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Interceptação telefônica à luz da Lei 9.296/96

Interceptação telefônica à luz da Lei 9.296/96

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A Lei n. 9.296/96, que regulamenta a interceptação telefônica, foi inovadora para a época de sua elaboração, mas enseja inúmeras dúvidas, as quais são objeto de conflito na doutrina e na jurisprudência.

1 INTRODUÇÃO

Em muitas oportunidades as investigações realizadas pelos órgãos encarregados de realizar a persecução penal colidem com os direitos fundamentais, entre os quais esta o direito à intimidade. No confronto existente entre a segurança social (tutela da coletividade) e a liberdade individual (tutela da pessoa humana) esta a problemática que será tratada.

A criminalidade, nos grandes centros urbanos, tomou proporções elevadas diante dos inúmeros problemas sociais brasileiros. O Estado contemporâneo, minado pela grande quantidade de tarefas que lhe incumbe, mostra-se incapaz de manter a segurança pública, especialmente por meio da persecução penal.

A Assembléia Nacional Constituinte de 1988, diante dos avanços tecnológicos que permitem a invasão da privacidade (captação de som, de imagem, de dados, dentre outros), no intuito de qualificar a persecução penal, oportunizou, em caráter excepcional, a violação do sigilo das comunicações telefônicas, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer. Somente em 1996, com a Lei n. 9.296, foi regulamentada a interceptação telefônica.

Por meio deste trabalho se pretende narrar as principais interpretações existentes sobre a lei, tanto na doutrina como na jurisprudência, a fim de amenizar a complexidade do tema.


2 FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL

O artigo 5°, inciso XII, parte final, da Constituição Federal, norma constitucional de eficácia limitada (não auto-aplicável), autoriza, excepcionalmente, a violação das comunicações telefônicas, desde que observados três requisitos constitucionais, quais sejam: por meio de ordem judicial; a elaboração de lei regulamentadora infraconstitucional que estabeleça às hipóteses e a forma que possibilitem a autorização judicial; e para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, veja:

CF, artigo 5º, inciso XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

Inicialmente, as interceptações das comunicações telefônicas tinham como fundamento o artigo 57, inciso II, alínea “e”, do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei n. 4.117/62). No entanto, o Supremo Tribunal Federal decidiu por reconhecê-las como provas ilícitas, pois a legislação supracitada não foi recepcionada pela Carta Política por não enumerar, exigência do constituinte, as hipóteses e a forma que permitem a autorização judicial. Pertinente a jurisprudência abaixo:

EMENTA: HABEAS-CORPUS. CRIME QUALIFICADO DE EXPLORAÇÃO DE PRESTÍGIO (CP, ARTIGO 357, PÁR. ÚNICO). CONJUNTO PROBATÓRIO FUNDADO, EXCLUSIVAMENTE, DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA, POR ORDEM JUDICIAL, PORÉM, PARA APURAR OUTROS FATOS (TRÁFICO DE ENTORPECENTES): VIOLAÇÃO DO ARTIGO 5º, XII, DA CONSTITUIÇÃO. 1. O artigo 5º, XII, da Constituição, que prevê, excepcionalmente, a violação do sigilo das comunicações telefônicas para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, não é auto-aplicável: exige lei que estabeleça as hipóteses e a forma que permitam a autorização judicial. Precedentes. a) Enquanto a referida lei não for editada pelo Congresso Nacional, é considerada prova ilícita a obtida mediante quebra do sigilo das comunicações telefônicas, mesmo quando haja ordem judicial (CF, artigo 5º, LVI). b) O artigo 57, II, a, do Código Brasileiro de Telecomunicações não foi recepcionado pela atual Constituição (artigo 5º, XII), a qual exige numerus clausus para a definição das hipóteses e formas pelas quais é legítima a violação do sigilo das comunicações telefônicas. 2. A garantia que a Constituição dá, até que a lei o defina, não distingue o telefone público do particular, ainda que instalado em interior de presídio, pois o bem jurídico protegido é a privacidade das pessoas, prerrogativa dogmática de todos os cidadãos. 3. As provas obtidas por meios ilícitos contaminam as que são exclusivamente delas decorrentes; tornam-se inadmissíveis no processo e não podem ensejar a investigação criminal e, com mais razão, a denúncia, a instrução e o julgamento (CF, artigo 5º, LVI), ainda que tenha restado sobejamente comprovado, por meio delas, que o Juiz foi vítima das contumélias do paciente. 4. Inexistência, nos autos do processo-crime, de prova autônoma e não decorrente de prova ilícita, que permita o prosseguimento do processo. 5. Habeas-corpus conhecido e provido para trancar a ação penal instaurada contra o paciente, por maioria de 6 votos contra 5. (HC 72588, Relator(a):  Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 12/06/1996, DJ 04-08-2000 PP-00003 EMENT VOL-01998-02 PP-00289 RTJ VOL-00174-02 PP-00491).

EMENTA: HABEAS CORPUS. PROVA ILÍCITA. ESCUTA TELEFÔNICA. FRUITS OF THE POISONOUS TREE. NÃO-ACOLHIMENTO. Não cabe anular-se a decisão condenatória com base na alegação de haver a prisão em flagrante resultado de informação obtida por meio de censura telefônica deferida judicialmente. É que a interceptação telefônica - prova tida por ilícita até a edição da Lei nº 9.296, de 24.07.96, e que contaminava as demais provas que dela se originavam - não foi a prova exclusiva que desencadeou o procedimento penal, mas somente veio a corroborar as outras licitamente obtidas pela equipe de investigação policial. Habeas corpus indeferido. (HC 74599, Relator(a):  Min. ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em 03/12/1996, DJ 07-02-1997 PP-01340 EMENT VOL-01856-02 PP-00380).

EMENTA: HABEAS CORPUS. ACUSAÇÃO VAZADA EM FLAGRANTE DE DELITO VIABILIZADO EXCLUSIVAMENTE POR MEIO DE OPERAÇÃO DE ESCUTA TELEFÔNICA, MEDIANTE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. PROVA ILÍCITA. AUSÊNCIA DE LEGISLAÇÃO REGULAMENTADORA. ARTIGO 5º, XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. FRUITS OF THE POISONOUS TREE. O Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, assentou entendimento no sentido de que sem a edição de lei definidora das hipóteses e da forma indicada no artigo 5º, inc. XII, da Constituição não pode o Juiz autorizar a interceptação de comunicação telefônica para fins de investigação criminal. Assentou, ainda, que a ilicitude da interceptação telefônica -- à falta da lei que, nos termos do referido dispositivo, venha a discipliná-la e viabilizá-la -- contamina outros elementos probatórios eventualmente coligidos, oriundos, direta ou indiretamente, das informações obtidas na escuta. Habeas corpus concedido. (HC 73351, Relator(a):  Min. ILMAR GALVÃO, Tribunal Pleno, julgado em 09/05/1996, DJ 19-03-1999 PP-00009 EMENT VOL-01943-01 PP-00007).

A violação das comunicações telefônicas (artigo 5º, inciso XII, parte final, da Constituição Federal) somente foi regulamentada com a Lei n. 9.296/96, a qual permite que seja utilizada como meio de prova tanto na investigação criminal como na instrução processual penal, sempre condicionada à ordem judicial, bem como o respeito aos requisitos legais e constitucionais. 

A nova lei não legitimou as interceptações telefônicas que foram autorizadas antes de 25.07.96 (a Lei n. 9.296/96 foi publicada e entrou em vigor nesta data), isto porque o ato deve ser regido pela lei do tempo e, neste período, não havia legislação alguma.


3 CONCEITO

Por interceptação das comunicações telefônicas entende-se a captação, realizada por terceiro, de conversa telefônica alheia, sem o conhecimento dos interlocutores ou com o conhecimento e assentimento de apenas um deles, com objetivo de colher informações. Assim, a violação da conversa via telefone pressupõe a existência de, no mínimo, três sujeitos, duas pessoas em processo de interação e o terceiro que obtém acesso ao conteúdo da conversa. Merece evidência o artigo 1° da Lei n. 9.296/96:

A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça. 

Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática.

Neste momento, mostra-se prudente explicitar as formas de interceptação das comunicações:

a) Interceptação telefônica em sentido estrito: é a captação da conversa telefônica realizada por terceiro sem o conhecimento dos comunicadores;

b) Interceptação ambiental: é a captação da conversa ambiente realizada por terceiro sem o conhecimento dos interlocutores. Inexiste comunicação telefônica;

c) Escuta telefônica: é a captação da conversa telefônica realizada por terceiro com o conhecimento e assentimento de apenas um dos comunicadores. Nesse sentido, preleciona CAPEZ (2008, p. 512):

A escuta telefônica ocorre quando um terceiro realiza a gravação, mas com o conhecimento de um dos interlocutores (a polícia costuma fazer a escuta em casos de seqüestro; a família geralmente consente nessa prática, obviamente sem o conhecimento do seqüestrador do outro lado da linha).

Escuta ambiental: é a captação da conversa ambiente realizada por terceiro com o conhecimento e assentimento de apenas um dos interlocutores. Não há comunicação telefônica. AVOLIO (2010, p. 100) elucida que:

Quando a interceptação de conversa entre presentes, realizada por terceiro, se faz com o conhecimento de um ou alguns dos interlocutores, pode ser denominada escuta ambiental, guardando, assim, afinidade terminológica com as precedentes modalidades de interceptação ambiental e escuta telefônica. Sujeita-se, contudo à mesma disciplina das interceptações ambientais. 

d) Gravação telefônica ou gravação clandestina: captação da conversa telefônica realizada por um dos comunicadores, sem o conhecimento do outro. Inexiste a figura do terceiro interceptador. O Supremo Tribunal Federal entende pela licitude desta forma de violação das comunicações telefônica, independentemente de ordem judicial, em razão de não haver interceptação. Apenas a conversa íntima sofre restrição. Neste sentido, a jurisprudência abaixo:

EMENTA: PROVA. Criminal. Conversa telefônica. Gravação clandestina, feita por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro. Juntada da transcrição em inquérito policial, onde o interlocutor requerente era investigado ou tido por suspeito. Admissibilidade. Fonte lícita de prova. Inexistência de interceptação, objeto de vedação constitucional. Ausência de causa legal de sigilo ou de reserva da conversação. Meio, ademais, de prova da alegada inocência de quem a gravou. Improvimento ao recurso. Inexistência de ofensa ao artigo 5º, incs. X, XII e LVI, da CF. Precedentes. Como gravação meramente clandestina, que se não confunde com interceptação, objeto de vedação constitucional, é lícita a prova consistente no teor de gravação de conversa telefônica realizada por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, se não há causa legal específica de sigilo nem de reserva da conversação, sobretudo quando se predestine a fazer prova, em juízo ou inquérito, a favor de quem a gravou. (RE 402717, Relator(a):  Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 02/12/2008, DJe-030 DIVULG 12-02-2009 PUBLIC 13-02-2009 EMENT VOL-02348-04 PP-00650 RTJ VOL-00208-02 PP-00839 RT v. 98, n. 884, 2009, p. 507-515).

e) Gravação ambiental ou gravação clandestina: captação da conversa ambiente realizada por um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro. Inexiste a figura do terceiro interceptador. Não há comunicação telefônica. A Lei n. 9.034/95 (organizações criminosas) permite que a polícia realize gravação ambiental, desde que com ordem judicial. O Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral e manifestou o entendimento no sentido de que se trata de prova válida / lícita, por não ser caso de interceptação telefônica. Novamente sofre limitação a conversa íntima. Ademais, a cúpula do judiciário manifestou-se pela ilicitude da gravação ambiental de conversa informal entre o policial e o indiciado, por se tratar de interrogatório clandestino que viola as garantias constitucionais e processuais, como a ausência da advertência sobre o direito de permanecer calado (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, artigo 5º, LXIII):

EMENTA: AÇÃO PENAL. Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Validade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida.  Recurso extraordinário provido. Aplicação do artigo 543-B, § 3º, do CPC. É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. (RE 583937 QO-RG, Relator(a): Min. MIN. CEZAR PELUSO, julgado em 19/11/2009, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-237 DIVULG 17-12-2009 PUBLIC 18-12-2009 EMENT VOL-02387-10 PP-01741 RJSP v. 58, n. 393, 2010, p. 181-194).

EMENTA: I. Habeas corpus: cabimento: prova ilícita. 1. Admissibilidade, em tese, do habeas corpus para impugnar a inserção de provas ilícitas em procedimento penal e postular o seu desentranhamento: sempre que, da imputação, possa advir condenação a pena privativa de liberdade: precedentes do Supremo Tribunal. II. Provas ilícitas: sua inadmissibilidade no processo (CF, artigo 5º, LVI): considerações gerais. 2. Da explícita proscrição da prova ilícita, sem distinções quanto ao crime objeto do processo (CF, artigo 5º, LVI), resulta a prevalência da garantia nela estabelecida sobre o interesse na busca, a qualquer custo, da verdade real no processo: conseqüente impertinência de apelar-se ao princípio da proporcionalidade - à luz de teorias estrangeiras inadequadas à ordem constitucional brasileira - para sobrepor, à vedação constitucional da admissão da prova ilícita, considerações sobre a gravidade da infração penal objeto da investigação ou da imputação. III. Gravação clandestina de "conversa informal" do indiciado com policiais. 3. Ilicitude decorrente - quando não da evidência de estar o suspeito, na ocasião, ilegalmente preso ou da falta de prova idônea do seu assentimento à gravação ambiental - de constituir, dita "conversa informal", modalidade de "interrogatório" sub- reptício, o qual - além de realizar-se sem as formalidades legais do interrogatório no inquérito policial (C.Pr.Pen., artigo 6º, V) -, se faz sem que o indiciado seja advertido do seu direito ao silêncio. 4. O privilégio contra a auto-incriminação - nemo tenetur se detegere -, erigido em garantia fundamental pela Constituição - além da inconstitucionalidade superveniente da parte final do artigo 186 C.Pr.Pen. - importou compelir o inquiridor, na polícia ou em juízo, ao dever de advertir o interrogado do seu direito ao silêncio: a falta da advertência - e da sua documentação formal - faz ilícita a prova que, contra si mesmo, forneça o indiciado ou acusado no interrogatório formal e, com mais razão, em "conversa informal" gravada, clandestinamente ou não. IV. Escuta gravada da comunicação telefônica com terceiro, que conteria evidência de quadrilha que integrariam: ilicitude, nas circunstâncias, com relação a ambos os interlocutores. 5. A hipótese não configura a gravação da conversa telefônica própria por um dos interlocutores - cujo uso como prova o STF, em dadas circunstâncias, tem julgado lícito - mas, sim, escuta e gravação por terceiro de comunicação telefônica alheia, ainda que com a ciência ou mesmo a cooperação de um dos interlocutores: essa última, dada a intervenção de terceiro, se compreende no âmbito da garantia constitucional do sigilo das comunicações telefônicas e o seu registro só se admitirá como prova, se realizada mediante prévia e regular autorização judicial. 6. A prova obtida mediante a escuta gravada por terceiro de conversa telefônica alheia é patentemente ilícita em relação ao interlocutor insciente da intromissão indevida, não importando o conteúdo do diálogo assim captado. 7. A ilicitude da escuta e gravação não autorizadas de conversa alheia não aproveita, em princípio, ao interlocutor que, ciente, haja aquiescido na operação; aproveita-lhe, no entanto, se, ilegalmente preso na ocasião, o seu aparente assentimento na empreitada policial, ainda que existente, não seria válido. 8. A extensão ao interlocutor ciente da exclusão processual do registro da escuta telefônica clandestina - ainda quando livre o seu assentimento nela - em princípio, parece inevitável, se a participação de ambos os interlocutores no fato probando for incindível ou mesmo necessária à composição do tipo criminal cogitado, qual, na espécie, o de quadrilha. V. Prova ilícita e contaminação de provas derivadas (fruits of the poisonous tree). 9. A imprecisão do pedido genérico de exclusão de provas derivadas daquelas cuja ilicitude se declara e o estágio do procedimento (ainda em curso o inquérito policial) levam, no ponto, ao indeferimento do pedido. (HC 80949, Relator(a):  Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 30/10/2001, DJ 14-12-2001 PP-00026 EMENT VOL-02053-06 PP-01145 RTJ VOL-00180-03 PP-01001).

Em decorrência do conceito de interceptação das comunicações telefônicas, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça afirmam que o regime da Lei n. 9.296/96 abarca apenas a interceptação telefônica em sentido estrito e a escuta telefônica, pois somente nas duas há comunicação telefônica e terceiro interceptador:

EMENTA: - 1. Interceptação telefônica e gravação de negociações entabuladas entre seqüestradores, de um lado, e policiais e parentes da vítima, de outro, com o conhecimento dos últimos, recipiendários das ligações. Licitude desse meio de prova. Precedente do STF: (HC 74.678, 1ª Turma, 10-6-97). 2. Alegação improcedente de perda de objeto do recurso do Ministério Público estadual. 3. Reavaliação do grau de culpabilidade para fins de revisão de dosagem da pena. Pretensão incompatível com o âmbito do habeas corpus. 4. Pedido, em parte, deferido, para suprimento da omissão do exame da postulação, expressa nas alegações finais, do benefício da delação premiada (artigo 159, § 4º, do Código Penal), mantidas a condenação e a prisão. (HC 75261, Relator(a):  Min. OCTAVIO GALLOTTI, Primeira Turma, julgado em 24/06/1997, DJ 22-08-1997 PP-38764 EMENT VOL-01879-03 PP-00472).

CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO. PROVA. ESCUTA TELEFÔNICA. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. LEI Nº 9.296/96. - Não contamina de nulidade o processo penal instaurado com base em prova obtida por meio de interceptação de linha telefônica, realizada com autorização judicial deferida após a edição da Lei nº 9.296/96, que regulamentou o inciso XII, do artigo 5º, da Carta Magna.

- Em sede de investigação do crime de extorsão mediante seqüestro, em face da imensa dificuldade de sua apuração, é de se admitir a escuta telefônica como meio de prova para identificação da autoria. - "Habeas corpus" denegado. (HC 7.869/SP, Rel. Ministro VICENTE LEAL, SEXTA TURMA, julgado em 13/10/1998, DJ 09/11/1998, p. 174). CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. ESCUTA TELEFONICA. GRAVAÇÃO FEITA POR MARIDO TRAIDO. DESENTRANHAMENTO DA PROVA REQUERIDO PELA ESPOSA: VIABILIDADE, UMA VEZ QUE SE TRATA DE PROVA ILEGALMENTE OBTIDA, COM VIOLAÇÃO DA INTIMIDADE INDIVIDUAL. RECURSO ORDINARIO PROVIDO. I - A IMPETRANTE/RECORRENTE TINHA MARIDO, DUAS FILHAS MENORES E UM AMANTE MEDICO. QUANDO O ESPOSO VIAJAVA, PARA FACILITAR SEU RELACIONAMENTO ESPURIO, ELA MINISTRAVA "LEXOTAN" AS MENINAS. O MARIDO, JA SUSPEITOSO, GRAVOU A CONVERSA TELEFONICA ENTRE SUA MULHER E O AMANTE. A ESPOSA FOI PENALMENTE DENUNCIADA (TOXICO). AJUIZOU, ENTÃO, AÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA, INSTANDO NO DESENTRANHAMENTO DA DECODIFICAÇÃO DA FITA MAGNETICA. II - EMBORA ESTA TURMA JA SE TENHA MANIFESTADO PELA RELATIVIDADE DO INCISO XII (ULTIMA PARTE) DO ARTIGO 5. DA CF/1988 (HC 3.982/RJ, REL. MIN. ADHEMAR MACIEL, DJU DE 26/02/1996), NO CASO CONCRETO O MARIDO NÃO PODERIA TER GRAVADO A CONVERSA A ARREPIO DE SEU CONJUGE. AINDA QUE IMPULSIONADO POR MOTIVO RELEVANTE, ACABOU POR VIOLAR A INTIMIDADE INDIVIDUAL DE SUA ESPOSA, DIREITO GARANTIDO CONSTITUCIONALMENTE (ARTIGO 5., X). ADEMAIS, O STF TEM CONSIDERADO ILEGAL A GRAVAÇÃO TELEFONICA, MESMO COM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL (O QUE NÃO FOI O CASO), POR FALTA DE LEI ORDINARIA REGULAMENTADORA (RE 85.439/RJ, MIN. XAVIER DE ALBUQUERQUE E HC 69.912/RS, MIN. PERTENCE). III - RECURSO ORDINARIO PROVIDO.(RMS 5352/GO, Rel. Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, Rel. p/ Acórdão Ministro ADHEMAR MACIEL, SEXTA TURMA, julgado em 27/05/1996, DJ 25/11/1996, p. 46227).

A lição de GOMES (2010, p. 425-426) segue o mesmo entendimento:

Estamos convencidos de que é vontade da lei, aqui, abarcar tanto a interceptação em sentido estrito quanto a escuta telefônica. Porque ambas consistem em processo de captação de comunicação alheia. Estão fora do regime jurídico instituído pela Lei 9.296/96, consequentemente, a gravação telefônica, a gravação ambiental, a interceptação ambiental, assim como a escuta ambiental.

(...).

