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Alguns aspectos específicos do método normativo-estruturante de Friedrich Müller

Alguns aspectos específicos do método normativo-estruturante de Friedrich Müller

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A metódica normativo-estructurante do profesor Friedrich Müller representa a rejeição absoluta do modelo legal de interpretação desenvolvido a partir dos postulados lógico-formais do positivismo metódico em qualquer das suas variações.

Podemos destacar as questões que nos parecem mais especificas do procedimento estruturante concretizador, sem que, dentro dos limites deste modesto esforço, podamos fazer uma análise sistemático que esgote a questão.

Assim, sem grandes alardes sistemáticos, visando o desenvolvimento do planejamento metodológico que nós consideramos, a transcendêncialidade da proposta ou ponto de partida real, por assim dizer, situa-se na distinção entre o texto normativo e a Norma como resultado da facticidade do trabalho de juristas guiados pelo caso. Identidade entre a Norma e o texto da mesma que a teoria e a metodologia tradicionais abraçam desde o acrítico objetivismo científico e que, no entanto, é categoricamente rejeitada ab initio pelo método concretizador na sua procura de uma análise detalhada da estrutura normativa com vista á obtenção de normatividade. Porque, desde o nível de teoria da Norma, o positivismo enquadra o erro irremediável de questionar-se sobre os regulamentos com desprezo absoluto da realidade na simples função de vontade[1], com o que acaba perdendo completamente a dimensão estruturante e intencional do Direito que se desenvolve além da subjetividade.

Tratando-se de um desvio do pensamento dominante porquanto situa a Norma jurídica no contexto factual, projeta pelo contrario Friedrich Müller uma estruturação inicial da forma por meio da identificação do texto da Norma com um dado de entrada no processo de concretização, o input no trabalho de produção da Norma jurídica, toda vez que a positividade do texto continua sendo um imperativo do Estado de Direito que tem de ser respeitado como limite material da atividade jurídica não legislativa. Formulação do texto que adquire certamente, dada sua positividade, o caráter de verdadeiro ato de significação, visto que como qualquer ação atravessada por enunciados sempre realiza uma expressão determinada [in bestimmter Ausdrücklichkeit] significativa. Este novo horizonte traz de si para si o reconhecimento de reciprocidade complementar entre Norma e Realidade e constitui uma perspectiva de superação ao rejeitar, como temos vindo a dizer, a identificação da Norma com o texto da mesma.

Também demonstrará Friedrich Müller a impossibilidade duma concepção redutora do método jurídico a simples inclusões em sínteses silogísticas se quiser-se entender alguma coisa mesmo do próprio texto positivo, contra o defendido unitariamente pelo positivismo que renuncia com isso a qualquer possibilidade de compreensão da problemática da normatividade. Mas, em qualquer caso, a estrutura articulada da Norma constitucional, ou qualquer outra Norma, tem que ser entendido que vem forçada a realizar um duplo movimento, que é realmente um movimento de réplica a realizar tantas vezes quantas se precisar por meio da interseção do programa normativo e o âmbito normativo; cuja conexão correta  –mais do que relação dialética–  é em próprio senso as duas partes da Norma e vai a ser a Norma de decisão em cada caso concreto, o objetivo final do inquérito. Isto é, a ação complementaria e mútua  –ou se é preferido relacional e comunicativa–  dos dois elementos normativos realizada através de um processo de trabalho estruturado, produz a Norma jurídica como norma de decisão e, no seu final, o processo judicial para decidir, que não se há de esquecer começa o processo concretizador, se faz evidente como caso jurídico resoluto. Em qualquer caso, deve-se lembrar que este esclarecimento desse modo articulado e recíproco das duas partes essenciais da Norma jurídica, também inclui a garantia duma correção mutua durante o processo todo de estruturação.

