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Representação no CNJ contra a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo

decisão final proferida pelo CNJ com alguns comentários

Representação no CNJ contra a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo: decisão final proferida pelo CNJ com alguns comentários

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Sustentando sua incompetência para discutir o ato administrativo impugnado, o CNJ autoriza o Judiciário Paulista a ser um aparelho de repressão político/ideológico a serviço do governo.

Recebi a intimação da decisão final proferida pelo CNJ nos autos da REPRESENTAÇÃO que promovi contra a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo por causa da edição de um ato administrativo que recriou o policiamento político  nos moldes do antigo DOPS com a finalidade de coibir a ação do Black Bloc. Abaixo reproduzo a decisão na íntegra:

"PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - CONSELHEIRO 0006531-78.2013.2.00.0000 Requerente: Fábio de Oliveira Ribeiro Requerido: Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo Advogado(s): SP107642 - Fábio de Oliveira Ribeiro (REQUERENTE) EMENTA RECURSO ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. POSSÍVEL ATO EDITADO PELA SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO. EXAME. INCOMPETÊNCIA DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. CONTROLE DA ATIVIDADE JURISDICIONAL. IMPOSSIBILIDADE. 1. As alegações do requerente espelham seu inconformismo pessoal com a atuação da Polícia Militar do Estado de São Paulo frente às recentes manifestações populares, em especial, na repressão do grupo intitulado pela mídia como "black blocs". Não foi apontada a existência de ato oriundo do Poder Judiciário que justifique a atuação do Conselho Nacional de Justiça. 2. Esta Corte Administrativa tem a missão constitucional de controlar a atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e o cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, não sendo a seara adequada para debater temas de caráter estritamente político- ideológico tal como tenciona o requerente. Inteligência do § 4º do artigo 103-B da Constituição Federal. 3. O Conselho Nacional de Justiça não tem ingerência sobre a atividade jurisdicional, portanto, lhe é defeso obrigar os magistrados a não receberem denúncias que tenham origem no ato que o requerente julga ser inconstitucional. 4. Recurso improvido. RELATÓRIO Trata-se de recurso administrativo interposto contra decisão monocrática que não conheceu e determinou o arquivamento do Pedido de Providências apresentado por Fábio de Oliveira Ribeiro em face da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. Na inicial o requerente solicitou a adoção de medidas que obriguem os juízes do Estado de São Paulo a arquivar denúncias oriundas de inquéritos policiais instaurados para investigar a conduta de grupos autodenominados "black blocs". O requerente sustentou que a requerida editou ato para estabelecer regras de cunho político e ideológico para repressão ao citado grupo de pessoas, defendendo que tal medida tem o intuito de criminalizar manifestações populares e limitar a liberdade de consciência dos cidadãos paulistas. Afirmou que os preceitos constitucionais são ignorados no Estado de São Paulo e, considerando que os inquéritos policiais são fundamentais para a instrução de processos judiciais, requereu a este Conselho que seja editada norma para obrigar os magistrados paulistas a arquivar incontinenti as denúncias ofertadas com esteio nos procedimentos policiais instaurados segundo as regras da citada recomendação. Nos termos do Evento 5 foi proferida decisão monocrática final que não conheceu do procedimento e determinou seu arquivamento, nos termos do artigo 25, inciso X do Regimento Interno. Irresignado, o requerente interpôs recurso administrativo (PET6), no qual renovou os argumentos deduzidos na peça vestibular e pugnou pele reforma da decisão terminativa. É o que cabe relatar. VOTO O recurso é tempestivo e merece ser conhecido, haja vista a presença dos pressupostos de admissibilidade. No mérito, não há como acolher a pretensão recursal. Nos autos do presente Pedido de Providências o requerente contestou orientação da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo que, no seu entender, teria estabelecido procedimentos com viés político-ideológico para coibir a atuação do grupo de pessoas denominado "black blocs" e, dessa forma, criminalizar manifestações populares e limitar a liberdade de consciência dos cidadãos paulistas. O requerente insiste na tese de que o Conselho Nacional de Justiça teria competência para controlar possível ato do Poder Executivo do Estado de São Paulo sob o argumento de que a atuação dos magistrados paulistas estaria subordinada a ato inconstitucional, fruto de perseguição política e ideológica, "nos moldes do antigo DOPS". As alegações do requerente espelham seu inconformismo pessoal com a atuação da Polícia Militar do Estado de São Paulo frente às recentes manifestações populares, contudo, não contém qualquer justificativa para a atuação desta Corte Administrativa, uma vez que não apontada a existência de ato oriundo do Poder Judiciário. Conforme dito na decisão monocrática impugnada, as atividades do Conselho Nacional de Justiça dirigem-se ao controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes e este Órgão não é a seara adequada para debater temas de caráter estritamente político-ideológico tal como tenciona o requerente. Nesse particular, mister repisar que a competência do Conselho Nacional de Justiça está expressamente definida no § 4º do artigo 103-B da Constituição Federal, verbis: Art. 103-B. [...] § 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: I - zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências; II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União; III - receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa; IV - representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade; V - rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano; VI - elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário; VII - elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias, sobre a situação do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa. O requerente reitera o pedido para que esta Casa atue no sentido de obrigar "os Juízes do Estado de São Paulo a imediatamente arquivarem qualquer Denuncia feita em razão de um Inquérito Político-Policial produzido com base na absurda Recomendação da representada". O requerente claudica mais uma vez. Não bastasse a intenção de controle do possível ato da Secretaria de Segurança do Estado de São Paulo, fato que por si só, já seria o bastante para o arquivamento sumário do presente procedimento, foi requerida a ingerência na atividade jurisdicional, tarefa estranha às competências do Conselho Nacional de Justiça. Registre-se que é descabido o argumento segundo o qual os magistrados do Estado de São Paulo serão induzidos a erro ao receberem denúncias lastreadas em ato que, no julgamento do requerente, reveste-se de inconstitucionalidade, sendo necessária a atuação deste Conselho para fazer valer as disposições do Estatuto da Magistratura. A ilação é desprovida de fundamento jurídico, sendo, portanto, despiciendo tecer maiores comentários. Ante o exposto, nego provimento ao presente recurso administrativo, mantendo-se a decisão que não conheceu do Pedido de Providências e determinou seu arquivamento. Após intimação do requerente, arquivem-se os autos. Intime-se. Gisela Gondin Ramos Conselheira"