... O fato de um dos comunicadores saber da captação não afasta a idéia de interceptação, mesmo porque é um terceiro que está tomando conhecimento da comunicação. De outro lado, urge a proteção do sigilo em relação a quem não está sabendo da interceptação. Logo, para se quebrar esse sigilo, é imprescindível autorização judicial... Em conclusão, a lei se aplica tanto à interceptação em sentido estrito quanto à escuta telefônica.

Em sentido contrário, alguns doutrinadores, dentre eles FILHO (2005, p. 5) e ANDREUCCI (2010, p. 399), defendem que a lei não disciplina a escuta telefônica, porque é irregulamentável no âmbito do artigo 5º, inciso XII da Constituição Federal. A licitude deste tipo de prova, assim como das demais espécies de violação, dependerá do embate entre a intimidade e a justa causa (princípio da proporcionalidade), como o estado de necessidade e defesa de direito:

...o artigo 5º, XII, da CF e a Lei n. 9.296/96 disciplinam apenas a interceptação telefônica estrito senso, ao passo que o artigo 5º, X, da CF (direito à intimidade) rege a escuta e a gravação telefônica, assim como a interceptação, escuta e gravação ambiental.

HABEAS CORPUS. DENÚNCIA. RECEBIMENTO. Gravações de conversas por um dos interlocutores não é interceptação telefônica, sendo lícita como prova no processo penal, máxime se a ela se agregam outros elementos de prova. “Pelo Princípio da Proporcionalidade, as normas constitucionais se articulam num sistema, cuja harmonia impõe que, em certa medida, tolere-se o detrimento a alguns direitos por ela conferidos, no caso, o direito à intimidade.” Precedentes do STF e do STJ. Ordem denegada. (HC 33110/SP, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 27/04/2004, DJ 24/05/2004, p. 318).

A interceptação e a escuta telefônica não violam a garantia constitucional ao silêncio, direito de não se incriminar, previsto no artigo 5º, inciso LXIII da Constituição Federal. Apesar do autor do fato realizar declaração contra si mesmo, não o faz diretamente aos órgãos da persecução penal ou autoridade, não é por ela incitado a responder e não esta sob pressão. A garantia de ficar calado objetiva apenas preservar a liberdade moral do agente perante a autoridade. A violação de comunicações telefônicas capta interações do dia a dia do sujeito.

O magistrado poderá autorizar a interceptação de comunicação telefônica tanto na fase investigativa quanto na instrução processual penal (fins exclusivamente penais), jamais em processo de outra natureza (administrativa, tributária, civil e etc). A jurisprudência é pacífica em relação à possibilidade de captação antes da instauração do inquérito policial, porque a investigação criminal é preexistente e independentemente. Neste sentido:

HABEAS CORPUS. NARCOTRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA TRÁFICO. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE NO PROCEDIMENTO DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. QUEBRA DE SIGILO TELEFÔNICO DEVIDAMENTE AUTORIZADA. DESNECESSIDADE DE PRÉVIA INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO OU AÇÃO PENAL. PRECEDENTES DO STJ. POSSIBILIDADE DAS TRANSCRIÇÕES SEREM REALIZADAS POR POLICIAIS CIVIS. PRECEDENTES DESTE STJ. INÉPCIA DA DENÚNCIA. PEÇA ACUSATÓRIA QUE DESCREVE TODO O FATO CRIMINOSO, APTA A PERMITIR O EXERCÍCIO DA AMPLA DEFESA. INEXISTE A ALEGADA NULIDADE POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO QUE AFASTA A TESE DEFENSIVA SEM A MENÇÃO EXAUSTIVA DE CADA UMA DAS HIPÓTESES DEFENSIVAS QUE NÃO FORAM ACOLHIDAS. APLICAÇÃO DA REDUTORA PREVISTA NO ARTIGO 33, § 4o. DA LEI 11.343/06. ACÓRDÃO QUE RECONHECE QUE O PACIENTE INTEGRA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS. DILAÇÃO PROBATÓRIA INCOMPATÍVEL COM O WRIT. PENA-BASE FIXADA EM 6 ANOS E 2 MESES DE RECLUSÃO (COMINAÇÃO MÍNIMA DE 5 ANOS). POSSIBILIDADE DE EXASPERAÇÃO, EM RAZÃO DE SER O PACIENTE USUÁRIO DE DROGAS (CONDUTA SOCIAL DESFAVORÁVEL) E PELA GRANDE QUANTIDADE DE DROGAS (449 COMPRIMIDOS DE ECSTASY). DESPENALIZAÇÃO QUE VISA, SOMENTE, AO USUÁRIO DE SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DO WRIT. ORDEM DENEGADA. 1. Esta Corte já decidiu ser prescindível a prévia instauração de inquérito ou ação penal para a decretação de quebra de sigilo telefônico; isso porque, a interceptação telefônica, disciplinada na Lei 9.296/96, tem natureza de medida cautelar preparatória, exigindo-se apenas a demonstração da existência de indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal punida com reclusão (REsp. 827.940/SP, Rel. Min. LAURITA VAZ, DJU 03.03.08 e HC 20.087/SP, Rel. Min. GILSON DIPP, DJU 20.09.03). (...) 12.  Habeas Corpus denegado, em conformidade com o parecer ministerial. (HC 136659/SC, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 23/03/2010, DJe 03/05/2010).

Atualmente, este meio de prova tem sido utilizado com ressalvas, como consequência do uso abusivo e indiscriminado pelas autoridades judiciais que, rotineiramente, por motivos pessoais, a utilizavam para obter confidências de pessoas de seu intimo convívio, objetivo este bem distante da motivação da interceptação telefônica, qual seja, auxiliar a justiça. Diante disso, foi criada a Resolução 59, de 09 de setembro de 2008, do Conselho Nacional de Justiça, a qual uniformizou no Poder Judiciário o uso da interceptação telefônica pelos juízes a fim de coibir abusos.

O artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal determina que a violação da comunicação telefônica depende de ordem judicial (reserva de jurisdição). O artigo. 1º da Lei n. 9.296/96 exige ainda mais, em complemento ao dispositivo constitucional, ao explicitar que a autorização judicial deve emanar do juiz competente para a ação principal. Assim, o aval para a captação da conversa telefônica não poderá advir de qualquer magistrado, somente daquele competente para a ação penal. Caminha nesse sentido a decisão abaixo:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIMES MILITARES. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA DECRETADA PELA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. INCOMPETÊNCIA. NULIDADE DA PROVA COLHIDA. 1. Somente o juiz natural da causa, a teor do disposto no artigo 1.º, Lei n.º 9.296/96, pode, sob segredo de justiça, decretar a interceptação de comunicações telefônicas 2. Na hipótese, a diligência foi deferida pela justiça comum estadual, durante a realização do inquérito policial militar, que apurava a prática de crime propriamente militar (subtração de armas e munições da corporação, conservadas em estabelecimento militar). Deve-se, portanto, em razão da incompetência do juízo, declarar a nulidade da prova ilicitamente colhida. 3. Ordem concedida. (HC 49179/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 05/09/2006, DJ 30/10/2006, p. 341).

Nas comarcas onde houver mais de um magistrado competente para a ação penal, o pedido de violação da comunicação telefônica deverá ser encaminhado, em envelope lacrado, a distribuição, conforme determina o artigo 2º, da Resolução 59/2008 do Conselho Nacional de Justiça.

O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que se durante a fase investigatória ocorrer a modificação de competência – inicialmente fixada a partir do fato investigado, mas que, posteriormente, pode ser modificada em razão do andamento das investigações criminais –, a prova produzida por meio de interceptação telefônica, autorizada por magistrado supostamente competente, será válida / lícita:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. RECORRENTE DENUNCIADO POR INFRAÇÃO AOS ARTS. 90 E 95 DA LEI N.º 8.666/93 E ARTS. 288, 332, PARÁGRAFO ÚNICO, 317, § 1º E 321, NA FORMA DO ARTIGO 69, ESTES DO CÓDIGO PENAL. EXERCÍCIO DO CARGO ELETIVO DE VEREADOR DE MUNICÍPIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO À ÉPOCA DOS FATOS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA DETERMINADA POR MAGISTRADO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA, NA FASE INVESTIGATÓRIA, ANTES DO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. VALIDADE, NO CASO. 1. Tem-se, no artigo 1º da Lei n.º 9.296/96, que "[a] interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça". Tal regra não impede, entretanto, o deferimento de autorização de referida diligência por Juízo diverso daquele que veio a julgar a ação penal, quando concedida ainda no curso das investigações criminais. Precedentes. 2. "Quando [...] a interceptação telefônica constituir medida cautelar preventiva, ainda no curso das investigações criminais, a mesma norma de competência há de ser entendida e aplicada com temperamentos, para não resultar em absurdos patentes" (STF, HC 81260/ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 19/04/2002). 3. Em 28/05/2007, o Órgão Especial do Tribunal Impetrado, no julgamento de Arguição de Inconstitucionalidade n.º 01/06, declarou inconstitucional a prerrogativa de foro dos vereadores dos municípios do Estado do Rio de Janeiro, prevista no artigo 161, inciso IV, alínea d, item 3, da Constituição Estadual. Portanto, no momento dos fatos ora questionados, aparentemente, os parlamentares municipais deveriam ser processados e julgados por Juízes de primeira instância. Porém, os Tribunais de hierarquia superposta continuaram a entender por válida a regra afastada em controle difuso de constitucionalidade pela Corte fluminense. Por tal razão, reconheceu-se, no caso, posteriormente, a competência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro para julgar e processar o Paciente, ocupante do cargo eletivo de vereador à época dos fatos. Tal fato, entretanto, não impede que se considerem válidas as medidas cautelares requeridas ao tempo das investigações ao órgão julgador supostamente competente – qual seja, o Juízo Singular –, e por este deferidas, pois sua incompetência, evidentemente, não era patente.4. Recurso desprovido. (RHC 24905/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 15/06/2010, DJe 28/06/2010).

Na hipótese de o crime investigado se estender por mais de uma jurisdição, pelo princípio da prevenção, será competente o magistrado que primeiro tomar ciência da infração e praticar qualquer dos atos processuais, tornando-se prevendo o juízo. Assim caminha o Supremo Tribunal Federal:

EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSO PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. PREVENÇÃO. EXAME DA LEGALIDADE. 1. Quando o tráfico ilícito de entorpecentes se estende por mais de uma jurisdição, é competente, pelo princípio da prevenção, o Juiz que primeiro toma conhecimento da infração e pratica qualquer ato processual. No caso, o ato que fixou a competência do juiz foi a autorização para proceder a escuta telefônica das conversas do Paciente. 2. O exame da legalidade da autorização para a escuta telefônica não foi suscitado perante o STJ. Impossibilidade de conhecimento neste Tribunal sob pena de supressão de instância. Precedentes. HABEAS conhecido em parte e nessa parte indeferido. (HC 82009, Relator(a):  Min. NELSON JOBIM, Segunda Turma, julgado em 12/11/2002, DJ 19-12-2002 PP-00129 EMENT VOL-02096-03 PP-00586).

Em algumas comarcas há a figura do juiz corregedor ou da central de inquéritos, que, de acordo com as normas de organização judiciária local, não tem competência para julgar a ação penal, mas apenas para cuidar do processamento dos inquéritos e seus incidentes. Os tribunais superiores, entretanto, entendem que esses magistrados podem autorizar interceptações telefônicas, mesmo sem competência para a demanda principal, pois a regra de competência para a captação de comunicação telefônica deve ser mitigada quando a interceptação ocorrer na fase investigatória, para evitar eventual obstáculo da atuação da Justiça.

CRIMINAL. RHC. FALSIDADE IDEOLÓGICA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. DENÚNCIA EMBASADA EM MATERIAL PRODUZIDO EM PROCESSO ADMINISTRATIVO CONDUZIDO PELO PARQUET. POSSIBILIDADE. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. INCOMPETÊNCIA DO JUIZ DA CENTRAL DE INQUÉRITO. ILEGALIDADE NÃO DEMONSTRADA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO-EVIDENCIADA DE PLANO. AUSÊNCIA DE DOLO. IMPROPRIEDADE DO MEIO ELEITO. RECURSO DENEGADO. I. Não obstante se verifique, atualmente, o debate em torno da questão pelo Supremo Tribunal Federal, o entendimento consolidado desta Corte é no sentido de que são válidos, em princípio, os atos investigatórios realizados pelo Ministério Público. II. A interpretação sistêmica da Constituição e a aplicação dos poderes implícitos do Ministério Público conduzem à preservação dos poderes investigatórios deste Órgão, independentemente da investigação policial. III. Independentemente da investigação policial, o Ministério Público pode se valer de outros elementos de convencimento, como diligências complementares a sindicâncias ou auditorias desenvolvidas por outros órgãos, peças de informação, bem como inquéritos civis que evidenciem, além dos fatos que lhe são próprios, a ocorrência, também, de crimes. IV. A vedação dirigida ao Ministério Público é quanto a presidir e realizar inquérito policial. Precedente do STF. V. Quando a interceptação telefônica constitui medida cautelar, no curso da investigação criminal, a exigência de que a autorização seja feita pelo juiz competente da ação principal deve ser entendida e aplicada com temperamento, para evitar eventual obstáculo da atuação da Justiça. Precedente do STF. VI. O trancamento da ação penal por falta de justa causa, na via estreita do habeas corpus, somente é possível se constatado, de pronto, sem a necessidade de exame valorativo dos elementos dos autos, evidenciar-se a atipicidade do fato, a ausência de indícios a fundamentarem a acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade. VII. Hipótese em que a conduta narrada constitui, em tese, o crime previsto no artigo 299 do Código Penal, vindo a denúncia acompanhada de veementes indícios de materialidade e autoria dos crimes, cuja participação também é atribuída ao recorrente, não sendo possível, initio litis, o trancamento da ação penal. VIII. A verificação a respeito da existência, ou não, do elemento subjetivo necessário à caracterização do crime de falsidade ideológica, representado pela intenção dirigida para criar, alterar ou extinguir uma obrigação com prejuízo ou dano de um terceiro, dependeria de minuciosa análise do conjunto probatório, sendo imprópria a via estreita do habeas corpus. IX. Recurso desprovido. (RHC 15128/PR, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 03/02/2005, DJ 07/03/2005, p. 281).

EMENTA: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. VARA DAS EXECUÇÕES CRIMINAIS E ANEXO DA CORREGEDORIA DOS PRESÍDIOS E POLÍCIA JUDICIÁRIA. ESTADO DE SÃO PAULO. COMPETÊNCIA ESTABELECIDA NA LEGISLAÇÃO ESTADUAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA E DEMAIS ATOS PROCESSUAIS. VALIDADE. ARTS. 148, 150, §§ 1º E 2º, E 316, CAPUT, COMBINADOS COM OS ARTS. 29 E 69, TODOS DO CÓDIGO PENAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDDE. RECURSO DESPROVIDO. I - É competente o Juízo da Vara das Execuções Criminais e Anexo da Corregedoria dos Presídios e Polícia Judiciária para conhecer de investigação, autorizar interceptação telefônica e decretar a prisão preventiva de policiais investigados, nos termos de regra de competência estadual. II - Conjunto probatório que, ademais, não se resume às evidencias colhidas ao longo da interceptação telefônica. III - Trancamento da ação penal que não se mostra factível. IV - Recurso desprovido. (RHC 92354, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 20/11/2007, DJe-157 DIVULG 06-12-2007 PUBLIC 07-12-2007 DJ 07-12-2007 PP-00059 EMENT VOL-02302-02 PP-00358 RJSP v. 56, n. 363, 2008, p. 183-186).

A Constituição Federal, no artigo 58, parágrafo 3º, concede as Comissões Parlamentares de Inquérito poderes de investigação próprios de autoridade judicial, mas não idênticos, de acordo com a interpretação do Supremo Tribunal Federal. Em razão disso, entende-se que nos casos em que a Carta Política exige expressamente a ordem judicial, o ato só poderá ser autorizado por juiz ou tribunal, conforme preceitua o princípio da reserva de jurisdição. Assim, Comissão Parlamentar de Inquérito não pode autorizar: busca e apreensão domiciliar; prisão, salvo em casos de flagrante; interceptação telefônica. Já a quebra de sigilo telefônico – acesso ao histórico de ligações, não ao teor das conversas – está dentro dos poderes conferidos às Comissões Parlamentares de Inquérito:

E M E N T A: COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - QUEBRA DE SIGILO ADEQUADAMENTE FUNDAMENTADA - ATO PRATICADO EM SUBSTITUIÇÃO A ANTERIOR QUEBRA DE SIGILO QUE HAVIA SIDO DECRETADA SEM QUALQUER FUNDAMENTAÇÃO - POSSIBILIDADE - EXISTÊNCIA SIMULTÂNEA DE PROCEDIMENTOS PENAIS EM CURSO, INSTAURADOS CONTRA O IMPETRANTE - CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO IMPEDE A INSTAURAÇÃO DA PERTINENTE INVESTIGAÇÃO PARLAMENTAR SOBRE FATOS CONEXOS AOS EVENTOS DELITUOSOS - REFERÊNCIA À SUPOSTA ATUAÇÃO DE ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO ESTADO DO ACRE, QUE SERIAM RESPONSÁVEIS PELA PRÁTICA DE ATOS CARACTERIZADORES DE UMA TEMÍVEL MACRODELINQÜÊNCIA (TRÁFICO DE ENTORPECENTES, LAVAGEM DE DINHEIRO, FRAUDE, CORRUPÇÃO, ELIMINAÇÃO FÍSICA DE PESSOAS, ROUBO DE AUTOMÓVEIS, CAMINHÕES E CARGAS) - ALEGAÇÃO DO IMPETRANTE DE QUE INEXISTIRIA CONEXÃO ENTRE OS ILÍCITOS PENAIS E O OBJETO PRINCIPAL DA INVESTIGAÇÃO PARLAMENTAR - AFIRMAÇÃO DESPROVIDA DE LIQUIDEZ - MANDADO DE SEGURANÇA INDEFERIDO. A QUEBRA FUNDAMENTADA DO SIGILO INCLUI-SE NA ESFERA DE COMPETÊNCIA INVESTIGATÓRIA DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO. - A quebra do sigilo fiscal, bancário e telefônico de qualquer pessoa sujeita a investigação legislativa pode ser legitimamente decretada pela Comissão Parlamentar de Inquérito, desde que esse órgão estatal o faça mediante deliberação adequadamente fundamentada e na qual indique, com apoio em base empírica idônea, a necessidade objetiva da adoção dessa medida extraordinária. Precedente: MS 23.452-RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO (Pleno). PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE JURISDIÇÃO E QUEBRA DE SIGILO POR DETERMINAÇÃO DA CPI. - O princípio constitucional da reserva de jurisdição - que incide sobre as hipóteses de busca domiciliar (CF, artigo 5º, XI), de interceptação telefônica (CF, artigo 5º, XII) e de decretação da prisão, ressalvada a situação de flagrância penal (CF, artigo 5º, LXI) - não se estende ao tema da quebra de sigilo, pois, em tal matéria, e por efeito de expressa autorização dada pela própria Constituição da República (CF, artigo 58, § 3º), assiste competência à Comissão Parlamentar de Inquérito, para decretar, sempre em ato necessariamente motivado, a excepcional ruptura dessa esfera de privacidade das pessoas. AUTONOMIA DA INVESTIGAÇÃO PARLAMENTAR. - O inquérito parlamentar, realizado por qualquer CPI, qualifica-se como procedimento jurídico-constitucional revestido de autonomia e dotado de finalidade própria, circunstância esta que permite à Comissão legislativa - sempre respeitados os limites inerentes à competência material do Poder Legislativo e observados os fatos determinados que ditaram a sua constituição - promover a pertinente investigação, ainda que os atos investigatórios possam incidir, eventualmente, sobre aspectos referentes a acontecimentos sujeitos a inquéritos policiais ou a processos judiciais que guardem conexão com o evento principal objeto da apuração congressual. Doutrina. Precedente: MS 23.639-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO (Pleno). O PROCESSO MANDAMENTAL NÃO COMPORTA DILAÇÃO PROBATÓRIA. - O processo de mandado de segurança qualifica-se como processo documental, em cujo âmbito não se admite dilação probatória, pois a liquidez dos fatos, para evidenciar-se de maneira incontestável, exige prova pré-constituída, circunstância essa que afasta a discussão de matéria fática fundada em simples conjecturas ou em meras suposições ou inferências.(MS 23652, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 22/11/2000, DJ 16-02-2001 PP-00092 EMENT VOL-02019-01 PP-00106).

ANDREUCCI (2010, p. 401) assume posicionamento diverso: “desde que por ato motivado e fundamentado, esta comissão (Comissão Parlamentar de Inquérito) é competente para decretar a interceptação telefônica”.

