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Vocação hereditária do nascituro

Vocação hereditária do nascituro

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Ampara-se o concebido vivente no útero materno com mais evidência, tendo em vista o conhecimento indubitável da sua presença. Sua expectativa de direito deve ser tomada com seriedade durante a transmissão do acervo hereditário.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho monográfico surge do resultado de uma análise específica do tema Tutela Jurídica do Nascituro, ao concentrar sua essência na sua capacidade sucessória. Para tanto, foi necessária uma decomposição concernente ao que seria a personalidade jurídica e a capacidade civil do homem, de forma que estas são pilares basilares para a aquisição e o exercício, respectivamente, dos direitos civis.

A pesquisa discorre sobre a problemática da consequência advinda da possibilidade de ser o nascituro contemplado como sucessor legítimo ou testamentário. Paralelamente, o surgimento dos efeitos patrimoniais submetidos às regras previstas para a transmissão da herança, uma vez que estas são fundamentadas pelo prévio nascimento do sucessor ao tempo da morte do de cujus. De tal maneira, aborda o estudo a sua ressalva, qual seja, a do ser ainda não nascido, mas já concebido no instante deste marco transmissor.

Nesse sentido, convém enveredar pelo ordenamento jurídico que salvaguarda os interesses futuros daqueles cuja existência é comprovada e que, no entanto, ainda não é nascido, tangenciando, com isso, a controvertida natureza jurídica do nascituro, que é pendente e condicionada ao evento do seu nascimento com vida.

Com isto, demonstra-se a dependência do nascimento com vida a que se sujeita o feto do direito pretenso aquisitivo, posto que a perspectiva de vida existe e é igualmente importante a de qualquer outro ser humano, devendo, portanto, ser estudado seus direitos e garantias. Além, destarte, da identificação específica dos casos em que o espólio advindo de uma sucessão hereditária deverá ser transmitido, com efeito, ao nascituro.

A natureza da vertente metodológica utilizada nesta pesquisa será a qualitativa, na medida em que esta modalidade permite a conversão da variabilidade das condutas humanas em uma compreensão de um todo. Não ocorre, porém, a preocupação com a representatividade numérica e estatística, mas sim com o aprofundamento da subjetividade do fenômeno sucessório no tocante ao nascituro.

Foi empregado, ainda, o método de abordagem dedutivo. Dessa forma, a pesquisa levará contornos especificadores, transferindo os princípios gerais do direito das sucessões para o exame minudente da vocação hereditária do nascituro. Quanto ao método de procedimento, o tratamento do tema estará ligado ao recurso monográfico, em virtude das ferramentas bibliográficas, com a contribuição dos doutrinadores do meio jurídico que esmeram o cotidiano do Direito, proporcionando resultados detalhados e exaustivos do caso em aprofundação. Assim, utilizando de um material já elaborado, constituído de livros e artigos científicos, para se chegar ao fim que se destina.

No tocante aos métodos de interpretação jurídica, a função deste estudo será intensificar o olhar sobre o nascituro sucessor, analisando os aspectos sociológicos e jurídicos que envolvem essa problemática, sobressaltando criteriosamente seus aspectos legais e costumeiros ao longo do tempo.

No que concerne ao desenvolvimento da pesquisa, ela foi estruturada em três capítulos. No primeiro, prioriza-se uma explanação acerca da tutela jurídica do nascituro, uma vez que esta proteção o insere no panorama normativo. Com isso, o estudo foi retificado em tópicos referentes ao início da vida, como as formas de comprovação da existência de um feto nas vísceras maternas e os seus dilemas quanto ao começo da personalidade civil, abrangendo, dessa forma, as teorias doutrinárias da personalidade. Ainda, nesse capítulo inaugural, são evidenciadas as evoluções do nascituro no tempo, com o intuito de compreender os conceitos hodiernos.

No segundo capítulo, expõe-se a contribuição do direito codificado romano, cuja parcela referente ao direito sucessório é preambular e inspiradora aos conceitos e procedimentos adotados no nosso novel código civil brasileiro, no que promove, igualmente, o direito das sucessões.

Por fim, no terceiro capítulo, a temática discutida adentra na delimitação proposta pelo estudo, discorrendo sobre a vocação hereditária do nascituro. Por essa razão, a minúcia evidencia a capacidade de suceder pelas formas elencadas pela lei ou, simplesmente, por puro ato de liberalidade do autor da herança. Ainda, fita-se o instituto da curatela do nascituro, em virtude da impossibilidade óbvia do estado limitado de expressão e defesa dos direitos de um feto. Por conseguinte, fez-se necessário a explanação diferençável entre embrião, nascituro e concepturo. Concluindo-se com o importantíssimo meio de rogo dos direitos de herdeiro, qual seja a petição da herança.

Nas considerações finais, revelou-se a preocupação em preservar no direito sucessório brasileiro um espaço destinado à conjuntura que envolve o vivente no útero materno, posto a relevância do tema. A qualidade ainda virtual do nascituro fica condicionada a pressupostos eventuais e legais que, porém, não o retira do alistamento para a recepção dos frutos e rendimentos decorrentes da deixa testamentária ou legítima, mesmo que estes sejam deferidos de maneira potencial e com o devido teor legal, uma vez que será ineficaz caso o feto nasça morto. De qualquer forma, o interesse do nascituro deve ser resguardado sem esperar a infortunística ou a sobrevivência pós-parto, em virtude dos meios probatórios de sua existência.  


CAPÍTULO 1     - TUTELA JURÍDICA DO NASCITURO

1.1 O INÍCIO DA VIDA

Para o nosso ordenamento jurídico a compreensão do ciclo da vida humana é de extrema importância, pois o seu início e fim acarretam consequências relevantes. O interesse teórico acerca dos dilemas existenciais e da polêmica investigação sobre o início da vida acarreta uma intensa busca sobre o estabelecimento do instante exato em que um novo ser humano será revelado. Para tanto, a definição desse marco civil deve ser encontrada sem inclinações místicas, bem como pautadas em preceitos éticos e morais, posto que a determinação do momento exato em que uma nova entidade será considerada viva proporcionará a prerrogativa do direito subjetivo, decorrente das normas postas a viger num dado momento, afiançando segurança jurídica ao novo ser.

Tomando por base a premissa de que não haverá direito subjetivo sem que haja sujeito, observa-se que a grande indagação e controvérsia está no estabelecimento da precisa ocasião em que a vida será iniciada. Aspectos filosóficos, religiosos e científicos foram e ainda são confrontados ao que tange a temática, uma vez tratar-se de diretrizes para o desenvolvimento dos valores morais, da tutela dos direitos personalíssimos e, mais atualmente, das pesquisas embrionárias. Assim, diversas teses foram suscitadas, mas, basicamente, são três as principais teorias que versam sobre o início da vida.

A primeira delas refere-se ao momento da concepção, no qual a fecundação do óvulo pelo espermatozóide define o instante revelador do ser humano; portanto, se baseia no fato de que o início da gravidez também demonstra o início da vida humana. A Igreja Católica é adepta desta tese e, assim como ela, os doutrinadores de direito penal, pois no que tange ao aborto, por exemplo, localizado no capítulo dos crimes contra a vida, o bem jurídico tutelado é o feto em qualquer grau de maturidade, ou seja, em forma de ovo, embrião ou nascituro[1].

Neste enfoque, esclarece Teodoro:

A teoria da concepção se mantém como a mais forte entre todas. A fetologia, muito desenvolvida nas últimas décadas, aponta como o início da vida o momento em que o óvulo é fecundado pelo espermatozóide. Irrelevante se a fecundação se deu in vitro ou no útero. Para os defensores dessa teoria, a única mudança concreta alcançada com o desenvolvimento da ciência foi a capacidade de se fecundar os gametas femininos e masculinos fora do organismo da mulher; porém, o início da vida sempre foi e sempre será o exato instante em que os gametas se encontram e se fundem.[2]

Ainda, corrobora Carlos Betancur[3]:

[...] hay vida humana independiente desde el momento mismo de la concepción, esto atendiendo a declaraciones de la biología y no a lo establecido por el derecho. Esto porque el concepto de vida obedece a um asunto natural que em nada se altera por las concepciones que tengan los hombres de ella, porque es netamente objetivo.[4]

Contrapondo-se à tese concepcionista, a teoria da nidação declara ser o fenômeno da implantação do ovo no útero o instante que promove o estado gravídico de uma mulher, promovendo, assim, uma ideal condição de viabilidade ao novo ser. Para ela, somente através da nidação é que se adquirirá perspectivas para o desenvolvimento de formas humanas. Sobre o tema, discorre Lothar Carlos:

É extremamente alta a quantidade de óvulos fecundados que não chegam a se alojar no útero. Estimativas variam entre 40% a 70% de zigotos que se perdem no trajeto. A nidação, pois, encerra um processo de rigorosa seleção. Caso todos esses óvulos fecundados, normalmente abortados sem tomada de conhecimento por parte da mulher, devessem ser considerados seres humanos em sentido integral, tratar-se-ia nessa seleção de uma tragédia humana de gigantescas e singulares proporções. Deveria ser deplorado verdadeiro “genocídio natural”, com diariamente milhares e milhares de vítimas. Enquanto não assegurado que o amontoado de células, ou seja, o zigoto, tenha condições de se tornar um ser humano, é impróprio conceder-lhe o status moral.[5]

Logo, por esta teoria, apenas a fixação do embrião no útero é que permitirá a programação genética suficiente para a sobrevivência e evolução do novo ser. Com isso, tornando possível o surgimento do ser humano, já que o corpo materno poderá geri-lo.

Por fim, temos a teoria da formação dos rudimentos do sistema nervoso central. Esta corrente utiliza, por analogia, a inversão do critério legal destinado para a determinação da morte como o meio pelo qual se conclui o marco preambular para o sinal de vida. Na nossa legislação vigente, a sucumbência de uma pessoa é declarada através da irreversível perda das suas funções cerebrais e, por conseguinte, o início da vida será a formação da placa neural. Em outras palavras, se a morte é determinada pelo fim das ondas cerebrais, a vida será iniciada pelas atividades inaugurais das mesmas. Outrossim, alega ser o surgimento da linha primitiva do sistema nervoso central o impulso para a constituição propriamente dita da vida humana, pois a situação torna o embrião, geneticamente, uma entidade individual[6].

Os estudos sobre o princípio da nossa série humana se exaurem na investigação do dado momento em que será seguro afirmar que uma vida teve origem, pois diversas serão as conseqüências. As descobertas científicas sobre o código genético próprio de uma única célula impulsionam os questionamentos acerca do moralismo inserido na proteção da pessoa.

Gustavo Monaco conclui que:

Essas formas de conceber o início da vida humana acarretam uma série incrível de conseqüências que vão desde a garantia ou não de direitos patrimoniais até a justificação de interrupção voluntária da gravidez que leva em conta essa proteção ao embrião, ao feto ou ao nascituro, impedindo que sua expectativa de vida seja retirada.[7]

Dessa maneira, percebe-se que, independendo da teoria utilizada, os fenômenos biológicos já estão solidificados e os valores morais agregados à vida, possibilitando a aquisição de direitos iguais aos daqueles que já nasceram e que transitam no universo civil. Todavia, estreitar em teses o evento remoto da criação de um novo homem ainda resta dividido em opiniões tendenciosas a cada área de conhecimento.

1.1.1         A Existência da Pessoa Natural

Em qualquer instituto jurídico deve-se tomar um ponto de partida, fundamental para a ordem e regulamentação de um direito. Para esse fim, o Direito Civil, baseado nas relações sociais (Ubi societas, ibi jus), estabeleceu o estudo das pessoas naturais. Pois, como dizia José Cretella Júnior, “o estudo do direito deve começar pelas pessoas, porque não é possível conhecê-lo sem conhecer estas últimas”[8].

O termo pessoa provém do latim persona, substantivo que determinava, na linguagem teatral da Roma antiga, as famosas máscaras de teatro e assim os próprios papéis sociais ou personagens por elas representados. Contudo, eram confundidas com a dicção do vocábulo personare, que significa propagar a voz, soar através de, ao passo que as máscaras possuíam um orifício que fazia ecoar e majorar o tom da fala dos atores, possibilitando uma qualidade sonora ao espetáculo. Porém, a verdadeira origem, talvez a mais remota, proveio do grego prósopon de onde projetou ao etrusco phersu. Ocorre que a evolução da palavra passou a designar o próprio indivíduo e, posteriormente, a comportar todos aqueles suscetíveis de direitos e obrigações nas mais diversas relações jurídicas.

A idéia primitiva de pessoa coincidiu com a própria imagem do homem e, por conseguinte, com a acepção jurídica de sujeito de direito, uma vez que por razões biopsíquicas apenas a autonomia humana teria possibilidades para proclamar os complexos de direitos e deveres. Dessa forma, a tradicional doutrina revela a pessoa como um ente físico ou moral idôneo para gozar dos direitos subjetivos. Embora, seja corolário do direito o dever.

A ordem jurídica atual aceita duas espécies de pessoas: a pessoa natural e a pessoa jurídica. A primeira consiste na pessoa física, enquanto a segunda no agrupamento daquelas para o alcance de fins comuns.

A pessoa natural, sustentáculo do nosso estudo, é o termo formal para designar o próprio homem, como entidade física e singular percebida pelas leis da natureza. Para Gonçalves, essa nomenclatura revela “o ser humano tal como ele é, com todos os predicados que integrem a sua individualidade”[9]. O termo, ainda, tanto pode abranger o ser gerado por meio biológico, como por meio artificial, desde que reserve os genes humanos.

