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Terrorismo e Direitos Humanos

Terrorismo e Direitos Humanos

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A preservação dos Direitos Humanos revela-se a chave para o entendimento do movimento terrorista contemporâneo. Preservando-os em seus contornos mínimos, a sociedade pode alavancar sua reestruturação em termos pós-modernos, cabendo a utilização da força para a manutenção dessa possibilidade.

Resumo: O terrorismo tem causado sérios aborrecimentos à sociedade internacional. Desde o atentado ocorrido nos Estados Unidos da América em 11 de setembro de 2001, o mundo nunca mais seria mesmo. Diante de uma situação de instabilidade, as sanções passaram a ser bruscas e, muitas vezes, direitos vitais, como os Direitos Humanos, passaram a sofrer, inadvertidamente, restrições. Como consequência, compreender o terrorismo e a forma eficaz de combatê-lo passa por compreender o que significa, realmente, a aplicação do sistema de tutela dos Direitos Humanos, a maneira de efetivação da legislação internacional, bem como a forma como devem se portar o Estado e a Comunidade Internacional perante tal quadro.

Palavras-chave: Terrorismo, Direitos Humanos, Legislação Internacional

Sumário:Introdução. 1. Direitos Humanos: lineamentos de sua estrutura e evolução. 2. A “avalanche” terrorista: de suas origens ao “modus operandi”. 3. A legislação internacional e o enfrentamento do problema. 4. Combate ao terror e direitos humanos: uma difícil conciliação. Conclusão. Referências.


Introdução

Tem sido notório nos últimos anos a representatividade adquirida pelas implicações jurídicas dos atos de terrorismo internacionais, até devido a sua recente assiduidade.

Havendo ciência dessa realidade, necessário é o entendimento desse fenômeno que tanto afeta a produção pontual da legislação internacional e das legislações internas, persistentes em delimitar o tema.

Com o objetivo de satisfazer a devida intelecção desse fenômeno global e suas implicações quanto aos interesses jurídicos por ventura ofendidos, estrutura-se o presente artigo de forma a confrontar tal evento com o seu principal rival assim oposto na cruzada ocidental que se desenvolve: os direitos humanos.

Tudo começa pela análise conceitual dos direitos humanos, retratando-se sua evolução legislativa e histórica, passando ao entendimento do fenômeno terrorista, enfocando tópicos tais quais suas raízes ideológicas e sua forma de atuação e estruturação como operação de base.

A legislação internacional combativa a esse fenômeno será abordada oportunamente, com o intuito de se ligar os dispositivos anunciados com os fins visados, reflexos de ataques terroristas, que receberão a devida consideração prática quando a abordagem técnico-jurídica demandar tal exigência.

Por fim, realizar-se-á a confrontação entre o fenômeno terrorista e a proteção sempiterna pretendida dos direitos humanos. Por meio desse processo é que se procura averiguar a viabilidade de prospecção do fenômeno terrorista, uma vez que a proteção dos direitos humanos pode se revelar (ou não) o verdadeiro epicentro de equilíbrio para a efetiva neutralização desse fenômeno que tanto incomoda os Estados atuais. 

Nesse caminho a ser percorrido, diferentes posições serão enfocadas acerca do papel que a preservação dos direitos humanos representa perante o combate ao terrorismo. Os delineamentos da ação terrorista serão mais conhecidos à medida que o sopesamento da estrutura guardiã dos direitos humanos revele-se mais densa, restando imperativo enfatizar que as controvérsias apontadas acerca do tema podem revelar um norte para o esclarecimento do tema (uma melhor visualização do evento terrorista e o papel que a preservação dos direitos humanos exerce no contexto estudado), sem se ignorar que outras alternativas podem ser levantadas em caráter conclusivo.


1. Direitos Humanos: lineamentos de sua estrutura e evolução.

Os Direitos Humanos passaram por uma difícil e conturbada evolução histórica.

Da Antiguidade, são oponíveis seus primeiros delineamentos conceituais, e estabelecidos pelos gregos, como se pode observar na obra Antígone, de Sófocles.

Já durante a Idade Moderna o contorno torna-se mais massivo, podendo ser celebrado Francisco de Vitória, considerado, por muitos, um dos pais do Direito Internacional, como aquele que de forma mais concreta engendrou a noção preliminar do que hoje se entende por “Direitos Humanos”, retomando e, ao mesmo tempo, reforçando os esboços conceituais dados pela doutrina aristotélico-tomista (MACEDO, 2012, p. 10-11):

Quando o dominicano indaga se os índios, antes da chegada dos espanhóis, possuíam a propriedade pública e privada de suas terras, ele não investiga a personalidade jurídica internacional dos índios, mas simplesmente a personalidade jurídica. Porque, em caso afirmativo, os conquistadores não poderiam despojá-los de seus bens, e as teses do Requerimento de Burgos não se aplicariam. As atenções de Vitória não se voltam a uma suposta diferença entre propriedade pública e privada, mas à capacidade jurídica dos índios. Ele não busca comprovar o caráter estatal das comunidades dos bárbaros do Novo Mundo, e sim a natureza plenamente humana dos indivíduos que a compõem.

(…)

Já que o direito natural se aplica a todas as nações e se origina de um instinto natural, deve existir algo em comum a todas essas palavras: a raiz comum, o verbo nasci. O direito natural constitui, pois, um direito “de nascimento”, que “nasce” junto com o homem, e não por uma convenção legislativa.

Os séculos XVII e XVIII revelaram-se estágios intermediários na evolução, ganhando voz a concepção ligada a um racionalismo baseado no conceito da denominada “natureza das coisas”, como enfatiza Guido Fernando Silva Soares (2004, p. 340), uma das bases da filosofia iluminista, e desenvolvida por filósofos do escol de Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau.

As revoluções burguesas que se sucederam lograram fundamentar ainda mais as teses ainda insípidas acerca dos Direitos Humanos e sua exigibilidade. Nesse sentido, foram através delas que normas ligadas ao que hoje se conhecem por Direitos Humanos passaram a encontrar acolhida em cartas de regência estatais, assumindo indubitável potência dita à norma constitucional. A Declaração da Virgínia, a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, ambas datados de 1776, bem como a Declaração francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, efetivada em 1789, são exemplos de estruturas normativas cuja produção nomogenética compromissou-se em proteger direitos inerentes, ou bill of rights, na expressão anglo-saxônica, perante arbitrariedades de um poder soberano de natureza e legitimidade dúbias.