A Comissão Parlamentar de Inquérito, de acordo com o Supremo Tribunal Federal, não pode requisitar diretamente às operadoras de telefonia cópias do procedimento judicial de interceptação telefônica, pois estão protegidas pelo segredo de justiça:

EMENTAS: 1. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO. Interceptação telefônica. Sigilo judicial. Segredo de justiça. Quebra. Impossibilidade jurídica. Requisição de cópias das ordens judiciais e dos mandados. Liminar concedida. Admissibilidade de submissão da liminar ao Plenário, pelo Relator, para referendo. Precedentes (MS nº 24.832-MC, MS nº 26.307-MS e MS nº 26.900-MC). Voto vencido. Pode o Relator de mandado de segurança submeter ao Plenário, para efeito de referendo, a liminar que haja deferido. 2. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - CPI. Prova. Interceptação telefônica. Decisão judicial. Sigilo judicial. Segredo de justiça. Quebra. Requisição, às operadoras, de cópias das ordens judiciais e dos mandados de interceptação. Inadmissibilidade. Poder que não tem caráter instrutório ou de investigação. Competência exclusiva do juízo que ordenou o sigilo. Aparência de ofensa a direito líquido e certo. Liminar concedida e referendada. Voto vencido. Inteligência dos arts. 5º, X e LX, e 58, § 3º, da CF, artigo 325 do CP, e artigo 10, cc. artigo 1º da Lei federal nº 9.296/96. Comissão Parlamentar de Inquérito não tem poder jurídico de, mediante requisição, a operadoras de telefonia, de cópias de decisão nem de mandado judicial de interceptação telefônica, quebrar sigilo imposto a processo sujeito a segredo de justiça. Este é oponível a Comissão Parlamentar de Inquérito, representando expressiva limitação aos seus poderes constitucionais. (MS 27483 REF-MC, Relator(a):  Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 14/08/2008, DJe-192 DIVULG 09-10-2008 PUBLIC 10-10-2008 EMENT VOL-02336-01 PP-00189 RTJ VOL-00207-01 PP-00298).

A Lei n. 9.296/96 abarca, ainda, a captação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática (telecomunicação mais informática), como as interações realizadas por meio de endereço eletrônico, internet, entre outros.

Há ferrenha discussão doutrinária e jurisprudencial a respeito da constitucionalidade do artigo 1º, parágrafo único da lei em estudo. O argumento dos defensores da inconstitucionalidade é que a Constituição Federal permitiu apenas a captação da comunicação realizada por meio de voz. As interações via informática ou telemática estariam protegidas pela impossibilidade de violação do sigilo de dados, à qual a Carta Política não abriu exceção. Destacam-se as lições de STUM (1995, p. 65): “a comunicação telefônica deve restringir-se às conversas telefônicas, pois representa uma limitação ao direito individual à intimidade, e desse modo devem ser interpretadas estritamente de acordo com a dicção constitucional” e GRINOVER (2007, p. 215) e LIMA NETO (1997, internet), respectivamente:

Em sentido técnico, só pela telemática pode haver a comunicação do fluxo de dados via telefone, donde já se vê a impropriedade da referência da lei à informática. Mas, mesmo com relação à telemática, deve-se dizer que o texto constitucional só parece permitir a interceptação de “comunicação telefônica” stricto sensu (ou seja, da voz), e não da “comunicação via telefone” (compreendendo a telemática). E como as regras limitadoras de direitos, sobretudo quando excepcionais, devem ser interpretadas restritivamente, poderia afirma-se que a previsão de interceptação do fluxo de comunicações, tanto pela informática como pela telemática, é inconstitucional.

Concluindo, as "comunicações telefônicas", entendidas em stricto sensu, não se confundem com as "comunicações em sistemas de informática ou telemática". São expressões distintas, com fins autônomos. Como a Constituição dispõe somente a respeito da violabilidade das primeiras, não pode o legislador ordinário pretender disciplinar hipóteses de violação das segundas. Ainda que se sustente que as "comunicações em sistemas de informática ou telemática" são abrangidas pelo termo "comunicações telefônicas", persiste a inconstitucionalidade, visto que as comunicações de telemática se perfazem através da transferência de dados e estes são invioláveis por determinação expressa da Constituição.

As comunicações de dados podem e devem ser interceptadas quando da ocorrência de necessidade de se resguardar interesse ou direito constitucional de igual relevância, através da aplicação do princípio da proporcionalidade.

Já os doutrinadores que opinam pela constitucionalidade afirmam que a comunicação efetuada por meio de sistema de informática ou telemática deriva da comunicação telefônica, pois é efetivada por aparelho que se utiliza de linha telefônica, o modem. Ademais, quando a Constituição de 1988 foi promulgada não existia conversa por modem ou skype; assim, a interpretação da Carta Política deve ser progressiva, para abarcar tais situações. Dessa forma compreende GOMES (2010, p. 457) e STRECK (1998, p. 217), respectivamente:

No que concerne às “comunicações telemáticas” por telefone (uma comunicação modem by modem, por exemplo, ou via internet) parece-nos indiscutível a incidência da lei. Porque no fundo não passa de uma comunicação telefônica. Como o artigo 1º dispõe sobre “comunicações telefônicas de qualquer natureza”, está claro, conforme nosso juízo, que aí também estão inseridas as comunicações telefônicas que resultam da combinação da telefonia com a informática.

(...) não vislumbro inconstitucionalidade no dispositivo em comento. O parágrafo único, ao estender a possibilidade de interceptação também ao fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática, apenas especificou que a lei também atingirá toda e qualquer variante de informações que utilizem a modalidade ‘comunicações telefônicas’. Ou seja, objetivou a Lei estender a aplicação das hipóteses de interceptação de comunicações telefônicas a qualquer espécie de comunicação, ainda que realizada mediante sistemas de informática existentes ou que venha a ser criados, desde que tal comunicação utilizar a modalidade ‘comunicações telefônicas’. Isto porque o constituinte, ao utilizar a expressão ‘comunicações telefônicas’, deixou patente que abarcava a possibilidade de o Estado interceptar ‘informes em tráfego’, conforme muito bem lembra o Juiz Federal Ivan de Lira Carvalho. Quisesse o constituinte limitar a interceptação simplesmente aos telefonemas entre pessoas, não teria usados ‘comunicações’ lato sensu. Sabe-se que, com o avanço da informática, permite-se a prática de comunicações via computador, por exemplo, a Internet, cujo veículo é o telefone. Já a telemática vem a ser a ciência que trata da manipulação e utilização da informação através do uso combinado do computador e meios de telecomunicação

De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, as conversas das salas de bate papo em ambiente virtual não estão amparadas pelo sigilo das comunicações, pois se trata de local com acesso irrestrito e de interações informais:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. PENAL. ARTIGO 241. INTERNET. SALA DE BATE PAPO. SIGILO DAS COMUNICAÇÕES. INVIABILIDADE. TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL. NECESSIDADE DE EXAME APROFUNDADO DO CONJUNTO PROBATÓRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA.1. A conversa realizada em "sala de bate papo" da internet, não está amparada pelo sigilo das comunicações, pois o ambiente virtual é de acesso irrestrito e destinado a conversas informais. 2. O trancamento do inquérito policial em sede de recurso em habeas corpus é medida excepcional, somente admitida quando constatada, prima facie, a atipicidade da conduta ou a negativa de autoria. 3. Recurso que se nega provimento, com a recomendação de que o juízo monocrático determine a realização imediata da perícia requerida pelo parquet nos autos, sob pena de trancamento da ação penal. (RHC 18116/SP, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, SEXTA TURMA, julgado em 16/02/2006, DJ 06/03/2006, p. 443).

Da interpretação literal do texto constitucional verifica-se que o constituinte só se preocupou com a possibilidade de violar a comunicação via telefone, deixando de abranger a comunicação telemática independente (sem o uso de telefone). Dessa forma, o criminoso, diante dos avanços tecnológicos, poderá ser beneficiado pela redação constitucional, haja vista a impossibilidade de se realizar a captação quando da utilização deste tipo de tecnologia. Com entendimento diverso GOMES (2010, p. 458) afirma que:

...só ele (legislador) pode disciplinar qualquer tema que cuide da convivência humana e das liberdades fundamentais. A intenção era regulamentar a parte final do inciso XII, tão-somente (que cuida das comunicações telefônicas). Mas acabou fixando regras também para outras formas de comunicação, chamadas “comunicações telemáticas independentes”. Assuntos correlatos que não podiam mesmo deixar de ser disciplinados conjuntamente.

(...).

Do ponto de vista da repressão penal, do mesmo modo, pouco adiantaria só a interceptação das clássicas “conversações telefônicas”. Se assim fosse, como já dissemos, bastaria o criminoso “digitar” a comunicação (entrar na era digital) e estaria fora de qualquer controle. 

A Constituição Federal determina o sigilo da comunicação de dados, que não se confunde com os dados armazenados no computador. O que se protege é a conversa, não os documentos em pastas virtuais. Os dados gravados são como arquivos que poderiam estar em um armário. Esta distinção foi realizada pelo Supremo Tribunal Federal:

EMENTA: I. Decisão judicial: fundamentação: alegação de omissão de análise de teses relevantes da Defesa: recurso extraordinário: descabimento. Além da falta do indispensável prequestionamento (Súmulas 282 e 356), não há violação dos artigo 5º, LIV e LV, nem do artigo 93, IX, da Constituição, que não exige o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas apresentadas pelas partes, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão; exige, apenas, que a decisão esteja motivada, e a sentença e o acórdão recorrido não descumpriram esse requisito (v.g., RE 140.370, 1ª T., 20.4.93, Pertence, DJ 21.5.93; AI 242.237 - AgR, 1ª T., 27.6.00, Pertence, DJ 22.9.00). II. Quebra de sigilo bancário: prejudicadas as alegações referentes ao decreto que a determinou, dado que a sentença e o acórdão não se referiram a qualquer prova resultante da quebra do sigilo bancário, tanto mais que, dado o deferimento parcial de mandado de segurança, houve a devolução da documentação respectiva. III. Decreto de busca e apreensão: validade. 1. Decreto específico, que somente permitiu que as autoridades encarregadas da diligência selecionassem objetos, dentre aqueles especificados na decisão e na sede das duas empresas nela indicadas, e que fossem "interessantes à investigação" que, no caso, tinha pertinência com a prática do crime pelo qual foi efetivamente condenado o recorrente. 2. Ademais não se demonstrou que as instâncias de mérito tenham invocado prova não contida no objeto da medida judicial, nem tenham valorado qualquer dado resultante da extensão dos efeitos da decisão determinante da busca e apreensão, para que a Receita Federal e a "Fiscalização do INSS" também tivessem acesso aos documentos apreendidos, para fins de investigação e cooperação na persecução criminal, "observado o sigilo imposto ao fe ito". IV - Proteção constitucional ao sigilo das comunicações de dados - artigo 5º, XVII, da CF: ausência de violação, no caso. 1. Impertinência à hipótese da invocação da AP 307 (Pleno, 13.12.94, Galvão, DJU 13.10.95), em que a tese da inviolabilidade absoluta de dados de computador não pode ser tomada como consagrada pelo Colegiado, dada a interferência, naquele caso, de outra razão suficiente para a exclusão da prova questionada - o ter sido o microcomputador apreendido sem ordem judicial e a conseqüente ofensa da garantia da inviolabilidade do domicílio da empresa - este segundo fundamento bastante, sim, aceito por votação unânime, à luz do artigo 5º, XI, da Lei Fundamental. 2. Na espécie, ao contrário, não se questiona que a apreensão dos computadores da empresa do recorrente se fez regularmente, na conformidade e em cumprimento de mandado judicial. 3. Não há violação do artigo 5º. XII, da Constituição que, conforme se acentuou na sentença, não se aplica ao caso, pois não houve "quebra de sigilo das comunicações de dados (interceptação das comunicações), mas sim apreensão de base física na qual se encontravam os dados, mediante prévia e fundamentada decisão judicial". 4. A proteção a que se refere o artigo5º, XII, da Constituição, é da comunicação 'de dados' e não dos 'dados em si mesmos', ainda quando armazenados em computador. (cf. voto no MS 21.729, Pleno, 5.10.95, red. Néri da Silveira - RTJ 179/225, 270). V - Prescrição pela pena concretizada: declaração, de ofício, da prescrição da pretensão punitiva do fato quanto ao delito de frustração de direito assegurado por lei trabalhista (C. Penal, arts. 203; 107, IV; 109, VI; 110, § 2º e 114, II; e Súmula 497 do Supremo Tribunal). (RE 418416, Relator(a):  Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 10/05/2006, DJ 19-12-2006 PP-00037 EMENT VOL-02261-06 PP-01233).

Por meio do “Internet Protocol” – IP é possível identificar o proprietário e o endereço onde esta instalado o computador (dados e qualificações), os quais, de acordo com o Superior Tribunal de Justiça, não estão amparados pelo sigilo, e nem tampouco pelo direito à intimidade. Em razão disso, não se faz necessária a autorização judicial. Trata-se de uma ferramenta eficaz para individualizar o agente que se utilizou do ambiente virtual para praticar crimes:

HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. CRIMES CONTRA A HONRA.PROVA ILÍCITA. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. A simples titularidade e o endereço do computador do qual partiu o escrito criminoso não estão resguardados pelo sigilo de que cuida o inciso XII do artigo 5º da Constituição da República, nem tampouco pelo direito à intimidade prescrito no inciso X, que não é absoluto. 2. É legítima a requisição do Presidente do Superior Tribunal de Justiça à empresa de telefonia local de informações sobre mensagem eletrônica amplamente divulgada, dando conta da existência de fraude em concurso público para provimento de cargos efetivos do quadro de pessoal do próprio Tribunal a que preside, cuja honorabilidade restou afetada. 3. A complementação de diligência pela autoridade policial não requisita forma sacramental, senão o exame da legalidade da ordem primitiva. 4. Ordem denegada.(HC 83338/DF, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 29/09/2009, DJe 26/10/2009).

Eventual reconhecimento judicial de ilicitude da violação da comunicação telefônica acarreta em exclusão / desentranhamento da prova dos autos (inadmissibilidade das provas ilícitas – Constituição Federal, artigo 5º, LXI e Código de Processo Penal, artigo 157), salvo se favorável ao acusado, porque interessa mais a proclamação da inocência que a preservação da intimidade. Se a interceptação era a única prova de autoria ou de materialidade, haverá ausência de justa causa para a ação penal, o que importará no reconhecimento da rejeição da denúncia ou queixa (Código de Processo Penal, artigo 395, inciso III). Caso existam outras provas lícitas de autoria e materialidade e independentes da interceptação ilícita, o processo continuará válido, pois continua havendo justa causa para a ação penal. Assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PECULATO E LAVAGEM DE DINHEIRO.PLEITO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ORDEM DENEGADA NA ORIGEM. ÓRGÃO COLEGIADO. COMPOSIÇÃO MAJORITÁRIA POR JUÍZES CONVOCADOS. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. CONVOCAÇÃO QUE ATENDE À CONSTITUIÇÃO FEDERAL E À LEI FEDERAL. NULIDADE DA PROVA QUE FUNDAMENTA A ACUSAÇÃO. INEXISTÊNCIA. DIÁLOGO ENTRE CORRÉUS GRAVADO EM COMPUTADOR, REGULARMENTE APREENDIDO. PRESENÇA DE OUTROS ELEMENTOS INDICIÁRIOS. FALTA DE JUSTA CAUSA NÃO EVIDENCIADA DE PLANO. ORDEM DENEGADA. 1. (...). 2. (...). 3. Acolher a alegação de ausência de elemento material indiciário que justifique a pretensão punitiva da denúncia, requer um exame acurado do conjunto fático-probatório, uma vez que tal questão não se encontra evidenciada de forma  inequívoca nos autos, afigurando-se, pois, incabível na via estreita do habeas corpus trancar a ação penal.

4. Eventual nulidade da gravação ambiental da conversa realizada por um dos corréus, sem o conhecimento do outro, não teria o condão de acarretar a inépcia da denúncia, uma vez que a exordial está embasada em diversos outros elementos indiciários, como provas documentais relativas às pessoas físicas e jurídicas envolvidas nas investigações e degravações de interceptações telefônicas, obtidas mediante autorização judicial.

5. Ordem denegada.(HC 117537/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 22/06/2010, DJe 02/08/2010).


4 NATUREZA JURIDICA

A captação de conversa telefônica é uma providência cautelar, necessariamente realizada inaudita altera pars, cujo objetivo é a obtenção de provas, que se materializa num documento (transcrição) ou num depoimento, e, com isso, afastar o princípio da presunção de inocência, que é relativo. Consistirá em medida cautelar preparatória se autorizada durante a investigação criminal. Do contrário, caso a ordem judicial ocorra no período da instrução processual penal, configurará a medida cautelar incidental.

Sendo medida cautelar, a autorização judicial para a interceptação deverá estar motivada nos pressupostos gerais de toda cautelar, ou seja, no fumus boni iuris e no periculum in mora. Este se consubstancia na necessidade de a conversa telefônica ser colhida enquanto se desenvolve, sob pena de perder-se a prova. Deve-se demonstrar que a sua realização é necessária; aquele restará configurado quando presentes indícios de autoria ou participação em crimes punidos com reclusão e probabilidade de existência de uma infração penal (autoria e materialidade). A brilhante aula de GOMES (2010, p. 462) é digna de exposição:

Já vimos que a interceptação telefônica é medida cautelar preparatória (quando concretizada na fase policial) ou incidental (se realiza em juízo, durante a instrução). Sendo providência “cautelar”, não existe a menor dúvida de que está sujeita aos pressupostos (requisitos) básicos de toda medida cautelar, que são: fumus boni iuris (aparência de um bom direito), que deve ser traduzido no direito criminal como fumus delicti comissi, e periculum in mora (perigo ou risco que deriva da demora em se tomar uma providência para a salvaguarda de um direito ou interesse). Como forma de coação processual que são representativas de atividade cautelar, para a autorização das interceptações telefônicas o juiz não pode jamais olvidar o requisito indispensável do fumus boni iuris (fumus delicti comissi – cometimento de um delito).


5 REQUISITOS

Os requisitos necessários para a obtenção de uma ordem judicial que permita a interceptação telefônica estão dispostos no artigo 2° da Lei 9.296/96, o qual é muito criticado pela doutrina devido à utilização da redação negativa:

Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:

I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;

II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;

III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção. 

Parágrafo único. Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.

Em decorrência desse artigo FILHO (1996, p. 14) e AVOLIO (2010, p. 226-227) lastimam, respectivamente, que:

O artigo 2º da Lei n. 9.296 optou por duplamente lamentável redação negativa, enumerando os casos em que não será admitida a interceptação, em vez de indicar taxativamente os casos em que será ela possível. Lamentável porque a redação negativa sempre dificulta a intelecção da vontade da lei e mais lamentável ainda porque pode dar a entender que a interceptação seja a regra, ao passo que, na verdade, a regra é o sigilo e aquela, exceção.

Ao invés de indicar claramente em que casos e mediante quais requisitos ocorrerá a interceptação telefônica, optou o legislador pela formulação negativa, ou seja, previu apenas as hipóteses em que interceptação “não será admitida”. Esse “método por exclusão”, utilizado com relação à fiança, além de não se revelar de boa técnica legislativa, não se presta aos fins propostos pelo texto constitucional.

O primeiro dos requisitos arrolados diz respeito aos indícios razoáveis de autoria ou participação em fato delituoso (fumus boni iuris ou fumus comissi delicti – autoria e materialidade), que é diferente de certeza de autoria ou participação, neste caso ocorre a condenação se presente os demais requisitos para tal (fato típico, ilícito e culpável). Logo, a interceptação telefônica nunca poderá ser a prova inicial, pois é dependente de indícios previamente investigados, ou melhor, já deve ter ocorrido uma investigação prévia, na qual já foram colhidas algumas provas, sendo a captação telefônica simplesmente um reforço. Não basta a mera suspeita para que a autoridade judiciária autorize a medida, sendo necessária à confirmação do fumus boni iuris. O professor AVOLIO (2010, p. 227) relata que:

A existência de indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal (inc. I) constitui requisito geral das medidas cautelares, o fumus boni iuris, referindo-se a autoria ao agente e a infração penal à sua materialidade. Nem precisaria, ser enunciado como pré-requisito das interceptações telefônicas, pois seria difícil imaginar que um juiz deferisse provimento dessa natureza sem respaldo num princípio de prova. Assim, não poderia ser deferida a interceptação para iniciar uma investigação...

GOMES (2010, p. 463) defende que a interceptação pode ser o primeiro ato de investigação, senão vejamos:

... Às vezes nenhum ato de investigação foi praticado e, mesmo assim, já conta a autoridade policial com indícios razoáveis (a notícia acaba de chegar, já com indícios suficientes). Nesse caso, a interceptação pode ser o primeiro ato de investigação (formal)...

É impossível a realização de interceptação para averiguar se um indivíduo esta ou não envolvido em algum possível crime, uma vez que a medida cautelar só é admitida após o cometimento da infração, ou seja, esta é obrigatoriamente antes daquela (pós delitual). A possibilidade de existência de um fato penalmente relevante deve estar consubstanciada em provas inequívocas de materialidade. Ademais, somente quando se vislumbra viabilidade real de punição é que se deve autorizar a interceptação telefônica.

