridade da população e a redução das desigualdades sociais e regionais no tocante ao acesso e à permanência no ensino fundamental.

Infere-se, assim, que atual redação da Lei nº 9.394, de 20 de Dezembro de 1996 estabelece, explicitamente, a idade mínima para o acesso ao ensino fundamental, qual seja, 6 (seis) anos de idade, razão pela qual é obrigatória a ilação que não se trata, portanto, de uma faculdade, mas de um critério legal.

Depreende-se, assim, que a nova Política Pública de organização da educação básica, determina que a educação infantil passe a atender a população de 0 (zero) à 5 (cinco) anos e o ensino fundamental deve incorporar a população de 6 (seis) anos, passando a atender a faixa etária de 6 (seis) à 14 (quatorze) anos, com a consequente alteração de sua duração de 8 (oito) para 9 (nove) anos.

O ensino fundamental com 9 (nove) anos de duração, na nova configuração, com 5 (cinco) anos iniciais – 1° ao 5° ano – e 4 (quatro) anos finais – 6° ao 9° ano – pode assumir, nos termos do art. 23 da Lei nº 9.394, de 20 de Dezembro de 1996, formas de organização diferenciadas, conforme definição dos sistemas de ensino e das escolas em suas propostas pedagógicas.

Nesse compasso, infere-se que a efetivação da matrícula da criança no ensino fundamental deverá guardar coerência com o espírito de democratização que inspira a extensão da educação básica: ampliação do tempo de escolaridade obrigatória e garantia de atendimento de qualidade para todos.

Portanto, a regra geral amplia para 9 (nove) anos o tempo de permanência das crianças ingressantes no ensino fundamental, não implicando na  redução dessa fase da educação básica. 

Todas as crianças que completam 6 (seis) anos até o início do ano letivo têm o direito de ser matriculadas no primeiro ano do ensino fundamental e de ter sua permanência garantida nesse nível pelo tempo mínimo de 9 (nove) anos, com condições adequadas de desenvolvimento intelectual e sociocultural.

Convém registrar ainda que o período escolar é o momento de formação humana, etapa imprescindível na etapa de adaptação e no convívio com as outras crianças, de ingresso nos ambientes sócio-culturais; momento de amadurecimento que necessita consolidar-se, não se justificando avanços do percurso escolar em função de uma suposta capacidade intelectual aguçada.

Insta assinalar que a vaidade dos genitores em anunciarem aos seus pares, o avanço prematuro do seu filho na escola, em razão do elevado conhecimento intelectual impede a criança de ser criança, tira dela a oportunidade de ter uma infância rica de vivências alegres e formativas que vão sendo sufocadas bruscamente.

Nesse diapasão, é forçosa a ilação de que a Resolução nº 6, de 20 de outubro de 2010, notadamente na fixação da idade mínima de 06 (seis) anos para o ingresso no ensino fundamental, constitui reprodução da Lei nº 9.394, de 20 de Dezembro de 1996, sendo instrumento da política educacional destinado a definir as diretrizes operacionais para matrícula na educação básica.


2.4. DA LEGIMITIDADE DA RESOLUÇÃO DO CNE/MEC À LUZ DA IDEOLOGIA DE HABERMAS

O art. 211, §2º e § 3º, da Carta da República e o art. 17 e o art. 18 da Lei nº 9.394, de 20 de Dezembro de 1996, textualizam claramente que compete aos estados e aos municípios atuarem prioritariamente no ensino fundamental, tanto no que se refere à função normativa como na manutenção de instituições estaduais de ensino.

Ademais, vale consignar que o art. 211 da Constituição Federal e o art. 9º da Lei nº 9.394, de 20 de Dezembro de 1996, estabelecem que a União, em regime de colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, estabelecerá as diretrizes para o ensino fundamental.

Diante desse contexto normativo, é possível verificar que a Resolução nº 6, de 20 de outubro de 2010, foi editada em consonância e com fundamento na Constituição da República e na Lei nº 9.394, de 20 de Dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, sendo certo a sua validade no sistema jurídico pátrio.

Em relação à legitimidade da referida Resolução do CNE/MEC, cumpre traçar um paralelo com a ideologia de Jurgen Habermas, cujo pensamento filosófico tem como peculiaridade a legitimidade do processo discursivo advinda da observância da comunicação, da participação e da intersubjetividade.

 Como é cediço, o pensamento habermasiano destaca a relevância do viés linguístico no processo intersubjetivo de ações comunicativas destinadas a conferir validade (legitimidade) ao sistema político e jurídico.

