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Lei Maria da Penha, violência, medo e amor

da denúncia ao perdão

Lei Maria da Penha, violência, medo e amor: da denúncia ao perdão

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Trata da evolução da questão do tratamento legal da violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil, enfocando especialmente a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06).

Resumo: A violência doméstica é um mal que assola mulheres no mundo inteiro, desde tempos mais remotos até hoje. Infelizmente tal violência sempre foi, mesmo que inconscientemente, aceita na sociedade. As agressões vão desde a psicológica até a sexual e na maioria dos casos advêm daquele que deveria proteger a mulher, seu marido. Quando elas se veem sem alguém para apoiá-las e acuadas dentro de seu próprio lar, não conseguem ver um futuro para si. Com isso a vergonha, o medo e a falta de perspectiva de um futuro, faz com que muitas mulheres aceitem a violência. Só que muitas conseguem ver “uma luz no fim do túnel” e ao tentar lutar contra essa violência acabam por serem ainda mais hostilizadas por seus companheiros. No presente estudo analisaremos a linha histórica da violência contra a mulher até o grande avanço no Brasil, que foi a aprovação da Lei Maria da Penha. Além dos aspectos psicológicos que envolvem a relação agressor/agredida e como a família é afetada por esse comportamento violento.

Palavras-chave: Lei Maria da Penha – Violência contra a mulher – Falta de denúncia – Agressor - Motivações

Sumário:1. Introdução – 2. Lei Maria da Penha – 2.1 Quem é Maria da Penha? – 2.2 O que mudou com a Lei Maria da Penha – 2.3 A violência e a mulher na história - 3. Por que algumas mulheres não denunciam? – 3.1 Relações de amor e ódio, maridos violentos e mulheres submissas – 3.2 A família e a construção do psicológico do agressor e da agredida – 4. A sociedade machista e a imposição que a mulher sofre para manter o casamento – 5. Conclusão – 6- Referências


1. INTRODUÇÃO

A mulher historicamente sempre foi vista com elo fraco da sociedade, ganhando direito de igualdade há pouco tempo. Até poucos séculos atrás a mulher não podia votar, escolher seu marido e no Brasil até a Constituição de 1988 ela não podia sequer administrar seus bens, independente da forma como foram adquiridos, seja por herança, doação ou bens adquiridos com o dinheiro que ela ganhava trabalhando. No que tange o trabalho a mulher também não podia trabalhar, sendo restrita única e exclusivamente a cuidar do lar, dos filhos e do marido.

Com a Primeira e Segunda Guerras Mundiais, o mundo se viu sem mão de obra masculina tendo que recorrer às mulheres para manter os países funcionando e as fábricas produzindo. Após conseguir esse direito as mulheres nunca mais quiseram voltar à servidão do lar. Mas, mesmo tendo liberdade e lugares que aceitavam mulheres como mão de obra, ainda assim a mulher estava sujeita à aprovação de seu marido ou pai para poder trabalhar fora de casa. Comparando novamente a realidade brasileira, antes da Constituição de 1988 a mulher só poderia trabalhar ou abrir uma empresa com expressa autorização do marido.

Com todas as conquistas que a mulher vem conseguindo, uma infelizmente não será fácil de conseguir: a diminuição da violência contra a mulher. Todos os anos milhares de mulheres sofrem, no silêncio de seus lares, agressões diversas que as tornam objetos nas mãos dos maridos. A violência psicológica é aquela na qual a mulher tem sua autoestima e confiança totalmente destruídas por seu parceiro para que esta continue sendo submissa às suas vontades.

Já a violência física, que pode vir por conta da frustração do marido em não conseguir um emprego melhor, não ter sua vontade imediatamente satisfeita ou por ver que a mulher está tentando se tornar independente dele ou por muitos outros motivos dentre os quais o abuso de álcool e drogas é destacável, constitui-se de agressões físicas que podem ocasionar lesões corporais leves, graves, seguidas de morte ou mesmo chegar ao ápice que é o homicídio.

E a violência sexual que é aquela que pode advir do abuso de álcool por parte do marido ou por achar que é direito do marido e dever da esposa, ceder a todas as vontades sexuais do marido a qualquer momento, o que a faz criar um novo tipo de submissão perante o homem.

Para tentar combater todas essas violências contra a mulher é que veio a Lei Maria da Penha, uma lei com um objetivo determinado, mas que por diversas razões acaba não chegando à sua devida finalidade.

Neste estudo faremos uma análise dos antecedentes históricos da violência contra a mulher, mostrando a sua submissão frente ao homem dominador, e como também essa cultura machista ainda se mostra presente na atual sociedade Além disso, mostraremos quais são os motivos que a mulher vítima possui para não denunciar o homem agressor, apresentando também números expressivos de mortes de mulheres no Brasil, assim como se começa uma relação de submissão com os companheiros, o que faz com que a mulher se torne um objeto na mão do homem. O nosso material de pesquisa será composto de livros e artigos científicos sobre a Lei Maria da Penha além de pesquisas psicológicas quanto ao sentimento da mulher agredida.