Persistiram, ainda, durante o século XIX, iniciativas paliativas de fortalecimento de uma estrutura de apoio ao reconhecimento dos Direitos Humanos, como as limitações logradas ao tráfico negreiro, a concessão de condições menos rudimentares ao trabalhador após a passagem das 2 Revoluções Industriais, a proteção e instauração de negociações diplomáticas estritamente voltadas a nacionais isolados juridicamente no estrangeiro, contudo, foi no início do século XX que a humanidade foi obrigada a tomar uma decisão mais ativa sobre o contexto analisado.

A eclosão das guerras totais, representadas pelas Primeira e Segunda Guerras Mundiais, fomentaram um caminho sem volta à sociedade internacional: ou é abandonada a timidez da Liga das Nações e se conserta um sistema efetivo de direitos, ou a humanidade se autodestruirá, apegada a normas paliativas que cedem chancela aos campos de concentração, tais quais verificados sob domínio nazista.

Apesar das persistentes deficiências técnicas, optou-se por um sistema mais rígido e participativo, expresso pela regência da Organização das Nações Unidas[1] que, diante da carnificina, em 1948, deu azo a publicação do grande diploma contemporâneo afeito aos Direitos Humanos: a Declaração Universal dos Direitos do Homem. 

Flávia Piovesan (2002, p. 01) é bem feliz quando analisa a roupagem contemporânea dos Direitos Humanos, expressa por essa Declaração de 1948:

Introduz ela a concepção contemporânea de direitos humanos, caracterizada pela universalidade e indivisibilidade destes direitos. Universalidade porque clama pela extensão universal dos direitos humanos, sob a crença de que a condição de pessoa é o requisito único para a dignidade e titularidade de direitos. Indivisibilidade porque a garantia dos direitos civis e políticos é condição para a observância dos direitos sociais, econômicos e culturais e vice-versa. Quando um deles é violado, os demais também o são. Os direitos humanos compõem assim uma unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada, capaz de conjugar o catálogo de direitos civis e políticos ao catálogo de direitos sociais, econômicos e culturais.

Em seguida fomentou-se um processo natural de “juridicização” da Declaração de 1948, com a elaboração de tratados que fizeram valer todos os direitos que formam o conjunto chamado Direitos Humanos (PIOVESAN, 2002, p. 03): Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), além do Protocolo de San Salvador (1999). A jurisdição doméstica exclusiva passou a se confrontar com o interesse internacional de intervenção em prol dos Direitos Humanos, notando-se uma revisão da noção de soberania absoluta e surgindo com mais força a ideia do indivíduo ser considerado sujeito do Direito Internacional[2].

A partir daí, a evolução não parou. Essa Declaração foi reforçada pela Declaração de Direitos Humanos de Viena, datada de 1993, e passou a receber diversos mecanismos concretos de apoio à efetivação dos direitos por óbvio tutelados. Por conseguinte, desenvolveu-se em âmbito continental Comissões de tutela dos Direitos Humanos, como é observável na Organização dos Estados Americanos[3] e na União Europeia[4], além da estruturação de mecanismos de controle e aprimoramento da efetiva aplicação das normas internacionais (SOARES, 2004, p. 355-357), como os mecanismos convencionais (comunicações, relatórios e investigações) e os não convencionais (petições diretas dos indivíduos aos entes de proteção aos Direitos Humanos, sendo destacável a dispensa de aceitação pelos Estados dos mecanismos instituídos).

Diante desse quadro apresentado, é que se pode, com maior segurança, fornecer uma descrição mais apropriada relativa à abrangência dos Direitos Humanos (SOARES, 2004, p. 335-336):

(…) foram concebidos tendo em vista uma situação de paz, quer dizer, de normalidade interna, em que o Estado poderia estabelecer e realizar seus fins, sem excepcional influência de fenômenos externos ou interveniência de outros Estados, portanto, tendo por campo de atuação o próprio ordenamento jurídico nacional, naqueles casos em que os indivíduos colocavam-se em face do Estado sob cujo ordenamento encontravam-se submetidos, seja por força de sua nacionalidade, seja pelo fato de nele estarem fisicamente localizados (domicílio ou residência).

Outrossim, agora é possível estabelecer um conceito mais palpável atinente aos Direitos Humanos, sabendo-se de seu conteúdo (como estudado) e de seu direcionamento como exigência jurídica internacional, dizendo-se, portanto, que “(...) os direitos humanos são aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser humano, por sua própria natureza e pela dignidade que a ela é inerente” (PINHEIRO, 2008, p. 03).

Todavia, esse conceito não permanece inerte e estagnado, merecendo ponderações ainda mais diante do flagelo terrorista que vem se desenvolvendo sobre a humanidade, fator que será analisado adiante.


2. A “avalanche terrorista”: de suas origens ao “modus operandi”

Os atos de terrorismo não se revelam um fenômeno novo. A comoção da atual geração, os atentados de 11 de setembro e a imagem chocante que essa mesma geração guarda daqueles aviões suicidas que atingiram o World Trade Center contribuem para a construção desse fantasma cinzento e intimidatório.

Os Estados Unidos da América, berço da liberdade e da preservação dos direitos mais sagrados ao homem, já contaram com pioneiros na moderna arte chamada “terrorismo”. John Brown pode ser considerado um dos pais do terrorismo moderno, quando, em 1859, assenhorou-se, em um ataque fulminante a Harpers Ferry, Virgínia, do arsenal local, ao mesmo tempo que sequestrou 60 homens para servirem de reféns, matando o prefeito no confronto. Não importa se sua causa era justa – abolição da escravatura, ou se sua intenção de trazer um evento fatal à guerra civil iminente era real, seus meios violavam qualquer noção de respeito aos direitos, questão fulcral de seu pensamento. Abraham Lincoln foi sábio a analisar o embrião da ação terrorista, pensamento que poderia inspirar seus sucessores à reflexão (WRIGHT, 2008, p. 14):

Não foi uma insurreição de escravos. Foi uma tentativa, por homens brancos, de provocar uma revolta entre os escravos, da qual os escravos se negaram a participar. Na verdade, ela era tão absurda que os escravos, com toda sua ignorância, viram muito bem que não podia ter sucesso.