Todavia, em pensamento distinto, Heloísa Helena Barboza, baseando-se em Ferrara, estabelece que:

Pessoa é um conceito jurídico-formal, que não implica qualquer condição de corporalidade ou espiritualidade ao investido [...] O homem não por natureza, mas por força do reconhecimento do direito objetivo, é pessoa: não se tem um direito inato e primordial à personalidade.[10]

Ocorre que a determinação da pessoa natural é tão somente o condão para a individualização de uma criatura humana, a ponto de torná-la sujeito de direito. Com isso, o real intento da nomenclatura é transcender o homem a ponto de portá-lo a uma medida padrão adquirente de um rol de proteções dada pela normativa vigente. Portanto, não é de total absurdo confundir o homem com a própria determinação de pessoa natural, em virtude da presença de valores, como igualdade, por exemplo, agregados às atividades jurídicas direcionadas a todos os seres humanos, equiparando homem, pessoa e sujeito de direitos.

1.1.2        Teorias da Personalidade Civil do Homem

A personalidade civil constitui o vetor para se ter a aptidão de exercer direitos e contrair obrigações. Por essa razão, percebe-se sua umbilical ligação ao conceito de pessoa, pois como dita o art. 2° do novel Código Civil: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”[11]. Assim, nascendo um homem com vida, torna-se pessoa e, por conseguinte, adquire personalidade.

Sobre o tema, afirma Venosa que:

[...] ao conjunto de poderes conferidos ao ser humano para figurar nas relações jurídicas dá-se o nome de personalidade. A capacidade é elemento desse conceito; ela confere o limite da personalidade. Se a capacidade é plena, o indivíduo conjuga tanto a capacidade de direito como a capacidade de fato, mas sua capacidade de exercício está mitigada; nesse caso, a lei lhe restringe alguns ou todos os atos da vida civil. Quem não é plenamente capaz necessita de outra pessoa, isto é, de outra vontade que complete sua própria vontade no campo jurídico [...].[12]

Ademais, o início da personalidade diverge entre três teorias: a teoria natalista, a teoria concepcionista e a teoria pré-concepcionista.

A teoria natalista é adepta da tese de que o nascituro só adquire personalidade jurídica após o seu nascimento com vida, constatando que o feto trata-se de um mero expectador do direito, cuja esperança é possuir um ingresso na vida civil.

Sobre a mesma, comenta Caio Mário da Silva Pereira:

O nascituro não é ainda pessoa, não é um ser dotado de personalidade jurídica. Os direitos que se lhe reconhecem permanecem em estado potencial. Se nasce e adquire personalidade, integram-se na sua trilogia essencial, sujeito, objeto e relação jurídica; mas, se se frustra, o direito não chega a constituir-se, e não há falar, portanto, em reconhecimento de personalidade ao nascituro, nem se admitir que antes do nascimento já ele é sujeito de direito.[13]

A personalidade é conferida, portanto, ao indivíduo que se desprende das vísceras maternas e absorve o oxigênio, mesmo que posteriormente venha a sucumbir, pois o evento é suficiente para a aquisição dos direitos efetivos. Sustenta essa corrente que tal presunção vital, em casos de morte no parto, verifica-se através do exame de Docimasia Hidrostática de Galeno, onde há uma averiguação no neonato para saber se o mesmo chegou a respirar durante algum instante do parto. Este estudo é uma medida pericial, de natureza médico-legal, aplicada com a finalidade de verificar se uma criança nasceu viva ou morta, através da densidade pulmonar sobre a água, pela qual, se respirar, a densidade será menor e flutuará[14].

No tangente à teoria concepcionista, uma corrente mais moderna, o ato da concepção é uma realidade científica que, por sua vez, comprova um sinal de vida, cuja negação de seu direito propriamente dito restringe a defesa do nascituro ao auferi-lo suspensividade, posto que não sendo a tutela do já concebido um direito subjetivo, se morto nascer o feto, não existirá aquisição de direitos. Fato este, inaceitável para uma teoria que já defende o embrião como pessoa, não importando a fase de maturação no qual se encontra.

Para Stela Barbas inexiste diferença qualitativa entre a vida nascida e a não nascida, e de que uma criança antes do parto ainda não seria um ser humano. Desde a concepção há vida, existência humana que não pode ser prejudicada por se encontrar no útero materno ou porque foi fertilizado in vitro[15].

Ainda, sustenta Rodolfo Pamplona, juntamente com Ana Thereza Meirelles:

A doutrina concepcionista tem como base o fato de que, ao se proteger legalmente os direitos do nascituro, o ordenamento já o considera pessoa, na medida em que, segundo a sistematização do direito privado, somente pessoas são consideradas sujeitos de direito, e, conseqüentemente, possuem personalidade jurídica [...] Dessa forma, não há que se falar em expectativa de direitos para o nascituro, pois estes não estão condicionados ao nascimento com vida, existem independentemente dele.[16]

A teoria pré-concepcionista já discorre de maneira mais inovadora, de forma a remeter suas fundamentações aos atuais reflexos tecnológicos da nossa sociedade. Assim, baseia-se nas evoluções reprodutivas, como, por exemplo, as fecundações in vitro, cujo procedimento laboratorial promove a fecundação entre óvulo e espermatozóide, sob condições estéreis. Para esta teoria, é bastante o sucesso da fecundação para que já exista o novo ser, mesmo que ainda não esteja no ventre materno.

Se bem observado, dentre as teses, a teoria natalista garante uma maior compatibilidade com a escolha do legislador civil de 2002, de um modo que o nascituro só será agraciado com a personalidade civil ao vir ao mundo, através do nascimento com vida. Visto, portanto, que a respiração do ser gerado será a prova para seu marco civil. Contudo, a nossa normativa amplia essa subjetividade de direitos a uma capacidade de exercício, situação esta restritiva à criança. Dessa forma, valerá seu direito por via de representação legal.

1.2 NATUREZA JURÍDICA DO NASCITURO

Para o desenvolvimento desse estudo é necessário que façamos uma breve definição do que seja o nascituro. Numa forma simplificada, este se refere ao ser humano já concebido, mas que ainda não nasceu. Dessa forma, é o ente já gerado e existente no ventre materno, que, embora vivo, ainda não se tornou pessoa, pois, para tanto, terá que passar pelo acontecimento futuro e certo do seu nascimento.

Na definição de Sílvio Rodrigues:

Nascituro é o ser já concebido, mas que ainda se encontra no ventre materno. A lei não lhe concede personalidade, a qual só lhe será conferida se nascer com vida. Mas como provavelmente nascerá com vida, o ordenamento jurídico desde logo preserva seus interesses futuros, tomando medidas para salvaguardar os direitos que com muita probabilidade serão seus.[17]

Embora a dádiva do marco inicial da personalidade civil não tenha alcançado o nascituro, este, ainda assim, recolhe vestígios dessa titularidade de direitos, pois sua natureza humana promove, desde a sua concepção, o direito à vida, à integridade e à dignidade.

O art.2° do vigente Código Civil apesar de resguardar os direitos do nascituro, preserva uma lacuna no que concerne à tutela jurídica do mesmo, de forma a promover um encargo residual para as outras fontes do direito lidarem com tal exposição.

A doutrina, por sua vez, mesmo que dividida nas teorias da personalidade, confirma a essência humana e frágil do nascituro. Nesse sentido, corrobora Maria Helena Diniz:

[...] se não se pode recusar humanidade ao bárbaro, ao ser humano em coma profundo, com maior razão o embrião e ao nascituro. A vida humana é um bem anterior ao direito, que a ordem jurídica deve respeitar. O direito ao respeito da vida não é um direito à vida. Esta não é uma concessão do jurídico-estatal, nem tampouco um direito de uma pessoa sobre si mesma. Logo, não há como admitir a licitude de um ato que ceife a vida humana, mesmo sob o consenso de seu titular, porque este não vive somente para si, uma vez que deve cumprir sua missão na sociedade e atingir seu aperfeiçoamento pessoal.[18]

Enquanto criatura humana indefesa, o nascituro permite ser alvo do princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que da sua natureza se extrai a característica inicial de ser homem. À luz desse dogma, observamos que para o desenvolvimento do ser humano é imprescindível que haja um mínimo existencial. Assim, toma-se o homem como um fim em si mesmo, negando-o como meio para a realização de objetivos que ultrapassem a moralidade da sua figura. “A grosso modo”, é injustificável qualquer relativização à dignidade da pessoa humana, como bem pontifica Clayton Reis ao revelar que:

É inadmissível conceber ordenamento jurídico que não adote como norma fundamental o princípio da dignidade da pessoa humana. Afinal, toda ordem normativa é destinada à organização da vida social, com o propósito de assegurar aos seus cidadãos uma vida pautada por respeito aos valores de seus semelhantes.[19]

É nesse diapasão, que encontramos no Pacto de São José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil em 1992, um instrumento de reiteração ao princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez tratar-se de um defensor dos direitos humanos.

Tomando o direito como ordenamento social estruturado pela hierarquia de normas, cuja segurança jurídica encontra-se fundamentada a partir da disposição de uma ordem de elementos normativos solidários, baseados numa sequência de superioridade, temos no Brasil a Constituição Federal ocupando o espaço da supremacia legal, no qual os tratados internacionais submetem-na, através de uma coerência legislativa, e desde que ratificados, colocam-se numa segunda posição na então imaterial pirâmide hierárquica. Com isso, expõe as leis complementares e as leis ordinárias a um terceiro plano de subordinação.

Desse modo, retomando ao suntuoso pacto, elevado ao ponto de uma norma supralegal, encontramos um dos maiores defensores dos valores humanos. Assim, o Pacto de São José da Costa Rica, ou, como melhor intitulado, Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, tem o propósito de consolidar um regime de liberdade pessoal e justiça social, oferecendo ao direito interno dos Estados americanos normas basilares para a proteção absoluta dos direitos humanos essenciais. Reintegra, portanto, todos os valores inerentes à pessoa humana já consagrados internacionalmente, fomentando o ideal de ser humano livre e capaz de gozar de seus direitos.

No capítulo denominado “direitos civis e políticos” da convenção supramencionada, encontramos o art. 4° referente ao direito à vida, onde determina que “Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente”. Dessa forma, identificamos que a convenção optou pela teoria concepcionista da personalidade civil do homem.

Tal como o pacto, o ordenamento jurídico brasileiro também acolheu a doutrina concepcionista, tendo em vista a inclusão tácita nos direitos fundamentais presentes na Carta Magna, onde tutela o ser humano em sua generalidade.

De igual forma, o Estatuto da Criança e do Adolescente também se torna adepto da teoria quando no título referente aos direitos fundamentais menciona em seu art.7° que “A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência”[20].

A condição jurídica do nascituro, desmistificada dos requisitos de um direito antigo defensor da viabilidade do novo ser, é, em sua maioria, tutelada pela notoriedade da sua existência, devido as diversas evoluções científicas sobre a fácil constatação da presença da sua vida em um útero materno, bastando, apenas, que se recorra à Constituição Federal, aos tratados internacionais e ao ECA como forma de garantir o seu direito à vida, à segurança e à saúde; enfim, soluções que empreguem condições basilares para o seu desenvolvimento e formação de pessoa, onde a partir de então possibilitará a aptidão de recepcionar a personalidade jurídica.

O nosso panorama legislativo, portanto, permite ao nascituro um apoio ao que tange os seus interesses, porém não é o bastante a proteção do direito à vida, pois eles transcendem esse bem, como os direitos patrimoniais, por exemplo, que também podem ser incorporados aos direitos do nascituro, daí surgir a possibilidade do mesmo ser figura de uma sucessão.

Nesse tema, particularmente, compreendemos porque o Código Civil filia-se a teoria natalista, pois a essência absoluta do princípio da proteção ao nascituro, no tocante a sua esfera humana, já é satisfatória e concebida por diversos espaços legais, sendo, pois, indiscutível. Todavia, na esfera patrimonial e da segurança jurídica, faz-se necessário aguardar o nascimento. É nesse raciocínio que proclama Silmara Chinelato:

[...] apenas certos efeitos de certos direitos dependem do nascimento com vida, notadamente os direitos patrimoniais materiais, como a doação e a herança. Nesses casos, o nascimento com vida é negócio jurídico que diz respeito à sua eficácia total, aperfeiçoando-a.[21]

Então mesmo o nascituro tendo grandes chances de sobreviver após o parto, ainda há a possibilidade de o inverso ocorrer, causando males para a consolidação e efetividade de uma decisão patrimonial favorável ao mesmo, por isso nas relações civis o seu status é de suspensividade, necessitando a corporificação da titularidade do direito.

1.3  EVOLUÇÃO CONTROVERTIDA DO NASCITURO NO TEMPO

1.3.1 Aspectos Religiosos

Ao atentarmos para os primórdios do Direito verificamos uma aliança consolidada entre este, a religião e a moral. Os princípios basilares do alcance do bem comum e da organização social proporcionaram à ordem jurídica a feitura de uma normativa ética com influências religiosas. A lei, lato sensu, firmava-se em conformidade com a crença no divino na medida em que os povos se desenvolviam.

Consoante esclarece Fustel de Coulanges:

Observai as instituições dos antigos sem atentar para as suas crenças religiosas e julgá-las-eis obscuras, extravagantes, inexplicáveis [...] Mas se ao lado destas instituições e destas leis colocarmos as suas crenças, os fatos tornar-se-ão mais claros e sua explicação mais evidente por si mesma. Se, remontando às primeiras idades desta raça, isto é, à época em que este povo fixou suas instituições, observarmos a idéia então concebida da criatura humana, da vida, da morte, da segunda existência, do princípio divino, perceberemos uma íntima relação entre estas opiniões e as antigas regras do direito privado, entre os ritos que se originaram dessas crenças e as instituições políticas.[22]

Ocorre que no passar dos tempos os ordenamentos jurídicos permaneceram a acolher o consentimento dado pela religião, mesmo com a admissão da vontade humana e da figura coercitiva do Estado. Por essa razão, achamos, por bem, relevarmos a temática, principalmente por extrairmos do Direito Brasileiro alguns vestígios do Direito Canônico.

No Brasil, a Constituição Federal consagra como um dos direitos fundamentais a liberdade religiosa, pois declara em seu art. 5°, inciso VI, que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias”[23].