De acordo com um conceito formulado com rigor e pela primeira vez realmente post-positivista da Norma jurídica, de natureza abrangente e pelas implicações completo, a Norma é responsavelmente construída pelo intérprete-aplicador no processo de concretização do direito; e ainda não é mero produto senão, ainda mais, uma nova Norma que vem em cada caso e que está prendida ao mesmo[2] e no nascimento acontece sempre criação. Neste senso podemos dizer que, de acordo com o pensamento de Friedrich Müller, a Teoria Estruturante do Direito não é apenas uma nova concepção normativa, mas que, além disso, apresenta-nos uma conceição inteiramente inovadora da teoria do direito[3]. Com efeito, se é admitido que a Norma jurídica não é completa nos enunciados dos textos normativos positivos, que somente enunciam uma expectativa que só cabem a segurar com plausibilidade à luz da informação pertinente disponível em um contexto prático  –reavaliação determinante do contexto e da mesma experiência–  que constitui o horizonte dentro do qual a Norma é percebida como um valor que tem consistência real própria [Eigenwert], é possível concluir que a Norma somente será produzida em cada processo particular de resolução jurídica. Isto acontece, por assim dizer, no complexo contexto duma situação que sempre age como uma causa produtora e, como toda causa desta natureza produtora de alguma coisa que é gerada pela ação de alguém  –o trabalhador do direito–  chega a ser alguma coisa: a Norma de decisão. Maneira jurídica de trabalhar completamente afastada do reconhecido desdém tradicional com o que são (des)considerados os fatos insertos na problematizadade dos casos a decidir pela grande maioria dos tribunais continentais ao exprimir suas decisões[4]. Assim, escreve Friedrich Müller: concretizar não significa à maneira do velho positivismo ainda em grande medida vigente, interpretar, subsumir silogisticamente e concluir; e também não pelo caminho do positivismo sistematizado da última fase de Hans Kelsen, individualizar uma Norma jurídica codificada  –e que já foi definitivamente definida–  em resposta ao mais restrito caso individual em que o juiz sempre integra o sistema jurídico e o tempo através do qual as leis cobram existência verdadeira[5]; daí que varias vezes estimasse que onde o chefe da escola de Viena detém a sua tarefa é o ponto em que realmente começa o trabalho dos juristas.

Considerações feitas salientaram suficientemente que a fim de superar os riscos assinalados que iriam enviar a Constituição e o Direito constitucional fora da realidade em que ocorrem, é inadiável e totalmente bem sucedida rejeitar a idéia aparentemente simples exposta por os ideólogos da subsunção, consistente em aplicar o entendimento  –inclusão–  do caso na Lei geral por uma operação intelectual feita por profissionais jurídicos localizados completamente fora do processo iniciado pelo caso[6]. Porque, na verdade, desde essa perspectiva entende-se sem abrigar qualquer dúvida que corresponde ao trabalhador do direito de exercer um papel de «criador-activo» na aplicação jurídica, daí a inutilidade de «procurar uma correção objetiva do direito, além do processo de compreensão hermenêutica» e pela mesma razão estão condenados «a falha de qualquer tentativa de separar, nas ciências abrangentes, a racionalidade da personalidade do entendimento»[7]. Em qualquer caso, a Ciência jurídica não tem-se aproximado da hermenêutica filosófica na procura de cânones ou regras metódicas claras e inequívocas mas com a intenção de encontrar estímulos renovados e um novo despertar da consciência interpretativa abrangente.

O que está adiante acarreta necessariamente que, desde a profunda e inovadora metódica estruturante entendida como «ciência da práxis jurídica»[8], a condição decisória em vez de estar conformada pela atenção sistemática e a adequada fixação das regras de interpretação dos textos legislativos, em conformidade com as regras da epistemologia lógico-formal característica dos postulados do positivismo metódico, elevar-se há primeiro através da expectativa particular de sentido como uma pesquisa realizada nos termos de conversação com o que o «aplicador» se aproximar relacionalmente a os casos e textos a compreender no seu encontro com a coisa real, aliás, com a coisa em si que realmente existe, de fato já presentes, a que dirigimos as nossas perguntas[9]. E, como pode se ver, de acordo com esta abertura para a atuação factual, que pode ser alcançada com base na proposta de rever em cheio e com superação tanto da abordagem do paradigma positivista como do antipositivista, ancorados estes no mesmo conceito de normatividade característico dos primeiros, o ordenamento constitucional é considerado uma formação produtivo-aberta de regras compreendidas desde a praxe. Isto é, a constituição aberta  –para a concretização–  e o seu relacionamento ou inclusão consistente com a vida factual é uma característica do regulamento legal das sociedades modernas complexas e democráticas. Obviamente, se estamos a ser realista, uma coisa sim é um ponto quente que continua a ser universalmente válido: perante a multiplicidade de problemas que podem surgir na dinâmica social, a textura das disposições constitucionais positivas precisa da necessária flexibilidade e abertura que lhes permita chegar a soluções para a problemática casuística atual e futura e, portanto, o conteúdo dos textos das regras também precisa de ser necessariamente objeto de concretização, o que naturalmente implica valorização, porque como Friedrich Müller considera, uma Ciência jurídica sem decisões ou avaliações não seria prática nem real.