2. LEI MARIA DA PENHA

Atualmente é comum assistir aos noticiários e ver noticias de mulheres que foram ou são agredidas por seus companheiros. A luta contra esse tipo de violência já se deu de diversas maneiras, entre elas, sendo a de maior força, a criação e promulgação da Lei nº 11.340/06, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha.

Com base nos altos índices de mortes de mulheres, tanto adultas quanto adolescentes e crianças no país, além de fortes pressões dos movimentos feministas no enfrentamento à violência doméstica e familiar, foi criada a Lei Maria da Penha. Somando a esses fatores, o fato de o Brasil ser signatário de Convenções como a Convenção de Belém do Pará (Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher) e da Convenção da ONU sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, fez com que o país recebesse recomendações para a criação de um modo mais efetivo de proteção contra a violência doméstica e familiar. (SECRETARIA DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES, 2012).

O processo de formação legislativa da Lei Maria da Penha foi um dos mais democráticos vistos até hoje no Brasil, visto que este processo teve a participação de movimentos feministas de todas as regiões do país, além de um grande apoio internacional. Uma proposta de prevenção à violência doméstica elaborada por um conjunto de ONGs (Advocacy, Agende, Cepia, Cfemea, Claden/IPÊ e Themis) foi apresentada, e depois de várias discussões e reformulações coordenadas pela Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM), o texto legal foi enviado pelo Governo Federal ao Congresso Nacional, onde foi aprovado por unanimidade nas cinco regiões do país onde houve audiências públicas realizadas nas Assembleias Legislativas e que contaram com a participação de entidades da sociedade civil, parlamentares e a SPM.

Como podemos observar, a espera de uma lei que realmente fosse ajudar as mulheres vítimas da violência doméstica foi finalmente concretizada, podendo atender tanto mulheres da classe alta quanto mulheres carentes.

2.1. QUEM É MARIA DA PENHA

Muito se fala na chamada Lei Maria da Penha, mas muitos não sabem o porquê esse nome foi dado a ela. Maria da Penha Maia Fernandes, biofarmacêutica, cearense, e que atualmente possui 61 anos de idade, foi vítima, por duas vezes, de tentativa de homicídio praticado por seu marido na época, o professor universitário e economista Marco Antonio Herredia Viveros, e também pai de suas três filhas.

Na primeira tentativa, em 29 de maio de 1983, Marco Antonio deu um tiro nas costas de Maria da Penha com uma espingarda enquanto ela dormia, simulando um assalto. Depois do disparo foi encontrado na cozinha da residência gritando por socorro, alegando que os ladrões haviam fugido pela janela. Maria da Penha ficou internada durante quatro meses e em resultado da violência voltou paraplégica para a sua casa.

Pouco mais de uma semana do fato ocorrido, a segunda tentativa de homicídio foi praticada. O marido a empurrou da cadeira de rodas que usava em virtude da primeira tentativa, e também buscou eletrocutá-la por meio de uma descarga elétrica enquanto ela tomava banho.

Como expõe Maria Berenice Dias (2007, p. 13), as investigações começaram em junho de 1983, mas a denuncia só foi oferecida em setembro de 1984. Em 1991, o réu foi condenado pelo tribunal do júri a 8 anos de prisão. Além de ter recorrido em liberdade ele, 1 ano depois, teve seu julgamento anulado. Levado a novo julgamento em 1996, foi-lhe imposta a pena de 10 anos e 6 meses. Mais uma vez recorreu em liberdade e somente 19 anos e 6 meses após o fato, em 2002, é que Marco Antonio Herredia Viveros foi preso e cumpriu apenas dois anos de prisão em regime fechado e logo após recebeu o benefício da progressão de regime indo para o regime aberto.

A repercussão dessa história foi tão grande que fez a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos solicitar ao governo brasileiro um parecer sobre o fato. Como este parecer nunca foi entregue à Comissão, o Brasil foi condenado internacionalmente em 2001, tendo como pena o dever de impor o pagamento de indenização no valor de 20 mil dólares em favor de Maria da Penha, além de ter sido responsabilizado por negligência e omissão em relação à violência doméstica. Fora isso, foi recomendado que o país adotasse várias medidas para simplificar os procedimentos penais para que possa ser reduzido o tempo processual.

E, como já dito anteriormente, foram essas pressões internacionais que fizeram com que o Brasil cumprisse os tratados internacionais dos quais é signatário.

Maria da Penha, após as tentativas de homicídio, começou a atuar em movimentos sociais contra violência e impunidade e hoje é coordenadora de Estudos, Pesquisas e Publicações da Associação de Parentes e Amigos de Vítimas de Violência (APAVV) no Ceará.

2.2. O QUE MUDOU COM A LEI MARIA DA PENHA

Antes da Lei Maria da Penha, a violência doméstica contra a mulher nunca teve uma lei especifica que a regulasse. Mulheres agredidas se viam encurraladas pela falta de apoio jurídico enquanto que o homem continuava com as agressões já que a sua chance de ser punido era praticamente nula.

