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Extinção da Justiça Militar Estadual e do Distrito Federal

Extinção da Justiça Militar Estadual e do Distrito Federal

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A extinção da Justiça Militar deve ser analisada em conformidade com os preceitos que regem a prestação jurisdicional. A Justiça Militar é um dos órgãos do Poder Judiciário que cumpre efetivamente o seu papel na prestação jurisdicional.

A socie­da­de bra­si­lei­ra a par­tir do restabelecimento do Estado demo­crá­ti­co de Direito com a Constituição Federal de 1988 pas­sou a dis­cu­tir nova­men­te temas rela­cio­na­dos com a sua estru­tu­ra sócio-eco­nô­mi­ca, polí­ti­ca, cul­tu­ral e jurí­di­ca. Seguindo essa nova ten­dên­cia, fala-se em refor­ma da pre­vi­dên­cia ­social, refor­ma admi­nis­tra­ti­va, refor­ma judi­ciá­ria, que foi levada a efeito pela Emenda Constitucional 45/2004, como se todos os pro­ble­mas do Brasil pudes­sem ser resolvi­dos por meio de mudan­ças, atra­vés de decre­tos provenientes do Poder Executivo. Acredita-se que os mode­los exis­ten­tes são ino­pe­ran­tes, e que os com­por­ta­men­tos pos­sam sim­ples­men­te ser modi­fi­ca­dos por meio de Lei.

No con­jun­to des­sas refor­mas, encon­tram-se aque­les que enten­dem que a Justiça Militar deve ser extin­ta, por ser um órgão de exce­ção, e tam­bém por ser uma Justiça vol­ta­da para a impu­ni­da­de, que legi­ti­ma a vio­lên­cia poli­cial entre ­outras coi­sas. Mas, tais afirmativas estão afastadas dos próprios preceitos que foram estabelecidos pela vigente Constituição Federal de 1988.

A Defesa da extinção da Justiça Militar em muitas situações possui mais um caráter de natureza ideológica, e não leva em consideração os preceitos que se encontram estabelecidos na vigente ordenamento jurídico, o qual estabeleceu que  o mili­tar divi­de-se em duas cate­go­rias, os mili­ta­res que são inte­gran­tes das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica), art. 142, da Constituição Federal, e os mili­ta­res que são inte­gran­tes das Forças Auxiliares (Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar), art. 42, “caput” da Constituição Federal, com as modi­fi­ca­ções intro­du­zi­das pela Emenda Constitucional nº 18. Em decor­rên­cia dessa divi­são temos uma Justiça Militar Federal e uma Justiça Militar Estadual e do Distrito Federal.

A Justiça Militar Estadual, que se encon­tra pre­vis­ta e dis­ci­pli­na­da na Constituição Federal de 1988, no art. 125, §§ 3º e 4º e 5º, sendo um órgão cons­ti­tu­cio­nal, é for­ma­da em primeira instância pelas Auditorias Judiciárias Mili­tares, e em segunda ins­tân­cia pelos Tribunais de Justiça Militar, que exis­tem ape­nas nos Estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, e nos ­demais Estados por Câmaras Es­pecializadas do Tribunal de Justiça. O Órgão Superior da Justiça Militar da União, em maté­ria recur­sal ou ori­gi­ná­ria é o Superior Tribunal Militar (S.T.M.), con­for­me esta­be­le­ce o art. 122, I, e art. 123 da Constituição Federal de 1988.

O arti­go 125, § 4º, da Constituição Federal, esta­be­le­ce que ­nenhum civil em tempo de paz será pro­ces­sa­do e jul­ga­do pela Justiça Militar Estadual,que é responsável por processar e julgar os militares dos Estados e também do Distrito Federal pelos crimes militares definidos em lei, ou seja, aqueles que se encontram estabelecidos no vigente Código Penal Militar.

Por força de dis­po­si­ção cons­ti­tu­cio­nal, se um civil ingres­sar em uma Organização Policial Militar (OPM) e ali pra­ti­car um furto, ou mesmo oca­sio­nar um dano à Admi­nistração Pública Militar Estadual, ou qual­quer outro cri­me, em decor­rên­cia deste fato e por força do art. 125, § 4º, da Constituição Federal, este será pro­ces­sa­do e jul­ga­do pela Justiça Comum, pois a Justiça Militar não pos­sui com­pe­tên­cia para julgá-lo.