O fato de o Brasil declarar-se um Estado laico, ao desvincular sua imagem a uma única religião oficial, não retira da legislação algumas referências do cristianismo, nem as tornam inconstitucionais. Na verdade, a intenção da liberdade religiosa é possibilitar a cada indivíduo o direito de escolha no pluralismo religioso e no contato com os princípios éticos e morais, pautados na benevolência.

No tocante ao nascituro e a Igreja Católica encontramos a permanente defesa à vida intra-uterina. O feto é considerado uma verdadeira pessoa, apesar de incompleta. Nessa perspectiva, o Compêndio do Vaticano, sob o título “A harmonização do Amor Conjugal com o Respeito à Vida Humana”, declara que:

Deus, com efeito, que é o Senhor da vida, confiou aos homens o nobre encargo de preservar a vida, para ser exercido de maneira condigna pelo homem. Por isso, a vida deve ser protegida com o máximo de cuidado, desde a concepção.[24]

A tutela ao nascituro é exposta, igualmente, no Velho Testamento, em Êxodo 21: 22, quando afirma:

22 Se alguns homens brigarem, e um ferir uma mulher grávida, e for causa de que aborte, não resultando, porém, outro dano, este certamente será multado, conforme o que lhe impuser o marido da mulher, e pagará segundo o arbítrio dos juízes.[25]

Ainda, revela Pe. Mário Marcelo, ao citar alguns documentos da Igreja Católica, como o Catecismo n° 2270, que:

A vida humana deve ser respeitada e protegida de maneira absoluta a partir do momento da concepção. Desde o primeiro momento da sua existência, o ser humano deve ver reconhecidos os seus direitos de pessoa, entre os quais o direito inviolável de todo ser inocente à vida.[26]

O dogma católico eleva o feto a um patamar de imediata tutela, consagrando um dos alicerces da religião cristã, qual seja a da compreensão de que o homem é a imagem e semelhança de Deus, sendo, pois, inconcebível qualquer atentado à vida humana, inclusive a do nascituro. Faz parte, portanto, do consenso moral secular proteger o feto, posto que nele já existe o bem maior da vida, transcendendo qualquer vaidade científica ou pessoal. 

1.3.2  O Nascituro no Direito Romano

Na época do fogo sagrado, o nascituro (do latim nasciturus) não era considerado pessoa humana, uma vez que nada mais se tratava do que parte das vísceras maternas. Com isso, considerando-o unicamente como parte do corpo de uma mulher gestante, sua personalidade jurídica coincidiria com o fato de ter nascido com vida. Todavia, existia uma condição vacilante agregada a essa personalidade, pois o intento da legislação romana era atingir somente as crianças nascidas com forma humana, de uma maneira tal, que, embora proveniente de um nascimento perfeito, se deformadas fossem seriam rejeitadas pelo direito, uma vez que eram evidenciadas como um monstrum.

Sobre o tema, revela Severino Augusto que:

A lei não os reconhecia, porquanto os antigos entendiam que, embora nascidos de mulher, aqueles que apresentassem conformação ou semelhança de animal não eram frutos dos relacionamentos dos humanos.[27]

Ademais, também não constituía pessoa o feto filho de escravo, posto que este, na Roma antiga, era equiparado à coisa, servus est res.

O nascimento perfeito, então, era o único meio efetivo para a obtenção de direitos. Portanto, exigia-se o total desprendimento do feto no ventre materno, pois, caso contrário, permaneceria como continuidade do corpo da mulher. Nota-se, com isso, que negavam ao nascituro o seu patamar de homem, de forma a considerarem que lhe faltava, ainda, a in rerum natura.  

Contudo, o repúdio à condição natural de homem ao nascituro não impedira um intento favorável ao mesmo, pois são reputados como nascidos ao que tangem os seus interesses futuros. Assim, deve-se equiparar o que está no útero com o que está entre as coisas humanas nos aspectos que questionarem as próprias vantagens. Nesse sentido, proclamava o brocardo nasciturus pro iam nato habetur quoties de eius commodis agitur, isto é, o nascituro é tido como nascido no que se refere aos seus interesses, os quais os direitos que lhe são assegurados retroagiriam até o momento de sua concepção. Havia, portanto, um estado em potencial, onde pressupostos deveriam ser satisfeitos para que os interesses do feto estivessem presentes desde o seu conhecimento em ventre materno. Tal princípio, por óbvio, se sustenta sob uma égide suspensiva, uma vez que nascido morto não haverá interesses, direitos e, sobretudo, existência. Com isso, aguardava o ser em desenvolvimento a ventura da sua vinda ao mundo, posto que a eficácia da retroação ficaria subordinada a esse acontecimento. Mister, portanto, que se tutelasse os direitos que futuramente sê-lo-iam percebidos.

Nesse contexto, corrobora Álvarez Suarez[28]:

El concebido, pero áun no nacido, es decir, según la terminologia usada por las fuentes, el conceptus, el que <<in utero est>>, el que <<nasci speratur>>, y también, en ocasiones, el postumus, no puede, em principio, ser titular de derechos, ni tampouco transmitirlos, pues el primer supuesto para poder predicar de um hombre, (persona) que posee capacidad jurídica, es que exista, y la existencia sólo se produce por el nacimiento. El concebido pero aún no nacido, no puede aún contarse entre los humanos (in rebus humanis), ni entre lãs cosas de la naturaleza (in rebus natura); al no hallarse desprendido del caustro materno, ni poseer autonomía respecto de su madre, constituye, según antes se dijo uma parte integrante de ésta (mulieres portio). Sin embargo, en el feto intrauterino se encierra uma esperanza de hombre, que en su día nacerá a la vida, y el derecho toma em consideracíon esta spes nascendi, contando con ella para asignarle determinados efectos.[29]

Retomando a consideração, analisamos que o nascituro no panorama das leis romanas era desconsiderado como entidade humana e independente, onde, a princípio, somente o nascimento seria capaz de configurá-lo como pessoa e sujeito de direito. Todavia, não resta contraditória a suspensividade dada pela legislação, quando determina assegurar retroatividade aos direitos do nascituro até o instante da sua concepção, pois se busca negar sua unidade ao corpo da genitora quando ao der à luz é percebido um ser humano, tornando apto a computar desde a época da gestação os direitos percebidos por sua natureza. Dessa forma, condiciona-se ao nascimento toda a possibilidade de retroceder à data da concepção, desde que o nascimento traga um ente capaz de direito, ou seja, não escravo, perfeito e viável. O efeito vacilante dá-se, portanto, apenas em razão do desconhecimento da forma humana nas entranhas de uma mulher grávida, sendo inconcebível imaginar ter dentro de alguém outrem similar, justificando, assim, a teoria natalista implícita no Direito Romano.


CAPÍTULO 2 -DIREITO DAS SUCESSÕES

2.1      IUS SUCESSORUM

Tendo em vista o tema Direito das Sucessões, devemos nos reportar ao alicerce do Direito Civil, o Direito Romano.

O legado marcante deixado pelos romanistas manifesta-se intensamente na nossa legislação atual em virtude da elevada contribuição para o desenvolvimento das ciências jurídicas. A perpetuidade do ius romanum dá-se em razão da supervivência, em séculos, das regras jurídicas inquestionáveis e aceitas pelos outros povos. Desse modo, alcança-se da tradição romana a melhor expressão das relações humanas, pois o seu direito revela traços de preceitos ético-jurídicos.

O simbolismo e o conservadorismo presente nas suas normas proporcionaram uma verdadeira gênese aos estudiosos das ciências sociais e jurídicas, uma vez que implementaram uma sistematização de textos legais com conteúdos extremamente organizacionais, dos quais anos de compilações resultaram num direito em alto grau de perfeição. Sendo, portanto, imprescindível aplicá-lo ao nosso estudo.

À luz da história, o Ius Sucessorum, também chamado de ius hereditatis, era uma porção do direito romano, mais precisamente no âmbito do seu direito privado, que dispunha sobre as relações jurídicas de uma pessoa após a sua morte. Envolvia, portanto, todo o acervo de direitos e obrigações deixados pelo de cujus[30], visto que os mesmos não se extinguiam com a morte de seu titular, diferentemente dos direitos e obrigações pessoais ou de direito público. Assim, o rito de passagem da herança do defunto ao sucessor era o objeto explícito desse ramo do direito.

2.1.1     Espécies

O processo de sucessão na Roma antiga era movido por uma causa mortis, no qual a sobrevivência de um herdeiro permitiria a possibilidade de transmissão do patrimônio ativo e passivo do falecido, para que, finalmente, o substituísse em seus direitos e deveres. Ocorre que para que tamanha delegação se fizesse juridicamente válida e segura teria que convocar aqueles os quais constavam na pretensão do de cujus. Dessa maneira, surgiram as espécies de aquisição da herança: a sucessão legítima (successio ab intestato) e a sucessão testamentária (successio secundum tabulas).

Da ordem natural em que a família continua a existir após a morte de um de seus membros, também subsiste, na cultura romana, a necessidade da manutenção do culto aos deuses do lar. Dessa maneira, o evento morte determinava no núcleo do paterfamilias o encargo da continuidade do fogo sagrado, bem como o direcionamento das atividades familiares. Adveio, pois, da co-propriedade familiar a idéia da sucessão legítima.

Também chamada ab intestato, ou seja, sem testamento, a sucessão legítima passou por diversas variações no decorrer da história do direito romano, sendo fundamental discorrê-la do sistema da Lei das XII Tábuas ao direito justinianeu.

Na Lei das XII Tábuas os herdeiros sucediam mediante três classes: Heredes sui, agnati proximi e gentiles.

Os sui eram os sucessores que herdavam por si próprios, visto o estado de subordinação que os sujeitavam ao paterfamilias, o chefe do lar. Dessa forma, corrobora Thomas Marky ao informar que eles:

[...] eram os descendentes sujeitos ao pátrio poder do de cujus e as mulheres casadas cum manu e assim fazendo parte integrante da família próprio iure, não, porém, os que, por emancipação ou casamento cum manu, tivessem saído da família.[31]

Nessa primeira classe, os herdeiros recebiam, portanto, o que já lhes pertenciam, pois eram os filhos, a esposa cum manu[32] e os descendentes do pater em outros graus. Todavia, obedeciam a uma ordem de sucessão, baseada na proximidade do parentesco. Assim, se no instante da partilha predominasse um mesmo grau herdariam todos por cabeça, independente do sexo, mas ao tratar-se de graus diferentes, a divisão era solucionada por estirpe, quando um neto substituiria seu pai pré-morto ou emancipado, recebendo na proporção que seu ascendente herdaria.

A sucessão dos agnados era estabelecida na falta dos herdeiros próprios, eram o que chamamos hoje de parentes colaterais, isto é, um parentesco sob a égide da lei. Estes, até o fim da república[33], abrangiam os tios, os irmãos e os sobrinhos do chefe supremo da família, de forma a ser estabelecido de varão para varão, sendo a partilha realizada per capita.

Já a classe do gentiles, determinava a reunião das pessoas que estavam associadas ao grupo familiar do morto, e também eram convocadas quando o grupo de herdeiros anteriores se demonstrasse ausente, ou seja, na falta dos heredes sui e dos agnati proximi.

No Direito Pretoriano o sistema quiritário demonstrou-se ultrapassado e injusto, pois retirava da ordem hereditária indivíduos de origem consanguínea, dignos de uma tutela jurídica. Dessa forma, o processo sucessório passou a valorizar os parentes naturais ou cognados. Nesse diapasão, sustenta Fustel de Coulanges:

À medida que esta antiga religião enfraquece, a voz do sangue fala mais alto e o parentesco pelo nascimento surge reconhecido em direito. Os romanos denominaram cognatio a esta espécie de parentesco absolutamente independente das regras da religião doméstica. Quando se lêem os jurisconsultos, desde Cícero a Justiniano, vêem-se os dois sistemas de parentesco rivalizando-se entre si e ambos a disputarem-se no domínio do direito. Porém, ao tempo das Doze Tábuas só o parentesco da agnação era ainda conhecido e só ele conferia direitos à herança.[34]

Essa ampliação familiar ofereceu oportunidade aos parentes consaguíneos, desde que obedecessem previamente uma ordem de vocação hereditária. Com isso, os descendentes mantiveram o posto de herdeiros imediatos, ao serem colocados como os primeiros da sequência da transmissão do acervo, onde havia os heredes sui e os emancipados. A categoria era chamada de liberi.  Na falta destes, eram chamados os agnados, porém se, ainda assim, não existisse nenhum para suceder convocavam os cognados, até o sexto grau. E, por fim, não existindo qualquer herdeiro das classes anteriores, recebia o acervo o cônjuge sobrevivente de um casamento sine manu[35].

O sistema do Direito Imperial apenas inseriu a possiblidade de uma mãe suceder o seu filho que morrera sem a deixa testamentária, assim como um filho herdar de sua mãe à frente dos agnados dela. No restante, todavia, não trouxe significativas mudanças no âmbito do direito sucessório.

O Direito Justinianeu, do contrário, elaborou um complexo de normas jurídicas as quais continham compilações de todos os períodos estudados, pois evidenciou a comunidade de sangue (princípio cognatício), bem como a clássica idéia de uma reserva patrimonial aos herdeiros legítimos. Ou como melhor explica Souza Oliveira:

A codificação de Justiniano fez uma reestruturação no Direito Sucessório através das Novelas n°118 e 127 (novas constituições imperiais). Elas fundiram num só corpo os elementos do ius civile antiquum, do ius pretorianum, dos senatusconsultus e do ius imperialis, substituindo definitivamente o critério do parentesco agnatício pelo cognatício (por consanguinidade) na vocação hereditária. Também contemplaram de melhor forma as mulheres no Direito hereditário, criando um sistema que influenciou os códigos modernos.[36]

A ordem do sistema de Justiniano passou a ser: os descendentes, inclusos os sui, os emancipados e os adotivos; os ascendentes em concorrência com os irmãos germanos (colaterais privilegiados); os irmãos consaguíneos, uterinos ou unilaterais[37]; e, finalmente, os cognados até o sexto grau, onde os mais próximos excluiriam os mais remotos.