Com a promulgação de Constituição Federal de 1988, os Juizados Especiais foram criados, e com eles, uma maior celeridade no processo penal brasileiro. Esses Juizados Especiais apenas tinham competência quando se tratava de crime com pena máxima de 2 anos, ou seja, “crimes de menor potencial ofensivo”. Mas, no momento da transcrição do texto legal, o legislador se esqueceu de observar um aspecto muito importante quanto à violência contra a mulher: quando se tratava de lesões corporais dolosas ou culposas, a ação penal era condicionada à representação da vítima, tirando o poder de punir do Estado e colocando o dever de iniciativa com a mulher agredida. Entretanto, como já é sabido por todos, quando está sob forte pressão do companheiro, a mulher não vê outra alternativa a não ser a de continuar calada. Sobre isso, Maria Berenice Dias nos mostra a inferioridade da mulher numa relação de violência:

“Apesar de a igualdade entre os sexos estar ressaltada enfaticamente na Constituição Federal, é secular a discriminação que coloca a mulher em posição de inferioridade e subordinação frente ao homem. A desproporção, quer física, quer de valoração social, entre o gênero masculino e feminino, não pode ser olvidada.” (2007, p. 22).

Com a ineficiência dos Juizados Especiais já que a lei da força física ainda era superior à da lei jurídica, foi criada em 2002, uma medida cautelar, de natureza penal, ao admitir a possibilidade de o juiz decretar o afastamento do agressor do lar conjugal na hipótese de violência doméstica. E em 2004, a Lei 10.886 acrescentou um subtipo à lesão corporal leve, decorrente de violência doméstica, aumentando a pena mínima de 3 para 6 meses de detenção.

Ocorre que, infelizmente, essas pequenas mudanças não foram suficientes para mudar todo um panorama nacional onde o número de mulheres que sofriam violência doméstica só aumentava. Por se tratar, na época, de um crime de menor potencial ofensivo e por tramitar nos Juizados Especiais, ficava dispensado o flagrante se o autor se comprometesse a comparecer no Juizado Especial Criminal, além de ter benefícios como o da transação penal, concessão de sursis, aplicação de penas restritivas de direitos, e a dependência de representação caso se tratasse de lesão leve.

Com todas essas características, fica claro observar que as leis que puniam a violência doméstica antes da Lei Maria da Penha não tinham muita eficiência. Em 2006, com a promulgação da Lei Maria da Penha, um novo texto legal surge para regularizar e punir os agressores de mulheres no âmbito doméstico e familiar, e com essa nova lei, mudanças surgiram nos tramites processuais penais brasileiros.

A Lei Maria da Penha trouxe dispositivos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Uma das maiores novidades trazidas pela Lei foi a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, os JVDFMs, com competência cível e criminal, o que deu mais celeridade aos processos que continham direito de família incluso, por exemplo.

A vítima se apresentará nas delegacias e será instaurado inquérito policial, e não mais um depoimento reduzido a termo como eram feitos em todos os casos anteriores à Lei. A mulher também ficou proibida de entregar qualquer intimação ou notificação ao agressor, além de ser notificada de todos os atos processuais praticados, especialmente quanto ao ingresso e saída da prisão do agressor, e sempre estar acompanhada de um advogado, tanto na fase policial quanto na judicial, e poder ter acesso aos serviços da Defensoria Pública e da Assistência Judiciária Gratuita.

Se antes da promulgação da Lei Maria da Penha eram possíveis penas alternativas como forma de punição pela violência praticada, depois da Lei, ficou proibido o uso de pena pecuniária, multa ou entrega de cestas básicas, e se permitiu a prisão em flagrante e a prisão preventiva do agressor, a depender dos riscos que a mulher corra. A pena mínima foi modificada, tendo sido reduzida para 3 meses e a máxima aumentada para 3 anos, acrescentando-se mais 1/3 no caso de portadoras de deficiência.

Outra importante mudança foi quanto à desistência da vítima em prestar denúncia contra o seu agressor. Antes de 2006, a mulher podia desistir da denúncia na própria delegacia, e depois de 2006, ela só fica permitida a desistir da denúncia perante o juiz. Fica à decisão do juiz fixar um limite mínimo de distância entre o agressor e a vítima, seus familiares e testemunhas, e pode também proibir qualquer tipo de contato com a agredida, seus familiares e testemunhas.

E o último dispositivo da Lei, que para Maria Berenice Dias (2007, p. 25) é um dos mais importantes, é o que permite o Juiz determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação, o que faz o agressor ser reeducado psicologicamente para não voltar a agredir a mulher.

2.3. A VIOLÊNCIA E A MULHER NA HISTÓRIA

A violência contra a mulher é produto de uma construção histórica e social. Ao longo dos tempos, as mulheres sempre foram inferiorizadas perante o homem. Desde os primórdios, a cultura humana caracteriza o sexo feminino como o sexo frágil, colocando a figura da mulher como um ser dependente da figura masculina.