É impor­tan­te se obser­var, que se este mesmo civil ingres­sar em uma orga­ni­za­ção mili­tar (OM) per­ten­cen­te a uma das Forças Armadas, e ali pra­ti­car um furto, ou mesmo um dano aos bens da Administração Pública Militar Fe­deral, ou qual­quer outro crime mili­tar, mesmo que em tempo de paz, por força do art. 124, caput, da Constituição Federal, será jul­ga­do pela Justiça Militar Federal, sendo que nas dis­cus­sões em ter­mos de modi­fi­ca­ções da estru­tu­ra do Poder Judiciário con­for­me men­cio­na­do não se fala em extin­ção desta Justiça Especializada.

Além dessa com­pe­tên­cia, antes do adven­to do novo texto cons­ti­tu­cio­nal, a Justiça Militar Federal ainda jul­ga­va e pro­ces­sa­va os civis incur­sos nos cri­mes pre­vis­tos na Lei de Segurança Nacional, como ocor­reu no perío­do de 64-87, sendo que essa atri­bui­ção pas­sou para o âmbi­to da Justiça Federal.

Partindo-se do enten­di­men­to do ex Presidente do Con­gresso Nacional, Senador Antônio Carlos Magalhães, se­gun­­do o qual é neces­sá­ria a extin­ção dos “­órgãos inú­teis, inclu­si­ve os tri­bu­nais civis e mili­ta­res”, seria neces­sá­rio se repen­sar a exis­tên­cia de todas as Justiças Especializadas, que há mui­tos anos vêm exer­cen­do ati­vi­da­de juris­di­cio­nal, e pres­tan­do ser­vi­ços de qua­li­da­de ao país.

A Justiça Militar não é uma cria­ção bra­si­lei­ra, mas exis­te em Estados desen­vol­vi­dos como Israel, Estados Uni­dos, Portugal, entre outros, com Procuradorias Militares, Advo­­gados Militares, que inte­gram os qua­dros das Forças Armadas, com ati­vi­da­des que lhes são pecu­lia­res.

A maio­ria dos estu­dan­tes de direi­to e ­alguns ope­ra­do­res da ciên­cia jurí­di­ca des­co­nhe­cem a exis­tên­cia do Código Penal Militar, do Código de Processo Penal Militar, do Esta­tuto dos Militares, e dis­po­si­ções a res­pei­to de con­ti­nên­cias, e ­demais tex­tos ­legais da vida de caser­na, sendo que estas maté­rias nem mesmo cons­tam da grade obri­ga­tó­ria das facul­da­des de direi­to.

Em razão desta rea­li­da­de, os inte­res­sa­dos são obri­ga­dos a bus­ca­rem em auto­res conhe­ci­dos defi­ni­ções por eles ela­bo­ra­das para que pos­sam ­melhor enten­der o assun­to rela­cio­na­do com a vida mili­tar e com a Justiça Militar, Federal ou Estadual.

Em decor­rên­cia da par­ti­cu­la­ri­da­de das fun­ções desen­vol­vi­das pelos mili­ta­res (fede­rais ou esta­duais) nada mais justo do que estes sejam jul­ga­das por pes­soas que conhe­cem o dia-a-dia da ati­vi­da­de mili­tar, o que leva a exis­tên­cia dos cha­ma­dos Conselhos de Justiça, Perma­nentes ou Especiais, que são ­órgãos cole­gia­dos for­ma­dos por civis e mili­ta­res. O civil que com­põe o Conselho é o audi­tor mili­tar pro­vi­do no cargo por meio de con­cur­so de pro­vas e títu­los e os mili­ta­res são ofi­ciais da Corporação que exer­cem sua fun­ções junto às audi­to­rias por perío­do de três meses, sendo que cada Conselho pos­sui um juiz mili­tar e qua­tro ofi­ciais.

Ao con­trá­rio do que se possa pen­sar, a Justiça Militar é uma Justiça efi­cien­te que busca a efe­ti­va apli­ca­ção da Lei, no intui­to de evi­tar que o mili­tar, fede­ral ou esta­dual, volte a come­ter novos ilí­ci­tos, ou venha a ferir os pre­cei­tos de hie­rar­quia e dis­ci­pli­na, que são ele­men­tos essen­ciais das Corporações Militares.

Percebe-se que a espe­cia­li­da­de da Justiça Militar, esta­dual ou fede­ral, se deve em decor­rên­cia da par­ti­cu­la­ri­da­de das ati­vi­da­des cons­ti­tu­cio­nais desen­vol­vi­das pelos mili­ta­res. O que se pode­ria ques­tio­nar e que mui­tas vezes é esque­ci­do pela maio­ria daque­les que pre­ten­dem dis­cu­tir o assun­to, seria o afas­ta­men­to da com­pe­tên­cia da Justiça Militar em rela­ção aos cri­mes mili­ta­res impró­prios, ou seja, aque­les que tam­bém se encon­tram pre­vis­tos e dis­ci­pli­na­dos no Código Penal comum.