Assim, notamos que a princípio o direito de testar não era conhecido pelas leis romanas, pois se opunha ao fundamento da religião doméstica, base do direito de propriedade. Enquanto a transmissão dos bens eram também vinculados ao culto familiar, o homem não poderia, por autonomia de vontade, escolher seus sucessores. Dessa forma, o morto não era tido como senhor dos bens que administrava, mas sim todo o conjunto familiar, dos ancestrais até a posteridade.

Em raciocínio semelhante, embora o enfoque seja as corporações, Peixoto menciona:

Segundo as idéias romanas, o herdeiro testamentário devia continuar a família do testador e as corporações, por sua natureza, não podiam cumprir tal missão. Somente quando essas idéias já não impressionavam a consciência jurídica romana é que se começou a admitir que as corporações podiam ser instituídas herdeiras.[38]

A sucessão testamentária, assim, surgiu como uma modalidade de disposição dos bens oriunda de um desejo de perpetuidade das delegações do falecido, onde a herança civil e demais atribuições poderiam ser deferidas por meio de um testamento.

Define-se testamento pela etimologia da palavra testamentum, que subveio de testatio mentis cujo significado é testemunho da vontade. Com isso, o termo passou a designar uma declaração unilateral, solene, revogável e personalíssima, na qual se atribuía as últimas determinações consonantes à vontade do de cujus, ou seja, era o instrumento em que se validavam as intenções daqueles que sucumbiam e deixavam atribuições para serem realizadas depois de sua morte, além, claro, da instituição dos seus herdeiros[39].

Ocorre que para tal feito, a lei romana exigia a capacidade jurídica para testar (testamenti factio activa). Em princípio, todos os cidadãos sui iuris apresentavam essa aptidão, excluindo-se, por óbvio, os escravos, os estrangeiros, os filiifamilias e as pessoas in manu e in mancipio. Todavia, ao passo em que a legislação evoluía, algumas regras tornaram-se atenuadas, atribuindo, assim, aos estrangeiros que possuíam o ius comercii a possibilidade de testar. Da mesma forma, também foram estendidos a tais faculdades os filiifamilias e os escravos do Estado (servi plublici).

Contudo, sendo imprescindível a presença do próprio testador para a realização do testamento, é de se compreender que, para determinado exercício subjetivo, havia a prerrogativa da capacidade de fato. Assim, os impúberes, os pródigos, os loucos (com exceção daqueles que passavam por intervalos de lucidez) e aos que perdurava uma dúvida quanto ao seu próprio status não possuíam capacidade para fazê-lo.

Já no que concerne à capacidade para herdar (testamenti factio passiva), eram passíveis as pessoas físicas, dentre elas os cidadãos romanos, os estrangeiros com ius comercii e até mesmo os escravos; o nascituro, sendo gradativamente admitido até que na época de Justiniano qualquer postumi, isto é, qualquer nascido após a feitura do testamento, poderia adquirir a posição de herdeiro; as pessoas jurídicas, que também em Justiniano foram abrangidas todas as corporações lícitas; e as divindades, representadas pelas igrejas.

Além das condições estabelecidas acima, para que um testamento fosse considerado justo e eficaz deveria, como conteúdo primacial, designar pelo menos um herdeiro, muito embora possa o instrumento encerrar outros objetivos. Entretanto, um testamento válido podia tornar-se posteriormente inválido, são os casos de irritum, ruptum ou destitutum. Um testamento era írrito quando o próprio testador sofria uma capitis deminutio (perda ou diminuição da capacidade). Já o testamento rompido ocorria quando sobrevinha ao testador um herdeiro seu, como, por exemplo, um filho ou uma mulher in manu, ou, até mesmo, a própria revogação do instrumento. E, por fim, o testamento destitutum, nas ocasiões em que os herdeiros não aceitavam a herança[40].

De qualquer modo, independente das normas sucessórias vigentes na relação jurídica de cada período romano, a substituição ao direito do de cujus era compreendida pela característica pessoal do herdeiro ou da mera liberalidade na escolha do hereditando; assim, transmitindo ao nosso direito atual os pilares basilares de espécies de sucessões, quais sejam, testamentária ou legítima.

2.1.2     Legados e Fideicomissos

Antes de conhecermos os legados e fideicomissos, é necessário que façamos uma preliminar menção sobre codicilo.

O codicilo, em um conceito breve, era um escrito de tamanho reduzido, onde nele se podiam fazer algumas disposições de última vontade, daí ter sido conhecido como pequeno codex[41]. Distinguia-se da modalidade testamentária pelo seu conteúdo, efeito e forma, bem como expressa José Cretella Júnior:

Era na origem um escrito sem formalismo algum, tomando a simples forma de uma carta. No baixo império, reveste as mesmas forma do testamento, mas Justiniano exige apenas 5 testemunhas em lugar de 7. No direito justinianeu, o codicilo pode conter legados válidos sem terem confirmação de testamentos, como os fideicomissos.[42]

Dentre as formas utilizáveis para a aquisição mortis causa dos bens do de cujus, encontramos o legado (legatum). De modo genérico, pode-se dizer que o legado era a disposição autônoma do testador, na qual se atribuía, a título singular, um direito de conteúdo patrimonial.

A liberalidade promovida mediante legado era estabelecida por testamento ou codicilo, e, necessariamente, era feito depois da instituição de pelo menos um herdeiro, em razão da não conferência de tal título ao beneficiário, diferenciando nitidamente o legado da herança, pelo fato de não subsistir direito de sucessão.

Nesse sentido, Ebert Chamoun pontifica:

No testamento pode o de cujus, além de instituir um herdeiro, fazer liberalidades em favor de terceiros. Tais liberalidades diferem da herança em que, sendo disposições a título particular, se traduzem na transmissão exclusiva do ativo ou de parcela dele, ao passo que a herança, sendo uma disposição a título universal, importa a transferência de todo o patrimônio, do ativo e do passivo.[43]

Fideicomisso (fideicommissum), todavia, referia-se à disposição de última vontade, sob forma de solicitação ao sucessor, na qual o disponente encarregava outrem, o que receberia os bens do de cujus, de transmiti-los a uma terceira pessoa, como forma de substituição[44]. Podia ser feito em testamento ou codicilo.

2.1.3     Transmissão da Herança

A transmissio hereditatis firmava o ato legítimo da aquisição da herança. O herdeiro, em virtude de tal fato, ocupava-se do patrimônio e da titularidade de direitos do de cujus.

Ocorre que dentre as categorias de herdeiros, uma delas contemplava-se com a aquisição automática da herança, são os chamados herdeiros necessários. Abrangiam esta classe os familiares com os liames mais íntimos de parentesco, cuja proteção patrimonial incluía a parte legítima e indisponível da herança. Já aos herdeiros estranhos, ou também conhecidos como voluntários, o benefício da herança advinha apenas por manifestação de vontade do de cujus, sem a premissa do pleno direito dos herdeiros necessários[45].

Porém, para que a transmissão da herança fosse efetivada, tornava-se imprescindível para os herdeiros o ato jurídico da adição da herança, isto é, o momento de aceitação da mesma, ou do repúdio.

2.2      O DIREITO SUCESSÓRIO À LUZ DO CÓDIGO CIVIL DE 2002

A matéria sucessória no questionamento do direito civil brasileiro restringe a acepção da palavra sucessão. O termo, em geral, é utilizado para qualquer mudança na titularidade de direitos, no qual ocorre uma substituição nas relações jurídicas que competem a outrem. Entretanto, no rol de artigos do Código Civil Brasileiro, o vocábulo designa apenas a conversão de direitos através do evento morte. A referida alusão permite que essa parte especial do código em questão evidencie e regule a destinação dos direitos do defunto, de forma a realizar a transmissão do patrimônio de alguém que deixa de existir. Desse pressuposto, a continuidade dos bens, bem como a possível pendência de débitos, permite que os sobreviventes atuem em substituição daquele.

O óbito, conforme o legislador, deve ser real ou presumido. É real quando há a incidência de uma morte natural, mesmo se tratando de suicídio. O motivo, na verdade, independe. Porém, é indispensável que pelo menos ocorra o fenômeno biológico certificado pela morte encefálica. Já no que concerne à morte presumida, dispõe o art. 6° do Código Civil que “A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva”. Todavia, ainda se estende a presunção da sucumbência nos casos em que a morte era provável através da grave exposição ao perigo, assim como o desaparecido após dois anos do término de uma guerra[46].

A solução dada pelo nosso ordenamento jurídico é a abertura da sucessão, onde se transmite aos herdeiros o patrimônio do hereditando a partir do exato momento do seu falecimento, daí a importância do atestado de óbito, da justificação ou até mesmo da declaração judicial (conforme o caso). Nesse diapasão, nos deparamos com a regra do art. 1.784 do Código Civil com a declaração que “Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”[47].

Do dispositivo supra mencionado retiramos o entendimento de que a transmissão da posse indireta do acervo hereditário é imediata, bastando apenas que seja configurada a morte do autor da herança e a sobrevivência dos herdeiros em questão, ainda que estes o superem por breves instantes.

Outra consequência advinda da abertura da sucessão é a petrificação do valor dos bens inventariados, pois a importância deles será determinada na época da morte do de cujus[48].

O interesse social e a proteção dos bens do hereditando, integrados ao art. 1.784, acolhem, ainda, o princípio de saisine, cujo fundamento está na continuidade do direito do antecessor no instante imediato em que este morre, transmitindo a posse indireta do somatório desde então. Tal princípio surge da necessidade da preservação da herança, uma vez que o processo sucessório demanda certo tempo. Através dele, é assegurada aos herdeiros a possibilidade de utilização dos institutos possessórios nos casos em que a posse e a integridade do patrimônio são ameaçadas.

Sobre o enfoque, expressa Gonçalves, tomando por base o pensamento de Giselda Hinoraka:

Embora não se confundam a morte com a transmissão da herança, sendo aquela pressuposto e causa desta, a lei, por ficção, torna-as coincidentes em termos cronológicos, presumindo que o próprio de cujus investiu seus herdeiros no domínio e na posse indireta de seu patrimônio, porque este não pode restar acéfalo.[49]

Em contraponto, a longevidade do processo de divisão dos quinhões e a precariedade do poderio fático dos herdeiros, em resguardar e administrar o acervo hereditário, como bem expressa o art. 1.791 do Código Civil informando que “A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros”[50],  faz com que emerja a figura do inventariante, para que os bens não pereçam ou sofram qualquer intervenção. Vislumbra-se, dessa maneira, a necessidade prévia de um procedimento provisório para que sejam cumpridos os deveres de representação ativa e passiva do espólio.

Até o despacho da inicial que promove o processo de inventário, vale dizer, no prazo de sessenta dias da abertura da sucessão, no qual o juiz nomeia um inventariante, a administração da herança caberá, a título provisório aos seguintes, conforme declara o art. 1.797 do Código Civil:

Art. 1.797. Até o compromisso do inventariante, a administração da herança caberá, sucessivamente:

I - ao cônjuge ou companheiro, se com o outro convivia ao tempo da abertura da sucessão;

II - ao herdeiro que estiver na posse e administração dos bens, e, se houver mais de um nessas condições, ao mais velho;

III - ao testamenteiro;

IV - a pessoa de confiança do juiz, na falta ou escusa das indicadas nos incisos antecedentes, ou quando tiverem de ser afastadas por motivo grave levado ao conhecimento do juiz.[51]

Nada obsta que o administrador provisório também se torne o inventariante, desde que preencha os requisitos estabelecidos pelo art. 990 do Código de Processo Civil, praticamente os mesmos elencados no artigo supra mencionado, como se pode ver:

Art. 990.  O juiz nomeará inventariante: 

I - o cônjuge sobrevivente casado sob o regime de comunhão, desde que estivesse convivendo com o outro ao tempo da morte deste; 

II - o herdeiro que se achar na posse e administração do espólio, se não houver cônjuge supérstite ou este não puder ser nomeado;

III - qualquer herdeiro, nenhum estando na posse e administração do espólio;

IV - o testamenteiro, se Ihe foi confiada a administração do espólio ou toda a herança estiver distribuída em legados;

V - o inventariante judicial, se houver;

Vl - pessoa estranha idônea, onde não houver inventariante judicial. Parágrafo único.  O inventariante, intimado da nomeação, prestará, dentro de 5 (cinco) dias, o compromisso de bem e fielmente desempenhar o cargo.[52]

Pela sequência fatídica, envolta pelos contornos abstratos da normativa sucessória, com a qual nos deparamos, iniciada pelo evento causa mortis, instituidor da abertura da sucessão, torna-se imprescindível o conhecimento daqueles sujeitos a suceder. Sabemos que o herdeiro estando vivo no instante da morte do autor da herança, o patrimônio do falecido será transmitido, desde logo, pela posse indireta. Trata-se, portanto, do princípio da coexistência, no qual o hereditando e o herdeiro devem existir simultaneamente no momento preciso da morte do primeiro. Todavia, como explica Carlos Maximiliano, não basta “que no momento da morte do de cujus o sucessor já viva; é indispensável, também, que ainda viva”[53], retornando à regra base de que o herdeiro deve sobreviver ao falecido mesmo que por um curto espaço de tempo.

Silvio Rodrigues também menciona o princípio quando afirma que:

Na sucessão hereditária, até por imperativo lógico, o herdeiro ou legatário tem de sobreviver ao de cujus. Trata-se do denominado princípio da coexistência: o sucessor (herdeiro ou legatário) e o de cujus devem coexistir no momento da morte, ao tempo da abertura da sucessão, em que, pela saisine, dá-se a transmissão da herança.[54]

Porém, quem serão os convocados para a sucessão? Sobre o questionamento, nos deparamos com a ordem da vocação hereditária, onde são reveladas as pessoas legitimadas para o posto de herdeiro. De forma genérica, o art. 1.798 do Código Civil revela que “Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da sucessão”[55]. Ou seja, todas as pessoas, quer físicas ou jurídicas, poderão ser beneficiadas com a herança, desde que vivas ou já existentes em útero materno.