 O segundo requisito esclarece que a interceptação telefônica só pode ser admitida quando inexistentes, à época da autorização, outros meios idôneos disponíveis para a investigação da infração e respectiva autoria (periculum in mora – indispensabilidade do meio de prova). A interceptação deve ser o único meio possível de se obter a prova. Outros meios disponíveis são os postos à disposição do magistrado, no momento da solicitação, que possam alcançar resultado equivalente. Sendo viável a prova testemunhal ou pericial não se deve autorizar a captação. Ainda que, posteriormente se demonstre a existência de outros meios possíveis, será legitima a captação telefônica desde que desconhecidos pelo juiz, salvo quando evidenciada a má fé da autoridade que solicitou a produção da prova, omitindo do magistrado os outros meios existentes. Nas palavras de GOMES (2010, p. 465): “É evidente o caráter rebus sic stantibus da decisão, isto é, passada a “urgência”, pode ser que se descubra, depois da interceptação, que haviam outros meios disponíveis. Mas se não eram evidentes no momento da decisão, será valida”. Logo, a interceptação telefônica não é a regra, mas meio excepcional de prova, a ultima ratio dos meios probatórios. Sobre o assunto, a lição de STRECK (1996, p. 4):

(...) outros meios disponíveis não são os que, materialmente, a autoridade policial tenha à sua disposição, mas sim, os meios legais processuais. Caso contrário, a alegação da polícia de que não tem ‘outro meio disponível’ (p. ex.: falta de peritos etc.), já será bastante para o deferimento da escuta, que, convenhamos, viria a solapar a lei e a Constituição.

A Lei n. 9.296/96 exige, ainda, que o fato investigado seja apenável com reclusão para que a medida cautelar possa ser deferida judicialmente. Assim, nos crimes cuja pena imposta é de detenção e nas contravenções penais não poderá ser determinada a interceptação telefônica. É a pena, portanto, que delimita o âmbito de admissibilidade da captação telefônica.

A crítica em relação ao inciso III, artigo 2° da Lei 9.296/96, refere-se à extensão e limitação do critério legal utilizado. Quanto à primeira, o dispositivo legal possibilita a captação telefônica em todos os crimes punidos com reclusão, o que é um evidente excesso, devido à flagrante violação do princípio da proporcionalidade, eis que somente diante excepcional gravidade de certas infrações ou da forma de execução, é que se justificaria a intromissão nas conversações telefônicas. O Procurador Geral de República, em manifestação na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.112, se posicionou no sentido de que o critério legal da pena de reclusão, para fins de interceptação telefônica, é razoável e proporcional. Em relação à segunda crítica, a Lei em estudo impede a interceptação em casos que demandam este tipo de prova, como na ameaça ou injúria praticadas por telefone, já que estes são punidos com detenção. Veja a incongruência: será lícita a gravação telefônica realizada pelo interlocutor vítima de ameaça; mas não será admitida, de acordo com a legislação, a prova advinda de interceptação telefônica autorizada pelo magistrado nesta mesma situação. Para os professores MENDES, COELHO; BRANCO (2007, p. 612): “Deve o juiz estar atento às circunstâncias específicas de cada caso, para, procedendo ao exame de proporcionalidade, justificar a admissibilidade ou não de interceptação telefônica”.

Na hipótese de crime de responsabilidade, a sanção prevista é a perda do cargo, o que torna inviável a interceptação telefônica nesse tipo de infração, salvo se houver infração comum correspondente punida com reclusão, quando não existirá nenhum obstáculo para a decretação. Há entendimento contrário, exposto por STRECK (1996, p. 10-11), sob o fundamento de que a lei visa punir a macrocriminalidade. Assim, diante da gravidade de todos os delitos de responsabilidade, seria possível autorizar a captação telefônica.

Se durante a investigação criminal for realizada a captação telefônica visando apurar suposto crime punido com reclusão, mas diante do material colhido, entender-se que na verdade se trata de infração punida com detenção, a prova colhida, em relação ao último delito, só pode valer como noticia criminis, jamais como meio probatório. Nesse sentido, GOMES (2010, p. 470): “Se no curso de uma interceptação que apura uma infração punida com detenção (esse é um caso de serendipidade), essa prova (em relação ao último delito) só pode valer como noticia ciminis (não como meio probatório)”.

Na apuração de crime contra a ordem tributária, dentre eles a sonegação de tributo, além dos requisitos supracitados, o Superior Tribunal de Justiça entende que só será admissível a autorização judicial para a interceptação telefônica ou telemática se houver o lançamento definitivo do tributo, isto é, a existência do crédito tributário (imposto a ser pago - condição absolutamente indispensável):

HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. SONEGAÇÃO. INTERCEPTAÇÃO DE COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS E DE INFORMÁTICA. INEXISTÊNCIA DE TRIBUTO EM CONCRETO. IMPOSSIBILIDADE DE INICIAR-SE A PERSECUÇÃO PENAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. OCORRÊNCIA. 1. A existência do crédito tributário é condição absolutamente indispensável para que se possa dar início à persecução penal pela prática de delito dessa natureza. O lançamento definitivo do tributo é condição objetiva de punibilidade dos crimes definidos no artigo 1º, da Lei 8.137/90. 2. A autorização judicial para quebra do sigilo das comunicações telefônicas e telemáticas, para o efeito de investigação de crime de sonegação de tributo, é ilegal se deferida antes de configurada a condição objetiva de punibilidade de delito. Constrangimento ilegal verificado. 3. Não se pode entender "na esfera da oportunidade e da conveniência" da Polícia ou do Ministério Público a investigação de conduta NÃO PUNÍVEL - ou não punível enquanto não se cumprir a condição legal para o aperfeiçoamento da punibilidade, sob pena de ferir de morte a segurança jurídica, signo do Estado Democrático de Direito. 4. O emprego de qualquer meio para a prática da sonegação somente adquire relevo, do ponto de vista da tipicidade das condutas descritas no artigo 1º, da Lei 8.137/90, se houver imposto a ser pago. A própria tentativa - realização incompleta da conduta típica - está irremediavelmente adstrita à condição de existência do tributo em concreto.

5. (...). (HC 57624/RJ, Rel. Ministro PAULO MEDINA, SEXTA TURMA, julgado em 12/09/2006, DJ 12/03/2007, p. 332)

O parágrafo único do artigo 2º da lei em exame impõe ao pedido de autorização da interceptação telefônica e a própria decisão que defere a solicitação (GOMES, 2010, p. 470 - 472) o dever de descrever com clareza o objeto da investigação, bem como a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada. A perfeita individualização do sujeito passivo é exigida em razão da impossibilidade de interceptação genérica, afinal estamos diante de uma medida cautelar excepcional e invasora de privacidade alheia.

A indicação do sujeito passivo esta atrelada a existência de indícios de autoria ou participação. Se porventura o juiz não tem condições de indicar o nome ou apelido do investigado, isso significa que o pressuposto do inciso I, artigo 2º da Lei 9.296/96 não está preenchido. Logo, não é caso de captação telefônica. É nesse sentido a obra de LIMA FILHO (p. 112):

(...) dessa forma, por força de princípio lógico, somos de opinião que a falta de indicação do investigado não poderá, em hipótese alguma, deixar de ser incluída no requerimento da autoridade solicitante da interceptação telefônica. Isto, sob pena de fazer-se, ilegalmente, perigosa e temerária investigação aleatória e que contraria o espírito da Lei e, sobretudo, da Constituição Federal.

Além da indicação, como já visto, a lei, preocupada com a correta individualização do sujeito passivo, prevê ainda a necessidade da qualificação (filiação, endereço, profissão, etc.), salvo impossibilidade manifesta, devidamente motivada. É desejo da lei que, ao decidir, o magistrado aponte as razões que o impossibilitaram de qualificar o sujeito passivo.

Urge também a indicação e correta individualização da linha telefônica (ou e-mail) que será interceptada, ou seja, é essencial apontar o número da linha investigada. Se durante a investigação houver necessidade de realizar a captação de conversas telefônicas de outras linhas, a autoridade solicitante deverá realizar novos pedidos para serem apreciados pelo judiciário.

O sigilo das comunicações telefônicas é dirigido ao indivíduo que realiza a comunicação, e não ao titular da linha telefônica. A lição de GRECO FILHO (2005, p. 29) é bastante clara:

“o sujeito passivo da interceptação é o interlocutor, e ao o titular formal ou legal do direito de uso, justificando-se a interceptação em face de alguém que se utiliza da linha ainda que não seja o seu titular. Daí a possibilidade de interceptação telefônica em linha pública, aberta ao público ou de entidade pública”.


6 LEGITIMIDADE

Segundo dispõe o artigo 3º da Lei 9.296/96, o único (exclusividade) legitimado para determinar a interceptação telefônica é o juiz competente para a ação penal. Logo, não pode fazê-lo, ainda que seja caso de urgência, o Ministério Público ou a autoridade policial. De outro lado, é possível verificar que a legislação optou pelo sistema de verificação judicial prévia da legalidade da interceptação telefônica, ou seja, o juiz irá verificar a existência dos pressupostos e, somente após, será determinada a captação:

 A interceptação das comunicações telefônicas poderá ser determinada pelo juiz, de ofício ou a requerimento:

I - da autoridade policial, na investigação criminal;

II - do representante do Ministério Público, na investigação criminal e na instrução processual penal.

O legislador se utilizou da expressão “... poderá ser determinada pelo juiz...”. A doutrina diverge se o juiz pode ou deve determinar a interceptação. PARIZATTO (1996, p. 37) entende que se trata de uma faculdade judicial, ou melhor, mesmo se preenchidos os requisitos legais, não há obrigatoriedade em deferir a solicitação de captação telefônica, que ficará a critério do magistrado competente. Em sentido contrário, GOMES (2010, p. 478) defende que, se for constatada a subsunção da situação fática aos pressupostos legais, a autoridade judiciária estará obrigada a acolher a postulação de violação da comunicação telefônica. A expressão poderá tem o sentido de que incumbe ao magistrado proceder à constatação fática e jurídica do que se lhe pede.

São legitimados para requerer a interceptação telefônica: a) a autoridade policial, por meio de representação, apenas na fase da investigação criminal. Nesse caso, a lei não exige a prévia manifestação do Ministério Público, embora seja recomendável; b) o representante do Ministério Público, tanto na fase investigatória como na fase judicial. Em que pese existir controvérsia se o Ministério Público pode ou não presidir investigação, o Superior Tribunal de Justiça entende que esta instituição pode pedir a interceptação telefônica em investigação que ela está presidindo; c) o querelante, por meio de representação, uma vez equiparado à figura do promotor de justiça, por ser autor / titular na ação penal privada e tem o ônus de provar a acusação. Se a prova só puder ser obtida por captação telefônica, proibir o querelante de requerer a interceptação significa a violação do contraditório e do devido processo legal; d) o advogado de defesa, em respeito à busca da verdade real, para comprovar a inocência do acusado, por constituir o direito de defesa garantia constitucional oponível à intimidade do terceiro:

PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. CONCUSSÃO E PECULATO. DELITOS COMETIDOS SUPOSTAMENTE POR AGENTE PÚBLICO. DADOS OBTIDOS EM INQUÉRITO POLICIAL. BUSCA E APREENSÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE PARA PROCEDER À INVESTIGAÇÃO. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS INCISOS XI E XII DO ARTIGO 5º DA CF/88. INEXISTÊNCIA.  LEI Nº 9.296/96. ORDEM DENEGADA.

1. A teor do disposto no artigo 129, VI e VIII, da Constituição Federal, e nos artS. 8º, II e IV, da Lei Complementar nº 75/93, e 26 da Lei nº 8.625/93, o Ministério Público, como titular da ação penal púbica, pode proceder às investigações e efetuar diligências com o fim de colher elementos de prova para o desencadeamento da pretensão punitiva estatal, sendo-lhe vedado tão somente realizar e presidir o inquérito policial. 2. Ademais, o requerimento de busca e apreensão e seu acompanhamento direto pelo Ministério Público, assim como qualquer outro pedido destinado ao esclarecimento dos fatos, se insere no âmbito normal de atuação do Parquet, conforme se depreende da leitura dos arts. 47 e 242 do Código de Processo Penal, não havendo, portanto, que se falar em violação ao princípio da legalidade. (...) (HC 33.682/PR, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 16/04/2009, DJe 04/05/2009)

E M E N T A: "HABEAS CORPUS" - CRIMES DE ROUBO, EXTORSÃO E USURA PECUNIÁRIA - ENVOLVIMENTO, EM REFERIDAS PRÁTICAS DELITUOSAS, AO LADO DE OUTROS AUTORES, DE EX-POLICIAL CIVIL - POSSIBILIDADE DE O MINISTÉRIO PÚBLICO, EM TAL HIPÓTESE, FUNDADO EM INVESTIGAÇÃO POR ELE PRÓPRIO PROMOVIDA, FORMULAR DENÚNCIA CONTRA REFERIDOS AGENTES - VALIDADE JURÍDICA DESSA ATIVIDADE INVESTIGATÓRIA - CONDENAÇÃO PENAL IMPOSTA ÀS PESSOAS INVESTIGADAS - LEGITIMIDADE JURÍDICA DO PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - MONOPÓLIO CONSTITUCIONAL DA TITULARIDADE DA AÇÃO PENAL PÚBLICA PELO "PARQUET" - TEORIA DOS PODERES IMPLÍCITOS (...) (HC 85419, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 20/10/2009, DJe-223 DIVULG 26-11-2009 PUBLIC 27-11-2009 EMENT VOL-02384-02 PP-00252)

PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO DE HABEAS CORPUS. ESTELIONATO. PATROCÍNIO INFIEL. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. QUADRILHA. MINISTÉRIO PÚBLICO. INVESTIGAÇÃO. DENÚNCIA. INÉPCIA. PROVAS ILÍCITAS. NULIDADE. I – A prática diretamente de atos investigatórios isolados por membro do Ministério Público, tais como a oitiva de testemunhas ou pedido de interceptação telefônica ao juízo, não gera, por si só, nulidade da ação penal. II – Se a exordial acusatória apresenta narrativa que se ajusta ao modelo típico de conduta proibida, não há como reconhecê-la como inepta. III – Conquanto não se admitam, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos, assim como as delas derivadas, não se tem como nulo o processo se não restou caracterizado um nexo de desdobramento entre a prova ilícita e o oferecimento da denúncia, mormente se há outros elementos probatórios, obtidos licitamente, que podem, em tese, dar sustentação ao decreto condenatório. Recurso desprovido. (RHC 10974/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 26/02/2002, DJ 18/03/2002, p. 273)

ROSSETTO (2009, p.188) entende pela impossibilidade do titular da ação penal privada realizar o pedido diretamente ao magistrado:

Na ação penal privada é possível a interceptação telefônica, desde que obedecidos os requisitos já mencionados. Para tanto, deve o ofendido requerer a medida por simples petição à autoridade policial ou ao Ministério Público, os quais deverão requerer o deferimento da medida ao juiz competente para julgar a ação principal.

A vítima e o assistente de acusação, de acordo com a Lei n. 9.296/96, na ação penal pública, não podem solicitar a autorização de captação de conversa telefônica diretamente ao magistrado, mas nada os impede de sugerir à autoridade policial ou ao representante Ministério Público, para que estes sim requeiram a diligência diretamente. Em relação ao assistente de acusação, RANGEL (2000, internet) e NUCCI (2008, p. 728) têm compreensão diversa, respectivamente:

Pensamos que a hipótese se encaixa perfeitamente no artigo 271 do CPP quando diz: ... propor meios de prova... Ora, se pode propor meios de provas porque não propor a interceptação telefônica que é um meio de prova reconhecido pelas própria lei?

Assim, mesmo no (aparente) silêncio da lei, entendemos possível ao assistente de acusação requerer a medida, pois a omissão do legislador não poderá levar o intérprete a deixar de aplicar a analogia ou os princípios gerias do direito, sempre nos exatos limites estabelecido nos arts. 4º da LICC e 126 do CPC.

Pensamento poder, igualmente, pleitear diretamente ao juiz a realização da prova..., pois é direito do assistente de acusação propor ao magistrado meios de prova, não devendo haver filtro algum entre ele e o condutor da instrução criminal (o juiz, na fase do processo) ou o fiscalizador da investigação policial (igualmente o magistrado, na fase do inquérito).

A legislação permite o juiz decrete de “ofício” interceptação telefônica nas fases de investigação criminal e de instrução processual penal. No entanto, parte da doutrina entende que o caput do artigo 3º da Lei 9.296/96 é inconstitucional no ponto que autoriza o juiz a decretar interceptação de ofício na fase das investigações, pois cria a figura do juiz inquisidor, investigador, violando o sistema acusatório do processo, o princípio da imparcialidade do juiz, da inércia de jurisdição e o devido processo legal. Na ação direta de inconstitucionalidade n. 3.450, a procuradoria-geral da república se manifestou pela procedência do pedido, a fim de que seja declarada a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do artigo 3º da Lei n. 9.296/96, excluindo-se a interpretação que permite ao juiz, durante a fase pré-processual penal, determinar de ofício a violação das comunicações telefônicas. No mesmo sentido, GOMES (2010, p. 484):

(...) seja porque viola o processo acusatório, que tem incontestável assento constitucional, seja porque retira do juiz a necessária imparcialidade que, para além de representar uma importante garantia, é nota essencial da jurisdição, no nosso entender, é absolutamente inconstitucional a determinação da interpretação telefônica pelo juiz de ofício na fase pré-processual

Com entendimento contrário, AVOLIO (2010, p. 238) afirma que:

Poderia fazê-lo durante a fase do inquérito policial? Penso que sim, pois não vislumbro aí a figura do juiz inquisidor, o processo cautelar pode ser utilizado sempre que necessário, e não ficaria o juiz impassível diante de eventual inércia do Ministério Público ou da autoridade policial. O que o juiz não pode, por força do princípio da inércia da jurisdição, é iniciar a investigação ou a ação penal. Mas tendo-se deflagrado o inquérito, se pode ele o mais (decretar a prisão provisória), também poderia determinar diligência probatória, de cunho cautelar.

No bojo da ação penal, a maioria dos doutrinadores entende pela inexistência de inconstitucionalidade, pois o magistrado estaria utilizando-se do poder geral de cautela em busca da verdade real e nos moldes do sistema do livre convencimento. Distinguindo a fase pré-processual da processual, para análise da possibilidade da captação de ofício, o professor RANGEL (2000, internet) preleciona:

Assim, devemos ressaltar que o Juiz não deve conceder de ofício a medida cautelar preparatória, pois esta deverá ser requerida pelo Ministério Público (dominus littis) ou mediante representação da autoridade policial, pois pelo sistema acusatório, adotado entre nós, o Juiz foi afastado da persecução penal. Porém, nada obsta, que a medida cautelar incidental (adotada no curso do processo) possa ser deferida pelo Juiz de ofício em nome do princípio da verdade real e de acordo com o sistema do livre convencimento. Pois, se sustentarmos tese contrária, o Juiz também não mais poderia decretar medida cautelar pessoal de ofício (prisão preventiva) ou medida cautela real (busca e apreensão).

Assim, fazemos distinção: no curso do inquérito policial não pode (e não deve) o Juiz decretar a medida de ofício, porém no curso do processo nada obsta que o faça em nome dos postulados acima mencionados.

GOMES (2010, p. 484) faz ressalvas a este posicionamento, por acreditar que:

(...) no que diz respeito à fase processual, impõe-se a estrita observância do artigo 156 do CPP, II, que só autoriza ao juiz uma atividade probatória supletiva, complementar, nunca desencadeante da colheita da prova, em busca da descoberta da autoria ou materialidade de qualquer crime. O juiz atua de ofício, mas suplementarmente (quando haja necessidade para o aclaramento de algum ponto controvertido relevante). Mesmo quando atua suplementarmente, não pode o juiz ter como único escopo a busca de provas para condenar o réu, visto que, nesse caso, estaria atuando como órgão acusador.

A decisão judicial que indefere a solicitação de violação a captação telefônica elaborada pela autoridade policial é irrecorrível, porque não há previsão na legislação processual de recurso de Delegado de Polícia contra ato de juiz, salvo como parte propriamente dita. Por outro lado, se o magistrado indeferir o pedido do Ministério Público, seja na fase investigatória, seja na instrução processual, somente será pertinente o mandado de segurança. O direito líquido e certo se consubstancia no direito do titular da ação penal realizar a persecução criminal. A apelação é inviável, pois não se trata de decisão de mérito, não é definitiva e nem põe fim ao processo, além de que seria um contra senso chamar o investigado ou acusado para apresentar contra razões ao recurso. O recurso em sentido estrito também não é aceitável, já que não se trata de uma das situações do artigo 581 do Código de Processo Penal (rol taxativo).