A submissão da mulher perante o homem é fato ocorrido desde os chamados “tempos das cavernas” com a famosa figura do homem puxando a mulher pelos cabelos. Na Grécia antiga, a diferenciação entre os gêneros era clara, como elucida Tânia Pinafi em seu artigo intitulado “Violência contra a mulher: políticas públicas e medidas protetivas na contemporaneidade”:

“Na Grécia Antiga havia muitas diferenças entre homens e mulheres. As mulheres não tinham direitos jurídicos, não recebiam educação formal, eram proibidas de aparecer em público sozinhas, sendo confinadas em suas próprias casas em um aposento particular (Gineceu), enquanto aos homens, estes e muitos outros direitos eram permitidos.” (PINAFI, 2013).

Em Roma, a mulher não era considerada cidadã e consequentemente não podia exercer nenhum cargo público (FUNARI, apud, PINAFI, 2013). A exclusão social, jurídica e política da mulher a colocava no mesmo patamar das crianças e escravos, dando a ela apenas a função social de procriadora.

Segundo Christina Larroudé de Paula Leite (apud PINAFI, 2007), a Idade Média foi a época mais cruel quanto à discriminação contra a mulher. Mulheres inocentes eram queimadas nas fogueiras da Inquisição sob a acusação de bruxaria, sendo sumariamente julgadas de acordo com o Malleus Maleficarum ou Martelo das Bruxas, que era um livro onde eram descritas todas as formas de diagnosticar se uma mulher era ou não uma bruxa, como por exemplo, uma mulher que não chorasse durante seu julgamento automaticamente era condenada por ser uma bruxa. Outro exemplo de como a mulher era desprotegida são as leis instituídas pela Ordenação Filipinas ou Código Filipino, tendo esse nome por ter sido criado por Filipe II da Espanha, onde o marido traído pela esposa tinha a permissão de matar a sua mulher e o seu rival. Portanto, percebe-se que nessa época a missão da mulher era a de tudo aceitar e renunciar a si mesma, enquanto que o homem era tido como um ser superior.

A cultura da religião judaico-cristã só firmou ainda mais a inferioridade da mulher na sociedade. O Cristianismo colocou a mulher como sendo a culpada pelo pecado original, pela expulsão dos homens do paraíso, devendo por isso serem obedientes, passíveis e submissas aos homens, que eram tidos como seres iluminados e os únicos capazes de dominar os instintos das mulheres. Com o aumento dos adeptos dessa religião ao redor do mundo, esse pensamento da submissão da mulher foi sendo acolhido pela grande maioria, introduzindo na mulher a consciência da culpa perante o pecado, e dando ao homem o poder de domínio perante ela (PINAFI, 2013).

Com o decorrer dos anos, mesmo com as revoluções ocorridas nos países europeus, a mulher continuou sendo privada de seus direitos naturais, tendo apenas as funções domésticas designadas. Foi somente no século XIX, com a consolidação do sistema capitalista que algumas mudanças aconteceram.

“No século XIX há a consolidação do sistema capitalista, que acabou por acarretar profundas mudanças na sociedade como um todo. Seu modo de produção afetou o trabalho feminino levando um grande contingente de mulheres às fábricas. A mulher sai do locus que até então lhe era reservado e permitido — o espaço privado, e vai à esfera pública. Neste processo, contestam a visão de que são inferiores aos homens e se articulam para provar que podem fazer as mesmas coisas que eles, iniciando assim, a trajetória do movimento feminista.” (PINAFI, 2013).

No contexto brasileiro, a partir do ano de 1970, grupos de movimentos feministas foram nascendo no país, com o grande objetivo de eliminar as discriminações sociais, econômicas, políticas e culturais de que a mulher é vítima. A luta desses grupos contra o machismo tinha como revolta a impunidade de muitos assassinatos de mulheres sob o argumento de legítima defesa da honra. Pinafi expõe o exemplo do assassinato de Ângela Maria Fernandes Diniz pelo seu ex-marido, Raul Fernando do Amaral Street que não se conformou com o rompimento da relação e acabou por descarregar um revólver contra o rosto de Ângela. Sendo levado a julgamento foi absolvido com o argumento de haver matado em “legítima defesa da honra”. A grande repercussão dada à morte de Ângela Diniz na mídia, acarretou numa movimentação de mulheres em torno do lema: “quem ama não mata”.

Com a pressão dos movimentos feministas contra a violência doméstica, foi criado, no estado do Rio de Janeiro em 1981, o SOS Mulher, um espaço de atendimento às mulheres vítimas de violência, além de ser um espaço de reflexão e mudanças das condições de vida destas mulheres, tendo esta iniciativa se expandido para outras capitais como São Paulo e Porto Alegre.

Depois de iniciada a parceria dos grupos feministas com os estados brasileiros, o acordo para a criação da primeira Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) veio em consequência, contribuindo para dar maior visibilidade à problemática da violência contra a mulher, especialmente a doméstica. A medida adotada pelo Brasil foi pioneira e teve países da América Latina como seguidores, adotando também a criação de DDMs.

Em junho de 1994, a Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), aprovou a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, mais conhecida como Convenção de Belém do Pará, tendo o Brasil como signatário e tendo ajudado com a iniciativa da criação da Lei Maria da Penha.