Com efeito, o art. 1.829 do Código Civil estabelece uma relação preferencial mais específica das pessoas chamadas a suceder, isto é, a ordem de vocação hereditária:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime de comunhão universal, ou na separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais.[56]

O cuidado com o nascituro, portanto, é revelado como exceção, em razão da questão da personalidade jurídica estar agregada ao conceito de pessoa viva. Com isso, embora o nascituro não detenha personalidade, é um ente legítimo para suceder, mesmo faltando-lhe esse pressuposto. Consoante Silvio Rodrigues, o “que nasce com vida não é dono da herança a partir desse instante, mas desde a abertura da sucessão, tendo direito aos bens hereditários e a seus frutos, rendimentos e acréscimos”[57]. Assim, ratificando a idéia da transmissão imediata dos direitos do hereditando até mesmo para um sujeito em potencial. No caso, podendo ser herdeiro como descendente ou parente colateral.

Então, promovendo a morte do de cujus um condomínio em uma composse até mesmo para os já concebidos e ainda não nascidos no evento em questão, busca-se através do inventário a formulação de uma base gerencial favorável a divisão e individualização da quota de cada herdeiro, sendo, portanto, injustificável qualquer manutenção dessa comunhão, posto ser um atentado a economia, bem como um suntuoso berço para a inserção de futuros litígios.

Dessa forma, nos deparamos com a precisa definição de Maximiliano, citado por Gonçalves:

Inventário, pois, no sentido restrito é o rol de todos os haveres e responsabilidades patrimoniais de um indivíduo; na acepção ampla e comum no foro, ou seja, no sentido sucessório, é o processo no qual se descrevem e avaliam os bens de pessoa falecida, e partilham entre os seus sucessores o que sobra, depois de pagos os impostos, as despesas judiciais e as dívidas passivas reconhecidas pelos herdeiros. [58]

O inventário, em suma, soluciona as questões inerentes ao patrimônio do falecido que estão em situação de pendência para que, finalmente, possam distribuí-los entre os herdeiros. A partilha, pois, é que será o meio que incumbirá que o acervo seja transmitido concretamente entre aqueles legitimados ou escolhidos para tanto. Ou como expressa Rodrigues, “A partilha na maioria dos casos, determina materialmente o que compõe cada quinhão hereditário, realizando a divisão dos bens”[59].

Desse modo, pondo a partilha o fim da comunhão, os herdeiros passam a adquirir exclusividade sobre os bens que compõem a sua quota, deixando o anterior estado de indivisibilidade do acervo. Portanto, cada parte receberá o domínio direto e efetivo do bem fruto de uma deliberação pautada nos valores de igualdade, comodidade dos herdeiros e prevenção de futuros conflitos, tudo com o fito de proporcionar um estado permanente e inquestionável da divisão.

Todavia, a partilha marca apenas um estado de confiabilidade, em virtude da sua natureza meramente declaratória, a qual só confere ao sucessor a posse e o domínio da herança ficticiamente, pois a abertura da sucessão é que transmite de imediato os bens. Assim, a propriedade não é atribuída em razão dela, mas tão somente da morte do autor da herança, sendo sua parte homologar os herdeiros e o quinhão pertencente aos mesmos.


CAPÍTULO 3 -VOCAÇÃO HEREDITÁRIA DO NASCITURO

3.1      A CAPACIDADE SUCESSÓRIA DO NASCITURO

Ante a ressalva legal de proteção aos direitos do nascituro, não sendo mais incisiva a idéia de desprendimento do feto do claustro materno, no qual não é mais o bastante, para que se possa falar em existência e em aquisição de direitos, a plena e a absoluta separação entre o bebê e a mãe, a lei civil, em similar tendência, ao conceder relevância jurídica aos direitos das sucessões, permitiu à capacidade hereditária do nascituro ser concebida com igual valência a de um homem já nascido, equiparando-o ao conceito de pessoa.

Sendo certa que a titularização da qualidade de herdeiro é detida pela pessoa humana, salvo nos casos de herança para pessoas jurídicas, que só é admissível na sucessão testamentária, a regra é que o sucessor ao menos já tenha nascido ou concebido. É por essa razão que teremos que dar como assente, por correlação indissociável, que a existência de vida humana é suficiente para que o espólio seja transferido também ao nascituro. Ocorre que a fundamentação jurídica, quer legítima, quer testamentária, igualmente compreende os direitos sucessórios de um feto, independendo da ausência de personalidade.

A Constituição Federal ao elencar como uma das garantias fundamentais o direito à herança (art.5°, inciso XXX), estabelece condições substanciais, para quem dela suceder a titularidade, proporcionando, assim, um aparato legal em defesa do direito sucessório, até mesmo para o nascituro que não reúne preparo ideal à busca desses direitos. O direito subjetivo à herança, portanto, torna-se indisponível a quem quer que o detenha, acautelando-o de qualquer atentado.

Embora sejam respeitados os direitos do nascituro desde a sua concepção, a eficácia da vocação hereditária fica estritamente condicionada ao nascimento com vida do novo ser. Segundo Rodrigues, “os direitos (potenciais) do nascituro ficam esperando o nascimento com vida do que será o titular deles. Ocorrendo esse nascimento, os direitos se concretizam e são efetivamente adquiridos, retroativamente”[60].

É quase integral aos pensadores civilistas a idéia de que a recepção dos direitos do nascituro não supera a expectativa e a potencialidade até o seu nascimento satisfatório, ou seja, com vida. Martins declara que “Na expectativa de direito há a esperança, a probabilidade de adquirir o direito no curso do tempo”[61]. Essa probabilidade é direcionada ao desprendimento do feto da mãe, através do parto, onde serão reiterados retroativamente os direitos não percebidos durante a gestação. Com isso, todavia, não se quer dizer que o nascituro não terá oportunidade de locupletar-se enquanto despersonalizado e ainda vivente em útero. Portanto, como bem menciona o art. 877 do Código de Processo Civil:

Art. 877. A mulher que, para garantia dos direitos do filho nascituro, quiser provar seu estado de gravidez, requererá ao juiz que, ouvido o órgão do Ministério Público, mande examiná-la por um médico de sua nomeação.

§ 1º - O requerimento será instruído com a certidão de óbito da pessoa, de quem o nascituro é sucessor.

§ 2º - Será dispensado o exame se os herdeiros do falecido aceitarem a declaração da requerente.

§ 3º - Em caso algum a falta do exame prejudicará os direitos do nascituro.[62]

Daí a pertinência da invocação da tese concepcionista para que o nascituro adquira uma oportunidade em integrar o rol de herdeiros e capacitar-se segundo as normas sucessórias. Contudo, não há incoerência em salvaguardar esses direitos e, ao mesmo tempo, esperar o nascimento para a aplicação da eficácia, uma vez tratar-se de mera condição suspensiva pautada na sobrevivência do feto. Pois, caso contrário, menciona Gonçalves:

[...] se porventura nascer morto o feto, não haverá aquisição de direitos, como se nunca tivesse existido. Com isso, nem recebe, nem transmite direitos. Nesse caso, a herança ou quota hereditária será devolvida aos herdeiros legítimos do de cujus, ou ao substituto testamentário, se tiver sido indicado, retroagindo a devolução à data da abertura da sucessão.[63]

Dessa forma, a mera possibilidade da morte do nascituro afeta a imediata aquisição da herança, embora permaneça em atividade a defesa dos seus interesses. Com a transferência comprometida da quota a receber, aguarda o nascituro o sucesso do seu nascimento para, então, conquistar plenamente os bens que lhe são de direito.

3.1.1     Capacidade Legítima

No direito sucessório brasileiro o princípio geral condicionante à recepção da herança é estar nascido ou já concebido ao tempo da morte do de cujus. A capacidade de ser herdeiro, todavia, não recorre às regras da capacidade civil, posto ser o bastante a aptidão para adquirir direitos e deles gozar, sem que sobrevenham os encargos práticos da vida civil. Desse modo, segundo Gomes, “o direito de suceder do nascituro depende de já estar concebido no momento da abertura da sucessão”[64].

Todavia, a destinação do patrimônio do falecido é processada em duas modalidades, conforme referência do Código Civil quando nos direciona ao art. 1.786 ao dispor que “A sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade”. A sucessão legítima, objeto deste tópico, é aquela outorgada quando percebida a omissão da vontade do falecido, sendo, pois, de caráter subsidiário. Assim, na ausência de um herdeiro designado pelo próprio autor da herança, a lei é quem expressamente o faz, tomando por base uma idéia romana de co-propriedade familiar, bem como da presunção afetiva entre os laços consanguíneos. Sobre o exposto, revela o art. 1.788 do Código Civil que:

Morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar, ou for nulo.[65]

O legislador tornou-se, portanto, o encarregado para se adentrar no universo das presunções, pois coube a ele a responsabilidade de formular uma ordem hipotética da preferência do falecido. Dessa maneira, surgiu a ordem da vocação hereditária, na qual os laços familiares foram elevados a ponto de classificarem os herdeiros legítimos em duas categorias: os herdeiros necessários e os herdeiros facultativos.

Os herdeiros legítimos necessários reúnem aquelas pessoas vinculadas pelo parentesco de descendência ou ascendência, ou pelo matrimônio, onde lhes são reservados uma quota-parte do acervo hereditário. O art.1.789 do Código Civil se adentra ao caso quando informa precisamente que “Havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança”[66]. Logo, fica a cargo dos herdeiros facultativos substituírem os herdeiros necessários quando estes faltarem, ou quando não houver qualquer manifestação contrária em testamento. Desse modo, permanece sob a arbitrariedade do autor da herança utilizar sua liberdade de testar plena ou permitir que, ante a ausência da instituição de outros sucessores, fiquem os herdeiros facultativos, ou melhor, os parentes colaterais e o companheiro, com a capacidade de herdar.

O art. 1.829, já mencionado, informa a sequência pela qual os sucessores serão convocados, estabelecendo uma ordem lógica pautada na organização familiar e nos liames dos relacionamentos entre parentes. Assim, a coordenação desses herdeiros em potencial é estabelecida através de classes, onde a preferência é dada ao mais próximo, excluindo o mais remoto.

Através dessa ordem vocacional percebe-se a importância dada ao núcleo familiar, pois o laço sanguíneo e afetivo é maior aos descendentes, salvo quando estes concorrem com o cônjuge ou companheiro do de cujus que, em regra, concorreram para a aquisição de boa parte dos bens objetos da sucessão, demonstrando o legislador o elevado papel social desse vínculo familiar. Entretanto, quando na mesma classe encontram-se diversos graus, a regra continua a beneficiar os mais próximos, salvo o direito de representação[67]; portanto, é preferível o filho ao neto, por exemplo.

Apenas na ausência plena dos descendentes é que os ascendentes serão contemplados com a herança, tendo como fundamento a gratidão pelos genitores ou por seus familiares originários. Na falta destes, o cônjuge herdará, sozinho, o acervo na sua integralidade.

Os colaterais, todavia, surgem quando os grupos que lhe são anteriores já foram providenciados, mas não encontrados. Na nossa legislação, mais especificadamente no Direito de Família, o parentesco colateral é contado até o quarto grau, pois, do contrário, e na estrutura moderna dos núcleos familiares, seria de tamanha extensão considerar como parentes indivíduos com pouca convivência e afinidade. Assim, confirma o art. 1.592 do Código Civil ao mencionar que “São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra”[68]. Ou em maior simplicidade, os irmãos, os sobrinhos, os tios e os primos que por ventura tenha o morto.

O nascituro, nesse diapasão da sucessão legítima, poderá ser capacitado como herdeiro quando do mesmo for retirada a característica de descendente ou parente colateral do autor da herança, tendo em vista a conclusão óbvia advinda de que um ser ainda em desenvolvimento intra-uterino jamais poderia contrair matrimônio ou ser ascendente de outrem, se nem mesmo foi desvinculado das entranhas maternas, vitais para futuramente adquirir a personalidade jurídica.

Diante disso, torna-se absolutamente possível um feto ser considerado herdeiro, de forma que a normativa atual acredita e respeita a sua existência, capacitando-o com o direito adquirido de ser herdeiro quando o mesmo ingressa ao mundo como descendente ou parente colateral do hereditando. Sendo assim, a relações afetivas advindas do parentesco permitirão ao nascituro um arcabouço para que o patrimônio familiar tenha continuidade.

É nesse aspecto que Rizzardo compreende que “pelo fato de se reconhecer o direito sucessório, tem o nascituro a existência jurídica. Deve ser respeitado como ente. O exercício de direitos e a prática de atos jurídicos é que iniciam com o nascimento”[69].

Ademais, o tema em questão ainda abrange a prole presumida, de suma importância para o nosso estudo, tendo em vista a antecipação do Código Civil brasileiro ao assegurar da fecundação post mortem a presunção de filiação. De acordo com o art. 1.597 do referido diploma: “Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: [...] III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido”. Com isso, existindo um planejamento familiar através de uma fecundação artificial com os próprios materiais germinativos do casal, garante-se ao nascituro uma comprovação do seu estado de filiação, bem como a capacitação sucessória para que o mesmo seja herdeiro do pai. Em razão dessa realidade científica e fática, é possível superar os nove meses, a qualquer tempo, apesar do posterior óbito do autor da herança.