O professor da Universidade Estadual Oeste do Paraná, Paulo Roberto de Azevedo, assim disserta sobre a teoria habermasiana[8]:

Tem-se, assim, o modelo político habermasiano orientado pelos princípios da teoria da ação comunicativa. Fundamentalmente sua característica é centrar a racionalidade nos processos intercomunicativos. Segundo o autor, essa guinada comunicativa não só opera uma transformação na ideia de Estado (e de sua correlação conceitual com o direito), mas representa também uma via democratizadora. Isso porque que desloca sua fundamentação política de uma metafísica da subjetividade para processos argumentativos orientados para o acordo consensual.

 Sendo assim, tem-se que a teoria habermasiana é fundamentada na livre interação comunicativa entre os indivíduos (intersubjetividade), que é norteada pela busca do consenso na argumentação produzida, sendo essa a tradução racional da opinião e da vontade.

A partir da compreensão de Habermas a respeito da legitimidade, tem-se que a efetiva participação de diversos atores sociais, relacionados ao assunto educacional, como secretarias estaduais e municipais de educação, assim como pelos conselhos estaduais e municipais de educação, na edição da Resolução nº 6, de 20 de outubro de 2010, confere-lhe legitimidade singular.

Apenas para demonstrar que a referida Resolução foi elaborada nos moldes de intensa interação entre as entidades públicas e privadas responsáveis pela educação, no sentido de buscar a edição de norma consensual para mitigar qualquer irresignação sobre o seu conteúdo, cumpre transcrever o seguinte excerto da manifestação técnica, elaborada pelo Conselho Nacional de Educação – CNE[9], in verbis:

[...]

Entretanto, considerando que o inciso IV do art. 9º da LDB define que a União “incumbir-se-á de estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum”, as Diretrizes Curriculares Nacionais foram definidas pela Câmara de Educação Básica após muito estudo e debate com os órgãos técnicos do Ministério da Educação e as instâncias normativas dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, representados pelo Fórum Nacional de Conselhos Estaduais de Educação e pela União Nacional de Conselhos Municipais de Educação, bem como, também, com a representação direta dos próprios Conselhos de Educação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como com a participação de representantes do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação e da União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação.

Nesse sentido, tanto as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, definidas pela Resolução CNE/CEB nº 5/2009, com base no Parecer CNE/CEB nº 20/2009, quanto as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 anos, definidas pela Resolução CNE/CEB nº 7/2010, com base no Parecer CNE/CEB nº 11/2010, foram precedidas de inúmeras audiências públicas nacionais, as quais contaram com ampla participação dos Conselhos de Educação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como com significativa representação de professores e dirigentes de ensino e representações de secretários estaduais e dirigentes municipais de educação.

Dessa forma, afigura-se a legitimidade da Resolução nº 6, de 20 de outubro de 2010, haja vista que a mesma foi editada à luz da efetiva participação de diversos atores sociais que tratam do ensino fundamental, sendo fundamentada em diversas manifestações técnicas e no direito comparado, assim como se encontrada em consonância com a legislação ordinária, que foi elaborada por meio de processo legislativo democrático.


2.5. DA CONCLUSÃO

Face aos argumentos acima articulados, é forçosa a conclusão que, apesar da relevante função do Ministério Público Federal de salvaguardar o interesse da coletividade, a constante e desarrazoada judicialização sobre matéria, decorrente de várias ações civis públicas propostas, em que são proferidas algumas determinações judiciais no sentido de suspender os efeitos da Resolução nº 6, de 20 de outubro de 2010, resulta em manifesta instabilidade para o sistema educacional, notadamente no início do ano letivo, na medida em que inexiste ou mesmo são estabelecidos critérios diversos (e não uniformes) para definir a forma de ingresso dos estudantes no ensino fundamental.

Não subsite dúvida que matéria em análise – fixação de critério etário para o ingresso no ensino fundamental – constitui matéria de caráter técnico-educacional e que o Ministério da Educação, por meio do Conselho Nacional de Educação, tem competência normativa para disciplinar assunto dessa natureza, inclusive relacionado à fixação de diretriz operacional para a matrícula de estudante no ensino fundamental e na educação infantil.

Além disso, o estabelecimento da idade cronológica mínima de 06 (seis) anos completos, até o dia 31 de março do ano em que ocorrer a matrícula, como pressuposto de ingresso no ensino fundamental, encontra-se em consonância com o ordenamento jurídico pátrio, máxime com a Constituição Federal, haja vista que o critério etário é utilizado como marco definidor de inúmeras situações jurídicas.