Observando os antecedentes históricos da violência contra a mulher, percebe-se que ela já se encontra introduzida na cultura da sociedade desde os tempos primitivos. Sobre isso, Maria Thereza Ávila Dantas Coelho e Rosilene Almeida Santiago expõem o conceito da “síndrome do pequeno poder” citando os escritores Mauricio Gonçalves Saliba e Marcelo Gonçalves Saliba:

[...] “A violência contra a mulher, além de histórica, é também produto de um fenômeno cultural da sociedade moderna. A lógica desses processos culturais não se dilui com leis penais punitivas. Além do mais, há que se considerar, na cultura brasileira, a "síndrome do pequeno poder", que surge quando aqueles que não se contentam com sua pequena parcela excedem os limites justos de sua autoridade” [...] (SALIBA,  SALIBA apud SANTIAGO, COELHO, 2013).

Portanto, observa-se que os antecedentes históricos da violência doméstica contra a mulher foram fatores importantes para o fortalecimento da atual superiorização do homem frente à mulher, colocando-a numa total relação de submissão.


3. POR QUE ALGUMAS MULHERES NÃO DENUNCIAM?

A violência doméstica e familiar contra a mulher, como já exposto anteriormente, veio sendo construída desde os primórdios, sendo vista como uma situação comum um companheiro espancar a sua companheira. Com o advento da Lei Maria da Penha, a maioria absoluta da população brasileira já tem conhecimento dessa lei criada com o objetivo de evitar violências e punir os agressores. De acordo com pesquisas do DataSenado no ano de 2013, 99% das mulheres brasileiras já ouviram falar sobre essa lei, e vale observar que se incluem nesse percentual mulheres de todas as idades, níveis de renda e escolaridade, credo ou raça.

Entretanto, mesmo com todo esse reconhecimento em nível nacional depois de sete anos de vigência da lei, o número de mulheres que denunciam seus agressores continua estável, enquanto que o número de mulheres que sofrem violências domésticas só aumenta. Estudos mostram que mais de 13,5 milhões de mulheres já sofreram algum tipo de agressão, sendo que 65% desse total foram agredidas por seus próprios parceiros de relacionamento, ou seja, por marido, companheiro ou namorado.

A Lei Maria da Penha é reconhecida pela ONU (Organização das Nações Unidas) como uma das três melhores legislações do mundo no enfrentamento à violência contra a mulher (MENICUCCI, 2012). Em contrapartida, a nova edição do Mapa da Violência, elaborada pelo sociólogo argentino Julio Jacobo Waiselfisz, editado pela Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso) e o Centro Brasileiro de Estudos Latino-americanos (Cebela) produziu um ranking de 84 países elencando as taxas de homicídios femininos de cada um. O Brasil obteve um resultado péssimo, ficando em 7º lugar no mundo onde mais se matam mulheres, perdendo apenas para países como El Salvador, Trinidad e Tobago, Guatemala, Rússia, Colômbia e Belize. (MAPA DA VIOLÊNCIA, 2012) Comprovando este fato, uma pesquisa brasileira realizada pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada) no atual ano, mostrou que entre 2007 e 2011, de 100 mil mulheres que sofreram algum tipo de violência no meio doméstico, 5.220 vieram a falecer como resultado da agressão.

Mas qual seria o motivo de uma disparidade tão grande de números? Como um país que é exemplo no texto legal pode ter um dos piores índices de mortes de pessoas do sexo feminino? A resposta mais evidente a essas perguntas é respondida de uma maneira rápida e clara: falta de denúncia.

Mulheres que sofreram violências e que não denunciam os seus agressores são os casos mais comuns na atual sociedade. Do total de mulheres que já sofrerem violência doméstica, cerca de 35% procuraram uma delegacia e oficializaram uma denúncia formal, enquanto o restante preferiu procurar ajuda com familiares, amigos, religião, ou não procurar ajuda nenhuma. (DataSenado, 2013).

Existem muitos motivos para a falta de denúncia por parte das mulheres agredidas contra os seus agressores. A pesquisa do DataSenado mostrou que o principal motivo é o medo do agressor, tendo sido apontado por 74% das entrevistadas.

 Fonte: Pesquisa DataSenado, 2013.

Além destes motivos, outro que impede que muitas mulheres tomem a coragem de denunciar os seus agressores é o preconceito. Leandre Dal Ponte, participante do Projeto Mais Marias (Campanha de Combate à Violência contra Mulher), defende que as mulheres não devem ser preconceituosas com elas mesmas, e sim mostrarem ser cidadãs e terem conhecimento de seus direitos, podendo tanto se autoajudar, quanto ajudar outras companheiras que se encontrem em situação similar à qual ela estava.

“Mas muito pior que agredir qualquer pessoa é o preconceito, pois existem aqueles que se referem a uma vítima dizendo ‘bem feito’, ‘ela merecia’, ‘apanha porque quer’, quando na verdade, para entender, precisamos nos colocar no lugar desta pessoa.” (PONTE, 2013).

Como se percebe, as motivações para a falta de denúncia contra o agressor são das mais variáveis, sendo que a principal consequência dessa ausência de atitude da mulher é a continuação do sofrimento que a acaba prejudicando mais do que se preferir dar um fim a essa situação.