A decisão que defere a interceptação telefônica é atacável mediante habeas corpus, a fim de debater a legalidade da medida cautelar. Ocorre que, se a legalidade da captação não for arguida na instância inferior, não poderá ser discutida na instância superior, sob pena de supressão de instância. Este é o entendimento do Supremo Tribunal Federal:

DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. SUPERVENIÊNCIA DO JULGAMENTO DO MÉRITO DO HC NA INSTÂNCIA ANTERIOR. PRELIMINAR DE MÉRITO NÃO CONHECIDA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. DECRETO DE PRISÃO PREVENTIVA SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO. PROCESSO COMPLEXO. INEXISTÊNCIA DE EXCESSO DE PRAZO PARA O ENCERRAMENTO DA INSTRUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS CONHECIDO EM PARTE. ORDEM DENEGADA. 1. A questão de direito tratada neste habeas corpus refere-se à suposta ausência dos fundamentos concretos necessários para a decretação da prisão preventiva do paciente e do alegado excesso de prazo em sua custódia cautelar. 2. A superveniência do julgamento do mérito do habeas corpus pela instância anterior torna prejudicado o presente writ. Ainda que superado tal óbice, a hipótese é de denegação da ordem. 3. A preliminar de mérito suscitada pelo impetrante, referente à nulidade da interceptação telefônica, não foi apreciada no julgamento do Superior Tribunal de Justiça, e conhecê-la nesta Corte configuraria supressão de instância. 4. A prisão preventiva do paciente foi decretada para a garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal e aplicação da lei penal. 5. A decisão que decretou a prisão preventiva do paciente foi suficientemente fundamentada, estando de acordo com os requisitos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal e com a jurisprudência da Corte. 6. Consta dos autos que, na ação a que responde o paciente, foram denunciadas 35 (trinta e cinco) pessoas, o que por si só torna a instrução processual bastante mais complicada. 7. Conforme se infere dos autos, trata-se de ação penal complexa que justifica eventual dilação no prazo para se encerrar a instrução processual, haja vista que a razoável duração do processo (CF, artigo 5°, LXXVIII), logicamente, deve ser harmonizada com outros princípios e valores constitucionalmente adotados no Direito brasileiro, não podendo ser considerada de maneira isolada e descontextualizada do caso relacionado à lide penal que se instaurou a partir da prática dos ilícitos. 8. Habeas corpus conhecido em parte, para denegar a ordem. (HC 97542, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 24/11/2009, DJe-237 DIVULG 17-12-2009 PUBLIC 18-12-2009 EMENT VOL-02387-05 PP-00764)


7 PROCEDIMENTO

O pedido de captação de conversa telefônica esta condicionado, além dos requisitos indicados nos precedentes dispositivos (indícios de autoria ou participação; provas da materialidade do delito; a inexistência de outro meio disponível de realizar a prova; que se trata de infração punida com reclusão; descrição clara da situação objeto da investigação; indicação e, se possível, qualificação do sujeito passivo da medida cautelar; qual a linha telefônica, e-mail ou outro identificador será interceptado e; a duração da captação), a demonstração de que a sua realização é necessária à apuração do crime e a indicação dos meios a serem empregados para a concretização da violação, conforme esclarece o artigo 4° da Lei 9.296/96:

O pedido de interceptação de comunicação telefônica conterá a demonstração de que a sua realização é necessária à apuração de infração penal, com indicação dos meios a serem empregados.

§ 1° Excepcionalmente, o juiz poderá admitir que o pedido seja formulado verbalmente, desde que estejam presentes os pressupostos que autorizem a interceptação, caso em que a concessão será condicionada à sua redução a termo.

§ 2° O juiz, no prazo máximo de vinte e quatro horas, decidirá sobre o pedido.

A demonstração de necessidade da violação do sigilo telefônico esta atrelada ao periculum in mora disposto no inciso II, do artigo 2º da Lei em estudo. Esta ficará evidenciada com: o risco de, se nada for feito, deixar de tutelar um direito; a necessidade de colher a prova enquanto se desenvolve a comunicação, sob pena de perdê-la e; inexistência de outro meio disponível. O solicitante deve expor ao magistrado todo material necessário para demonstrar tal necessidade, caso contrário, o pedido será indeferido.

Cabe, ainda, ao requerente apresentar os meios que serão empregados para concretizar a captação telefônica, ou seja, que tipo de aparelho ou tecnologia será utilizado; como funcionam; se será necessária ou não a intervenção das concessionárias de serviços públicos, entre outros.

A regra é que o pedido seja formulado por escrito, mas, excepcionalmente, em caso de “extrema urgência”, o pedido poderá ser formulado verbalmente. Ao mesmo tempo, o juiz, apesar da celeridade exigida, deve ser ainda mais cauteloso na verificação dos pressupostos legais autorizadores, devido a excepcionalidade que cerca a medida cautelar de interceptação telefônica. Ao final, solicitação verbal acaba adquirindo forma escrita, pois o magistrado deverá reduzi-la a termo se vislumbrar a possibilidade de deferimento, a fim de materializar os “autos apartados”. Isso não significa que o juiz permitirá a captação de forma verbal.

O ordenamento jurídico determina que o juiz aprecie o pedido de interceptação telefônica no prazo máximo de 24 horas. Este deve ser contado minuto a minuto, a partir do termo de conclusão dos autos. A manifestação do Ministério Público, nos casos de requerimento da autoridade policial, não é uma exigência legal, mas se o magistrado achar conveniente deve colhê-la sempre respeitando o prazo legal. O juiz só poderá extrapolar o prazo se apresentar motivo justo, caso contrário, perderá seus vencimentos, tantos dias quantos forem os excedidos (Código de Processo Penal, artigo 801).

Para a Vice-Procuradora Geral da República e para o Advogado Geral da União, nas manifestações prolatadas na Ação Direita de Inconstitucionalidade n. 4.113, a extrapolação do prazo trata-se de mera irregularidade, por se tratar se prazo impróprio, senão vejamos

(...) se trata, aqui, do chamado prazo impróprio, cujo descumprimento não enseja consequência alguma para o processo. De modo que, especialmente em face de casos de maior complexidade, não há impedimento algum a que o juiz o extrapole.

(...) o prazo está em conformidade com a urgência da medida e, sob tal perspectiva, é absolutamente proporcional. (Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira / Vice-Procuradora-Geral da República).

É que tal norma não visa a impedir que o julgador avalie detidamente o pedido de interceptação. Na verdade, o preceito tem simplesmente o condão de possibilitar seja a decisão tomada em breve tempo, em homenagem à celeridade indispensável para o bom andamento das investigações, mas sem prejuízo de que se faça cuidadoso exame da matéria. Ademais, trata-se de típico prazo impróprio. Nada obsta que o magistrado analise o pedido e o defira fora de tal lapso temporal, sobremaneira porque o artigo 5º da Lei impugnada determina que a “decisão será fundamentada, sob pena de nulidade”.

Ora, esse prazo de 24 horas se justifica pela urgência da medida e necessária celeridade que se deve conferir à realização da interceptação das comunicações telefônicas, de modo a garantir a utilidade da medida cautelar requerida. Não se esqueça que por se tratar de medida cautelar está presente o periculum in mora, revelador de sua urgência e necessidade. Desproporcional seria se o legislador tivesse concedido prazo maior – ainda que naturalmente impróprio – que inviabilizasse a celeridade que a efetivação da medida exige (José Antonio Dias Toffoli / Advogado-Geral da União).

A legislação in comento, nos moldes do artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, determina que a decisão judicial que nega ou autoriza o pedido de interceptação telefônica há de ser fundamentada, sob pena de nulidade. Trata-se de uma característica comum dos julgamentos emanados dos órgãos do Poder Judiciário, devido a previsão constitucional acima citada. Veja:

Artigo 93 da CF. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

(...).

IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

Artigo 5º da Lei 9.296/96. A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de 15 (quinze) dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova.

A mera repetição dos termos legais da letra da lei e a motivação genérica / lacônica, desacompanhados da indicação de motivos concretos, não são consideradas fundamentação de decisão judicial que permite a captação telefônica. Contudo, o Superior Tribunal de Justiça entende suficientemente motivada a ordem judicial que faz referência expressa aos fundamentos utilizados pela autoridade policial ou pelo Ministério Público:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. 1. BUSCA E APREENSÃO. DECISÃO. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. OCORRÊNCIA. SIMPLES DETERMINAÇÃO DE EXPEDIÇÃO DOS MANDADOS. IMPOSSIBILIDADE. PROVA ILÍCITA. RECONHECIMENTO. 2. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO E INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. REFERÊNCIA EXPRESSA AOS MOTIVOS EXPOSTOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO E AUTORIDADE POLICIAL. SUFICIÊNCIA. 3. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. ULTRAPASSAGEM DO PRAZO LEGALMENTE PREVISTO. NÃO DEMONSTRAÇÃO. PROVA ILÍCITA. INOCORRÊNCIA. 4. ORDEM CONCEDIDA EM PARTE.

1. Ausente qualquer fundamentação na decisão que decretou a busca e a apreensão, determinando-se simplesmente a "expedição do mandado solicitado", é de reconhecer a ilicitude da prova produzida com a medida.

2. As decisões que decretaram a quebra do sigilo bancário e a interceptação telefônica, ao se remeterem expressamente aos fundamentos utilizados pelo Ministério Público e pela autoridade policial, restaram suficientemente motivadas.

3. Não demonstrado que a interceptação telefônica ultrapassou o prazo previsto em lei, não há que se falar em ilicitude da prova assim obtida.

4. Ordem concedida, em parte, apenas para declarar a ilicitude da prova produzida a partir da busca e da apreensão.

(HC 51586/PE, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 12/11/2007, DJe 05/05/2008).

A decisão judicial deverá conter: a) indicação da autoridade requerente; b) os concretos indícios de autoria ou de participação; c) materialidade da infração penal; d) infração punida com reclusão; e) a captação é necessária em virtude na inexistência de outros meios disponíveis para produzir a prova; f) descrição clara da situação fática objeto da investigação; g) indicação e, se possível, a qualificação do sujeito passivo; h) individualização da linha telefônica, nome do usuário, e-mail ou outro identificador; i) expressa vedação de interceptação de outros números não discriminados na decisão j) quais meios serão empregados; l) forma de execução da diligência; m) duração da medida; n) a intensidade da medida, ou seja, captação de todas as comunicações ou só das chamadas feitas ou só das recebidas; o) que a interceptação é proporcional ao caso concreto; p) que deve ser observado o segredo de justiça; q) nomes das autoridades policiais responsáveis pela investigação e que terão acesso às informações e; r) nomes dos funcionários do cartório ou secretaria responsáveis pela tramitação da medida e expedição dos respectivos ofícios.

Ademais, a Lei n. 9.296/96 indica o prazo máximo de 15 (quinze) dias para a conclusão da diligência. Tal limite é necessário por se tratar de uma medida que restringe um direito fundamental. O juiz, ao analisar o pedido de violação ao sigilo telefônico, deve fixar o tempo que reputar adequado para alcançar o objeto da medida cautelar, sempre respeitando o limite legal. O prazo se inicia do primeiro dia em que ocorrer a captação da comunicação.

O legislador permite uma única renovação da interceptação por igual período, desde que comprovada a indispensabilidade desse meio de prova. O pedido de dilação deve ser elaborado e deferido antes do limite máximo fixado na captação anterior, do contrário haverá interrupção (“solução de continuidade”). Este período desautorizado será nulo. Portanto, ao realizar a interpretação literal do texto normativo verifica-se o limite máximo de 30 dias para se concluir a diligência.

Porém, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça já se manifestaram indicando que a prorrogação pode ocorrer quantas vezes forem necessárias, desde que fundamentada (permanência dos pressupostos legais) a necessidade de cada renovação:

EMENTAS: (...). 4. PROVA. Criminal. Interceptação telefônica. Necessidade demonstrada nas sucessivas decisões. Fundamentação bastante. Situação fática excepcional, insuscetível de apuração plena por outros meios. Subsidiariedade caracterizada. Preliminares rejeitadas. Aplicação dos arts. 5º, XII, e 93, IX, da CF, e arts. 2º, 4º, § 2º, e 5º, da Lei nº 9.296/96. Voto vencido. É lícita a interceptação telefônica, determinada em decisão judicial fundamentada, quando necessária, como único meio de prova, à apuração de fato delituoso. 5. PROVA. Criminal. Interceptação telefônica. Prazo legal de autorização. Prorrogações sucessivas. Admissibilidade. Fatos complexos e graves. Necessidade de investigação diferenciada e contínua. Motivações diversas. Ofensa ao artigo 5º, caput, da Lei nº 9.296/96. Não ocorrência. Preliminar rejeitada. Voto vencido. É lícita a prorrogação do prazo legal de autorização para interceptação telefônica, ainda que de modo sucessivo, quando o fato seja complexo e, como tal, exija investigação diferenciada e contínua. 6. PROVA. Criminal. Interceptação telefônica. Prazo legal de autorização. Prorrogações sucessivas pelo Ministro Relator, também durante o recesso forense. Admissibilidade. Competência subsistente do Relator. Preliminar repelida. Voto vencido. O Ministro Relator de inquérito policial, objeto de supervisão do Supremo Tribunal Federal, tem competência para determinar, durante as férias e recesso forenses, realização de diligências e provas que dependam de decisão judicial, inclusive interceptação de conversação telefônica. 7. (...). (Inq 2424, Relator(a):  Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 26/11/2008, DJe-055 DIVULG 25-03-2010 PUBLIC 26-03-2010 EMENT VOL-02395-02 PP-00341)

HABEAS CORPUS PREVENTIVO. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS E LAVAGEM DE DINHEIRO. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE DA PROVA POR AUSÊNCIA DE RAZOABILIDADE DO PERÍODO DE DURAÇÃO DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA (1 ANO E 7 MESES) OU DO EXCESSIVO NÚMERO DE TERMINAIS OUVIDOS (50). INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA AUTORIZADA JUDICIALMENTE DE FORMA FUNDAMENTADA. PRORROGAÇÕES INDISPENSÁVEIS DIANTE DA EXTENSÃO, INTENSIDADE E COMPLEXIDADE DAS CONDUTAS DELITIVAS INVESTIGADAS E DO NÍVEL DE SOFISTICAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, COM RAMIFICAÇÕES NA AMÉRICA DO SUL, NA EUROPA E NOS ESTADOS UNIDOS. DESNECESSIDADE DA DEGRAVAÇÃO INTEGRAL DAS MÍDIAS E DE PERITOS ESPECIALIZADOS PARA TAL FIM. PRECEDENTES DO STJ E DO STF. PEQUENO PERÍODO (7 DIAS), EM QUE REALIZADA A ESCUTA SEM AMPARO DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL, AINDA QUE POR ERRO DA OPERADORA DE TELEFONIA. PROVA ILÍCITA. INDISPENSABILIDADE DO DESENTRANHAMENTO DO ÁUDIO E DA DEGRAVAÇÃO CORRESPONDENTE DOS AUTOS.

APLICAÇÃO DA TEORIA DA DESCOBERTA INEVITÁVEL PELO TRIBUNAL A QUO, EM HABEAS CORPUS, SEM PRÉVIA MANIFESTAÇÃO DO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU.

CONSTRANGIMENTO ILEGAL VERIFICADO, NO PONTO. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA, TÃO-SÓ E APENAS PARA DETERMINAR O DESENTRANHAMENTO DOS AUTOS E A DESCONSIDERAÇÃO PELO JUÍZO DO ÁUDIO E TRANSCRIÇÕES REFERENTES AO PERÍODO DE 05.01.2006 A 11.01.2006, POR AUSÊNCIA DE DECISÃO AUTORIZADORA DA MEDIDA. (...). (HC 152.092/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 08/06/2010, DJe 28/06/2010)

As últimas decisões do STJ têm demonstrado o início, portanto ainda minoritária, de uma mudança de entendimento a respeito das inúmeras renovações. Os argumentos utilizados são os seguintes: a) se a intenção da lei fosse permitir várias renovações, ela não teria utilizado a expressão “renovável por igual tempo”, no singular; b) normas que restringem direitos fundamentais devem ser interpretadas restritivamente, para que se restrinja o mínimo possível o direito excepcionado; c) a Constituição Federal, durante o estado de defesa, só permite restrição ao sigilo das comunicações telefônicas por até 60 dias (artigo 136, §1º, alínea “c” e §2º). Assim, não é razoável que em situações de normalidade a interceptação ultrapasse esse prazo e; d) viola o princípio da razoabilidade uma interceptação telefônica que dura 2 anos:

Comunicações telefônicas. Sigilo. Relatividade. Inspirações ideológicas. Conflito. Lei ordinária. Interpretações. Razoabilidade. 1. É inviolável o sigilo das comunicações telefônicas; admite-se, porém, a interceptação "nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer". 2. Foi por meio da Lei nº 9.296, de 1996, que o legislador regulamentou o texto constitucional; é explícito o texto infraconstitucional – e bem explícito – em dois pontos: primeiro, quanto ao prazo de quinze dias; segundo, quanto à renovação – "renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova".

3. Inexistindo, na Lei nº 9.296/96, previsão de renovações sucessivas, não há como admiti-las. 4. Já que não absoluto o sigilo, a relatividade implica o conflito entre normas de diversas inspirações ideológicas; em caso que tal, o conflito (aparente) resolve-se, semelhantemente a outros, a favor da liberdade, da intimidade, da vida privada, etc. É que estritamente se interpretam as disposições que restringem a liberdade humana (Maximiliano). 5. Se não de trinta dias, embora seja exatamente esse, com efeito, o prazo de lei (Lei nº 9.296/96, artigo 5º), que sejam, então, os sessenta dias do estado de defesa (Constituição, artigo 136, § 2º), ou razoável prazo, desde que, é claro, na última hipótese, haja decisão exaustivamente fundamentada. Há, neste caso, se não explícita ou implícita violação do artigo 5º da Lei nº 9.296/96, evidente violação do princípio da razoabilidade.  6. Ordem concedida a fim de se reputar ilícita a prova resultante de tantos e tantos e tantos dias de interceptação das comunicações telefônicas, devendo os autos retornar às mãos do Juiz originário para determinações de direito. (HC 76686/PR, Rel. Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 09/09/2008, DJe 10/11/2008).

Comunicações telefônicas (interceptação). Investigação criminal/instrução processual penal (prova). Limitação temporal (prazo). Lei ordinária (interpretação). Princípio da razoabilidade (violação). 1. É inviolável o sigilo das comunicações telefônicas, admitindo-se, porém, a interceptação "nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer". 2. A Lei nº 9.296, de 1996, regulamentou o texto constitucional especialmente em dois pontos: primeiro, quanto ao prazo de quinze dias; segundo, quanto à renovação, admitindo-a por igual período, "uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova". 3. Inexistindo, na Lei nº 9.296/96, previsão de renovações sucessivas, não há como admiti-las. Se não de trinta dias, embora seja exatamente esse o prazo da Lei nº 9.296/96 (artigo 5º), que sejam, então, os sessenta dias do estado de defesa (Constituição, artigo 136, § 2º) e que haja decisão exaustivamente fundamentada. Há, neste caso, se não explícita ou implícita violação do artigo 5º da Lei nº 9.296/96, evidente violação do princípio da razoabilidade. 4. Ordem concedida a fim de se reputar ilícita a prova resultante de tantos e tantos e tantos dias de interceptação das comunicações telefônicas, devendo os autos retornar às mãos do Juiz originário para determinações de direito. (HC 142045/PR, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), Rel. p/ Acórdão Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 15/04/2010, DJe 28/06/2010).

Sobre o tema, merece destaque a lição de GOMES (2010, p. 492-493):

Retornamos, assim, à proporcionalidade. A renovação, pela lei, só pode ocorrer uma vez. Fora disso, somente quando houver justificação exaustiva do excesso e quando a medida for absolutamente indispensável, demonstrando-se, em cada renovação, essa indispensabilidade. Justificando-se exaustivamente o excesso do prazo a prova ganha validade, mas esse excesso não pode ofender a razoabilidade. Uma vez cessada essa necessidade, a medida se transforma em interceptação por prospecção – deixa tudo correr para se saber se o sujeito está praticando algum delito – (que deve ser sancionada com a declaração de ilicitude).

Nos termos do artigo 6°, caput, da Lei n. 9.296/96, deferido o pedido, independentemente de quem o tenha elaborado, será incumbência da autoridade policial conduzir / presidir / organizar o procedimento de interceptação telefônica. O Superior Tribunal de Justiça já admitiu que a interceptação fosse conduzida pela Polícia Rodoviária Federal, com base nas funções de auxiliar na repressão e investigação de crimes dispostas no artigo 1º, inciso X, do Decreto 1.655/95 (HC 46.630/RJ, STJ), por órgãos compostos por policiais militares e civis e por órgão que não integra a polícia (HC 131836/RJ, STJ). Ao magistrado incumbe, tão-somente, decretar a medida e fiscalizá-la.

Deferido o pedido, a autoridade policial conduzirá os procedimentos de interceptação, dando ciência ao Ministério Público, que poderá acompanhar a sua realização. 

§ 1° No caso de a diligência possibilitar a gravação da comunicação interceptada, será determinada a sua transcrição.

§ 2° Cumprida a diligência, a autoridade policial encaminhará o resultado da interceptação ao juiz, acompanhado de auto circunstanciado, que deverá conter o resumo das operações realizadas.

§ 3° Recebidos esses elementos, o juiz determinará a providência do artigo 8°, ciente o Ministério Público.

Nos casos em que o próprio Ministério Público realiza a investigação, não há consenso doutrinário a respeito de quem deveria realizar o procedimento de interceptação. GOMES (2010, p. 493 - 494) e AVOLIO (2010, p. 246), respectivamente, demonstram tal divergência:

O Ministério Público, como se vê, não pode “conduzir” as operações de captação das comunicações. Essa é uma tarefa exclusiva da autoridade policial, que pode “requisitar serviços e técnicos especializados às concessionárias de serviço público” (artigo 7º).