Esse só foi um exemplo selecionado pontualmente. A história do terrorismo é muito antiga, podendo ser apontado como um de seus pontos iniciais a atuação dos sicários no século I d. C., que, sendo judeus extremistas, utilizavam-se de expedientes sombrios e inesperados para assassinar os judeus que contribuíssem com a ocupação romana em Jerusalém (DEGENSZAJN, 2006, p. 17).

Sua evolução ao decorrer do tempo deu-se a mesma proporção que o homem reinventou suas preocupações. Passando pela Revolução Francesa até chegar a Revolução Russa, os hábitos e as formas desenvolveram estratégias singulares, contudo, sua amplitude e repercussão só começou a preocupar a sociedade internacional ao passo que os líderes da mesma passaram a sentir (não pela primeira vez) um sentimento de fragilidade.

A evolução como fato capaz de tontear a dignidade humana se deu com os atentados durante as Olimpíadas de Munique em 1972, e se aprimorou em um ápice técnico e motivacional com o 11 de setembro de 2001. A partir daí, o terrorismo assumiria sua face moderna.

Segundo alguns entendimentos, o terrorismo atual se expressa como uma forma de comunicação, que desafia a legitimidade estatal justamente com fulcro em ideias tidas por libertadoras e reveladoras das diferenças e essências que regem o relacionamento humano, relacionamento este puramente amparado em convenções de matizes diversas e ilegítimas, por não respeitar direitos. Sua força de oposição como forma de poder é articulada (ANDRADE, 2009, p. 130):

Da mesma forma, o terrorismo, enquanto talvez, o principal fenômeno desafiador da legitimidade estatal, deve ser repensado como um fenômeno extremamente globalizado e, ademais, como uma consequência radical da modernidade, no sentido de que, por mais que esteja mascarado por ideologias, tornou-se um fator global de poder a ser considerado e trabalhado na medida em que se tornou um fim em si mesmo, ou seja, na medida em que passou a existir para perpetuar sua existência como poder fático.

A Al-Qaeda, em pouco tempo, passou a ser a organização paramilitar mais famosa do mundo. Sua estrutura mestra, depois do 11 de setembro, passou a ser exemplo para os mais diversos movimentos “tribais” localizados na África, como se observou nos confrontos ocorridos em janeiro de 2013 em Mali, envolvendo Forças Interventivas Francesas (com o apoio do governo do país africano) e os radicais islâmicos mormente situados ao norte do país, sem se esquecer do episódio da invasão de um campo de gás na Argélia por islamitas radicais, que fizeram reféns numa tentativa de causar temor às tropas francesas atuantes na localidade (por sinal, também com respaldo do governo local).

O terrorista contemporâneo, gerado durante o século XX e aprimorado a partir da década de 1980 do mesmo século, baseia-se em métodos que buscam atingir as entranhas do homem civilizado, fomentando sua atuação em roupagens religiosas, que nada mais são do que artifícios ideológicos de propagação do caos.

Como é enfocado por Marco Mondaini (2004, p. 231), o terrorismo utiliza-se da escolha indiscriminada de alvos, da arbitrariedade e imprevisibilidade na realização dos atos, de uso de métodos de ação extremos e cruéis, da indiferença em relação aos códigos morais vigentes, e do caráter sistemático e continuado da ação. Os exemplos citados na África são claros a esse respeito, e o caso dos atentados de Boston, ocorrido em 2013, com significativa participação dos irmãos Tsarnaev, reforça isso, ao mesmo tempo que demonstra o exemplo que pode ser seguido por jovens extremistas.

A religião não passa de um engodo como razão para a prática terrorista. Muitas razões podem ser levantadas para o apogeu terrorista.

As atitudes temerárias tomadas pelos norte-americanos durante a Guerra Fria, mormente no episódio da Guerra do Afeganistão, em que treinaram os futuros Talebans para combater os russos – à época, os mujahedin (e utilizando-se do ódio que os nativos nutriam pelos comunistas devido às atrocidades que eles cometiam em seus territórios anexados[5]), por meio de injeção de recursos via ISI (Inter-Services Intelligence, ou Agência de Inteligência Paquistanesa), sem o conhecimento dos rebeldes, concatenou uma série de eventos desafortunados, como o ódio ao Ocidente e a proliferação da cultura do ópio, incluindo os Estados Unidos da América como vítima de sua própria trama (DEGENSZAJN, 2006, p. 122-123):

A economia da guerra crescia progressivamente e passou a demandar novas fontes de financiamento. Com isso, os tentadores cultivos de papoula na Ásia central começaram a atrair os interesses da CIA, por intermédio da ISI. Os investimentos realizados fizeram a produção do ópio crescer e a introdução de novas técnicas de refino para a produção de heroína transformaram a economia agrária do Afeganistão no maior fornecedor de heroína do mundo, respondendo por 60 por cento do mercado consumidor de drogas nos Estados Unidos, gerando um lucro estimado entre 100 e 200 bilhões de dólares (ibidem: 112). A rota comercial clandestina aberta pela transferência de recursos para o Afeganistão e para o escoamento de heroína também beneficiou outros fluxos de produtos que passaram a ser contrabandeado para o Afeganistão. A manutenção dessa imensa estrutura clandestina de guerra tinha altos custos com intermediários, que passaram a drenar a maior parte dos recursos, restringindo o montante que chegava até os mujahedin. Com a escassez de recursos que obtinham, os mujahedin passaram a depender de doações voluntárias de indivíduos e organizações árabes que sustentaram a ação dos grupos até o final da guerra.

(...)

“Quando os muçulmanos descobriram, após o final da guerra, que os Estados Unidos haviam manipulado a Jihad anti-Soviética, eles se sentiram humilhados. Esse sentimento contribuiu significativamente para o ódio nutrido por grupos islâmicos armados em relação aos Estados Unidos” (Ibidem: 115)

Bem treinados, os terroristas foram ensinados pelos seus próprios algozes[6], e, como não poderia deixar de ser, ainda mais em um mundo globalizado, passaram a se utilizar das modernas técnicas de financiamento via operações bancárias continentais e complexas para manter seu arsenal de destruição. Aqui serve o alerta de Priscilla Donato, ao enunciar que existem algumas recomendações a serem seguidas pelo setor financeiro internacional com escopo de evitar a volatilidade de movimento dos recursos terroristas[7] por entre contas bancárias (DONATO, 2010, p. 132), podendo-se citar, a título exemplificativo, o congelamento de fundos de entidades sem fins lucrativos e suspeitas de manter algum tipo de ligação com o terrorismo.