3.1. RELAÇÕES DE AMOR E ÓDIO: MARIDOS VIOLENTOS E MULHERES SUBMISSAS

Os desejos mais comuns de uma mulher são os de encontrar o homem ideal, se casar e constituir uma família. Mas nem sempre esse “conto de fadas” é realizado. Muitas mulheres que sofrem com algum tipo de violência doméstica não apresentam denúncias contra os seus agressores, e além de disso, criam um vínculo de dependência e submissão com os seus companheiros.

Mesmo com todos os avanços da Constituição Federal, que equiparou juridicamente o homem com a mulher, a cultura do patriarcalismo ainda existe na sociedade. A desigualdade sociocultural da mulher perante o homem faz com que ela seja discriminada e dominada pelo homem, que se vê como um ser superior e mais forte.

A mulher sempre teve o papel de dona de casa, mãe e cuidadora dos filhos, com a mínima possibilidade de poder conviver no mundo externo ao da sua residência, enquanto que ao homem cabia o papel de trabalhar fora para sustentar a casa sozinho. Com esse modo de vida, era natural que se forma entre o casal uma relação de dominação/submissão, na qual a mulher tem apenas a função reprodutiva e doméstica, enquanto que o homem é o verdadeiro responsável pelo bem estar da casa e da família.

A submissão da mulher perante o homem é resultado de um ciclo que se inicia com os desentendimentos entre o casal, levando-os à indiferença e a críticas constantes quanto ao modo de comportamento da companheira.

“O desejo do agressor é submeter a mulher à vontade dele; tem a necessidade de controlá-la. Assim busca destruir a sua autoestima. As criticas constantes fazem ela acreditar que tudo que faz é errado, de nada entende, não sabe se vestir nem se comportar socialmente. É induzida a acreditar que não tem capacidade para administrar a casa e nem cuidar dos filhos. A alegação de não ter ela bom desempenho sexual leva ao afastamento da intimidade e à ameaça de abandono.” (DIAS, 2007, p. 18).

Percebe-se que, nesses casos, a mulher se encontra em um abismo na sua relação conjugal, ao mesmo tempo em que ela odeia o marido por agredi-la fisicamente, psicologicamente ou sexualmente, e sente vontade de dar um fim nessa terrível situação, denunciando-o, ela também o ama ou pensa que ama esse homem que a violenta, e prefere resistir pensando que será a última vez que ele a agrediu do que buscar uma punição justa para seu caso.

3.2. A FAMÍLIA E A CONSTRUÇÃO DO PSICOLÓGICO DO AGRESSOR E DA AGREDIDA

Na violência doméstica ou familiar, na grande maioria dos casos, o sujeito ativo se concentra na figura masculina e o passivo na feminina, sendo importante salientar que o oposto também pode ocorrer, colocando a mulher no papel de dominadora e o homem na de submisso. Mas será que as únicas pessoas envolvidas nessa situação são o casal? Será que mais alguém pode sair prejudicado?

Os eventuais filhos desse casal são vítimas diretas da violência, e, por receberem os reflexos da relação violenta entre os pais, acabam por viver em um ambiente hostil e pouco saudável para o seu desenvolvimento. Pesquisas feitas por pesquisadores norte americanos (CAPALDI, KIM, PEARS, 2009), que buscaram relacionar o fenômeno da violência contra o parceiro com o fenômeno da violência contra a criança, mostraram que mulheres que são constantemente vítimas de violências, têm maiores probabilidades de virem a agredir seus filhos. O resultado indicou que crianças em cuja família ocorre violência contra o parceiro têm uma probabilidade de duas a quatro vezes maior de serem vítimas de maus-tratos, quando comparadas com crianças cujas famílias não vivenciam esse fenômeno. (AFFONSECA, WILLIANS, 2013).

Outra consequência importante na formação das crianças que crescem em um lar violento é a de que, essas crianças, tendem a procurar as mesmas características de seus genitores em seus futuros parceiros. Uma menina que foi criada vendo a sua mãe ter uma relação de dominação / submissão com seu pai, crescerá imaginando que esse tipo de relação é a que constitui uma família, fazendo-a procurar, mesmo que inconscientemente, um parceiro que a trate igualmente como o pai tratava a sua mãe.

“Agora uma mulher que associa casamento, “amor”, e relacionamento a violência irá gerar o ciclo de violência onde a vítima dependente sempre irá buscar o carinho do agressor que promete mudar de atitude.” (CABETTE, PAULA, 2013).

Além das consequências geradas nos filhos diretamente, há também as consequências indiretas, que muito provavelmente passam a aparecer nas crianças quando forem mais velhas.

A sociedade de hoje como um todo, tem como característica o uso constante da violência para rebater qualquer desentendimento existente. Mas, será que toda essa propensão à violência surgiu sem motivo nenhum na vida dessas pessoas? Maria Berenice Dias (2007, p. 16), disserta sobre esse assunto nos ensinando que a violência doméstica é o germe da violência que está assustando a todos. A autora também diz que crianças que convivem com a violência desde pequenas, crescem com a tendência de achar que é normal fazer o uso da força física, e, além disso, como na grande maioria das vezes a mãe não consegue denunciar o marido, os filhos acabam por desenvolver um pensamento de que a violência é um ato natural de amor, já que a impunidade é algo cotidiano em suas vidas.