Acrescente-se, também, que a definição da idade mínima de 06 (seis) anos constitui, assim como a duração de 09 (nove) anos do ensino fundamental, constituem elementos da hodierna política educacional adota, conforme se depreenda singela leitura da Lei nº 9.394, de 20 de Dezembro de 1996.

Assim, é manifesta a validade formal e material da Resolução nº 6, de 20 de outubro de 2010, elaborada pelo Ministério da Educação, por meio do Conselho Nacional de Educação.

Em razão do processo de elaboração da referida Resolução ter sido objeto de ampla discussão, inclusive com a participação de diversas das secretarias estaduais e municipais de educação, assim como dos conselhos estaduais e municipais de educação, dentre outras entidades públicas e privadas, tem-se que é clarividente a sua legitimidade, que é corroborada pela aplicabilidade do pensamento filosófico de Jurgen Habermas.

Dessa forma, ao invés da prematura propositura de demandas judiciais, seria recomendável que o Ministério Público Federal, com fundamento no art. 26, inciso I, alínea “b”, da Lei Nº 8.625, de 12 de Fevereiro de 1993, solicitasse informações técnicas ao Ministério da Educação para a melhor compreensão da matéria, obstando, assim, prejuízo para milhares de estudantes.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2007.

BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 2008.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

DELMANTO, Celso; DELMANTO, Roberto; DELMANTO, Fábio de Almeida. Código Penal Comentado. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2010.

MENDES, Gilmar Ferreira e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2011.


Notas

[1]Brasil. Resolução CNE nº 6, de 20 de outubro de 2010. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=14906&Itemid=866. Acesso em: 13 jun 2013.

[2] BRASIL. Lei n. 9.131, de 24 de novembro de 1995. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9131.htm>. Acesso em: 13 jun. 2013.

[3] BRASIL. Lei n. 9.394, de  20 de Dezembro de 1996. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>. Acesso em: 13 jun. 2013.

[4] BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Remessa Ex Offício em Ação Cível - REO. Conselho Nacional de Educação. Poder Normativo.  REO n° 200751010024583, Relator Des. Theophilo Miguel, Sétima Turma, DJ 28/11/2007.

[5]  BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário - RE. Validade. Critério etário. Acessibilidade. Cargos públicos. RE n° 136237 / DF, Relator Min. Paulo Brossard, Segunda Turma, DJ 08/04/1994.

[6]  DELMANTO, Celso; DELMANTO, Roberto; DELMANTO, Fábio de Almeida. Código Penal Comentado. Rio de Janeiro: Renovar. 6ª edição. pág.55.

[7] Art. 2º Para o ingresso no primeiro ano do Ensino Fundamental, a criança deverá ter 6 (seis) anos de idade completos até o dia 31 de março do ano em que ocorrer a matrícula.

Art. 3º Para o ingresso no primeiro ano do Ensino Fundamental, a criança deverá ter idade de 6 (seis) anos completos até o dia 31 de março do ano em que ocorrer a matrícula.

[8] AZEVEDO, Paulo Roberto. A Democracia Comunicativa: uma exposição da ideia de democracia em Jürgen Habermas a partir da análise dos volumes da obra “Direito e Democracia, entre facticidade e a validade. Disponível em: < http://e-revista.unioeste.br/index.php/tempodaciencia/article/view/1569/1280> Acesso em: 13 jun. 2013.

[9]Brasil. Nota Técnica do CNE. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=13556&Itemid=956. Acesso em: 13 jun 2013


ABSTRACT

The present study concerns the validity and legitimacy of Resolution No. 6, of October 20, 2010, prepared by the Ministry of Education, through the National Board of Education - CNE / MEC. Initially, we present a brief statement about why the theme of the scientific and instability arising for the educational system due to the steady legalization by federal prosecutors of the Resolution. Development, is addressed to legislative competence of the NEC. Also, it is demonstrated the validity of the adoption of the criterion of chronological age as a form of requirement for entry into elementary school, as well as educational policy option. It demonstrated the legitimacy of Resolution CNE / MEC, according to the ideology of Jurgen Habermas. In conclusion, it is deduced arguments about the validity and legitimacy of Resolution CNE / MEC and hence its line with the legal system.

Keywords: CNE / MEC. Fixing the age criterion. Elementary school. Validity and Legitimacy. Jurgen Habermas.


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BORBA, João Paulo Santos. A validade e a legitimidade do critério etário como instrumento definidor do ingresso de estudante no ensino fundamental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3760, 17 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25528. Acesso em: 26 abr. 2024.