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Exibição aos jurados de depoimentos gravados no iudicium accusationis: como proceder?

Exibição aos jurados de depoimentos gravados no iudicium accusationis: como proceder?

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O conceito de provas não repetíveis abrange depoimentos prestados no iudicium accusationis por testemunhas que, por ocasião do julgamento em plenário, já tenham falecido ou se encontrem em local incerto e não sabido.

Dentre as diversas questões trazidas pela reforma do procedimento do Júri empreendida pela Lei n. 11.719/2008, merece destaque o problema da exibição em plenário da prova colhida ao longo do IUDICIUM ACCUSATIONIS, vale dizer, depoimentos registrados por meio audiovisual, conforme preconiza o § 1º do art. 405 do CPP. Se o Promotor de Justiça ou a defesa pretendem apresentar aos jurados tais depoimentos, como deverão proceder?

É claro que não existe qualquer óbice legal à exibição de tais gravações aos jurados durante o tempo reservado a cada uma das partes para os debates. A dificuldade, porém, pode ser outra: é que, dependendo da hipótese, a extensão de tais gravações pode ser tal que sacrifique parcela importante, senão a totalidade, dos (em regra) exíguos noventa minutos destinados, a princípio, à crucial atividade de argumentação e convencimento dos jurados.

Diante dessa inegável realidade, alguns profissionais com atuação no júri têm buscado uma solução no art. 473, § 3º, do CPP, requerendo a exibição das gravações na fase da leitura de peças, portanto sem comprometimento do prazo para os debates.

Aos mais antigos no tribunal popular, não é preciso lembrar que essa era a solução adotada pelas partes antes da reforma de 2008: sempre que entendiam necessária a apresentação aos jurados de quantidade expressiva de elementos probatórios colhidos em fase anterior do processo, acusação e defesa requeriam ao juiz a leitura de peças, permitida, sem maiores restrições, pelo antigo art. 466, § 1º, do CPP, que assim dispunha:

“Art. 466. Feito e assinado o interrogatório, o presidente, sem manifestar sua opinião sobre o mérito da acusação ou da defesa, fará o relatório do processo e exporá o fato, as provas e as conclusões das partes.

§ 1º Depois do relatório, o escrivão lerá, mediante ordem do presidente, as peças do processo, cuja leitura for requerida pelas partes ou por qualquer jurado.”

Comparemos, porém, tal redação àquela do vigente art. 473, § 3º, do diploma processual penal. Após tratar da inquirição de testemunhas em plenário, e antes de passar para o interrogatório do acusado, estabelece o legislador no mencionado dispositivo:

Art. 473 (...)

§ 3º As partes e os jurados poderão requerer acareações, reconhecimento de pessoas e coisas e esclarecimentos dos peritos, bem como a leitura de peças que se refiram exclusivamente às provas colhidas por carta precatória e às provas cautelares, antecipadas ou não repetíveis.

Comentando o dispositivo, afirma o ilustre Professor Gustavo Henrique Badaró:

“A parte final do § 3º do art. 473 constitui importantíssima inovação, que procura preservar a oralidade do procedimento do júri, impondo que, em regra, as provas sejam produzidas na própria sessão de julgamento, possibilitando aos jurados um melhor conhecimento dos fatos” (in “As Reformas no Processo Penal”- coordenação Maria Thereza Rocha de Assis Moura – Ed. RT, 2009, p. 173)

Parece evidente ter o legislador de 2008 tomado novo rumo com relação à “leitura” (entenda-se, exibição aos jurados) de peças em plenário. Permite ainda, é verdade, que as partes a requeiram, porém de forma muito mais restrita: serão objeto dessa “leitura” tão somente aqueles elementos de convicção que, pela sua natureza ou por força das circunstâncias, não podem ser reproduzidos em plenário.

Assim se dá com o depoimento colhido por carta precatória: se o foi, é porque a testemunha em questão residia fora da comarca, não se podendo portanto exigir que compareça ao plenário do júri de outra cidade para renovar suas declarações.  Também a extrema dificuldade ou mesmo impossibilidade de renovação de determinado depoimento em fase posterior terá justificado a sua produção antecipada, em caráter de cautela.

Há, portanto, coerência na nova regra: a prova deve ser produzida em plenário, diante dos jurados, aos quais se faculta inclusive formular perguntas aos depoentes; contudo, se existe grande dificuldade ou impossibilidade na repetição em plenário de prova colhida em fase anterior do processo, tal prova poderá ser exibida aos jurados na fase da “leitura de peças”, a requerimento de qualquer das partes.