Outrossim, a utilização da religião como forma de propagação do terror merece acolhida.

Permita-se aqui discordar de parte da doutrina que entende ser o combate antiterror o resultado de duas crenças antagônicas e intolerantes (TEIXEIRA, 2011, p. 53-54):

(…) as ambições estadunidenses não se restringem ao domínio cultural, econômico, político e militar, pois o maniqueísmo adotado pela política externa estadunidense do governo Bush Jr. fez com que a questão de fundo residisse em uma afirmação dos valores judaico-cristãos diante de qualquer religião que os negasse. Tratava-se da retomada de uma argumentação utilizada há quatrocentos anos quando a Respublica Christiniana buscava afirmar sua auctoritas suprema sobre todos os povos. O argumento “eixo do Mal”, cunhado pela administração Bush Jr., demonstrava que a humanidade encontra-se dividida entre fiéis e infiéis.

O que se verifica é a utilização do fanatismo religioso, em outras palavras, da ignorância do próximo, para se efetivar um movimento antiestatal, e antipoder regularmente constituído. Não se afere, no caso concreto, a ideia de fazer prevalecer uma crença porque se tem a consciência que isto é fator que levará a humanidade a um estágio superior em sua evolução (como se verificava nos mais internos sentimentos da maioria dos Cruzados medievais), mas utiliza-se da mesma como subterfúgio para se angariar fantoches humanos que destruam o próximo em nome de uma causa que não é genérica, e sim pessoal, qual seja, criação de um poder paralelo que gere riquezas paralelas. Diogo Andrade (ANDRADE, 2009, p. 132) faz um pertinente apontamento acerca desses centros de poder informais:

(...) a autoridade jurídica vive seu ponto-chave de legitimação. Nesse sentido, concebê-la como um meio de comunicação que se legitima no plano fático e não valorativo é fundamental para controlar os procedimentos de sua decisão, garantindo que, por meio da ação comunicativa, que não ignora a existência de centros de poder informais na esfera pública, se neutralize a influência negativa do terrorismo e se permita a criação do direito direcionada aos anseios da sociedade civil, entre eles o de segurança institucional.

Em outros termos, diz-se que o terrorismo em suas faces atuais é um fenômeno do mundo globalizado, cujas principais causas são o erguimento de causas particulares a patamares superiores e erros estratégicos cometidos pelo Ocidente ao decorrer das últimas décadas. Por hora, é de bom alvitre enfatizar que o fim da polarização Estados Unidos da América – União Soviética no Pós-Guerra Fria, contribuiu para a concentração dos olhares terroristas no Ocidente, principalmente no último prevalecente daquela relação dual.

Diante do todo explicitado, pode-se pensar em conceito apropriado para o terrorismo. A legislação brasileira, por exemplo, ainda não definiu de forma específica os crimes de terrorismo. Nesse sentido, cabível trazer à baila a abordagem dada pelo art. 2º, n. 1, da Convenção das Nações Unidas para a Eliminação do Financiamento do Terrorismo (1999), promulgada no Brasil pelo Decreto 5.640/2005:

Artigo 2º

1. Qualquer pessoa estará cometendo um delito, em conformidade com o disposto na presente Convenção, quando, por qualquer meio, direta ou indiretamente, ilegal e intencionalmente, prover ou receber fundos com a intenção de empregá-los, ou ciente de que os mesmos serão empregados, no todo ou em parte, para levar a cabo:

a) Um ato que constitua delito no âmbito de e conforme definido em um dos tratados relacionados no anexo; ou

b) Qualquer outro ato com intenção de causar a morte de ou lesões corporais graves a um civil, ou a qualquer outra pessoa que não participe ativamente das hostilidades em situação de conflito armado, quando o propósito do referido ato, por sua natureza e contexto, for intimidar uma população, ou compelir um governo ou uma organização internacional a agir ou abster-se de agir.

A primeira alínea é o produto de um conjunto fragmentado de tratados que abordam as formas específicas de terrorismo, podendo ser caracterizada a segunda alínea como uma tentativa de se dar uma definição geral do que se pode considerar crime de terrorismo (OETER, 2006, p. 220). Esta última parte se constitui uma inovação importante, “(...) uma vez que é a primeira formulação até agora alcançada de um consenso quanto ao ‘uma’ de uma definição geral de terrorismo” (OETER, 2006, p. 220). Não obstante, é ainda pouco para a configuração mais concreta em termos típicos do que configura a figura ilícita do terrorismo, o que, indubitavelmente, prejudica o sancionamento mais eficaz da conduta retratada.


3. A legislação internacional e o enfrentamento do problema.

Com o terrorismo alastrando-se como uma “quase” instituição, regular as normatividades internacional e nacional optarem por mecanismos de contenção e repressão aos atos praticados.

A título exemplificativo, entende-se o seguinte grupo de atos normativos internacionais como os que apresentam mais destaque na profusão sobre o tema:

a) Convenção para a Repressão ao Apoderamento ilícito de Aeronaves (Haia, 1970);

b) Convenção para prevenir e punir os atos de Terrorismo configurados em delitos contra as pessoas e a Extorsão conexa, quando tiverem eles transcendência internacional (Washington, 1971);

c) Convenção para a Repressão de Atos Ilícitos contra a Segurança da Aviação Civil (Montreal, 1971);

d) Convenção Europeia para a repressão do terrorismo (1976);

e) Convenção Internacional para a Supressão de Atentados Terroristas a Bomba – Assembleia Geral das Nações Unidas (1997);

f) Convenção Internacional para a Supressão do Financiamento ao Terrorismo – Assembleia Geral das Nações Unidas (1999);

g) Resoluções 1267 (que trata da atuação dos Talebans no Afeganistão), 1333 (também estabelece sanções ao Taleban e a Osama Bin-Laden), 1368 (repudia o atentado terrorista às “Torres Gêmeas” em 2001) e 1373 (também se refere aos recentes atos terroristas, alargando os poderes do Conselho de Segurança e exigindo a tomada de providências) da ONU;

h) Convenção Interamericana contra o Terrorismo (Barbados, 2002).