Não vou discutir o acerto ou não desta decisão. Aos interessados sugiro conferir os argumentos que utilizei na inicial da Representação http://jus.com.br/peticoes/25729/representacao-no-cnj-contra-a-secretaria-de-seguranca-publica-do-estado-de-sao-paulo  e no Recurso Administrativo (abaixo transcrito) que foi interposto contra a decisão monocrática que a havia arquivado sumariamente:

"O requerimento do recorrente foi sumariamente arquivado porque, segundo a autoridade que proferiu a decisão de fls., o CNJ não teria competência para apreciar e apreciar esta representação. A decisão proferida pela Conselheira Gisela Gondim Ramos pode e deve ser revogada.

Consoante o requerimento inicial, o requerente informou ao CNJ que a representada produziu um ato administrativo absolutamente inconstitucional que reintroduz o policiamento político e ideológico no Estado de São Paulo nos moldes do antigo DOPS. Referido ato vinculará a atuação dos Delegados de Polícia, condicionando a atuação dos Juízes paulistas, os quais serão levados a crer que crimes comuns estão sendo cometidos a partir de denúncias formuladas com base em Inquéritos Político-Policiais.

 O CNJ tem competência para zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência e recomendar providências.  (art. 103-B, §4º, I, da CF/88) e para representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração ou de abuso de autoridade (art. 103-B, §4º, IV, da CF/88).