É neste enfoque que Gatelli afirma:

O direito a filiação é um direito personalíssimo e, por ser de regra imprescritível, deve ser assegurado ao filho engendrado após a morte do pai. No entanto, se o procedimento que resultou no nascimento do filho, é ilícito, a responsabilidade deverá recair sobre os responsáveis e não sobre a vítima [...] Portanto, acreditamos que, mesmo que a filiação post mortem ocorra sem consentimento do falecido e fora do prazo concedido pela norma, existem conflitos de direito que deverão ser sopesados diante do caso concreto.[70]

Dessa consideração, percebemos que, apesar do material genético ter sido extraído sem o consentimento do pai falecido, o nascituro possuirá pleno direito à reivindicação do seu estado de filiação que, por ventura, também abrangerá os seus direitos sucessórios, uma vez ser o mesmo inocente e vítima de toda essa confabulação. Ainda, acrescenta Gatelli:

As pessoas envolvidas no processo que resultou no nascimento de um ser humano podem ter violado dispositivos legais, porém, negar ao filho nascido de uma inseminação artificial post-mortem o direito a filiação e a sucessão do pai já falecido, por ser concebido posteriormente ao prazo estabelecido na norma, é no mínimo questionável em um caso concreto, pois as circunstâncias particulares do fato podem tornar injusta a exclusão da filiação e o direito sucessório, principalmente, quando se sabe que o resultado do ilícito praticado por terceiros é um ser humano que, ao nascer, adquiriu personalidade jurídica e tornou-se sujeito de direitos e obrigações.[71]

De qualquer forma, advindo o nascituro de uma fertilização atípica e sendo conhecida e comprovada a precedência do seu material genético, se morto for o pai, terá plenos direitos sucessórios sobre o patrimônio do mesmo. Portanto, independendo da forma de fertilização, sendo comprovado o estado gravídico de uma mulher e sendo plausível a fundamentação que institui o nascituro um parente do falecido, seja este o pai, o avô ou bisavô, ou, ainda, o irmão, o tio ou o primo, será absolutamente possível que o feto seja capacitado como herdeiro legítimo.

3.1.2     Capacidade Testamentária

A preservação da família e a necessidade de uma continuação econômica ao patrimônio do falecido, contemplados no âmbito da sucessão legítima, não supera a liberdade de testar do autor da herança, exceto ao que tange a limitação dada em respeito à quota dos herdeiros necessários. A vontade do testador, reconhecida pela legislação, acompanhou as necessidades modernas de se fazer considerar a intenção e a liberalidade de cada indivíduo, sem que a normativa pátria imperasse em quais valores o de cujus deveria seguir. Assim, mesmo a figura testamentária já existindo há séculos, o formato atual do instrumento permite um maior conforto no que concerne o direito à liberdade, promovendo ao cidadão uma tranquilidade ao dispor seu patrimônio conforme sua consciência e vivência.

A permissão de coordenar e difundir o seu pensamento através da figura testamentária amplia o rol de possibilidades dadas ao instrumento, pois é permitido ao testador arbitrar e manifestar outras finalidades as quais superam a instituição de herdeiros e a deliberação de bens que devem ser distribuídos após a sua morte. Por essa razão, o § 2º do art. 1.857 do Código Civil acrescenta que “São válidas as disposições testamentárias de caráter não patrimonial, ainda que o testador somente a elas se tenha limitado”[72].

Deve-se dizer, portanto, que por ser o testamento um ato personalíssimo, constituído como negócio jurídico unilateral, gratuito e revogável, a nomeação de um herdeiro, bem como a indicação de condutas a serem realizadas após a sua morte, como, por exemplo, o reconhecimento de um filho havido fora do casamento, permitem outra utilização do seu objeto.

Diferentemente da capacitação legítima, o sucessor não fica subordinado a uma posição na ordem de vocação hereditária, onde para ser revestido na qualidade de herdeiro é suficiente a sua nomeação na deixa testamentária. Dessa forma, expõe o próprio Código Civil em seu art. 1.799 que “Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder: I – os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão”. Assim, comprovando ser a liberalidade do testador algo que supera as próprias expectativas do legislador.

Ocorre que, ao testar a favor do nascituro, o autor da herança promove um estado suspensivo ao novo ser, tendo em vista sua natureza incompleta condicionar à eficácia do princípio da saisine a espera do nascimento, com vida, do feto. Outrossim, é o entendimento de Sérgio Abdalla:

É verdade que pelo direito da saisine e a propriedade transmitem-se no exato momento da defunção do autor da herança. Acontece que em nosso entender, e da maneira como fundamentamos até aqui, nem a saisine aproveita o nascituro de maneira plena, mas sim relativa, pois, com ela, a transmissão imediata que se dá a favor do nascituro são das expectativas de direito que lhe assistirem e forem-lhe proveitosas naquele instante, nada mais. Se não nascer com vida, os demais herdeiros herdarão como se nunca tivesse existido o infans conceptus.[73]

Ao deixar resíduos da sua vontade, o autor da herança é dotado de amplos poderes para determinar as suas intenções, desde que haja, fisicamente, um sucessor, no instante da abertura da sucessão, vale lembrar, o óbito do hereditando, preservar-se-á a titularidade de seus direitos. Portanto, a qualidade jurídica para que uma pessoa seja herdeira testamentária é ser declarada como tal no referido instrumento, inclusive o nascituro.

3.2     O CURADOR AO VENTRE

A regra geral segundo a qual só tem legitimação para suceder as pessoas já nascidas ao tempo do óbito do de cujus, aponta a capacidade hereditária do nascituro como uma exceção. Pela natureza frágil e despersonalizada do feto, com seus direitos, como já informado, em situação de potencialidade, é promovida a instituição da curatela para que ao mesmo seja possibilitada a administração dos seus direitos patrimoniais.

No direito civil brasileiro, a curatela, de uma forma genérica, é destinada aos adultos incapazes de reger sua própria pessoa e administrar seus bens; portanto, visa suprir a capacidade civil, diferentemente da tutela, no qual o fito é substituir o pátrio poder, com fins assistenciais aos menores de idade. Novamente, o nascituro encontra-se num espaço de tratamento especial, posto que sua proteção é garantida mediante a curatela, nos termos do art. 1.779, do Código Civil, quando exprime que “Dar-se-á curador ao nascituro, se o pai falecer estando grávida a mulher, e não tendo o poder familiar. Parágrafo único. Se a mulher estiver interdita, seu curador será o do nascituro”[74].

Segundo Luz:

[...] a nomeação de curador somente se justifica quando demonstrada a necessidade de preservar direitos do nascituro, como, por exemplo, o de receber herança, legado ou doação, configurados após o nascimento com vida. Nesse caso, a curatela tem sua duração limitada à data do nascimento do nascituro, uma vez que, após o nascimento, é necessária a nomeação de um tutor para o menor em razão do não exercício do poder familiar pela mãe (art. 1.728, II, do cc). Caso a mãe do nascituro estiver interdita, seu curador será o mesmo do nascituro (parágrafo único). Nessa modalidade de curatela como intuitivo, não ocorre processo de interdição.[75]

Assim, o instituto da curatela destinado ao nascituro é tido como uma medida supletiva e preambular para a aquisição da sua legitimidade processual. É enfatizado, desse modo, o amplo acesso à justiça e o preceito da tutela jurisdicional, não bastando a simples titularidade dos direitos sucessórios, sendo fundamental a defesa dos mesmos, ainda que não haja personalidade.

O caráter eminentemente publicista da curatela revela o fato do instituto ser um múnus público, em virtude de ser um dever de o Estado zelar pelos interesses dos incapacitados. Diante disso, delegam-se pessoas idôneas e capazes de suprir a dificuldade temporária dos curatelados em defesa dos seus direitos.  Ao que tange a curatela do nascituro, esta será deferida pelo Juiz quando a gestante se encontrar destituída do poder familiar, como bem esclarece o parágrafo único do artigo seguinte do Código de Processo Civil:

Art. 878. Apresentado o laudo que reconheça a gravidez, o juiz, por sentença, declarará a requerente investida na posse dos direitos que assistam ao nascituro.

Parágrafo único - Se à requerente não couber o exercício do pátrio poder, o juiz nomeará curador ao nascituro.

 Desse modo, comprovado o estado gravídico de uma mulher, o magistrado, ante o laudo, declarará, por sentença, a investidura da requerente na posse dos direitos que assistam seu filho. A relação processual, todavia, não será destituída se àquela não couber o pátrio poder, pois a ventura da sua instauração será combinada com a nomeação do curador ao ventre, protetor do direito material do nascituro.

É nesse aspecto que Gonçalves reforça:

Os direitos que lhe são assegurados encontram-se em estado potencial, sob condição suspensiva. Para resguardá-los pode a mulher que o está gerando requerer ao magistrado competente a nomeação de um curador: o curator ventris (curador ao ventre).[76]

Com igual preocupação, observa Fiuza:

Apesar de não ser pessoa, visto que ainda não nasceu, recebe a herança, sendo-lhe nomeado curador, denominado curador ao ventre (normalmente a própria mãe será o curador), para zelar por seus interesses. Caso venha a nascer morto, considera-se como nunca tendo existido, sendo sua parte da herança transmitida aos demais herdeiros.[77]

A origem da curatela, todavia, já era narrada no Direito Romano como instrumento jurídico destinado à proteção dos incapazes em razão da idade ou da mente, isto é, dos maiores de 14 anos e menores de 25  ou dos loucos, provisórios ou permanentes, e dos pródigos, dilapidadores irresponsáveis dos seus bens. Daí o termo curatela derivar-se do latim curare, que significa cuidar. A proteção, contudo, não se limitava aos incapazes a pouco mencionados, de forma que a mesma preocupação também atingiu a figura do nascituro.

Assim, como bem explica Betancour[78]:

Decretada la missio in possessionem ventris nomine a favor de la mujer viuda embarazada, se procede, a solicitud de la mujer encinta o de los acreedores del patrimonio hereditario, al nombramiento de um curator ventris bonorumque (= curador para el nasciturus y para los bienes), singular o plural, caso en el cual el curator responde al nombramiento de um curator bonorum (=curador tan sólo pra los bienes), por el outro lado. Normalmente, el curator ventris bonorumque se elige entre los tutores que han sido nombrados para el nasciturus  (póstumo), o entre los parientes agnados o afines, o los amigos del difunto o causante,o los acreedores, pero siempre y cuando todas estas personas sean idóneas. Si ninguna lo es, entonces se nombra un hombre recto (bonus vir). La custodia y diligencia del patrimonio hereditario embargado que se exige al curator ventris bonorumque es la misma exigible em los casos de tutela y em los demás casos de curatela.[79]

Alves acrescenta, ainda, que a “bonorum possessio ventris nomine, que o pretor concedia, em favor de nascituro, à mulher grávida; nascida a criança, ou verificado que não haveria nascimento, essa bonorum possessio se extinguia”[80].

Com isso, percebemos que na Roma antiga já havia previsão para a curatela do nascituro, cujo cuidado estava em conceder à viúva grávida uma custódia para a aquisição do patrimônio hereditário. Desse modo, salvaguardava as expectativas hereditárias do nascituro dando-lhes curador, sendo, pois, forçoso concluir que por não serem reconhecidos como pessoas, e, portanto, sem a representação de pupilo, recebia a curatela e não a tutela.

Já nos novos tempos do direito, de acordo com o pensamento de Giorgis, qualquer mulher grávida, não só a viúva, cujo marido ou companheiro faleceu, é legitimada para proceder a ação que comprove sua gravidez, apesar de outrem também possuir a prerrogativa para acionar a missio ventris nomine[81], como é o caso do nascituro ser contemplado por um testamento e a mulher negar seu estado gravídico, estando o pai vivo[82].

A curatela, ainda, supera a obrigação de reger e suprir a incapacidade do nascituro, pois, como bem expressa Marins:

Ao curador incumbe: vigiar a mãe grávida e acautelar o perigo de suposição ou supressão do parto; fornecer-lhe os meios necessários para a manutenção e cuidados para com o nascituro; requerer no inventário aquilo que for do interesse do nascituro, além de resguardar seu patrimônio.[83]

Desse modo, com o aperfeiçoamento das relações sociais aditada às descobertas científicas, compete às normas velarem pelas expectativas de direito do feto através de um olhar diferenciado e mais protetivo, pondo os seus direitos a salvo através do instituto da curatela.

3.3      EMBRIÃO, NASCITURO E CONCEPTURO

É de suma relevância enveredarmos pela diferenciação entre embrião, nascituro e concepturo, principalmente pelo fato de as novas tecnologias terem avançado no panorama da fertilização artificial, transcendendo as leis da natureza na manipulação dos gametas humanos, facilitando, pois, a confusão dessas criaturas.

É a partir dessa importância, retida na conversão de um material genético em um indivíduo da espécie humana, que o interesse jurídico adentra nessa temática, pois retira a característica de um ser humano em potencial desses entes distintos, mas que, ainda assim, sujeitos à proteção e previsão normativa.

O embrião, nessa conjuntura, reporta-se a um organismo ainda em desenvolvimento, resultado de uma fecundação humana, seja natural ou artificial. Ou como melhor explica Varella, o “Embrião é um ser humano em potencial, desde o momento da fecundação dos gametas humanos”[84].  

Sobre este, Regina Silva se aprofunda:

Embrião é o ser oriundo da junção de gametas humanos, sendo que há basicamente dois métodos de reprodução artificial: método ZIFT, consistente na realização da fecundação fora do corpo da mulher (in vitro); e método GIFT, consistente na introdução de gameta, por meio artificial, no corpo da mulher, esperando-se que a própria natureza faça a fecundação. O embrião é excedentário quando fecundado fora do corpo (in vitro) e não é introduzido prontamente na mulher, sendo armazenado por técnicas especiais.[85]

Embora o nascituro também possa deter essa essência, o liame entre ambos é distanciado através de detalhes mínimos que o transformam num ser mais desenvolvido e viável. Desse modo, não obstante sejam utilizadas técnicas artificiais para a fertilização, só será nascituro aquele ente que estiver implantado no útero de uma mulher, posto ser esse o único caminho para progredir o ciclo da vida humana.