Não obstante, não basta a legiferação incessante internacional ou nacional, como o US Patriot Act, do Governo Bush, como resposta ao atentado de 11 de setembro.

Muitas das legislações produzidas são vagas. As resoluções da ONU são um exemplo (HERZ, 2001, p. 05). Vezes diversas, inclusive, defende-se a intervenção internacional direta em certo país para a preservação de uma estrutura mínima de Estado que resguarde direitos adquiridos, como o caso da intervenção no Afeganistão no início da primeira década dos anos 2000 (HERZ, 2001, p. 07-08), do que submeter o problema a normativas internacionais que, por sinal, apenas analisam a problemática sob um viés artificial, não se preocupando com soluções definitivas para as incógnitas produzidas pela relação humana regionalizada.

 A falta de cooperação intergovernamental é patente. A troca de informações acerca de operações suspeitas, a agilidade no trato entre Chefes de Governo para o desentranhamento de questões que apresentam o condão de bloquear a efetivação de medidas das organizações internacionais no combate ao terror constituem a triste realidade. A boa doutrina reconhece isso (DONATO, 2010, p. 135-136):

Uma das principais dificuldades encontrada é a falta de cooperação de alguns países, os quais obtém as informações mais relevantes para a Comunidade Internacional. Apesar de grande parte dos países ser signatária de convenções e tratados que estabelecem a necessidade de cooperação, essa não existe. Algumas ações conseguiram ser realizadas após intenso trabalho das Embaixadas para que os dirigentes das nações aceitassem transmitir as informações solicitadas, mas ainda não são suficientes para se ter uma resposta efetiva.

É observável na realidade um dos velhos problemas do Direito Internacional: a ausência de cooperação, pois se tocam “interesses sensíveis”. Quando se trata da grande “ágora internacional” se autoapoiar no sentido de preservação política, a cooperação é diminuta, pois a soberania resta afligida. No entanto, quando o assunto é mais focalizado, referente a problemas pontuais como saúde, por exemplo, a cooperação é máxima, devido ao baixo teor político da questão envolvida. Nesse sentido, a flexibilização do conceito soberania no Direito Internacional contemporâneo deve ser ponderada como medida de salvaguarda da própria dignidade da sociedade internacional.

No mesmo caminho, os itens de coercibilidade não angariam muito respeito por entre os envolvidos, não passando sua aplicação daquela inerente à soft law.

E, do lado do Direito Interno, a situação também não é a apropriada. Verifica-se a falta de traquejo dos Legislativos em adaptar rapidamente as legislações aos tempos modernos, preocupados que estão, apenas, com medidas populistas postergatórias de sofrimentos, ou com medidas limitadoras e desarrazoadas dos direitos de estrangeiros[8]. Por conseguinte, a efetivação da tutela internacional pela preservação dos mais importantes direitos frente ao terrorismo resta muito fragilizada. Antonio Baptista Gonçalves (2011, p. 207) pronuncia-se nesse sentido:

A grande demora na adesão universal, em seu âmbito interno, dos instrumentos internacionais de combate ao terrorismo continua representando um dos maiores problemas para as Nações Unidas.

O procedimento adotado pela maioria dos países de submeter determinado instrumento legal internacional à apreciação e aprovação do Poder Legislativo tem sido apontado como um dos principais motivos da demora, às vezes demora-se mais de uma década para o acordo entrar em vigor, o que prejudica a efetivação do sistema internacional.

Priscilla Donato completa o pensamento (DONATO, 2010, p. 148):

Assim, ainda que haja movimentação dos países para criação de normas internacionais de combate do financiamento ao terrorismo, é importante que haja colaboração e intenção em fazê-lo. Apenas assinar e ratificar um tratado, uma convenção não resolve. Há que ser ter também intenção real de cumpri-la.

Para isso, o estabelecimento de regras internas é fundamental para que a colaboração seja efetiva e consiga atingir o seu objetivo real: o combate ao terrorismo.

A conscientização dos aspectos fulcrais do terrorismo, portanto, via tratados internacionais e ratificação interna dos países, não gera de per si, a efetiva proteção contra os atos terroristas, uma vez que as falhas que ocorrem nas amparas da sua máquina de aplicação impossibilitam o contato direto com as determinantes a serem combatidas.


4. Combate ao terror e direitos humanos: uma difícil conciliação.

O combate ao terrorismo, apesar de ser um fato imperativo, tem suscitado muitas divergências, principalmente, no tocante à preservação dos direitos humanos, muitas vezes afetados negativamente no processo antiterror.

A partir desse momento, começou a se falar em terrorismo de Estado (DEGENSZAJN, 2006, p. 130):

Terrorismo passa a designar não uma prática específica, mas uma atitude que coloca em risco a continuidade do Estado. De forma complementar, a identificação das resistências como terrorismo a ser combatido confere legitimidade ao terror de Estado como condição para a erradicação do terrorismo. Apresenta-se como o mal menor diante do mal maior que precisa ser extirpado. Em um momento em que a garantia da segurança e uma moral conformista predominam, resistências ativas e reativas são deslocadas para o campo do terrorismo. Estas incorporam inclusive o sonho da aliança de todos contra os Estados Unidos, encampado por diversos movimentos que se situam nesse campo das resistências, dentro de uma homogeneidade que se define pela reação diante de um determinado modelo de organização dos Estados, frequentemente associado à globalização neoliberal.

Atitudes estatais passaram a ser questionadas após os acontecimentos terroristas recentes. Os Estados Unidos da América passaram a ser o principal alvo.

A manutenção da prisão na Baía de Guantánamo, a tortura impiedosa a suspeitos de ligação com o terrorismo (que sequer sabem pelo que são acusados e quais são as leis aplicáveis), a condenação de agente da CIA por revelar o nome de outro agente envolvido em caso de tortura[9], são tópicos corriqueiros quando se ouve falar sobre o tema, em que o drama fulcral embasa-se no desrespeito aos Direitos Humanos.