A lei em comento optou por atribuir exclusivamente à autoridade policial a condução das investigações, com a possibilidade de o Ministério Público acompanhá-las. Ora, se podem requerer a interceptação o Delegado de Polícia na fase do inquérito e o Promotor Público tanto no curso do inquérito como no do processo penal (artigo 3º, I e II), não vislumbramos a razão de não se ter confiado a condução da diligência ao solicitante, seja a autoridade policial, seja o Ministério Público, conforme a fase das investigações que lhes está afeta. Assim, poderia o Ministério Público, se fosse o requerente da interceptação, conduzi-la segundo o seu critério, guardando-se, assim, harmonia com o sistema processual penal vigente, em que o órgão de acusação não fica adstrito às conclusões do inquérito policial, podendo empreender investigações por sua conta. O inquérito policial não é, outrossim, pressuposto necessário da ação penal. Ou seja, dispondo de provas suficientes a embasar a denúncia, o representante do Ministério Público pode dispensar a investigação policial.

Faria sentido, também, sob o aspecto prático, que o Ministério Público pudesse conduzir intelectual e materialmente a interceptação, dado o risco de “vazamentos” das informações colhidas no curso do inquérito ou do processo...

O Ministério Público deverá ser cientificado dos atos a fim de acompanhar a realização da captação telefônica, pois a instituição age como fiscal da lei e detém a titularidade da ação penal pública. O efetivo acompanhamento do parquet é facultativo. Os Tribunais Superiores entendem que a ausência de intimação do Ministério Público para acompanhar as diligências conduz a uma nulidade relativa, ou seja, se não acarretar prejuízo ao réu será lícita:

CRIMINAL. HC. EXTORSÃO MEDIDANTE SEQÜESTRO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. IRREGULARIDADES. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. LEGALIDADE DA PROVA. CONDENAÇÃO BASEADA EM OUTROS ELEMENTOS DO CONJUNTO PROBATÓRIO. BUSCA E APREENSÃO. MANDADO. EXISTÊNCIA. EXISTÊNCIA DE OUTROS DELITOS DE CARÁTER PERMANENTE. FLAGRANTE. ORDEM DENEGADA. I. A interceptação telefônica para fins de investigação criminal pode se efetivar antes mesmo da instauração do inquérito policial, pois nada impede que as investigações precedam esse procedimento. “A providência pode ser determinada para a investigação criminal (até antes, portanto, de formalmente instaurado o inquérito) e para a instrução criminal, depois de instaurada a ação penal.” II. Não carece de fundamentação a decisão que, embora sucintamente, autorizou a interceptação telefônica em conformidade com o disposto no artigo 5º da Lei 9.296/96, na medida em que demonstrada a sua indispensabilidade como meio de prova com a indicação da forma de execução da diligência, não superior a quinze dias. III. Não se anula o procedimento por ausência de intimação do Ministério Público para acompanhar as diligências, ante a ausência de comprovação de prejuízo à parte. IV. Tendo sido respeitado o sigilo das diligências, o fato da interceptação não ter operado em autos apartados não induz à nulidade do procedimento se a impetração não logrou êxito em demonstrar a ocorrência de qualquer prejuízo ao paciente advindo dessa irregularidade. V. Tratando-se de nulidade no Processo Penal, é imprescindível, para o seu reconhecimento, que se faça a indicação do prejuízo causado ao réu, o qual não restou evidenciado no presente caso. VI. Se a sentença se fundou em outros elementos do conjunto probatório, independentes e lícitos, não se reconhece a apontada imprestabilidade da interceptação telefônica para embasar a condenação, em especial quando tal prova não se mostra ilícita. VII. A busca domiciliar não pode vir desamparada de mandado judicial, do qual só se prescinde quando a diligência for realizada pessoalmente pela autoridade judicial. VIII. Hipótese em que o mandado judicial foi expedido, tendo sido constatado que as investigações não se limitavam ao crime de extorsão mediante seqüestro, mas a outros delitos de caráter permanente – dentre os quais o de formação de quadrilha -, cujos produtos de crime foram apreendidos na mesma oportunidade, ocasião em que o paciente acabou sendo preso em flagrante. IX. Ordem denegada. (HC 43234/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 03/11/2005, DJ 21/11/2005, p. 265)

EMENTA: HABEAS CORPUS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. PRAZO DE VALIDADE. ALEGAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE OUTRO MEIO DE INVESTIGAÇÃO. FALTA DE TRANSCRIÇÃO DE CONVERSAS INTERCEPTADAS NOS RELATÓRIOS APRESENTADOS AO JUIZ. AUSÊNCIA DE CIÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO ACERCA DOS PEDIDOS DE PRORROGAÇÃO. APURAÇÃO DE CRIME PUNIDO COM PENA DE DETENÇÃO. (...). 4. Na linha do artigo 6º, caput, da L. 9.296/96, a obrigação de cientificar o Ministério Público das diligências efetuadas é prioritariamente da polícia. O argumento da falta de ciência do MP é superado pelo fato de que a denúncia não sugere surpresa, novidade ou desconhecimento do procurador, mas sim envolvimento próximo com as investigações e conhecimento pleno das providências tomadas. 5. Uma vez realizada a interceptação telefônica de forma fundamentada, legal e legítima, as informações e provas coletas dessa diligência podem subsidiar denúncia com base em crimes puníveis com pena de detenção, desde que conexos aos primeiros tipos penais que justificaram a interceptação. Do contrário, a interpretação do artigo 2º, III, da L. 9.296/96 levaria ao absurdo de concluir pela impossibilidade de interceptação para investigar crimes apenados com reclusão quando forem estes conexos com crimes punidos com detenção. Habeas corpus indeferido.(HC 83515, Relator(a):  Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, julgado em 16/09/2004, DJ 04-03-2005 PP-00011 EMENT VOL-02182-03 PP-00401 RTJ VOL-00193-02 PP-00609)

Caso haja possibilidade técnica de gravar a conversa telefônica captada, deve-se, obrigatoriamente, fazê-la, com vistas à maior aferição da veracidade da prova, sua idoneidade técnica e autenticidade da voz, para oportuna valoração do juiz. A gravação atesta a existência da fonte de prova, ou seja, da comunicação via telefone. Em seguida deve será realizada a transcrição, pois esta fixa a prova em juízo (meio de prova).

A inviabilidade de realizar a gravação gera a prova a testemunhal, por meio da oitiva dos responsáveis por executar a interceptação telefônica (testemunho eletrônico).

Os Tribunais Superiores já decidiram que a degravação poderá ser parcial. Basta que sejam transcritos os trechos necessários ao oferecimento da denúncia ou queixa. No entanto, é direito da defesa ter acesso a todo conteúdo gravado, inclusive o que não foi transcrito, obtendo cópias irrestritas do CD / DVD que contém as gravações.

EMENTA: HABEAS CORPUS. MEDIDA CAUTELAR. PROCESSUAL PENAL. PEDIDO DE LIMINAR PARA GARANTIR À DEFESA DO PACIENTE O ACESSO À TRANSCRIÇÃO INTEGRAL DAS ESCUTAS TELEFÔNICAS REALIZADAS NO INQUÉRITO. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL (ARTIGO 5º, INC. LV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA): INOCORRÊNCIA: LIMINAR INDEFERIDA. 1. É desnecessária a juntada do conteúdo integral das degravações das escutas telefônicas realizadas nos autos do inquérito no qual são investigados os ora Pacientes, pois bastam que se tenham degravados os excertos necessários ao embasamento da denúncia oferecida, não configurando, essa restrição, ofensa ao princípio do devido processo legal (artigo 5º, inc. LV, da Constituição da República). 2. Liminar indeferida. (HC 91207 MC, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 11/06/2007, DJe-106 DIVULG-20-09-2007 PUBLIC-21-09-2007 DJ 21-09-2007 PP-00020 EMENT VOL-02290-02 PP-00325)

“INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. ARTIGO 6º, §§ 1º E 2º, DA LEI 9.296/96.

DESNECESSIDADE DE REDUÇÃO A TERMO DE TODO O CONTEÚDO DAS CONVERSAS INTERCEPTADAS, UMA VEZ QUE AS PARTES TIVERAM ACESSO À INTEGRALIDADE DAS GRAVAÇÕES. INOBSERVÂNCIA DE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA.” Ordem denegada. (HC 37227/SP, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 19/10/2004, DJ 16/11/2004, p. 311)

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. DEGRAVAÇÃO. OBSERVÂNCIA DOS TERMOS DA LEI N.º 9.296/96. PERÍCIA PARA O RECONHECIMENTO DAS VOZES DOS ACUSADOS. PRECLUSÃO. INOBSERVÂNCIA DO RITO. PROCEDIMENTO ESTABELECIDO PELA LEI N.º 10.409/02. AUSÊNCIA DE DEFESA PRELIMINAR. NULIDADE ABSOLUTA. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1. É válida a prova obtida por meio de interceptação de comunicação telefônica, quando a autoridade policial observa todos os requisitos exigidos pela Lei n.º 9.269/96, que, ressalte-se, não determina que degravação das conversas interceptadas seja feita por peritos oficias. (...). (HC 66967/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 14/11/2006, DJ 11/12/2006, p. 402)

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ARTIGO 50, INCISO I E PARÁGRAFO ÚNICO, INCISOS I E II, DA LEI Nº 6.766/79. ACESSO AO MATERIAL (CDS CONTENDO INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS) QUE ACOMPANHA A DENÚNCIA. ORDEM CONCEDIDA PELO E. TRIBUNAL DE ORIGEM. PREJUDICADO. Concedida a ordem pelo em. Desembargador do e. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, Relator da Ação Penal 2003.00.2.002202-9, determinando que a defesa técnica do paciente efetue a cópia irrestrita do material (CDs contendo interceptações telefônicas) que acompanha a denúncia, resta sem objeto o presente writ que continha idêntico pedido. Habeas corpus prejudicado. (HC 86255/DF, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 16/10/2007, DJ 17/12/2007, p. 258)

De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, não há necessidade de submissão da prova a qualquer perícia, bem como de que a transcrição seja realizada por peritos oficiais. Neste sentido:

HABEAS CORPUS. CRIMES DE CONTRIBUIÇÃO PARA A DIFUSÃO E INCENTIVO AO TRÁFICO E DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ESCUTA TELEFÔNICA. NÃO-REALIZAÇÃO DE PERÍCIA. NULIDADE INEXISTENTE. FALTA DE PREVISÃO LEGAL. CONSIDERAÇÃO DE CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS COMO DESFAVORÁVEIS. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. ADMISSIBILIDADE. TESE DE DERROGAÇÃO DO PRECEITO SECUNDÁRIO DO ARTIGO 14 DA LEI N.º 6.368/76 PELO ARTIGO 8.º DA LEI N.º 8.072/90. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. REDIMENSIONAMENTO DA PENALIDADE E EXCLUSÃO DA PENA DE MULTA. 1. A Lei n.º 9.296/96, que trata da interceptação telefônica, nada dispõe acerca da necessidade de submissão da prova à qualquer perícia, sequer a fonográfica, razão pela qual não se vislumbra qualquer nulidade na espécie. (...). (HC 42733/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 11/09/2007, DJ 08/10/2007, p. 322)

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. CONDENAÇÃO. FARTO CONJUNTO PROBATÓRIO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. LAUDO DE DEGRAVAÇÃO. PERITOS OFICIAIS. ARTIGO 159 DO CPP. IRREGULARIDADES NÃO DEMONSTRADAS. PRECLUSÃO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO NO MOMENTO OPORTUNO. ARTIGO 563 DO CPP E SÚMULA 523/STF. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. ORDEM DENEGADA. 1. Não há falar em fundamentação inidônea quando a condenação está embasada em farto conjunto probatório e não resulta de prova isolada. 2. "É válida a prova obtida por meio de interceptação de comunicação telefônica, quando a autoridade policial observa todos os requisitos exigidos pela Lei n.º 9.269/96, que, ressalte-se, não determina que degravação das conversas interceptadas seja feita por peritos oficiais" (HC 66.967/SC). (...). (HC 136096/RJ, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 18/05/2010, DJe 07/06/2010).

Cumprida a diligência, o responsável pela execução da interceptação encaminhará o resultado ao juiz, acompanhada de auto circunstanciado, que deverá conter o resumo das operações realizadas, a duração da captação, o telefone interceptado, pessoas envolvidas, etc. O encaminhamento equivocado ao Ministério Público enseja mera irregularidade. Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

CRIMINAL. HC. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. NULIDADES. ENVIO DO RESULTADO DA DILIGÊNCIA AO MINISTÉRIO PÚBLICO ANTES DA REMESSA AO JUIZ. MERA IRREGULARIDADE. INCORREÇÃO SANADA. AUSÊNCIA DE AUTO CIRCUNSTANCIADO. ELEMENTO SECUNDÁRIO. EXISTÊNCIA DE INFORMAÇÕES NECESSÁRIAS À CONSTATAÇÃO DA LEGALIDADE DA PROVA. CONDENAÇÃO BASEADA EM OUTROS ELEMENTOS DO CONJUNTO PROBATÓRIO. ORDEM DENEGADA. I. O fato das degravações, juntamente com as fitas obtidas através da interceptação telefônica, terem sido encaminhadas ao Ministério Público e não ao Juízo, configura mera irregularidade II. Evidenciado que o Órgão ministerial, ao reconhecer a incorreção no recebimento do resultado da interceptação, encaminhou o material ao Magistrado, requerendo o apensamento deste ao processo, resta sanada a incorreção do procedimento. (...). (HC 44169/DF, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 13/09/2005, DJ 03/10/2005, p. 304).

Existe dissenso doutrinário quanto ao momento em que o auto apartado da interceptação telefônica, realizada durante a investigação criminal, deve ser encaminhado ao juiz competente. Parte da doutrina defende que imediatamente após o final da diligência. Outros entendem que se deve aguardar a conclusão do inquérito policial, para que o auto da interceptação telefônica seja apensado, nos moldes do artigo 8º, parágrafo único, da Lei n. 9.296/96. As lições de AVOLIO (2010, p. 248) e GOMES (2010, p. 496) demonstram tal embate, respectivamente:

Depreende-se da redação do dispositivo que não seria a cada passo, a cada operação, que se daria conhecimento ao juiz, mas no momento em que atingido o desiderato final da diligência, a autoridade policial deve fazê-lo imediatamente, ainda que não concluído o inquérito policial, e da mesma forma no processo penal.

Urge distinguir duas hipóteses: interceptação feita no curso de um inquérito (ou investigação criminal) e interceptação realizada no curso de um processo. Naquela, penso que a autoridade policial não tem a obrigação de desde logo encaminhar tudo ao juiz; assim procederá quando terminar o inquérito, apensando-se o auto apartado na fase do relatório (CPP, artigo 10); nesta última hipótese (interceptação feita durante a instrução processual), sim, concluída a diligência, tudo deve ser enviado ao juiz imediatamente.

O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que a ausência ou defeito do auto circunstanciado, formalidade essencial ao procedimento da captação telefônica, enseja a nulidade relativa:

INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA - AUTO CIRCUNSTANCIADO - NATUREZA DO ELEMENTO. O auto circunstanciado previsto no § 2º do artigo 6º da Lei nº 9.296/96 é formalidade essencial à valia da prova resultante de degravações de áudio e interceptação telefônica. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA - DEFEITO DO AUTO CIRCUNSTANCIADO - NATUREZA DA NULIDADE. A nulidade surge relativa, devendo ser articulada no prazo do artigo 500 do Código de Processo Penal - inteligência dos artigos 571, inciso II, e 572 do mesmo Diploma. (HC 87859, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 12/06/2007, DJe-101 DIVULG 13-09-2007 PUBLIC 14-09-2007 DJ 14-09-2007 PP-00044 EMENT VOL-02289-02 PP-00391 RTJ VOL-00202-01 PP-00217 LEXSTF v. 29, n. 345, 2007, p. 454-458 RT v. 97, n. 867, 2008, p. 535-537).

O art. 7° da Lei 9.296/96 possibilita que, tanto na fase do requerimento quanto na da execução da interceptação, a autoridade policial requisite serviços e técnicos especializados às concessionárias de serviço público, sob pena de crime de desobediência. A requisitada não pode eximir-se do cumprimento. De outro lado, deve prestá-los de maneira gratuita.

Artigo 7° Para os procedimentos de interceptação de que trata esta Lei, a autoridade policial poderá requisitar serviços e técnicos especializados às concessionárias de serviço público.


8 ATUAÇÃO, APENSAMENTO E SIGILO DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA

As informações (pedido, eventuais documentos que instruem o pedido, a autorização judicial, as transcrições, o autor circunstanciado e etc.) colhidas com violação da comunicação telefônica sempre estarão, seja na fase investigatória seja durante a ação penal, em autos apartados, a fim de garantir sigilo do procedimento, das gravações e degravações respectivas, sob pena de inutilidade da medida. A autuação em apartado está em consonância com a privacidade e com o segredo de justiça previsto no artigo 1º da Lei n. 9.296/96. A ausência de auto apartado, respeitado o sigilo, segundo o Superior Tribunal de Justiça, enseja nulidade relativa:

A interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas.

Parágrafo único. A apensação somente poderá ser realizada imediatamente antes do relatório da autoridade, quando se tratar de inquérito policial  (Código de Processo Penal, artigo10, § 1°) ou na conclusão do processo ao juiz para o despacho decorrente do disposto nos arts. 407, 502 ou 538 do Código de Processo Penal.

CRIMINAL. HC. EXTORSÃO MEDIDANTE SEQÜESTRO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. IRREGULARIDADES. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. LEGALIDADE DA PROVA. CONDENAÇÃO BASEADA EM OUTROS ELEMENTOS DO CONJUNTO PROBATÓRIO. BUSCA E APREENSÃO. MANDADO. EXISTÊNCIA. EXISTÊNCIA DE OUTROS DELITOS DE CARÁTER PERMANENTE. FLAGRANTE. ORDEM DENEGADA.

(...). IV. Tendo sido respeitado o sigilo das diligências, o fato da interceptação não ter operado em autos apartados não induz à nulidade do procedimento se a impetração não logrou êxito em demonstrar a ocorrência de qualquer prejuízo ao paciente advindo dessa irregularidade. V. Tratando-se de nulidade no Processo Penal, é imprescindível, para o seu reconhecimento, que se faça a indicação do prejuízo causado ao réu, o qual não restou evidenciado no presente caso. (HC 43.234/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 03/11/2005, DJ 21/11/2005, p. 265).

Durante a colheita da prova o segredo há de ser absoluto frente ao investigado / réu e eventual defensor. Uma vez obtida a prova, urge o levantamento do sigilo interno, em respeito à ampla defesa constitucional e ao contraditório. A publicidade é interna e restrita aos participantes do inquérito ou da ação penal, permanecendo o sigilo para terceiros (o magistrado, ao receber os autos apartados da autoridade policial, deve preservar o segredo externo das diligências, gravações e transcrições). Nesse diapasão, FERNANDES (2007, p. 111) procede que:

Devem ser mantidas em sigilo as diligências, gravações e transcrições (artigo 8º, caput). Isso não significa impossibilidade de acesso do Ministério Público, do indiciado, suspeito, pessoalmente ou por seu advogado, ao material obtido com a operação. O sigilo é necessário em relação a terceiros, as quais podem conter revelações sobre as vidas íntimas dos investigados e de terceiras pessoas, estranhas à relação processual.

Os autos apartados de interceptação telefônica serão apensados imediatamente antes do relatório final do inquérito policial ou imediatamente antes da sentença. No primeiro caso, se réu estiver preso, é possível que a autuação separada seja remetida diretamente ao juiz, pois o inquérito, em regra, tem que estar concluído em 10 dias (Código de Processo Penal, artigo 10). O momento do apensamento tenta preservar, com maior eficácia, o sigilo externo.

É importante alertar que uma coisa é apensar os autos separados, outra bem diferente é o acesso do conteúdo da captação telefônica pelos interessados. Concluída a diligência, deve prevalecer a publicidade interna restrita, ou seja, o acesso do investigado / réu e do defensor ao conteúdo da prova a fim de permitir o contraditório diferido, mesmo sem o apensamento.

A súmula vinculante n. 14 e as decisões do Supremo Tribunal Federal permitem que a defesa tenha acesso a todas as provas já documentadas em procedimento investigatório, incluindo-se a interceptação telefônica:

EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ACESSO DOS ACUSADOS A PROCEDIMENTO INVESTIGATIVO SIGILOSO. POSSIBILIDADE SOB PENA DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. PRERROGATIVA QUE SE RESTRINGE AOS ELEMENTOS JÁ DOCUMENTADOS REFERENTES AOS INVESTIGADOS. I - O direito assegurado ao indiciado (bem como ao seu defensor) de acesso aos elementos constantes em procedimento investigatório que lhe digam respeito e que já se encontrem documentados nos autos, não abrange, por óbvio, as informações concernentes à decretação e à realização das diligências investigatórias, mormente as que digam respeito a terceiros eventualmente envolvidos. II - Enunciado da Súmula Vinculante 14 desta Corte. III - Embargos de declaração rejeitados, com concessão da ordem de ofício. (HC 94387 ED, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 06/04/2010, DJe-091 DIVULG 20-05-2010 PUBLIC 21-05-2010 EMENT VOL-02402-03 PP-00679).