Para Almeida:

Somente se poderá falar em ‘nascituro’ quando houver a nidação do ovo. Embora a vida se inicie com a fecundação, é a nidação- momento em que a gravidez começa - que garante a sobrevida do ovo, sua viabilidade. Assim sendo, o embrião na fecundação in vitro não se considera nascituro.[86]

Portanto, fica agregado ao conceito de nascituro a expectativa de vida após o nascimento, o que do embrião não se espera. Ocorre que o aspecto originário de cada um deles não deve ser compreendido e associado pelas teorias que versam sobre o início da vida, pois esses entes referem-se de igual forma a um feto, porém em estados evolutivos distintos.

O nascituro, como vimos, é aquele que está por nascer, mas que ainda não foi aperfeiçoado pelo parto. Assim, é o feto já em gestação que detém um estado de maturação superior ao do embrião, capaz de torná-lo viável no que se refere à sobrevivência e ao desenvolvimento. É nesse aspecto que Ulhoa menciona que “O embrião fertilizado in vitro, a partir da sua implantação no útero, deve ser considerado nascituro e, a contar do nascimento com vida, sujeito de direito e titular de personalidade jurídica”[87]. Assim, percebemos que o embrião pode valer-se fora do corpo feminino, enquanto o nascituro não, representando uma continuidade daquele.

Dessa maneira, concluímos que a grande diferença está no que concerne ao grau de desenvolvimento e de expectativa de vida, no qual o embrião terá que superar a etapa da nidação. Acrescenta Luz: “Deve-se distinguir embrião do nascituro, porquanto este já vem se desenvolvendo durante a gravidez e, assim, é apenas necessária a espera do momento do nascimento para verificar-se se houve (ou não) a aquisição da herança ou legado”[88].

Ainda, insurgindo no estado comparativo, adentramos na esfera do concepturo, um ente de tratamento completamente atípico, posta sua inexistência ao tempo da sucessão. Na legislação civil vigente, o concepturo é mencionado quando intenta-se atribuir a uma prole eventual a capacidade de suceder, mesmo a regra geral incitando que o herdeiro deve estar vivo ou pelo menos concebido ao tempo da abertura da sucessão. Contudo, ao expor o Código Civil, em seu art. 1.799, inciso I, que os filhos, ainda não concebidos, de pessoas vivas indicadas pelo testador podem ser chamados a suceder, faz-se emergir a figura do concepturo.

O concepturo, portanto, é o ser humano ainda não gerado, embora haja sobre ele a perspectiva da sua criação. Assim, se extrai a idéia de transmissão hereditária condicionada a um evento futuro e incerto, ficando a cargo dos seus genitores a esperança de que o mesmo venha a ser concebido e, posteriormente, contemplado pela deixa testamentária.

Ocorre que a tutela ao concepturo não foi invocada primordialmente pelo direito civil, tendo a Carta Magna também tecido algumas considerações sobre o assunto. Logo, quando revelado, no art. 225 desta, que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo para as presentes e futuras gerações”[89], são asseguradas às gerações posteriores e, portanto, aos concepturos um principiar de um direito.

Alcançada a norma a figura de um ser desprovido da própria existência, observamos o quão válido é considerar um direito que a ventura trará solidez. Por essa razão, e com afinco ao nosso tema, a possibilidade de um concepturo ser herdeiro requer, todavia, uma série de requisitos.

Inicialmente, a transmissão trata-se de uma sucessão direta, sem a idéia substitutiva do fideicomisso, tendo em vista que seus genitores não terão contato com a herança, senão como curadores. Assim, o testamento favorece apenas os filhos, sem qualquer escala.

Após a deixa, fica a herança em estado de regência, aguardando o indubitável fato que não permita o cumprimento do evento ou que sejam satisfeitas as condições que ensejem a concepção. Todavia, se o concepturo concorrer com mais herdeiros, deferir-se-á a partilha sob condição resolutiva, ou seja, dividir-se-á a herança em quinhões provisórios para os herdeiros já existentes, os quais ficarão com a obrigação de restituir o concepturo na sua quota. Diante disso, procede o Código Civil com o seguinte artigo:

Art. 1.800. No caso do inciso I do artigo antecedente, os bens da herança serão confiados, após a liquidação ou partilha, a curador nomeado pelo juiz.

§ 1º Salvo disposição testamentária em contrário, a curatela caberá à pessoa cujo filho o testador esperava ter por herdeiro, e, sucessivamente, às pessoas indicadas no art. 1.775.

§ 2º Os poderes, deveres e responsabilidades do curador, assim nomeado, regem-se pelas disposições concernentes à curatela dos incapazes, no que couber.

§ 3º Nascendo com vida o herdeiro esperado, ser-lhe-á deferida a sucessão, com os frutos e rendimentos relativos à deixa, a partir da morte do testador.

§ 4º Se, decorridos dois anos após a abertura da sucessão, não for concebido o herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposição em contrário do testador, caberão aos herdeiros legítimos.[90]

Tais critérios proporcionam segurança jurídica a algo que, de início, é tão imaterial, acautelando os demais sucessores e os próprios genitores do concepturo. Vale lembrar, todavia, que os filhos a que se refere o artigo podem abranger, por equiparação, os adotivos e, por presunção, os resultantes de fecundação artificial homóloga, mesmo não incidindo estes na estrita definição de concepturo.

3.4      DA PETIÇÃO DE HERANÇA

Do imperativo lógico percorrido, a partir do reconhecimento do direito sucessório, encontramos o aparatoso intento do legislador em salvaguardar a herança para quem dela seja lídimo. Cuida-se o tópico, portanto, da ação que compete ao herdeiro, não reconhecido quando aberta a sucessão, pleitear o reconhecimento do seu título.

Sabemos que petição, numa forma geral, quer-se exprimir o ato de pedir, requerer ou solicitar algo com o fito de alcançar determinada pretensão. Já na linguagem forense, peticionar significa manifestar-se de forma escrita, quer como pedido ou reclamação, em direcionamento ao juiz competente, com a finalidade de dirimir um conflito.

De origem remota, desde os tempos áureos do Direito Romano, a petitio hereditatis constitui uma proteção específica àqueles que possuem a qualidade de sucessor, seja por via testamentária ou legítima, para que veja reconhecido um direito pelo qual deveria dominar. No nosso atual diploma civil, esse respaldo está expressamente indicado no art. 1.824, ao mencionar que “O herdeiro pode, em ação de petição de herança, demandar o reconhecimento de seu direito sucessório, para obter a restituição da herança, ou de parte dela, contra quem, na qualidade de herdeiro, ou mesmo sem título, a possua”[91]. Assim, é de magistral síntese o comentário poético de Oliveira, ao tecer sobre o artigo:

Da petição da herança

Vem o artigo falar

Que autoriza o herdeiro

Vir no caso postular

Seu direito de herança

Como estou a comentar.

Não importa a qual título

Venha o herdeiro postular

E também de qual pessoa

Que veio no caso herdar

Reconhecido o direito

Vem este a habilitar.

Também não importa o quantun

Da herança na ação

Que pode vir ser total

Ou só por parte então

Caso existam outros herdeiros

Que integra a relação.[92]

Rizzardo também contribui:

[...] esta ação constitui o meio judicial de receber os direitos hereditários ou de salvaguardá-los, contra as usurpações de terceiros. Não propriamente para defender os direitos ou bens, eis que, para tanto, há as ações possessórias, utilizáveis no caso de turbação ou esbulho, ou de ameaça de perda. Serve mais para reclamar e conseguir o bem ou o quinhão hereditário.[93]

Desse modo, é concedida ao verdadeiro sucessor a oportunidade de ingressar em juízo, a fim de que o mesmo possa reaver o que de fato mereça.  Washington de Barros acrescenta, ao declarar como objetos dessa ação os seguintes:

É ação que tem duplo objeto: a) reconhecimento do direito sucessório, em razão da ordem de vocação hereditária ou de disposição testamentária; b) devolução dos bens hereditários, que estão em poder de terceiro, herdeiro ou não. Por isso deve o autor comprovar sua qualidade, os bens devem pertencer à herança e estar em poder do réu.[94]

Embora tenha duplo objeto, a petitio hereditatis não tem a essência de ação de estado, uma vez ser este o pressuposto legal da demanda, necessitando, pois, que a situação de pessoa já esteja declarada ou pelo menos em curso com a ação principal, como nos casos de investigação de paternidade cumulada com a petição de herança. Dessa forma, não se percorre o pedido com o escopo de autenticar-se herdeiro, mas tão somente reconhecer o seu direito de sucessor e reivindicá-lo, assim como os bens em posse de terceiros. A qualidade pessoal do autor do pleito é que impulsionará a reclamação do seu estado, não sendo coerente deliberar no curso da petição de herança se o autor possui ou não legitimidade como herdeiro, pelo contrário, dever-se-á utilizar do seu posto de parente ou de herdeiro instituído para justificar o propósito materialista do pedido.

Consoante o art. 1.825 do Código Civil, “A ação de petição de herança, ainda que exercida por um só dos herdeiros, poderá compreender todos os bens hereditários”[95]; assim, em consequência da indivisibilidade e universalidade do acervo, ainda que a ação seja pleiteada por um único herdeiro, todos os bens serão compreendidos no requerimento, sem considerações específicas.

Como esclarece Gonçalves:

Com a morte do de cujus estabelece-se, com efeito, o condomínio e a composse entre os herdeiros, e qualquer deles pode, isoladamente, ingressar com a petitio hereditatis contra o herdeiro ou possuidor despojado de qualquer titulo, inclusive para postular a restituição de todos os bens hereditários.[96]

Todavia, antes de instaurada a ação, é possibilitado ao autor do pedido, conforme o art. 1.001 do Código de Processo Civil, utilizar a petição de herança como ultima ratio, uma vez reconhecido outro modo de acessar os direitos sucessórios não percebidos. No caso, preceitua o artigo:

Art. 1.001. Aquele que se julgar preterido poderá demandar a sua admissão no inventário, requerendo-o antes da partilha. Ouvidas as partes no prazo de 10 (dez) dias, o juiz decidirá. Se não acolher o pedido, remeterá o requerente para os meios ordinários, mandando reservar, em poder do inventariante, o quinhão do herdeiro excluído até que se decida o litígio.[97]

Por conseguinte, admite-se no curso do inventário a solicitação para o seu ingresso no rol de herdeiros, acautelando futuros litígios e acúmulos na máquina judiciária.

Caso tenha superado a partilha e ingressado com a petição de herança e esta ação seja vencida, fica o herdeiro a receber os bens do acervo que lhe pertencem, em obediência às quotas. Gera, portanto, uma condenação permanente, cujo efeito será a reiteração da partilha anteriormente formalizada. No tocante às aquisições de boa-fé, se onerosas, tornam-se com efeito e caberá ao possuidor originário a restituição do valor, com seus frutos, acréscimos e rendimentos. Já as de má-fé, são dadas como ineficazes.

Não obstante seja o direito à herança um complexo indisponível daquele que detém a qualidade de herdeiro, a ação é de cunho prescritível, embora alguns doutrinadores discorram o contrário. Contudo, o Supremo Tribunal Federal, em sua súmula 149, declara ser “imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é a de petição de herança”. Assim, dirimindo quaisquer dúvidas.

Ademais, o termo inicial para ser contado o lapso prescricional é correspondente ao tempo da abertura da sucessão, salvo nos casos em que a legitimidade está subordinada à declaração judicial, contando o prazo a partir desse instante. Entretanto, a legislação não cuidou de tratar o tema, ficando como subsidiária a regra do art. 205 do diploma civil, quando menciona correr prescrição em dez anos, quando a lei não fixa prazo menor. Em igual entendimento, Carvalho preleciona que “não havendo dispositivo legal para o caso específico, sobreleva necessariamente concluir que o prazo extintivo da petição de herança é de dez anos”[98].

Destarte, a petição de herança também se sujeita à incidência do art. 198, I, do novel Código Civil, pelo qual não corre prescrição contra os absolutamente incapazes, levando-nos a crer que o nascituro também entraria nesse rol.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O reconhecimento universal dos direitos humanos elevou a figura do nascituro ao panorama jurídico internacional, tendo em vista a consagração do direito à vida e das demais prerrogativas ao desenvolvimento particular e social do homem. Ao comprometer os Estados ao respeito à dignidade da pessoa humana, bem como os demais acessórios vinculados à garantia, recolhemos em nossa estrutura normativa interna o zelo por nossos semelhantes.

Ocorre que a Constituição da República Federativa do Brasil ao salvaguardar os direitos humanos e declarar como garantia fundamental o direito à herança, estabeleceu de forma plena a capacidade do nascituro em ser herdeiro. Integrar o feto, portanto, no âmbito sucessório, formaliza a inserção do mesmo no rol de herdeiros já nascidos e capazes.

Desse modo, o ser já concebido excepciona a regra geral de que se transmite a herança aos já nascidos ao tempo da abertura da sucessão, além de sobressaltar o requisito da personalidade jurídica para a aquisição dos direitos civis. Entretanto, a pretensão de integrar o nascituro no campo sucessório requer comprovações do estado gravídico de sua genitora, bem como indícios que corroboram sua participação na deixa do de cujus, seja ela testamentária ou legítima. Ainda, nos deparamos com a suspensividade no qual se encontra o feto, posto os seus direitos permanecerem num estado potencial, enquanto não são absolutos em razão da fragilidade decorrente do claustro materno.

Todavia, diante das mutações valorativas da sociedade, é certa atualmente a compreensão de que uma mulher encontra-se em período gestacional e a tecnologia moderna, em seu auxílio, ao possibilitar extrair as informações das semanas de vida do feto, bem como das debilidades por ventura instauradas neste, facilita a notoriedade da existência dessa nova criatura humana, assim como a certificação da viabilidade de que a mesma nasça com vida. Com fulcro nesses fundamentos, ampara-se o concebido vivente no útero materno com mais evidência, tendo em vista o conhecimento indubitável da sua presença, onde a expectativa de direito daquele deve ser tomada com seriedade e crença em todo evento processual de formalização da transmissão do acervo hereditário.