Já enfrentadas as hipóteses de carta precatória e produção antecipada de prova, restaria indagar a quais situações se aplica o comando legal que permite a “leitura” (ou seja, exibição aos juízes do fato) de provas não repetíveis, isso no âmbito da prova testemunhal, objeto maior das preocupações desta despretensiosa análise.

Irrepetível é, sem dúvida, o depoimento de testemunha já falecida por ocasião da realização da sessão plenária. Acreditamos, porém, que o conceito não se restringe a tal hipótese. Se acusação ou defesa arrolam determinada testemunha, considerando imprescindível seu depoimento em plenário, fornecem seu endereço para intimação, e o Oficial de Justiça certifica estar a mesma em local incerto e não sabido, como repetir a prova diante dos jurados? A solução é requerer a parte a exibição aos jurados do depoimento gravado no IUDICIUM ACCUSATIONIS, como prova não repetível que é.

Diferente é a hipótese (que não chega a ser rara no dia a dia do júri, bem o sabemos) em que a testemunha é intimada para o julgamento mas, ainda assim, deixa de comparecer ao Tribunal (pelos mais diversos motivos). Nesse caso, se a parte que a arrolou não insistir em seu comparecimento (situação em que se daria o adiamento ou no mínimo a suspensão da sessão), não poderá requerer a exibição de seu depoimento anterior aos jurados na fase de “leitura” de peças: é que já não se trata de prova irrepetível, e sim de prova de cuja repetição em plenário a parte desistiu.

O mesmo raciocínio se aplica, por idêntica razão, à testemunha cujo depoimento foi colhido na primeira fase mas que sequer foi arrolada pela parte, na oportunidade do art. 422 do CPP, para depor em plenário. Isto sem esquecer as não raras situações em que a testemunha comparece para depor mas a parte que a arrolou opta, por razões estratégicas, por dispensar seu depoimento em plenário.

Não que as gravações dos depoimentos anteriores de tais pessoas (depoimentos “irrepetidos”, diríamos, mas não irrepetíveis) não possam ser exibidas pelas partes aos jurados. Tanto Promotor quanto defesa poderão mostrar aos jurados tais depoimentos gravados se assim desejarem, porém durante suas respectivas falas, na fase dos debates, analisando caso a caso, evidentemente, as vantagens e desvantagens de subtrair de seu tempo de argumentação alguns minutos para exibição parcial ou integral das gravações.


Conclusões:

a) Não é mais permitida, no momento da chamada “leitura de peças” (art. 473, § 3º, do CPP), que antecede a fase de debates em plenário, a exibição aos jurados de qualquer prova que as partes desejem, mas tão somente das provas “não repetíveis” (e outras de difícil repetição, como é o caso do depoimento tomado por precatória).

b) O conceito de provas não repetíveis abrange depoimentos prestados no IUDICIUM ACCUSATIONIS por testemunhas que, por ocasião do julgamento em plenário, já tenham falecido ou se encontrem em local incerto e não sabido.

c) Quanto aos demais depoimentos, vale dizer, aqueles prestados na fase de admissibilidade da acusação por testemunhas que podem depor diante dos jurados, também terão as respectivas gravações exibidas em plenário pela parte que assim desejar, porém na fase de debates, valendo-se a parte do tempo que a lei lhe concede nessa etapa. Isso abrange os depoimentos anteriores das testemunhas que efetivamente depuseram em plenário (e cujo novo depoimento o Promotor ou a defesa queiram comparar com o anterior, diante dos jurados), bem como os das pessoas de cujo depoimento em plenário a parte desistiu, seja por não ter a testemunha comparecido à sessão de julgamento, embora intimada, seja por uma questão de estratégia, apesar de ter a testemunha comparecido.


Autor

  • Marcelo Rocha Monteiro

    Marcelo Rocha Monteiro

    Procurador de Justiça (titular da 4a. Procradoria de Habeas Corpus) do Ministério Público do Rio de Janeiro Ex-Promotor de Justiça do III Tribunal do Júri da Capital (de 1996 a 2012) Professor concursado (desde 1988) de Direito Processual Penal da UERJ Ex-Promotor de Justiça no Estado de São Paulo

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONTEIRO, Marcelo Rocha. Exibição aos jurados de depoimentos gravados no iudicium accusationis: como proceder?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3818, 14 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26151. Acesso em: 28 mar. 2024.