Além das consequências sofridas pelos filhos do casal, pode-se dizer que a mulher vitimizada é a que mais sai prejudicada. Agressões físicas, psicológicas e sexuais fazem com que sequelas graves apareçam na vida da mulher até a sua morte.

 “Dentre os sintomas apresentados pelas mulheres vítimas de violência, destacam-se: dor crônica, visita frequente ao médico, uso/abuso de medicamentos, uso/abuso de álcool, histórico de pensamentos/tentativas de suicídio, depressão moderada ou grave, suspeita de maus-tratos infantis como mãe, problemas para dormir (insônia, pesadelos), agitação, ansiedade ou nervosismo, pensamento confuso, dificuldade de tomar decisões, distúrbios sociais, ausência de contato visual e visão rígida dos papéis de homem/mulher” (SIQUEIRA, SOUZA apud D’AFFONSECA, WILLIANS, 2013).

Entre os homens, polo ativo da violência doméstica, as razões para o uso da força física contra suas companheiras são as mais diversas. De acordo com Rosa, Boing, Buchele, Oliveira e Coelho (2013), existem três justificativas dadas pelo homem para que violente sua companheira: Ela, Eu, e Outros.

A categoria “Ela” foi relacionada com a identificação de atitude inadequada por parte da mulher que, segundo o homem, agia de maneira autoritária para com o companheiro. A categoria “Eu” evidenciou-se quando o homem agressor explicitava irritação com a companheira e/ou considerava ofensa quando ela reclamava, geralmente por ele estar bebendo no bar. Na categoria “Outros” os sujeitos atribuíram a responsabilidade de suas ações a alguém externo ao casal, levando-os à atitude que se caracterizava como agressão. Por exemplo, quando o sujeito relatava que a discussão ocorria por conta da presença de uma amiga, entende-se que se referia ao “outro” como desencadeador ou responsável pela agressão.

Sobre isso, Carla Jamarino Serraglio, Cristien Serraglio, e Luciana A. P. de Castro expõem o seguinte:

 “A razão maior das agressões contra mulheres se justifica pelo álcool, droga, desemprego, ciúmes, insegurança ou impotência e pelo próprio machismo, diante desses fatores os homens cometem a agressão como uma forma de tentar se manter superior.” (SERRAGLIO, SERRAGLIO, CASTRO, 2013).

Constata-se que tanto a formação do psicológico da mulher quanto o de sua família é totalmente abalado quando há uma relação de violência doméstica entre o casal genitor, o que nos mostra que além da proteção jurídica dada pela promulgação da Lei Maria da Penha, é necessário que haja um severo acompanhamento psicológico para diminuir as sequelas sofridas pela família.


4. A SOCIEDADE MACHISTA E A IMPOSIÇÃO QUE A MULHER SOFRE PARA MANTER O CASAMENTO

Desde épocas remotas e até os dias atuais, a cultura do patriarcalismo é a que prevalece mesmo com as equiparações feitas entre o homem e a mulher. Em consequência disso, o homem se tornou o ser mais importante da família, tornando a sociedade, uma sociedade machista.

A mulher, considerada o sexo frágil, sempre foi educada desde a infância para ser a perfeita dona de casa. Aquelas que adentram ao mercado de trabalho são exceções, sendo que essa iniciativa parte mais da necessidade econômica de sua família, do que propriamente da consciência da igualdade entre os sexos. E mesmo aquelas que possuem independência econômica ficam ligadas ao homem por outros motivos, por exemplo, tendo uma dependência psicológica, necessitando de uma figura masculina para desenvolver-se plenamente. (FERREIRA BRASIL, 2013).

Dessa concepção de dependência feminina é que surge o conceito de machismo e consequentemente uma sociedade machista. Rebeca Ferreira Brasil expõe a sua opinião sobre essa situação da seguinte forma:

“O machismo, assim, é fomentado também pela própria mulher, que vê, muitas vezes, o homem como ser superior e, consequentemente, qualquer relação afetiva transforma-se em objetivo principal de sua vida. Logo, o casamento para a mulher tornou-se obrigação, avaliação de sua vida como um todo. Se o casamento é satisfatório, ela está desempenhando bem sua função na sociedade, entretanto, se o matrimônio está em declínio ou é desfeito, tal fato é considerado como derrota pessoal para a mulher.” (FERREIRA BRASIL, 2013).

No que concerne ao contexto da violência doméstica e familiar, o machismo é fator essencial para a prática de agressões, enquanto que a culpa que a mulher sente por ter feito o seu casamento não dar certo é fator para a falta de oferecimento de denúncia às autoridades competentes. Os homens que agridem suas companheiras, na grande maioria dos casos, apresentam um pensamento machista e desenvolvem um sentimento de posse sobre a mulher, acreditando que ela é apenas um objeto de complementação e satisfação em sua vida. Já a mulher sente o peso da culpa e da frustração por não ter conseguido fazer o seu casamento dar certo. Esta, que foi educada para cumprir o papel de mulher bem casada, se sente incapaz de encarar o fato de não ter feito uma boa escolha.