EMENTA Habeas corpus. Triplo homicídio qualificado e um tentado. Processo complexo. Excesso de prazo não está caracterizado. Prisão preventiva suficientemente fundamentada (artigo 312 do CPP). Cerceamento de defesa. Inocorrência. Precedentes. (...). 3. Não está caracterizado cerceamento de defesa decorrente da negativa de acesso aos autos suplementares, porque a própria redação da Súmula Vinculante nº 14/STF, prevê que o advogado poderá ter acesso aos autos do procedimento investigatório sigiloso somente após a documentação das diligências realizadas. Ademais, a defesa teve acesso ao procedimento suplementar tão-logo foram encerradas as diligências e encaminhados os documentos ao Magistrado respectivo. (...). (HC 96511, Relator(a):  Min. MENEZES DIREITO, Primeira Turma, julgado em 28/04/2009, DJe-099 DIVULG 28-05-2009 PUBLIC 29-05-2009 EMENT VOL-02362-07 PP-01223 RTJ VOL-00210-01 PP-00413)

Súmula Vinculante 14 - É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.

Mediante requerimento do Ministério Público ou da parte interessada, jamais de ofício, seja durante o inquérito policial, seja durante a instrução ou mesmo após esta, o juiz deverá inutilizar, imediata e obrigatoriamente, a gravação, o auto circunstanciado, as transcrições, eventuais testemunhos que não tenham relevância para a obtenção da prova desejada. O artigo 9º da Lei n. 9.296/96 objetiva tutelar o direito a intimidade:

A gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial, durante o inquérito, a instrução processual ou após esta, em virtude de requerimento do Ministério Público ou da parte interessada.

Parágrafo único. O incidente de inutilização será assistido pelo Ministério Público, sendo facultada a presença do acusado ou de seu representante legal.

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. EXTORSÃO MEDIANTE SEQÜESTRO QUALIFICADO, RECEPTAÇÃO E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS DETERMINADAS POR JUÍZO DIVERSO DO PROCESSANTE E SEM AUTORIZAÇÃO DESTE POR MEIO DE ALVARÁ. MATÉRIA NÃO EXAMINADA PELO TRIBUNAL QUE INVIABILIZA, NESTE PONTO, A ANÁLISE DO WRIT, SOB PENA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ARGUMENTAÇÃO DE TER SIDO JUNTADO AOS AUTOS APENAS PARTE DA DEGRAVAÇÃO, IMPEDINDO O PACIENTE DE EXERCER SUA AMPLA DEFESA. TRANSCRIÇÃO DAS DEGRAVAÇÕES ENVOLVENDO O PACIENTE. PREJUÍZO NÃO CONFIGURADO, UMA VEZ QUE O RÉU TEVE ACESSO ÀS FITAS MAGNÉTICAS ANTES DA SENTENÇA CONDENATÓRIA E NÃO APRESENTOU QUALQUER IMPUGNAÇÃO OU PEDIDO DE PRODUÇÃO DE PROVA COMPLEMENTAR. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESTA EXTENSÃO, DENEGADA, EM CONFORMIDADE COM O PARECER MINISTERIAL. (...). 3.   O artigo 9o. da Lei 9.296/96 autoriza até mesmo a inutilização, por decisão judicial, da gravação que não interessar ao feito; assim, não configura nulidade a ausência nos autos de todo conteúdo da interceptação telefônica, mormente quando se procura resguardar a intimidade de terceiros que não dizem respeito ao processo. 4.   Ordem parcialmente conhecida e, nesta extensão, denegada. (HC 88.098/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 20/11/2008, DJe 19/12/2008).

Quando o legislador se utilizou da expressão “parte interessada” pretendeu abranger todos os interessados na inutilização do material colhido que não tem qualquer relevância probatória para o desfecho da causa. Não se deve restringir apenas parte em sentido técnico, ou seja, parte num processo regularmente instaurado. Prova disso é que a inutilização pode ocorrer durante o inquérito policial e nessa fase não se fala em parte.

É de suma importância que o acusado e o patrono sejam intimados para se manifestar a respeito do pedido de inutilização formulado pelo Ministério Público, o que impedirá que trechos relevantes para defesa sejam apagados (ampla defesa). Da mesma forma, deve o Ministério Público ser intimado para se pronunciar a respeito da solicitação elaborada pela defesa.

A decisão judicial deve definir com exatidão tudo que será inutilizado a data e à hora, além do local da inutilização, notificando-se todos os interessados. A presença do acusado / investigado ou do representante legal durante o processo de destruição é recomendável diante do princípio da ampla defesa (autodefesa e defesa técnica), mas o legislador a tornou facultativa. Em contraposição, a presença do membro do Ministério Público é obrigatória. É indispensável à lavratura do auto circunstanciado.

Se a destruição da prova obtida por meio da interceptação telefônica for requerida pelo Ministério Público ou pelo acusado, da decisão judicial que deferi-la ou indeferi-la cabe apelação (artigo 593, II, do Código de Processo Penal); caso tenha sido requerido por terceiro, indeferido o pedido, pode terceiro impetrar mandado de segurança.


9 CRIME DE INTERCEPTAÇÃO TELEFONICA ILEGAL E QUEBRA DE SEGREDO DE JUSTIÇA

O artigo 10 da Lei n. 9.296/96 criminaliza a interceptação telefônica, informática ou telemática ilegal e a quebra do segredo de justiça. O bem jurídico primordial tutelado é a privacidade (sigilo e liberdade de comunicação), que se faz tanto pela proteção do segredo (contra o conhecimento ilícito do conteúdo da comunicação), como pela proteção de reserva (contra a divulgação abusiva). Dessa forma, evita que as informações pessoais dos interlocutores sejam levadas ao conhecimento de terceiros:

Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.

Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa.

As condutas incriminadas são punidas com pena de reclusão, de dois a quatro anos, e multa. Consistem em:

a. Realização de interceptação sem autorização judicial: consiste na captação, realizada por terceiro, da comunicação telefônica, de informática ou telemática (objeto material), sem o conhecimento dos interlocutores e sem a devida autorização judicial (requisito normativo). Para a configuração do crime não há necessidade da revelação do teor da conversa, o qual, se ocorrer, será mero exaurimento. A interceptação pode ser realizada de qualquer modo (delito de forma livre). Toda pessoa pode ser sujeito ativo, pois não é exigida nenhuma qualidade especial (crime comum). Os sujeitos passivos são os comunicadores. A autorização judicial, que já deve existir no momento da conduta, configura conduta atípica. O requisito subjetivo é o dolo, direto ou eventual. Inexiste forma culposa. A doutrina diverge se este crime abarcaria também a escuta (violação da comunicação realizada por terceiro, mas com o conhecimento de um dos comunicadores). Para GOMES (2010, p. 507), “pode ser que um dos comunicadores saiba da interceptação, mesmo assim, há crime (porque existe ofensa àquele que não tinha conhecimento da ingerência)”. Já AVOLIO (2010, p. 256) defende que “a escuta telefônica – que refoge à disciplina da Lei 9.296.96 – não constituiria a conduta típica prevista no artigo 10 – o novel dispositivo refere-se à interceptação, em sentido estrito...”. Se a escuta for admita como conduta típica, só haverá um sujeito passivo (comunicador que desconhece a captação). O delito se consuma desde o momento em que o agente começa a ter ciência do conteúdo da comunicação alheia (crime de dano. Urge a lesão do bem jurídico tutelado). Restará configurada a tentativa quando o agente não conseguir ter acesso a interação dos interlocutores. ROSSETTO (2009, p. 195) tem entendimento diverso: “A consumação do crime dar-se-á com a interceptação das comunicações telefônica (crime de mera atividade)...”. Para os defensores desta última posição (consuma-se mesmo que o infrator não tenha acesso à conversa), a tentativa só será possível se o terceiro não conseguir realizar a interceptação. Ademais, é a hipótese de crime permanente;

b. Realização de interceptação com objetivos não autorizados em lei: neste caso há autorização judicial para a interceptação da comunicação telefônica, informática ou telemática, mas o autorizado incorre em desvio de finalidade, ou seja, fim diverso a investigação criminal ou instrução processual penal, como por exemplo, a espionagem industrial, infidelidade matrimonial, fins políticos ou partidários, fim de instruir uma ação civil, etc. O juiz também incorrerá nesta conduta se tiver conhecimento de que esta autorizando a interceptação para alcançar objetivos não previstos em lei. AVOLIO (2010, p. 254) discorda desse entendimento ao afirmar que “se o núcleo da conduta é ‘realizar’ (materialmente) a operação, o ato do juiz, ao simplesmente autorizar (juridicamente) a medida, não nos parece revestir-se de tipicidade”. Também incorrerão neste crime a autoridade e o Ministério Público se ocultarem, no requerimento, o verdadeiro fim da captação. Os sujeitos passivos são os comunicadores;

c. Quebrar segredo de justiça: a lei objetiva o sigilo de todo o procedimento da interceptação, desde o momento do requerimento, assim como as diligências, gravações e transcrições (objeto material). Em um primeiro momento, o bem jurídico tutelado é a segurança, que se perfaz com a efetividade da medida, pois a publicidade frustraria a obtenção da prova (sujeito passivo é o Estado). Num segundo momento, a defesa da intimidade dos envolvidos na conversa captada (sujeito passivo são os comunicadores). Só pode ser sujeito ativo quem por sua profissão, função ou cargo venha a ter conhecimento da instauração do incidente de interceptação ou das diligências, gravações e transcrições (crime próprio). Estas pessoas têm o dever de segredo. Não é preciso ser funcionário público para cometê-lo (não é delito funcional). O requisito subjetivo é o dolo, direito ou eventual. Não há forma culposa. O delito se consuma no instante em que o agente faz a revelação da existência do procedimento ou do conteúdo captado a um terceiro, que não conheça o segredo. A tentativa é possível na forma escrita, como por exemplo, a hipótese de a carta com as informações, por motivos alheios, não chegar ao terceiro que desconhece a medida cautelar. Trata-se de crime instantâneo de efeitos permanentes.

Sobre o assunto, destaca-se a lição de ROSSETTO (2009, p. 196):

Em ambas as modalidades, tendo em vista a técnica legislativa utilizada e a inclusão da conjunção ou no tipo penal, conclui-se que o elemento normativo (sem autorização legal) e o elemento subjetivo do injusto (com objetivos não autorizados em lei) são alternativos, afirmando-se o delito com a presença de qualquer deles.

Quanto às “linhas cruzadas”, não tendo o ouvinte fortuito efetivado a captação telefônica, inexiste crime, exceto se, ao perceber o fato, continuar escutando a conversa alheia. Para GOMES (2010, p. 507) não se trata de interceptação, mas quem tomou conhecimento da interação nessas circunstâncias está proibido de divulgar, sob pena de incorrer no crime disposto no artigo 151, parágrafo 1º, inciso II do Código Penal.

De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, a competência para julgar esses crimes, em regra, é da Justiça Estadual, exceto se afetar diretamente bens ou interesses da União, quando a competência será da Justiça Federal:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. SUPOSTO DELITO DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL (ARTIGO 10 DA LEI Nº 9.296/96). SUJEITO PASSIVO - PARTICULAR. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO A BENS OU INTERESSES DA UNIÃO. Compete à Justiça Estadual Comum julgar e processar suposto delito de interceptação telefônica sem autorização judicial, pois não se evidencia lesão a serviços, bens ou interesses da União ou Entidades Federais. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Estadual, ora Suscitado. (CC 40113/SP, Rel. Ministro PAULO MEDINA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/05/2004, DJ 01/07/2004, p. 174)

A ação penal é pública incondicionada, pois inexiste lei expressa em sentido contrário, nos termos do artigo 100 do Código Penal.

Por se tratar de neocriminalização (novatio legis incriminadora), o artigo em estudo somente se aplica aos fatos ocorridos a partir de 25 de julho de 1996 (publicação e vigência da lei), nos termos do artigo 11 da Lei n. 9.296/96: “Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação”. As demais disposições regulamentam a interceptação telefônica, nesse caso estamos diante de normas processuais, as quais têm aplicação imediata, nos moldes do artigo 2° do Código de Processo Penal.

O artigo 12 da Lei em estudo dispõe: “Revogam-se as disposições em contrário”. A análise de GOMES (2010, p. 511) é esclarecedora:

Dentre outras possíveis revogações tácitas, cumpre destacar a derrogação de vários dispositivos da Lei. 4.117/62, que regulamentava, inclusive, embora de modo muito inseguro e precariamente, o procedimento da interceptação telefônica. Nessa parte, foi totalmente derrogada, porque agora é a Lei 9.296/96 que disciplina o assunto com exclusividade (artigo 1°). O artigo 56 dessa mesma lei, que introduziu no nosso ordenamento jurídico, como sabemos, o Código Brasileiro de Telecomunicações, também foi parcialmente revogado, principalmente na parte em que punia a captação de comunicação dirigida a terceiro. Esse tema hoje é objeto do artigo 10.


10 ASSUNTOS POLÊMICOS REFERENTES À LEI 9296/96

10.1 Interceptação das Comunicações Telefônicas do Advogado

Ponto bastante discutido pela doutrina é o caso das interceptações das comunicações telefônicas do advogado. Dentre as situações encontradas tem-se a conversa reservada entre advogado e cliente. Neste caso, sempre será considerada ilícita, eis que a conversa esta protegida pelo sigilo profissional:

Artigo 7º da Lei n. 8.906/94 São direitos do advogado:

(...).

II – a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia; (Redação dada pela Lei nº 11.767, de 2008)

(...).

Advogado. Sigilo profissional/segredo (violação). Conversa privada entre advogado e cliente (gravação/impossibilidade). Prova (ilicitude/contaminação do todo). Exclusão dos autos (caso). Expressões injuriosas (emprego). Risca (determinação).1. São invioláveis a intimidade, a vida privada e o sigilo das comunicações. Há normas constitucionais e normas infraconstitucionais que regem esses direitos. 2. Conversa pessoal e reservada entre advogado e cliente tem toda a proteção da lei, porquanto, entre outras reconhecidas garantias do advogado, está a inviolabilidade de suas comunicações. 3. Como estão proibidas de depor as pessoas que, em razão de profissão, devem guardar segredo, é inviolável a comunicação entre advogado e cliente. 4. Se há antinomia entre valor da liberdade e valor da segurança, a antinomia é solucionada a favor da liberdade. 5. É, portanto, ilícita a prova oriunda de conversa entre o advogado e o seu cliente. O processo não admite as provas obtidas por meios ilícitos. 6. Na hipótese, conquanto tenha a paciente concordado em conceder a entrevista ao programa de televisão, a conversa que haveria de ser reservada entre ela e um de seus advogados foi captada clandestinamente. Por revelar manifesta infração ética o ato de gravação – em razão de ser a comunicação entre a pessoa e seu defensor resguardada pelo sigilo funcional –, não poderia a fita ser juntada aos autos da ação penal. Afinal, a ilicitude presente em parte daquele registro alcança todo o conteúdo da fita, ainda que se admita tratar-se de entrevista voluntariamente gravada – a fruta ruim arruína o cesto. 7. A todos é assegurado, independentemente da natureza do crime, processo legítimo e legal, enfim, processo justo. (...). (HC 59967/SP, Rel. Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 29/06/2006, DJ 25/09/2006, p. 316)

PENAL. HABEAS CORPUS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. ADVOGADO. MATERIAL COLHIDO. SIGILO. MÉRITO. PENDÊNCIA DE JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PARCIAL CONHECIMENTO. LIMINAR. DEFERIMENTO. RATIFICAÇÃO. LIBERDADE DE EXERCÍCIO LEGÍTIMO DA PROFISSÃO. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESSA EXTENSÃO, CONCEDIDA. (...). 2. Em observância à liberdade de exercício legítimo da profissão, deve ser assegurado sigilo ao teor das interceptações deferidas em desfavor do paciente. (...). (HC 114.458/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 02/02/2010, DJe 02/08/2010)

 Uma segunda situação encontrada seria o caso da captação das comunicações do telefone do suspeito / réu onde há conversas com outros investigados / réus e com o advogado. Nesta hipótese, o Superior Tribunal de Justiça entende que a prova não é inteiramente ilícita, aproveitando-se às conversas entre os criminosos:

CRIMINAL. HC. HOMICÍDIO QUALIFICADO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INEXISTÊNCIA DE DESCRIÇÃO MÍNIMA DAS ELEMENTARES DOS CRIMES. OFENSA AO ARTIGO 41 DO CPP. NÃO OCORRÊNCIA. NOME COMPLETO DAS VÍTIMAS NÃO EXPLICITADO. IRRELEVÂNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO DEMONSTRADO. ILEGALIDADE DE PROVA COLHIDA NO INQUÉRITO POLICIAL. INEXISTÊNCIA DE QUEBRA DE SIGILO TELEFÔNICO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. CONVERSAS ENTRE OS RÉUS E SEUS DEFENSORES. INTERCEPTAÇÃO NOS TELEFONES DOS INVESTIGADOS. FILTRAGEM QUE NÃO DEVE SER FEITA PELA AUTORIDADE POLICIAL. AFRONTA AO ESTATUTO DO ADVOGADO NÃO CONFIGURADA. DOCUMENTOS QUE PODEM SER DESCARTADOS PELO JUÍZO. SENTENÇA NÃO PROFERIDA. ORDEM DENEGADA. (...). Mesmo que em algumas interceptações os investigados tenham recebido e feito ligações para os seus defensores, estas foram gravadas e transcritas de maneira automática, do mesmo modo como ocorreu com as demais conversas efetivadas através dos celulares dos pacientes. Cabe ao Juiz, quando da sentença, avaliar os diálogos que serão usados como prova, podendo determinar a destruição de parte do documento, se assim achar conveniente, no momento da prolação da sentença. Ordem denegada. (HC 66368/PA, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 05/06/2007, DJ 29/06/2007, p. 673)

Terceira e última hipótese é a captação da conversa realizada por advogado suspeito de crime. Neste caso a interceptação é lícita, somente com relação às conversas relacionadas ao delito pelo qual está sendo investigado, porque ele esta na qualidade de suspeito e não de advogado:

CRIMINAL. HC. QUEBRA DE SIGILOS BANCÁRIO, FISCAL, TELEFÔNICO E TELEMÁTICO. QUEBRA BASEADA NAS DECLARAÇÕES DE UMA SÓ PESSOA. ANÁLISE RESTRITA À SUA CAPACIDADE DE CONFIGURAR INDÍCIO DE AUTORIA E PARTICIPAÇÃO. APTIDÃO NÃO-ATACADA. INEXISTÊNCIA DE OUTROS MEIOS DE PROVA. DISPONIBILIZAÇÃO ESPONTÂNEA DE INFORMAÇÕES PELO PACIENTE. DESNECESSIDADE AFASTADA EM RELAÇÃO AOS SIGILOS TELEFÔNICO E TELEMÁTICO E FALTA DE INTERESSE JURÍDICO EM RELAÇÃO AOS SIGILOS BANCÁRIO E FISCAL. INSTALAÇÃO PRÉVIA DE INQUÉRITO POLICIAL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. VIOLAÇÃO À LIBERDADE DO EXERCÍCIO PROFISSIONAL. INOCORRÊNCIA. PARTICIPAÇÃO DEVIDO A FATORES DE ORDEM FAMILIAR E PESSOAL. PRERROGATIVAS QUE NÃO PODEM ACOBERTAR DELITOS.  NATUREZA ABSOLUTA INEXISTENTE. DIVULGAÇÃO DE DADOS DECORRENTES DAS QUEBRAS. DETERMINAÇÃO EM CONTRÁRIO. ARQUIVAMENTO IMPLÍCITO DA DENÚNCIA. IMPROPRIEDADE. CRIMES DIVERSOS DOS ORA ANALISADOS.  LEGALIDADE DA MEDIDA DEMONSTRADA. LIMINAR CASSADA. ORDEM DENEGADA. (...). Ainda que atuasse como advogado, as prerrogativas conferidas aos defensores não podem acobertar delitos, sendo certo que o sigilo profissional não tem natureza absoluta. (...). Não há ilegalidade na decisão que decreta a quebra dos sigilos bancário, fiscal, telefônico e telemático do paciente, se devidamente demonstrada tanto a presença de indícios suficientes de participação em crime, como a peculiaridade de ser a única forma eficaz e disponível para a elucidação dos fatos Ordem denegada, cassando-se a liminar anteriormente deferida. (HC 20087/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 19/08/2003, DJ 29/09/2003, p. 285).

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE DA PROVA. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO SIGILO PROFISSIONAL. DENÚNCIA QUE ATENDE AOS REQUSISITOS DO ARTIGO 41 DO CPP. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INCOMPATIBILIDADE. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA. (...). 6. A alegação de afronta ao sigilo profissional, tendo em vista que o paciente é advogado e teriam sido interceptadas ligações travadas com seus clientes, também não merece acolhida, já que os delitos que lhe foram imputados teriam sido cometidos justamente no exercício da advocacia. 7. O simples fato de o paciente ser advogado não pode lhe conferir imunidade na eventual prática de delitos no exercício de sua profissão. (...). (HC 96909, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 17/11/2009, DJe-232 DIVULG 10-12-2009 PUBLIC 11-12-2009 EMENT VOL-02386-02 PP-00279).