O método normativo-estruturante pressupõe a existência duma implicação constitutiva, necessária, entre as duas partes da Norma: o programa normativo e o âmbito normativo; ou seja, estabelece uma ligação entre os preceitos jurídicos positivos e a realidade que eles mesmos estão tentando regular. A estrutura da Norma jurídica desde a Teoria Estruturante do Direito sinala de esta maneira a particular soldagem do co-estar existencialmente constitutivo entre programa da norma e âmbito normativo e, portanto, a Norma jurídica só pode ser compreendida como uma articulação ou integralidade de caráter intencional dessas duas «dimensões» através do referido processo estruturado de compreensão: a Norma é ai tributaria nesse processo estruturado de interação e como juristas havemos de procurar e podemos procurar a desvendar através de um processo anasintáctico, ou seja, indutivo/dedutivo, que co-actúa e rejeita ambos o subjetivismo e o objetivismo positivista, e no que está sempre presente um elemento criativo. Talvez o mais especial e próprio, o ponto central, poda ser reconhecido no fato de que ao longo do desenvolvimento deste processo estruturado são considerados normativos os elementos formais e materiais que dão um sentido ou rumo para o processo decisório e os seus esforços, desde a liberdade da razão, encaminhados para achar em cada caso a melhor solução, isto é, elementos sem os quais o caso seria decidido diferentemente. Estes elementos integram o programa da Norma  –de dados linguísticos–  e o âmbito da Norma  –dados reais–. Mais explicitamente, o programa normativo requer uma análise estruturada do texto normativo  –elemento lingüístico–  e sendo uma das partes da Norma é um resultado intermediário e provisório da compreensão de todos os dados lingüísticos; isto é, o programa normativo é o resultado da concretização do texto normativo, ou seja, do que é exprimido à letra, ao invés de todos os assistentes de recursos interpretativos, e é formado a partir de dados lingüísticos. Na verdade, no processo estruturado adquire caráter de direcionalidade, mesmo sem dúvida pode-se dizer de funcionalidade como desenvolvido pela ação do trabalhador do Direito em verdadeiro ato de significação. Por isso mesmo, o âmbito normativo tem também caráter co-constitutivo da Norma jurídica, e inclui interferências causadas nele pelos dados empíricos da própria realidade. Mas não é um conglomerado de fatos materiais, decerto é circunspectivamente acessível a partir da conexão de elementos estruturantes extraídos da realidade social desde uma perspectiva seletiva e avaliativa do programa normativo, pelo que vai redundar de grande importância a determinação dos aspetos da realidade social que só podem entrar na dogmática e metódica jurídica no interesse da normatividade pertinente no caso e ao serviço da racionalidade viável especificamente jurídica em relação à Norma[10].

A Teoria concretizante do Direito tem como objetivo atender com uma muito maior extensão, às demandas da sociedade contemporânea, caracterizada por uma marcada diferenciação social e o pluralismo. Para esta finalidade, como descrito, a revisão do positivismo deve se apoiar numa teoria do Direito a fazer e não em uma teoria do Direito estabelecida, seja de inspiração sociológica, psicológica, histórica, filosófica, ou qualquer outra. Por isso, tentar-se há uma teoria crítica, revisória dos fundamentos da Norma jurídica na sua idealizadora versão positivista, porquanto os postulados da interpretação observados desde essa abordagem derivam direitamente duma concepção da Norma enraizada nas diversas vertentes do normativismo que impedem sua mistura com qualquer questão circunstancial que pudera altera-lha, ainda que minimamente. Entretanto, precisamente por esta assinalada razão, permanece completamente alheia à idéia de que o conhecimento jurídico é saber prático, é um conhecimento de aplicação por causa das circunstâncias contingentes e variáveis desde a relativização de exigências concretas de espaços-temporais[11]. Nisso é que justamente consiste a compreensão hermenêutica de aberturidade e facticidade, em saber aplicar para transcender das simples implicações lógicas e o resultado correspondente duma impressão profundamente desanimadora derivada deste último, na medida em que entram em consideração da mesma maneira tanto as pragmáticas como as contextuais, como também o esclarecimento dos entimemas e outras figuras retóricas do raciocínio histórico-efectuais.