Com rela­ção aos cri­mes dolo­sos con­tra a vida, onde a víti­ma seja um civil, uma vez que este na Justiça Militar Estadual por força do art. 125, § 4º, da Cons­tituição Federal, ­jamais pode­rá ser jul­ga­do na con­di­ção de autor, co-autor ou par­tí­ci­pe, a com­pe­tên­cia foi trans­fe­ri­da para a Justiça Comum.

Mas, devi­do à falta de uma maior dis­cus­são e por impre­ci­são de téc­ni­ca legis­la­ti­va o inqué­ri­to poli­cial con­ti­nua sendo de com­pe­tên­cia da auto­ri­da­de mili­tar, que após a sua con­clu­são reme­te­rá os autos ao inte­gran­te do Minis­tério Público comum para que ofe­re­ça a denún­cia se assim o enten­der, ou peça o seu arqui­va­men­to ou a rea­li­za­ção de novas dili­gên­cias, o que levou a uma dico­to­mia que se asse­me­lha mais a uma here­sia jurí­di­ca.

A dis­cus­são é uma das qua­li­da­des do Estado demo­crá­ti­co de direi­to, é a via que for­ta­le­ce as ins­ti­tui­ções e con­duz ao apri­mo­ra­men­to dos ­órgãos exis­ten­tes, mas é neces­sá­rio que esta seja feita de forma tran­qüi­la, sem bus­car aten­der a um dis­cur­so mera­men­te refor­ma­dor ou a uma deter­mi­na­da ten­dên­cia.

Há mais de 100 (cem) anos a Justiça Militar Federal vem exer­cen­do seu papel juris­di­cio­nal, sem­pre pre­vis­ta e dis­ci­pli­na­da nas Constituições que foram pro­mul­ga­das ou outor­ga­das em nosso país. A extin­ção des­ses Tribunais pode­rá con­du­zir ao caos, uma vez que exis­tem maté­rias que são pecu­lia­res à vida mili­tar como insu­bor­di­na­ção, aban­do­no de posto, deser­ção, motim, deli­to do sono, e ­outras, pre­vis­tas e dis­ci­pli­na­das no Código Penal Militar.

No tocan­te à extin­ção da Justiça Militar Estadual, que é com­pe­ten­te para jul­gar ape­nas e tão-somen­te os poli­cias mili­ta­res e bom­bei­ros mili­ta­res, seria neces­sá­ria a extin­ção das Polícias Militares cria­das em 1831 por ato do então regen­te Padre Feijó, com o sur­gi­men­to de um novo órgão dedi­ca­do a fun­ção de Segurança Pública.

No Brasil por força da sua pró­pria for­ma­ção his­tó­ri­ca assim como ocor­re na França, Itália e ­outros paí­ses, se faz neces­sá­ria a exis­tên­cia de uma Polícia com uma esté­ti­ca mili­tar, com ati­vi­da­des cons­ti­tu­cio­nais para o poli­cia­men­to osten­si­vo e pre­ven­ti­vo, e nada mais justo que no exer­cí­cio de suas ati­vi­da­des esses agen­tes sejam jul­ga­dos por uma justiça especializada.

A ques­tão da impu­ni­da­de nes­ses pretórios não con­diz com a rea­li­da­de, uma vez que uma aná­li­se dos pro­ces­sos jul­ga­dos nas audi­to­rias mili­ta­res leva à con­clu­são de que ­vá­rias pes­soas, ou seja, ­vários mili­ta­res, poli­ciais mili­ta­res, e bom­bei­ros mili­ta­res, foram con­de­na­dos por vio­la­rem os dis­po­si­ções do Código Penal Militar, ou mesmo por terem se afastado dos princípios de servir e proteger os cidadãos.

Portanto, ao invés de se dis­cu­tir a extin­ção da Justiça Castrense, em especial da Justiça Militar dos Estados, seria neces­sá­ria uma revi­são em sua competência, permitindo desta forma uma maior aprimoramento do sistema de segurança pública que é essencial para a existência do Estado democrático de Direito, onde o cumprimento da lei é a regra e o seu descumprimento uma excecção.


Autor

  • Paulo Tadeu Rodrigues Rosa

    DOM PAULO TADEU RODRIGUES ROSA é Juiz de Direito Titular da 2ª Unidade Judicial da Justiça Militar do Estado de Minas Gerais, Mestre em Direito pela UNESP, Campus de Franca, e Especialista em Direito Administrativo e Administração Pública Municipal pela UNIP. Autor do Livro Código Penal Militar Comentado Artigo por Artigo. 4ª ed. Editora Líder, Belo Horizonte, 2014.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Extinção da Justiça Militar Estadual e do Distrito Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3804, 30 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25962. Acesso em: 28 mar. 2024.