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SIGILO TELEFÔNICO. ADVOGADO. QUEBRA. I - Decisão judicial fundamentada, com apoio na Lei nº 9.296/96, determinando a interceptação telefônica, não afronta a Constituição Federal.II - A proteção à inviolabilidade das comunicações telefônicas do advogado não consubstancia direito absoluto, cedendo passo quando presentes circunstâncias que denotem a existência de um interesse público superior, especificamente, a fundada suspeita da prática da infração penal. Recurso desprovido. (RMS 10.857/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 16/03/2000, DJ 02/05/2000, p. 152)

10.2 Ligações Constantes na Memória do Telefone Celular

O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a polícia pode utilizar nas investigações os números constantes na memória do telefone celular (mera apreensão do objeto), sem necessidade de ordem judicial. Não se trata de interceptação telefônica, pois não há o acesso ao teor das conversas, nem quebra de sigilo telefônico, já que inexiste acesso à lista geral de chamadas realizadas e recebidas, apenas aquelas registradas na memória do telefone:

CRIMINAL. HC. HOMICÍDIO QUALIFICADO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INEXISTÊNCIA DE DESCRIÇÃO MÍNIMA DAS ELEMENTARES DOS CRIMES. OFENSA AO ARTIGO 41 DO CPP. NÃO OCORRÊNCIA. NOME COMPLETO DAS VÍTIMAS NÃO EXPLICITADO. IRRELEVÂNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO DEMONSTRADO. ILEGALIDADE DE PROVA COLHIDA NO INQUÉRITO POLICIAL. INEXISTÊNCIA DE QUEBRA DE SIGILO TELEFÔNICO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. CONVERSAS ENTRE OS RÉUS E SEUS DEFENSORES. INTERCEPTAÇÃO NOS TELEFONES DOS INVESTIGADOS. FILTRAGEM QUE NÃO DEVE SER FEITA PELA AUTORIDADE POLICIAL. AFRONTA AO ESTATUTO DO ADVOGADO NÃO CONFIGURADA. DOCUMENTOS QUE PODEM SER DESCARTADOS PELO JUÍZO. SENTENÇA NÃO PROFERIDA. ORDEM DENEGADA. (...). O fato de ter sido verificado o registro das últimas chamadas efetuadas e recebidas pelos dois celulares apreendidos em poder do co-réu, cujos registros se encontravam gravados nos próprios aparelhos, não configura quebra do sigilo telefônico, pois não houve requerimento à empresa responsável pelas linhas telefônicas, no tocante à lista geral das chamadas originadas e recebidas, tampouco conhecimento do conteúdo das conversas efetuadas por meio destas linhas. (...). (HC 66368/PA, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 05/06/2007, DJ 29/06/2007, p. 673)

10.3 Interceptação Telefônica como Prova Emprestada

Como já visto, a regra geral é de que a interceptação só é permitida para fins de investigação criminal ou instrução penal, não podendo dela se utilizar os demais ramos do direito (civil, tributário, administrativo, constitucional, dentre outros).

Importante mencionar os requisitos necessários que possibilitam a utilização da prova emprestada, quais sejam: mesma parte investigada, mesmo fato e respeito ao contraditório e a ampla defesa.

GOMES (2010, p. 437 – 438) entende pela impossibilidade da utilização das provas adquiridas por meio da interceptação telefônica como prova emprestada para qualquer outro processo de outros ramos do direito, porque o constituinte delimitou a finalidade da captação telefônica, em respeito às liberdades constitucionais que estão em jogo neste tipo de procedimento. Além disso, defende que o segredo de justiça assegurado no artigo 1º da Lei n. 9.296/96 é inconciliável com o empréstimo de prova:

(...) O legislador constitucional ao delimitar a finalidade da interceptação telefônica (criminal) já estava ponderando valores, sopesando interesses. Nisso reside também o princípio da proporcionalidade. Segundo a imagem do legislador, justifica-se sacrificar o direito à intimidade para uma investigação ou processo criminal, não civil. Isso tem por base os valores envolvidos num e noutro processo (...).

Estando em jogo liberdades constitucionais (direito ao sigilo das comunicações frente a outros direitos ou interesses), procurou o constituinte, desde logo, demarcar o âmbito de prevalência de outro interesse criminal, em detrimento daquele. Mesmo assim, não é qualquer crime que admite a interceptação. Essa escolha, fundada na proporcionalidade, não pode ser desviada na praxe forense. Em conclusão, a prova colhida por interceptação telefônica no âmbito penal não pode ser “emprestada” (ou utilizada) para qualquer outro processo vinculado a outros ramos do direito.

No entanto, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça já pacificaram que a interceptação telefônica, devidamente autorizada, realizada durante a investigação criminal ou instrução processual penal pode, desde que respeitado o contraditório e a ampla defesa em ambas as esferas, ser utilizada como prova emprestada. Por exemplo, em processo administrativo disciplinar para a demissão de servidor público, inclusive contra servidores que não figuraram no processo penal onde a prova foi produzida:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. POLICIAL RODOVIÁRIO. DEMISSÃO. USO DE PROVA EMPRESTADA. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. LEGALIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS ESFERAS PENAL E ADMINISTRATIVA. SENTENÇA CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES. DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO DEMONSTRADO. (...). 4. Ademais, é firme o entendimento deste Tribunal de que, respeitado o contraditório e a ampla defesa em ambas as esferas, é admitida a utilização no processo administrativo de "prova emprestada" devidamente autorizada na esfera criminal. Precedentes: MS 10128/DF, Rel. Ministro Og Fernandes, Terceira Seção, DJe 22/02/2010, MS 13.986/DF, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, DJe 12/02/2010, MS 13.501/DF, Rel. Ministro Felix Fischer, Terceira Seção, DJe 09/02/2009, MS 12.536/DF, Rel. Ministra  Laurita Vaz, Terceira Seção, DJe 26/09/2008, MS 10.292/DF, Rel. Ministro Paulo Gallotti, Terceira Seção, DJ 11/10/2007. 5. Na espécie, a referida prova foi produzida em estrita observância aos preceitos legais, cujo traslado para o procedimento disciplinar foi precedido de requerimento formulado pela Comissão Processante do PAD perante o Juízo Criminal Federal (1ª Vara Federal de Campos dos Goytacazes), devidamente deferido e submetido ao contraditório e ampla defesa em ambas as esferas. 6. Tendo sido a interceptação telefônica concretizada nos exatos termos da Lei 9.296/96, haja vista que o impetrante também responde criminalmente por sua conduta, não há que se falar em ilegalidade do uso desta prova para instruir o PAD. 7. Acrescenta-se que a condenação do impetrante não se deu unicamente com base nas gravações produzidas na esfera penal, tendo havido farto material probatório, como análise documental, oitiva de testemunhas, dentre outras provas, capaz de comprovar a autoria e materialidade das infrações disciplinares. 8. Também não se pode esquecer que a nulidade do PAD está diretamente ligada à ocorrência de prejuízo à defesa do servidor acusado, observando-se o princípio do "pas de nullité sans grief", o que não foi demonstrado nos autos. (...). (MS 15.207/DF, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/09/2010, DJe 14/09/2010)

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. DEMISSÃO. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS ESFERAS PENAL E ADMINISTRATIVA. SENTENÇA CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES. MOTIVAÇÃO DEFICIENTE. NÃO OCORRÊNCIA. USO DE PROVA EMPRESTADA. LEGALIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. DEGRAVAÇÃO INTEGRAL. DESNECESSIDADE. AUTENTICIDADE DAS PROVAS. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. NÃO DEMONSTRADO. DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. EXCESSO DE PRAZO PARA CONCLUSÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO AO SERVIDOR. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. VIOLAÇÃO NÃO DEMONSTRADA. SEGURANÇA DENEGADA. OBSCURIDADE, CONTRADIÇÃO OU OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. EFEITO MODIFICATIVO. IMPOSSIBILIDADE. (...). (EDcl no MS 10128/DF, Rel. Ministro OG FERNANDES, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 24/03/2010, DJe 08/04/2010)

EMENTA: PROVA EMPRESTADA. Penal. Interceptação telefônica. Documentos. Autorização judicial e produção para fim de investigação criminal. Suspeita de delitos cometidos por autoridades e agentes públicos. Dados obtidos em inquérito policial. Uso em procedimento administrativo disciplinar, contra outros servidores, cujos eventuais ilícitos administrativos teriam despontado à colheita dessa prova. Admissibilidade. Resposta afirmativa a questão de ordem. Inteligência do artigo 5º, inc. XII, da CF, e do artigo 1º da Lei federal nº 9.296/96. Precedentes. Voto vencido. Dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas, judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal, bem como documentos colhidos na mesma investigação, podem ser usados em procedimento administrativo disciplinar, contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidos, ou contra outros servidores cujos supostos ilícitos teriam despontado à colheita dessas provas. (Pet 3683 QO, Relator(a):  Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 13/08/2008, DJe-035 DIVULG 19-02-2009 PUBLIC 20-02-2009 EMENT VOL-02349-05 PP-01012 RMDPPP v. 5, n. 28, 2009, p. 102-104)

Os argumentos utilizados pelo Superior Tribunal de Justiça são: a) Privacidade e a intimidade já foram violadas durante a investigação criminal ou instrução processual penal e; b) Se é possível utilizá-la na esfera penal (hipótese mais grave), pode ser utilizada nas hipóteses menos graves, ou seja, nos demais ramos do direito.

Veja bem, interceptação telefônica jamais será executada diretamente em processo administrativo, por exemplo. Será sempre realizada no âmbito da investigação ou instrução penal e, em seguida, aproveitada em outro processo, que poderá ser da mesma natureza (penal) ou não (tributário, civil, etc.).

O juiz que recebe a prova emprestada pode declará-la ilícita, mesmo que o magistrado do processo original tenha reconhecido a licitude da interceptação telefônica.

10.4 Encontro Fortuito de Outros Fatos ou de Outros Envolvidos (Serendipidade)

Dentre os requisitos da decisão judicial que autoriza a violação da comunicação telefônica, dois deles são de fundamental relevância, ambos previstos no artigo 2º, parágrafo único, da Lei 9.296/96, quais sejam: a individualização do crime ou dos crimes objeto da medida cautelar, bem como a pessoa ou as pessoas que estão sendo investigadas.

Inicialmente, aguarda-se uma relação adequada entre o que se procura e o que efetivamente foi encontrado. No entanto, eventualmente, há discordância entre ambos, fato que deve ser imediatamente comunicado ao magistrado que proferiu a ordem judicial, a fim de que se delibere a respeito.

Durante a violação da comunicação telefônica é possível que sejam descobertos fortuitamente outros crimes ou investigados. Exemplos: a) interceptação autorizada para adquirir provas do tráfico de drogas realizado por A. Descobre-se que A também realizou um homicídio; b) interceptação autorizada para adquirir provas do tráfico de drogas realizado por B. Descobre-se que C pratica o delito junto com B.

Por razões técnicas, no transcorrer da execução da interceptação telefônica não é possível distinguir o que é ou não objeto da investigação, o que resulta no encontro fortuito. Ademais, a discussão doutrinária acerca da validade da prova fortuita se dá em razão da inexistência de autorização judicial (para o fato ou pessoa fortuita), o que é expressamente vedado pelo ordenamento jurídico.

Terá validade a prova de novo crime descoberto por meio da captação telefônica, desde que haja conexão ou continência (Código de Processo Penal, arts. 76 e 77 – encontro fortuito de primeiro grau) com o fato autorizador da interceptação. Caso contrário (inexiste conexão ou continência – encontro fortuito de segundo grau), só poderá ser utilizado como notitia criminis, o que ensejará o início de nova investigação, até mesmo nova interceptação independente, não havendo que se falar em "ilegalidade por derivação", porque a notícia foi colhida no bojo de uma interceptação legalmente realizada.

Também terá valor jurídico a prova que demonstrar o envolvimento de terceiro(s) – a pessoa que se comunicou com o investigado ou que se utilizou da linha interceptada – na prática do crime investigado, de forma a caracterizar a continência prevista no artigo 77, inciso I do Código de Processo Penal. De outro lado, a interceptação telefônica não valerá como meio de probatório quanto a fatos cometidos por terceira(s) pessoa(s), sem nenhuma relação de continência com o investigado, mas importará em notitia criminis, o que permitirá novas e independentes providências. Em caso de crime permanente, é possível a prisão em flagrante (não se trata de prova ilícita ou prova ilícita derivada).

GOMES (2010, p. 476) cita as opiniões de outros doutrinadores:

(...) Damásio E. de Jesus entende que o encontro fortuito não é válido como prova em nenhuma hipótese. Vicente Greco Filho adota o critério da conexão, continência e concurso de crimes. (...). Não parece acertada a ampliação para qualquer hipótese de concurso de crimes. Em muitas ocasiões, no concurso material, por exemplo, não contaremos com nenhum tipo de conexão.

Vale mencionar a opinião de OLIVEIRA (2009, p. 323):

Ora, não é a conexão que justifica a licitude da prova. O fato, de todo relevante, é que, uma vez freanqueada a violação dos direitos à privacidade e à intimidade dos moradores da residência, não haveria razão alguma para a recusa de provas de quaisquer outros delitos, punidos ou não com reclusão. Isso porque, uma coisa é a justificação para a autorização da quebra de sigilo; tratando-se de violação à intimidade, haveria mesmo de se acenar com a gravidade do crime. Entretanto, outra coisa é o aproveitamento do conteúdo da intervenção autorizada; tratando-se de material relativo à prova do crime (qualquer crime), não se pode mais argumentar com a justificação da medida (interceptação telefônica), mas, sim, com a aplicação da lei

É possível a interceptação ser utilizada como prova em crime punido com detenção, basta que este seja conexo com o crime de reclusão para o qual foi autorizada a interceptação. Do contrário, levaria ao absurdo de concluir pela impossibilidade de captação para investigar crimes apenados com reclusão quando forem conexos com crimes punidos com detenção. Desta forma decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA LICITAMENTE CONDUZIDA. ENCONTRO FORTUITO DE PROVA DA PRÁTICA DE CRIME PUNIDO COM DETENÇÃO. LEGITIMIDADE DO USO COMO JUSTA CAUSA PARA OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O Supremo Tribunal Federal, como intérprete maior da Constituição da República, considerou compatível com o artigo 5º, XII e LVI, o uso de prova obtida fortuitamente através de interceptação telefônica licitamente conduzida, ainda que o crime descoberto, conexo ao que foi objeto da interceptação, seja punido com detenção. 2. Agravo Regimental desprovido. (AI 626214 AgR, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 21/09/2010, DJe-190 DIVULG 07-10-2010 PUBLIC 08-10-2010 EMENT VOL-02418-09 PP-01825)

Quando se tratar de encontro fortuito de informações sobre delitos futuros, a interceptação telefônica vale como notitia criminis. Neste caso, não se deve exigir conexão entre o fato investigado e aquele descoberto, por três razões: 1º) Lei não exige conexão ou continência entre tais crimes ou criminosos; 2º) A interceptação foi realizada de forma legal e com ordem judicial, apesar de ter descoberto crime ou criminoso não indicado no pedido; 3º) O Estado não pode se manter inerte diante da notícia de um crime.

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ARTIGO 288 DO CÓDIGO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA OFERECIDA EM DESFAVOR DOS PACIENTES BASEADA EM MATERIAL COLHIDO DURANTE A REALIZAÇÃO DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA PARA APURAR A PRÁTICA DE CRIME DIVERSO. ENCONTRO FORTUITO. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONEXÃO ENTRE O CRIME INICIALMENTE INVESTIGADO E AQUELE FORTUITAMENTE DESCOBERTO. I - Em princípio, havendo o encontro fortuito de notícia da prática futura de conduta delituosa, durante a realização de interceptação telefônica devidamente autorizada pela autoridade competente, não se deve exigir a demonstração da conexão entre o fato investigado e aquele descoberto, a uma, porque a própria Lei nº 9.296/96 não a exige, a duas, pois o Estado não pode se quedar inerte diante da ciência de que um crime vai ser praticado e, a três, tendo em vista que se por um lado o Estado, por seus órgãos investigatórios, violou a intimidade de alguém, o fez com respaldo constitucional e legal, motivo pelo qual a prova se consolidou lícita. II - A discussão a respeito da conexão entre o fato investigado e o fato encontrado fortuitamente só se coloca em se tratando de infração penal pretérita, porquanto no que concerne as infrações futuras o cerne da controvérsia se dará quanto a licitude ou não do meio de prova utilizado e a partir do qual se tomou conhecimento de tal conduta criminosa. Habeas corpus denegado. (HC 69552/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 06/02/2007, DJ 14/05/2007, p. 347)

AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. QUADRILHA, ESTELIONATO, FALSIDADE IDEOLÓGICA, USO DE DOCUMENTO FALSO E EXPLORAÇÃO DE PRESTÍGIO. RELATOR. ATUAÇÃO DIVERSA DA FUNÇÃO DA POLÍCIA JUDICIÁRIA. INEXISTÊNCIA DE COMPROMETIMENTO. PROVA ILÍCITA. INTERCEPTAÇÃO EMPRESTADA. PARTICULARIDADES. INOCORRÊNCIA DE ABUSO. CONEXÃO E LITISPENDÊNCIA. FATOS E PARTES DIVERSAS. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. AUTORIA COLETIVA. DESNECESSIDADE DE INDICAÇÃO EXAUSTIVA DAS CONDUTAS. A função do relator na competência da ação penal originária não o identifica, na fase anterior ao recebimento da denúncia, à autoridade policial, razão porque a sua atuação no procedimento instrucional mantém-se inalterada. A captação de conversas telefônicas obtidas dentro dos padrões legais, mesmo que aclarando realidade nova, pode sustentar uma persecução autônoma, ainda mais quando o seu conteúdo se mostrar fiel ao transcurso da investigação originária. Inteligência do artigo 5°, inciso XII, da Constituição Federal, bem assim, da Lei n° 9.296/96. Não se pode falar em conexão e litispendência se não há identidade de sujeitos e de pedido.

Os elementos colhidos nos autos e narrados na denúncia demonstram a existência de fortes indícios das condutas delituosas, irrogando a todos os seis acusados os crimes de quadrilha e estelionato qualificado, bem assim, também constatam-se presentes os elementos para considerar a prática dos crimes de falsidade ideológica e uso de documento falso por parte dos advogados enumerados, enquanto que viável a imputação do delito de exploração de prestígio por atuação do Procurador Regional Federal.

“A gravidade do fato justifica o afastamento do exercício das funções de magistrado e de procurador federal, sem prejuízo da remuneração e vantagens, até o julgamento definitivo.” (Precedentes: APN 244/DF, Inq. 323/PE, Inq. 300/SP, Inq. 231/SP, APN 306-DF.) Denúncia recebida com o afastamento dos denunciados das funções respectivas.

(Apn 425/ES, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/11/2005, DJ 15/05/2006, p. 141)


11 CONCLUSÃO

Com o advento da Constituição Federal de 1988 admitiu-se, em caráter excepcional, respeitados os pressupostos constitucionais e legais, a violação da comunicação telefônica, que, a princípio, esta resguardado pelo direito a intimidade / privacidade (artigo 5º, inciso X, da Carta Política).

Apenas em 1996, com a Lei n. 9.296/96, foi regulamentada a interceptação de telefônica. Tal legislação estabeleceu os requisitos autorizadores, os legitimados a pedir, a autoridade competente para autorizar, o procedimento e os crimes decorrentes da captação ilícita e da quebra do sigilo.

A legislação em evidência foi inovadora para a época de sua elaboração, mas, como já vimos, enseja inúmeras dúvidas, as quais são objeto de conflito na doutrina e na jurisprudência.

Diante da crescente onda de criminalidade, o meio de prova debatido neste trabalho mostra-se necessário e eficiente para combater o crime, ou melhor, para que a lei penal seja aplicada aos casos até então ocultos, em razão da ineficácia das demais formas de produzir prova.

Presentes os requisitos autorizadores da captação, em regra, o interesse social deve prevalecer sobre interesse particular (a intimidade deve ser violada em prol da coletividade), afinal a pacificação social é um dos principais escopos da ciência do direito. No entanto, o magistrado deve sempre ter em vista o princípio da proporcionalidade, a fim de coibir excessos e ilegalidades.


REFERÊNCIAS

ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Legislação penal especial / Ricardo Antonio Andreucci. – 7. ed. atual. e ampl. – São Paulo : Saraiva, 2010.

AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas Ilícitas: interceptações telefônicas, ambientais e gravações clandestinas. – 4 ed.rev. e ampl. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da república federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 08 out. 2010.

______. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em: 08 out. 2010.

______. Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996. Regulamenta o inciso XII, parte final, do art. 5º da Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9296.htm>. Acesso em: 08 out. 2010.

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TYMINSKI, Juliana Carvalho; MEDEIROS, Vinicius Almeida de. Interceptação telefônica à luz da Lei 9.296/96. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3811, 7 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26052. Acesso em: 4 maio 2024.