Com isso, verificamos a superioridade legal da teoria concepcionista ao afiançar os direitos do nascituro sem que seja aguardada a sua vinda ao mundo; assim, justificando o fato de o concebido ser sujeito de direitos antes mesmo de ter sido agraciado com a personalidade jurídica. É nesse aspecto que estabelece um alicerce para o ser humano que ainda não nasceu, mas que deve ver resguardado os seus interesses.

Ao nosso entendimento, a teoria natalista só deverá ser inserida ao que tange a transmissão patrimonial, como meio de tornar permanente a continuidade dos bens da herança pertencentes ao nascituro, fundamentada, principalmente, na segurança jurídica do ato. Todavia, propomos uma aliança entre as teses, onde a mera ressalva natalista de pôr a salvo os direitos do nascituro não é bastante, pois suspende demais suas garantias, a ponto de torná-las virtuais até o instante do nascimento, com vida, da criança. Assim, há a necessidade de aceitar a natureza humana e delicada do concebido, com a expectativa favorável ao nascimento, pelo qual a morte que será a exceção. Desse modo, esperar o sucesso da continuidade vital do feto, mesmo depois do parto, deve ser tomado como preceito geral, diante dos meios probatórios de viabilidade a qual as ciências médicas certificam.

Deve ser confiado, assim, todo o aparato legal que torne eficaz e contínua a luta pelos direitos do nascituro, tornando possível o seu alistamento como herdeiro, além de concedê-lo o instituto da curatela, a fim de que lhe sejam transmitidos os quinhões a que lhe pertençam. É de grande valia, ainda, o deferimento da quota-parte antes mesmo do nascimento, para que os bens sejam gozados pelo nascituro, inclusive com os frutos e rendimentos, onde só a ausência de vida extra-uterina seria capaz de retirá-lo do poderio desses bens, ocasionando o ônus da restituição aos demais herdeiros ou, através de uma mínima respiração, transmiti-los para seus ascendentes.

Portanto, a mera constatação de vida humana intra-uterina deve permitir a consagração do direito de herança do nascituro, tendo em vista que a impossibilidade de se expressar não gera a abstenção dos seus direitos. Pelo contrário, a estrutura protecionista deve ser maior, pois do laço sanguíneo ou do intento do testador deve ser ministrado o exercício da justiça. Desse modo, uma vida não pode ser defendida apenas por ser vida, mas também por implicar direitos outros de elevada estima.


REFERÊNCIAS

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notas

[1] MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal II. 26.ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 58.

[2] TEODORO, Frediano José Momesso. Aborto Eugênico: delito qualificado pelo preconceito ou discriminação. Curitiba: Juruá, 2007. p. 26.

[3] BETANCUR, Carlos Mario Molina. El derecho al aborto en Colombia. Medellín: Sello Editorial, 2006. p. 208.

[4] Há vida humana independente desde o momento exato da concepção, isto atendendo as declarações da biologia e não no que está estabelecido pelo direito. Isso ocorre porque o conceito de vida obedece a um assunto natural que em nada se altera pelas concepções que tenham os homens dela, pois é puramente objetivo. (tradução própria)

[5] HOCH, Lothar Carlos; WONDRACEK, Karin H. K. Bioética: avanços e dilemas numa ótica interdisciplinar do início ao crepúsculo da vida. São Leopoldo: Sinodal, 2006.  p. 17.

[6] MARTÍNEZ, Stella Maris. Manipulação Genética e Direito Penal. São Paulo: IBCCrim, 1998. Passim.

[7] MONACO, Gustavo Ferraz de Campos. A Proteção da Criança no Cenário Internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 219.

[8] CRETELLA JUNIOR, José. Curso de Direito Romano. 31.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 60.

[9]   GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.76.

[10] CASABONA, Carlos Maria Romeo; QUEIROZ, Juliane Fernandes (Coords). Biotecnologia e suas implicações ético-jurídicas. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 253.

[11]  BRASIL. Código Civil. Brasília: Senado, 2003. p. 141.

[12]  VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. 9.ed. São Paulo: Atlas. 2009. p.135.

[13] PEREIRA Caio Mário da Silva. Direito Civil: Alguns aspectos de sua evolução. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p.79.

[14] PIZARRO, Osvaldo Romo. Medicina Legal: Elementos de Ciencias Forenses. Santiago: Editorial Juridica de Chile, 2000. p. 231.

[15] BARBAS, Stela Marcos de Almeida Neves. Direito ao patrimônio genético. Coimbra: Almedina, 2006. p. 73-74.

[16] PAMPLONA FILHO, Rodolfo; ARAÚJO, Ana Thereza Meirelles. A tutela jurídica do nascituro à luz da Constituição Federal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, v. 18, p. 33-48, maio/jun 2007.

[17] RODRIGUES, Silvio. Direito civil: parte geral. 32.ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 36.

[18]  DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. São Paulo: Saraiva. 2001. p.30.

[19] CORRÊA, Elídia Aparecida de Andrade; GIACOIA, Gilberto; CONRADO, Marcelo (Coords.). Biodireito e dignidade da pessoa humana: diálogo entre ciência e direito. Curitiba: Juruá. 2006. p. 26.

[20] CURY, Munir; AMARAL E SILVA, Antônio Fernando do; MENDEZ, Emílio Garcia (Coords.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: comentários jurídicos e sociais. 5.ed. São Paulo: Malheiros. 2002. p. 41.

[21]  ALMEIDA, Silmara J. A. Chinelato e. Tutela Civil do Nascituro. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 81.

[22]  COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. São Paulo: Hemus, 1975. p. 8.

[23] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.

[24]  VIER, Frei Frederico (Coord.). Documentos do Vaticano II. Petrópolis: Vozes, 1966. p. 197.

[25]  Ex. Português. In: Bíblia sagrada. Edição pastoral. São Paulo: Paulus. 1996. p. 94.

[26]  COELHO, Mário Marcelo. O que a Igreja ensina sobre... São Paulo: Canção Nova, 2007. p. 20.

[27] SANTOS, Severino Augusto. Direito Romano: tutela de Idade. Rio de Janeiro: Forense. 2005. p. 80.

[28] SUAREZ, Ursicino Álvarez. Intituiciones de Derecho Romano III: Personas fisicas y colectivas en el Derecho Romano. Madrid: Editoriales de Derecho Reunidas. 1977. p. 13.

[29] O concebido, mas ainda não nascido, ou seja, de acordo com a terminologia usada pelas fontes, o conceptus, o que <<in utero est>>, o que <<nasci speratur>>, e também, em ocasiões, o postumus, não pode, em princípio, ser titular de direitos, nem tampouco transmiti-los, pois em primeiro curso para que se possa caracterizar um homem, (persona) que tem capacidade jurídica, já que existe, e essa existência só se produzirá pelo nascimento. O concebido, mas ainda não nascido, não pode mesmo contar-se entre os humanos (in rebus humanis), nem entre as coisas da natureza (in rebus natura); por não encontrar-se desprendido do claustro materno, nem possuir autonomia a respeito da sua mãe, constitui, como dito antes, uma parte integrante desta (mulieres portio). No entanto, um feto intra-uterino mantém uma esperança de homem, uma vez que nascerá com vida, e o direito levará em consideração esta spes nascendi, contando com a mesma para atribuir determinados efeitos. (tradução própria)

[30] Is de cujus hereditate agitur (aquele de cuja herança se trata)

[31] MARKY, Thomas. Curso Elementar de Direito Romano. 8. ed. 12° tiragem. São Paulo: Saraiva. 2008. p. 185.

[32]  O marido, entretanto, não herdava de sua esposa, pelo fato da mesma ter sido alieni iuris em razão do seu casamento.

[33]  Posteriormente passou a ser admitida as irmãs do defunto.

[34]  COULANGES, Fustel de. Op. cit., p. 48.

[35] A mulher não caía sob o poder do marido, continuando sob o pátrio poder da família de que provinha.

[36] OLIVEIRA, Irineu de Souza. Programa de Direito Romano. 2. ed. Canoas: Ubra, 2000. p.102.

[37]  Irmãos germanos são aqueles advindos de progenitores comuns, diferentemente dos unilaterais cuja conexão está em apenas um.

[38]  PEIXOTO, José Carlos de Matos. Curso de Direito Romano, tomo I: partes introdutória e geral. 4. ed. Rio de Janeiro: renovar. 1997.  p. 358.

[39]  ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. 14.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2008. p. 715-716.

[40]  CHAMOUN, Ebert. Instituições de Direito Romano. 6.ed. Rio de Janeiro: Editora Rio. 1977. p. 439-441.

[41] ALVES, José Carlos Moreira. Op. cit., p. 795.

[42] CRETELLA JÚNIOR, José. Op. cit., p. 269.

[43] CHAMOUN, Ebert. Op. cit., p. 495.

[44] MARKY, Thomas. Op. cit., p. 195.

[45] CRETELLA JÚNIOR, José . Op. cit., p. 277-281.

[46] Nesses casos as buscas e averiguações devem ser comprovadas e exaustivas, para que uma sentença date o momento provável do falecimento.

[47] BRASIL. Código Civil. Brasília: Senado, 2003. p. 370.

[48] RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 26.ed. São Paulo: Saraiva. 2007. p. 13.

[49] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 3ed. Saraiva. 2009. v.3,  p.76.

[50] BRASIL. Op. cit.. p. 141.

[51] Ibid., p. 372.

[52]  NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 7.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 520.

[53]  CARLOS MAXIMILIANO (1942 apud GONÇALVES, 2009, p. 52).

[54]  RODRIGUES, Sílvio. Op. cit. p. 37.

[55]  BRASIL. Op. cit., p. 372.

[56]  Ibid., p. 376-377.

[57]  RODRIGUES, Sílvio. Op. cit. p. 40.

[58] CARLOS MAXIMILIANO (1942 apud GONÇALVES, 2009, p. 457).

[59] RODRIGUES, Sílvio. Op. cit. p. 293.

[60] RODRIGUES, Sílvio. Op. cit., p. 40.

[61] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 28.ed. São Paulo: Atlas, 2009. p.49.

[62] NERY JÚNIOR, Nelson. Op. cit., p. 1109.

[63] GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit., p. 52.

[64] GOMES, Orlando. Sucessões. 9.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 26.

[65] BRASIL. Op. cit., p. 371.

[66] BRASIL. Op. cit., p. 371.

[67] Ocorre quando um herdeiro é igualmente falecido e, em deixando prole, representam seus filhos o seu lugar.

[68]  BRASIL. Op. cit., p. 346.

[69]  RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Sucessões. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.  p.50.

[70] GATELLI, João Delciomar. El derecho sucesorio de los descendientes de primer grado en Brasil y en Espana. Dissertação (Doutorado em Direito) - Universidade de Salamanca, Salamanca, 2009. p. 44-45.

[71]  GATELLI, João Delciomar. Loc. cit.

[72]  BRASIL. Op. cit., p. 372.

[73] SEMIÃO, Sérgio Abdalla. Os Direitos do Nascituro: aspectos cíveis, criminais e do biodireito. 2.ed.Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 99.

[74]  BRASIL. Op. cit., p. 370.

[75]  LUZ, Valdemar P. da. Manual de Direito de Família. Barueri: Manole, 2009. p. 341.

[76]  GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit., p.52.

[77]  FIUZA, César. Direito Civil: curso completo. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 992.

[78]  BETANCOURT, Fernando. Derecho Romano Clásico. 3.ed. Sevilla:Universidad de Sevilla, 2007.  p. 422.

[79] Decretada a missio in possessionem ventris nomine a favor de uma viúva grávida, se procede a pedido da gestante ou dos credores da herança, a nomeação de um curator ventris bonorumque (= curador para o nascituro e para os bens), individualmente ou não, caso em que o curador responde à nomeação de um curator bonorum (= curador apenas para os bens), por outro lado. Normalmente, o curator ventris bonorumque é escolhido entre os tutores que foram nomeados para o nasciturus  (póstumo) entre os parentes agnados ou afins, os amigos do falecido ou os credores, mas somente se todas estas pessoas forem idôneas. Se nenhuma for, então se nomeia um homem direito. A guarda e o cuidado da herança que se exige ao curator ventris bonorumque é a mesma exigida nos casos de tutela e demais casos de curatela. (tradução própria)

[80]  ALVES, José Carlos Moreira. Op. cit., p. 713.

[81]  Posse em nome do nascituro.

[82] GIORGIS, José Carlos Teixeira. A paternidade fragmentada, família, sucessões e bioética. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p.126.

[83] MARINS, Victor Alberto Azi Bonfim. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2000. v.12. p. 364.

[84]  VARELLA, Marcelo Dias; FONTES, Eliana; ROCHA, Fernando Galvão da. Biossegurança e Biodiversidade: contexto científico e regulamentar. Belo Horizonte: Del Rey, 1998.  p. 207.

[85]  SILVA, Regina Beatriz Tavares da.  Novo Código Civil Comentado. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 1407.

[86]  ALMEIDA, Silmara J. A. Chinelato e. O nascituro no Código Civil e no direito constituendo do Brasil. Revista de Informação Legislativa, nº 97, vol. 25, jan./mar. 1988, p. 182.

[87]  COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2003. p.149.

[88]  LUZ, Valdemar P. da. Op. cit., p. 187.

[89]  BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.

[90]  BRASIL. Op. cit., p. 372-373.

[91]  BRASIL. Op. cit., p. 376.

[92]  OLIVEIRA, Dimas Terra. Código civil em poesia e prosa. São Paulo: Biblioteca 24 horas, 2011. p. 145.

[93]  RIZZARDO, Arnaldo. Op. cit., p. 131.

[94] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das sucessões. 36.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 83.

[95]  BRASIL. Op. cit., p.376.

[96]  GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit., p.127.

[97]  NERY, Nelson. Op. cit., p.1172.

[98] CARVALHO, Dimas Messias de; CARVALHO, Dimas Daniel de. Direito das Sucessões. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p.61.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Giovana Deininger de. Vocação hereditária do nascituro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3768, 25 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25613. Acesso em: 28 mar. 2024.