Por vergonha e constrangimento, a mulher acaba por esconder todas as agressões que sofre do companheiro, pois ela tem a esperança de que ele possa mudar com o tempo, mas ao contrário disso, a situação se complica, e por já estar confinada em um ciclo violento, se vê sem saída.

A visão que a sociedade tem do casamento falho foi sendo construída desde as origens das religiões, nas quais era mais aceitável o cônjuge continuar vivendo com o outro cônjuge adúltero do que se separar. Com o advento da Lei do Divórcio em 1977, a mulher ganhou mais liberdade para tomar decisões que antes não podia. A possibilidade de se divorciar sem ter que passar pelo tempo de prévia separação judicial por mais de um ano ou de separação de fato comprovada por mais de dois anos, fez com que a mulher pudesse escolher um futuro diferente para ela e seus filhos.

Entretanto, mesmo com todos esses avanços, o rito do matrimônio continua sendo exaltado pela cultura atual. As crenças religiosas que vetam o segundo casamento enquanto o ex- cônjuge ainda for vivo, contribuem com o pensamento de que a pessoa que aceita se casar novamente não é digna de conviver no meio religioso, e consequentemente, contribui com o julgamento feito a ela, sendo condenada ao repúdio por ter desfeito seu primeiro casamento.

Portanto, para a mulher que é vitima de violência doméstica e familiar, o fato de ter um casamento falho é pior do que manter uma relação na qual é violentada, já que é preferível ser vista como uma boa esposa e dona de casa, do que ser vista pela sociedade como a mulher separada que apanhava do marido.


5. CONCLUSÃO

Com o presente estudo observamos como a mulher foi e ainda é inferiorizada perante o homem. A violência doméstica e familiar contra a mulher é um fenômeno que começou a ser construído desde os primórdios, e que até hoje, mesmo com equiparações entre os sexos, continua sendo um fato cotidiano na vida de muitas mulheres.

A Lei Maria da Penha veio para combater esse tipo de violência, tendo como base a história da cearense Maria da Penha Maia Fernandes, agredida diversas vezes pelo marido, e que juntamente com movimentos feministas e Convenções Internacionais, ensejaram a iniciativa da criação de uma lei especifica que regulasse e punisse os agressores.

Com o advento desta lei, muitas mudanças no processo penal brasileiro foram acontecendo, dando mais segurança à mulher agredida, e uma maior punição ao agressor. A Lei Maria da Penha foi tão bem recebida que é considerada uma das melhores legislações protetivas do mundo, o que causa uma falsa sensação de dever cumprido pelo Estado. Mas, como nem tudo é perfeito, os altos índices de violência contra a mulher ainda resistem até hoje, causando certa disparidade entre o texto legal e os altos índices de mulheres vítimas de violência doméstica.

A falta de denúncia por parte da mulher contra o homem é o fator que mais gera a impunidade aos autores das agressões. Na grande maioria dos casos, as vítimas preferem ficar caladas a buscar uma punição pelo fato ocorrido. Verificamos que as motivações para essa falta de denúncia são diversas, sendo que a que mais prevalece é o medo do agressor, ou seja, o pavor que a vítima tem de sofrer consequências piores caso leve o caso à justiça faz com que ela continue no silêncio, fingindo que nada aconteceu.

Entretanto, mesmo acreditando que esta seja a melhor solução, a mulher não percebe que deixar de procurar ajuda estatal gera consequências muito piores, tanto para ela quanto para o restante da família. Ela continuará condenada a ser submissa ao poder dominador do marido, colocada sempre num patamar de inferioridade, além de se tornar uma vítima sem fim da violência doméstica. Aos filhos do casal, as consequências aparecem tanto momentaneamente como também no futuro, pois uma criança que vê o pai agredir a mãe cria um pensamento de que este é um ato normal numa estrutura familiar, e começará a propagar esse pensamento se tornando uma criança violenta, além de poder, no futuro, procurar um companheiro ou companheira com as mesmas características dos pais, dando continuidade a um ciclo de violência iniciado pelos pais e continuado pelos filhos.

Ficou claro, que essa atual sociedade violenta não é a ideal para viver em equilíbrio com um ordenamento jurídico como o nosso. E para que essa situação se inverta é necessária uma conscientização geral, e principalmente, um apoio psicológico à mulher agredida, para que ela consiga ter a coragem necessária de buscar seus direitos através de uma lei que foi criada com o objetivo de extinguir a violência doméstica.

“Chegou o momento de resgatar a cidadania feminina. É urgente a adoção de mecanismos de proteção que coloquem a mulher a salvo do agressor, para que ela tenha coragem de denunciar sem temer que sua palavra não seja levada a sério. Só assim será possível dar efetividade à Lei Maria da Penha” (DIAS, 2007, p. 26).


REFERÊNCIAS

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABETTE, Eduardo Luiz Santos; SILVA, LARISSA RIBEIRO DA, Larissa Ribeiro da Silva. Lei Maria da Penha, violência, medo e amor: da denúncia ao perdão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3788, 14 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25829. Acesso em: 29 mar. 2024.