Este novo horizonte traz de si para si o reconhecimento de reciprocidade complementar entre Norma e realidade e constitui uma perspectiva de superação ao rejeitar, como temos vindo a dizer, a identificação da Norma com o texto da mesma. Também demonstrará Friedrich Müller a impossibilidade duma concepção redutora do método jurídico a simples inclusões em sínteses silogísticas se quiser-se entender alguma coisa mesmo do próprio texto positivo, contra o defendido unitariamente pelo positivismo que renuncia com isso a qualquer possibilidade de compreensão da problemática da normatividade. Mas, em qualquer caso, a estrutura articulada da Norma constitucional, ou qualquer outra Norma, tem que ser entendido que vem forçada a realizar um duplo movimento, que é realmente um movimento de réplica a realizar tantas vezes quantas se precisar por meio da interseção do programa normativo e o âmbito normativo; cuja conexão correta  –mais do que relação dialética–  é em próprio senso as duas partes da Norma e vai a ser a Norma de decisão em cada caso concreto, o objetivo final do inquérito. Isto é, a ação complementaria e mútua  –ou se é preferido relacional e comunicativa–  dos dois elementos normativos realizada através de um processo de trabalho estruturado, produz a Norma jurídica como norma de decisão e, no seu final, o processo judicial para decidir, que não se há de esquecer começa o processo concretizador, se faz evidente como caso jurídico resoluto.


BIBLIOGRAFIA.-

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KELSEN, Hans: Teoría pura del derecho, Porrúa, México, 1993.

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____ Juristiche Methodik. Grundlagen Öffentliches Recht, Bd. I, 9ª ed., Duncker &  Humblot, Berlin, 2004.

RORTY, Richard: El pragmatismo, una versión, Ariel, Barcelona, 2000.

TROPER, Michael: «Una teoria realista dell`interpretazione», em: Materiali per una storia della cultura giuridica, Vol. XXIX, núm. 2, 1999.

ZWEIGER, Konrad / KÖTZ, Hain: Introducción al Derecho comparado, Oxford University Press, México, 2002.


Notas

[1] Assim, Michael TROPER, na hora de individualizar um dos elementos da trilogía conformadora da sua tese sobre a interpretaçao, «Una teoria realista dell`interpretazione», em: Materiali per una storia della cultura giuridica, Vol. XXIX, núm. 2, 1999, p. 475.

[2] Em termos semelhantes  Josef  ESSER, Vorverständnis und Methodenwahl in der Rechtsfindung: Rationalitätsgrundlagen richterlicher  Entscheidungspraxis, 2ª ed., Athenäum Fischer, Frankfurt am Main, 1972,  pp. 27 y ss.

[3] Friedrich  MÜLLER, Juristiche Methodik. Grundlagen Öffentliches Recht, Bd. I, 9ª ed., Duncker &  Humblot, Berlin, 2004, p. 102.

[4] Konrad ZWEIGER/Hain KÖTZ, Introducción al Derecho comparado, Oxford University Press, México, 2002, p. 279.

[5] Para esta interpretação do pensamento kelseniano sobre as chamadas sentenças individuais no ordem jurídico, referir-se a explicação oferecida por Carlos COSSÍO, El Derecho en el derecho judicial, 1ª ed., Kraft, Buenos Aires, 1945.

[6] A culminação é a Ciência jurídica da lógica da norma desenvolvida por Hans KELSEN: «quando falando de interpretação, no caso de interpretação da lei, deve reponder à pregunta de qual conteúdo debe ser o único padrão duma sentença ou uma resolução administrativa, deducir-se da regra geral de direito para a sua aplicação a un fato concreto», («Cuando se habla de interpretación, en el caso de la interpretación de la ley, se debe dar respuesta a la pregunta de qué contenido hay que dar a la norma individual de una sentencia o de una resolución administrativa, al deducirla de la norma general de la ley para su aplicación a un hecho concreto»), Teoría pura del derecho, Porrúa, México, 1993, p. 349.

[7] Arthur KAUFFMANN, Hermenéutica y Derecho, Comares, Granada, 2007, pp. 92-93.

[8] Friedrich MÜLLER, Rechtsstaatliche Form - Demokratische Politik: Beiträge zum Öffentlichen  Recht,  Methodik,  Rechts  und  Staatstheorie, Duncker &  Humblot, Berlin,  1977,  p. 167.

[9] Friedrich MÜLLER, Juristiche Methodik..., op. cit., p. 32.

[10] Ralph CHRISTENSEN/Andreas FISCHER-LESCANO, Das Ganze des Rechts, Duncker & Humblot, Berlin, 2007.

[11] Richard RORTY, El pragmatismo, una versión, Ariel, Barcelona, 2000,  pp. 139 y ss.


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