O raciocínio que passou a conduzir os Estados angustiados foi o de se utilizar da maior forma possível o poder de império estatal para a contenção do terrorismo, sem se importar com o preço da conduta. Argumenta-se, com frequência, que a supressão do poder de aplicação de direitos é medida indispensável, que pode ser curada pela retomada da segurança jurídica. A soberania universal é que prevalece no mundo prático e não mais a soberania isolada dos países (DONATO, 2010, p. 151), garantia da sustentabilidade do próprio planeta.

Alerta-se, contudo, que é exatamente esse quadro que favorece o terror. Como enfatiza Diogo Andrade (2009, p. 132), esse clima de guerra sem inteligência usado pelo aparato estatal com maior intensidade desde meados da década de 1990, apenas contribui para a instabilidade desejada pelo terror[10], pois diminui as garantias a afeta negativamente a estrutura institucional dos Estados de forma a que estes não possam atender da forma devida as reivindicações sociais. Ademais, gera uma vantagem tática desconsiderável, face aos grandes danos provocados (OETER, 2006, p. 235):

O esquema de Guantánamo, assente na categoria ad hoc de 'combatentes ilegais', e o sistema que lhes está associado dos procedimentos conduzidos por comissões militares, comparativamente, apenas assegura a curto prazo uma vantagem táctica pequeníssima e marginal no tratamento a dar aos suspeitos de terrorismo, ao passo que tais precedentes ameaçam corroer o edifício geral do Direito Internacional Humanitário.

O Estado, como um dos marcos da civilidade e de legítimo exemplo de uma organização política, passaria a perder sua posição de supremacia, voltando-se mais a um prospecto ineficaz de combate à ilicitude deliberada, e desprovido da capacidade de se impor pela sua natural imponência institucional. Como realça Stefan Oeter (2006, p. 235), “(...) o Estado poderia continuar a ser capaz de esmagar os seus inimigos pela sua força, mas perderia o espírito que o torna diferente...”.

O combate ao terrorismo não só aos Direitos Humanos tem afetado negativamente. As garantias mais ligadas ao campo processual, como o devido processo legal, também tem sido suprimidas. É o que tem ocorrido, por exemplo, com o congelamento de fundos de entidades de caridade, que tem se dado sem o devido processo legal e respeito aos direitos de defesa, sem contar direitos materiais, como o direito de propriedade (DONATO, 2010, p. 137).

Soluções, portanto, são apresentadas, mas elas tem a árdua tarefa de se imiscuir em uma difícil conciliação: combate ao terrorismo e preservação dos direitos humanos.

Há uma corrente que posiciona-se no sentido de o Estado utilizar-se do poder comunicacional para fazer valer como legítima sua conduta, em detrimento do poder comunicacional concorrente. A inclusão e a maior participação do povo no processo de tomada de decisões e no direito de poder se expressar livremente e com difusão, além de incisão, se mostrariam ferramentas auxiliares no processo (ANDRADE, 2009, p. 132-138).

Para outros, o combate deve ser permanente, através de medidas assecuratórias de direitos, porém medidas de cuidado, atenção e investigação, através de sistemas jurídicos que reflitam com maior profundidade as causas determinantes para os eventos que se lamentam. A fraternidade e a desigualdade constituem as palavras-chave (DONATO, 2010, p. 153-154):

A fraternidade deve permear todo ordenamento, na busca pelo que é justo e digno ao ser humano. Burlar leis que preveem o respeito aos direitos humanos é apenas gerar mais terror. A luta pela sustentabilidade do planeta deve ser de todos, inclusive quando a vontade é de esquecer o amor fraterno e pagar na mesma moeda.

Outra via defende intransigentemente a proibição de derrogação de certos direitos, como o direito à vida e à liberdade de pensamento, vitais ao ser humano, devendo o combate dar-se de forma diversa (MARCHISIO, 2006, p. 210):

Quanto a outros direitos, há derrogações que podem ser aceitáveis, particularmente em circunstâncias especiais definidas na lei internacional sobre direitos humanos. Tais derrogações devem revestir um carácter excepcional e ser juridicamente ponderadas, sendo as medidas adoptadas rigorosamente limitadas no tempo e submetidas regularmente a reapreciação judicial.

Finalmente, especula-se a reconstrução, tal como ocorreu com os países derrotados na Segunda Guerra Mundial, com os países repositários das sedes terroristas, localizados na Ásia Central e no Oriente Médio, cuja reestruturação econômica e social pode levar a menos desentendimentos (HERZ, 2001, p. 09).

Bem, como pode se notar, o combate ao terrorismo tem ensejado condutas estatais ativas, mas nem sempre adequadas, o que demonstra a perversão que pode ser causada por aquela tática reprovável, ao mesmo tempo que comprova a falta de tato do poder instituído de tomar medidas efetivas de combate ao que mais quer se extirpar da atual situação política mundial. E, ao mesmo tempo, fornece a visão de como os direitos humanos tem sido utilizados na tática estatal de combate ao terrorismo, mas nem sempre da forma desejada pelos pais da civilização contemporânea...


Conclusão.

O terrorismo tem assolado a humanidade, e os Direitos Humanos, uma conquista concreta no segundo pós-guerra, resta abalada.

Foi dito ao decorrer do presente trabalho que o combate árduo ao terrorismo tem resultado na violação acentuada dos Direitos Humanos.

Indubitavelmente, os Direitos Humanos, tais quais os sobejados como uma necessidade imperiosa dos povos civilizados, merecem a devida guarida, no entanto, é difícil se falar em uma preservação total de seu quadro diante de uma realidade de matança indiscriminada que se reproduz.

Não se quer conceber como legítima a tortura de pessoas na luta antiterror, o que só gera outro quadro de terror. Não obstante, pelo que se pode observar no desenvolvimento aqui efetivado, uma política severa estatal não pode ser desprestigiada.

O conceito de Estado como soberania deve ser reestudado, agora na nova vertente de soberania mundial, onde muitas vezes as prerrogativas isoladas esvaecem em prol da proteção dos direitos mais vitais, como os são os Direitos Humanos.

Como averiguado, o poder comunicacional como forma de fazer valer o Estado como poder legítimo, é uma alternativa que não pode ser descartada. O poder ideológico assume papel vital na humanidade, e a contraideologia baseada em fatos perversos não pode prosperar, sob pena de ocorrerem acontecimentos indesejáveis, como o surgimento de organizações “antimundo”, tal qual o partido nazista na antiga Alemanha da primeira metade do século XX.

A legitimidade, como pedra de retoque dessa nova soberania mundial (que não pode ser ignorada como fato notório e real), é importante, mas a figura de autoridade, ainda mais diante do recrudescimento da sociedade mundial, deve se impor no interregno em que sua atuação via restabelecimento hegemônico e ideológico não se consuma no seio da sociedade.

Enquanto não há a mais abrangente inclusão social na participação da governança, o Estado, a Sociedade Internacional, devem fazer valer a força, ainda que momentaneamente, para preservar a estrutura que será reedificada, é claro, sempre procurando seguir o que prescreve a Carta das Nações Unidas e seu sistema de solução de conflitos, mormente como estipulado em seus arts. 24 e 51[11].

Não se fala isso com base no vazio científico, e sim com base na própria pesquisa realizada, e com base na própria história. Os governos que sofreram grandes transições em sua ideologia base, como se verificou nas transições das sociedades absolutistas para as democráticas, nos séculos XVIII e XIX, passaram por distúrbios sociais nesse processo. Com exceção dos Estados Unidos da América, a intervenção pela força do Estado recentemente constituído fomentou-se necessária, até para que a semente plantada crescesse e florescesse.

Notório reconhecer-se que, mutatis mutandis, estamos diante de um quadro semelhante. O mundo está mudando, o conceito de soberania está consumando sua alteração, a apreensão social ganha novos vértices, e o terror  chega como um elemento terceiro que almeja causar ainda mais distúrbios nessa fase de reagrupação da sociedade pós-moderna, sucessora da sociedade afluente que se consumou no século XX. Assim sendo, a força, mesmo que não sendo o melhor caminho, é necessária, respeitada a dosimetria apropriada para fazer prevalecer a estrutura que precisa ser reconstruída.

Por consequência, deduz-se que a preservação dos Direitos Humanos revela-se a chave para o entendimento do movimento terrorista contemporâneo. Preservando-os em seus contornos mínimos, a sociedade pode alavancar sua reestruturação em termos pós-modernos, cabendo a utilização da força para a manutenção dessa possibilidade. Em outros termos, a árvore da liberdade deve ser mantida, mas seus galhos maiores e que mais pesem com seus frutos, devem ser podados, momentaneamente, para que a árvore possa crescer forte e tenha condições de florescer com mais segurança e beleza no futuro.

Por óbvio, alguns direitos podem sofrer reavaliações, como diminuição na concessão de recursos processuais, eliminação de entraves burocráticos para operações de prisões, pois, como se demonstrou na presente produção, o terrorismo é volátil, e sua atuação se esprai sem deixar rastros. Apenas os núcleos vitais dos direitos devem ser preservados, ou seja, a garantia da existência do direito deve ser mantida na luta contra o terrorismo, porém, a contestação do suspeito precisa prescindir de certos formalismos, pois a celeridade é, mais do que nunca, no caso do terrorismo, ato de lídima justiça.

Os Estados Unidos da América, nesse diapasão, cometeram alguns excessos em suas prisões. O núcleo básico dos direitos precisa e deve ser preservado. Apesar disso, compreensível suas ações, diante do que ocorrera em 11 de setembro de 2001, assim como é compreensível a reação concatenada ao ataque em Pearl Harbor. Enfatize-se, é compreensível, não se está dizendo que constituem medidas acertadas, uma vez que é sabido que um povo, assim como um indivíduo, quando sofre um grande trauma causado por outrem, tem por tendência natural causar um dano severo ou mais grave a seu agressor. Ignorar a natureza humana é um erro pior do que ignorar o fato de que a sociedade internacional é um reflexo do acúmulo de sentimentos que formam seus pares singulares.

A nação mais poderosa do mundo é mencionada como a mais afetada pela crise terrorista, tendo diminuído sua posição como guarda do mundo. Ao revés disso, a própria história demonstra o contrário, ao se notar que quando esse país sofreu traumas inimagináveis, é quando mais se fortaleceu para assumir seu lugar merecido na “ágora internacional”. Os episódios de Pearl Harbor, da Guerra Civil Americana, e da Guerra do Vietnã (a contrario sensu) demonstram isso.

A nação americana assumindo seu lugar de comando, e esta se recuperando de seus problemas pontuais como já se observa[12], a missão da sociedade internacional resta facilitada: o combate ao terrorismo poderá alcançar sucessos militares pontuais e mais apropriados, ao mesmo tempo que se fomenta o caminho necessário para a reestruturação da sociedade pós-moderna, de uma soberania mundial e sedenta de inclusão satisfativa aos anseios pulsantes, cuja aproximação interpartes não pode deixar de ser ponderada (questão que os Estados Unidos da América devem reconsiderar em sua política internacional). Anderson Vichinkeski (2011, p. 143-144) soma em muito quando se pronuncia sobre o apontado:

A soberania entendida como princípio de organização política do Estado se encontra em um processo de perda de extensão, intensidade e capacidade de controle sobre o destino e os propósitos que servem para orientar e agregar os cidadãos de um Estado nacional, de modo que todo esse processo se dá em benefício do fortalecimento de uma ordem internacional destinada a garantir o desenvolvimento da humanidade e a manutenção da paz mundial, ainda que a universalidade da existência humana e a busca pela implementação dos direitos que seriam inerentes a esta terminem por causar mais guerras e, consequentemente, transformem qualquer ideia de paz mundial em utopia.

(…)

A violência é algo inerente à espécie humana; cabe às organizações políticas e às ordens jurídicas (judiciárias, em especial) a atividade de repreensão criminal, mas, sobretudo compete a estas a tarefa de aproximar culturalmente indivíduos e povos, na esfera nacional e na esfera internacional, respectivamente, na tentativa de buscar encontrar elementos capazes de produzir padrões mínimos de identidade, reconhecimento e um senso de continuidade de convívio que possa lhes atribuir a mínima comunhão de interesses, tanto entre indivíduos quanto entre povos. A repreensão pela repreensão somente se presta a aumentar o distanciamento entre indivíduo e instituição, entre sociedade e instituição, seja em nível nacional ou supranacional.

E, retomando e adaptando às condições atuais os dizeres do senhor Presidente Abraham Lincoln, os homens contemporâneos verão que o terrorismo será tão absurdo e insano que, até os mais ignorantes, se negarão a participar dele, já que clara a completa ausência da possibilidade de seu sucesso...


Referências

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Notas

[1] A Carta da ONU, promulgada no Brasil pelo Decreto 19.841/45, é clara em seu art. 1º, item 3: “Art. 1º: Os propósitos das Nações Unidas são: (...) 3. Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião”.

[2] Apesar de existirem entusiastas defensores desse ponto de vista, como Flávia Piovesan (2002, p. 02) e Guido Fernando Silva Soares (2004, p. 157), nos colocamos contra, constituindo os indivíduos atores políticos no cenário internacional público. Nesse mesmo sentido, Francisco Rezek (1998, p. 156), Rosane Kolotelo e Friedman Wendpap (2007, p. 119).

[3] Destaque para a Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica, e para a atuação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Basicamente, o direito de petição é direcionado à Comissão, cabendo a Corte o julgamento caso não se verifique acordo.

[4] Destaque para a Convenção Europeia para a proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais e a Carta Social Europeia (ambas de iniciativa do Conselho da Europa), e para a atuação da Comissão Europeia de Direitos Humanos e para a Corte Europeia de Direitos Humanos. Por sinal, é de bom alvitre ressaltar que o Protocolo n. 11 estendeu os poderes da Corte Europeia, possibilitando a ela receber diretamente as reclamações dos ofendidos.

[5] Nesse sentido, conferir a obra The Black Book of Communism, Stéphane Courtois (org.),  p. 39-268.

[6] Anderson Vichinkeski Teixeira é objetivo quando aponta a influência do Ocidente no modus operandi terrorista: “(...) os grupos terroristas islâmicos se valem substancialmente de tecnologias próprias do Ocidente, como a internet, os armamentos bélicos e o mundialmente interligado sistema financeiro. Consequentemente disto restou uma característica muito significativa da guerra contra o terrorismo: a não territorialidade do inimigo. Um grupo como o Al Qaeda não é uma organização localizável e rigidamente hierarquizada, mas um conjunto de redes sobrepostas, dispersas e não territoriais, cujos membros vivem em uma multidão de países, o que reforça as redes transversais e acentua a sua não territorialidade. Assim, a reação ao inimigo não pode mais ser como em uma guerra convencional entre Estados, pois globalizaram a guerra” (TEIXEIRA, 2011. p. 47).

[7] O US Patriot Act, implementado no governo Bush, denota um pouco da voracidade que deve permear o controle do sistema financeiro na luta antiterror, concedendo-se poderes importantes (como a busca de informações financeiras com instituições bancárias a qualquer momento, e sem entraves burocráticos) ao FBI e ao  seu Setor de Operações de Financiamento ao Terrorismo (TFOS) como forma de neutralizar, inclusive, operações financeiras lícitas, mas que têm por escopo final o armamento e treinamento terrorista.

[8] Sergio Marchisio reconhece como uma tendência nas legislações nacionais a repelência muitas vezes sem razão de estrangeiros com vistas a ingresso em certo país. Exemplo: Lei italiana n. 144, de 2005, relativa a Medidas Urgentes para combater o Terrorismo Internacional (MARCHISIO, 2006. p. 209).

[9] Caso John Kiriakou, que foi condenado a 30 meses de prisão por revelar nomes de agentes que efetivaram práticas de tortura (por simulação de afogamento) durante o Governo George Bush, já que violou a Lei de Proteção das Identidades de Inteligência.

[10] Com diz Walter Ceneviva, “A capacidade destrutiva da força armada mais poderosa do planeta não levou a paz para a região e não tornou melhor o relacionamento dos envolvidos” (CENEVIVA, 2013, p. C2).

[11] “ARTIGO 24 - 1. A fim de assegurar pronta e eficaz ação por parte das Nações Unidas, seus Membros conferem ao Conselho de Segurança a principal responsabilidade na manutenção da paz e da segurança internacionais e concordam em que no cumprimento dos deveres impostos por essa responsabilidade o Conselho de Segurança aja em nome deles. 2. No cumprimento desses deveres, o Conselho de Segurança agirá de acordo com os Propósitos e Princípios das Nações Unidas. As atribuições específicas do Conselho de Segurança para o cumprimento desses deveres estão enumeradas nos Capítulos VI, VII, VIII e XII. 3. O Conselho de Segurança submeterá relatórios anuais e, quando necessário, especiais à Assembleia Geral para sua consideração.

ARTIGO 51 - Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva no caso de ocorrer um ataque armado contra um Membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais. As medidas tomadas pelos Membros no exercício desse direito de legítima defesa serão comunicadas imediatamente ao Conselho de Segurança e não deverão, de modo algum, atingir a autoridade e a responsabilidade que a presente Carta atribui ao Conselho para levar a efeito, em qualquer tempo, a ação que julgar necessária à manutenção ou ao restabelecimento da paz e da segurança internacionais”.

[12] Em termos econômicos constata-se que a economia norte-americana cresceu 2,5% no 1º Trimestre de 2013, enquanto a taxa de desemprego caiu para 7,5%,  a mais baixa desde 2008. Na seara militar, por sua vez, os Estados Unidos da América restabeleceram seu respeito após a morte de Osama Bin Laden e, por fim, no campo político, medidas diplomáticas reafirmaram sua voz ativa, como se observou na crise da península coreana em 2013.


Terrorism and Human Rights

ABSTRACT: Terrorism has caused serious annoyances to the international society. Since the attack occurred in the United States on September 11, 2001, the world would never be the same. Facing a situation of instability, sanctions have become abrupt and often vital rights as human rights, began to suffer inadvertently restrictions. Consequently, understanding terrorism and the effective way to combat it is by understanding what means, actually, the application of the system of protection of Human Rights, the way to realization of international law, as well as how the State and the International Community should behave before such a framework.

Keywords: Terrorism, Human Rights, International Law


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REBÊLO, Felipe Cesar José Matos. Terrorismo e Direitos Humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3792, 18 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25873. Acesso em: 29 mar. 2024.