A Lei Orgânica da Magistratura obriga os Juízes estaduais a cumprir e fazer cumprir fielmente a legislação em vigor. A CF/88 baniu do cenário jurídico brasileiro os crimes de opinião, bem como, qualquer tipo de controle policial sobre opções partidárias, políticas e ideológicas dos cidadãos. A própria CF/88 garante a liberdade de consciência e de manifestação. Portanto, quer as autoridades paulistas gostem ou não elas devem respeitar esta regra constitucional por força do princípio da legalidade inscrito na CF/88.

Do acima exposto resulta que os processos criminais devem iniciar sempre tendo em conta o fato típico descrito na Lei Penal e não a vinculação política do suspeito ou sua crença ideológica. Sua filiação partidária ou apoio a um movimento não deve ser tratado como ato criminoso, pois isto não é prescrito em Lei e sim proibido implicitamente pela CF/88. Não é isto que vai ocorrer em São Paulo.

Em razão do ato administrativo mencionado na inicial (cuja cópia foi anexa ao processo), doravante os Delegados de Polícia de São Paulo, dando cumprimento a Recomendação da representada, farão o controle político-ideológico nos moldes do antigo DOPS. Os Inquéritos Político-Policiais se transformação em peças de informação criminal. Com base nestas, o Ministério Público ofertará Denuncias ao Judiciário de São Paulo. Mas estas Denúncias certamente terão que omitir os aspectos político-ideológicos que determinaram a repressão policial, que levaram as autoridades policiais do Estado de São Paulo a agir e a tratar como criminosas pessoas suspeitas de pertencer aos Black Blocs.

O Judiciário paulista, portanto, será levado a erro de maneira constante, vendo-se compelido a tratar como criminosos comuns pessoas que foram perseguidas por razões político-ideológicas. Cabe ao CNJ desfazer este erro (que reintroduz a perseguição político-policial em São Paulo) mediante a expedição de um ato regulamentar, obrigando os Juízes paulistas a imediatamente arquivar estes Inquéritos Político-Policiais antes que eles se tornem processos criminais abusivos. Ao fazer isto o CNJ estará protegendo a independência do Judiciário Paulista, antes que aquele órgão se torne parte de uma imensa engrenagem dentro da máquina de repressão político-policial que está sendo criada para servir aos interesses escusos do governador Geraldo Alckimin.

Outra providência que o CNJ pode e deve tomar é representar ao MP, para que a Resolução que introduz a repressão política no Estado de São Paulo seja questionada diretamente através de ação de inconstitucionalidade. Mas isto não poderá ser feito, pois o presente procedimento foi apressadamente arquivado como se o CNJ aprovasse de maneira indireta a reintrodução da mentalidade do antigo DOPS no cotidiano jurídico e judiciário paulista."                              

Mas há pelo menos um aspecto da decisão do CNJ que merece ser discutido. Em certo momento a Relatora do caso afirmou que:

"Conforme dito na decisão monocrática impugnada, as atividades do Conselho Nacional de Justiça dirigem-se ao controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes e este Órgão não é a seara adequada para debater temas de caráter estritamente político-ideológico tal como tenciona o requerente."

Na Representação (link) e no Recurso Administrativo (acima transcrito) apresentei argumentos jurídicos para tentar convecer o CNJ a impedir a restauração de uma repressão político/ideológica incompatível com a CF/88. Em nenhum momento tentei obrigar o CNJ a "debater temas de caráter estritamente político-ideológico"  como afirmou a Relatora do caso. Esta afirmação da Conselheira diz mais sobre a ideologia dela do que sobre a minha. Ademais, a interpretação que o CNJ fez da legislação para indiretamente autorizar a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo a transformar o Judiciário Paulista num aparelho de repressão político/ideológica a serviço do governo Alckimin, no mínimo, revela que nem todos os cidadãos paulistas gozam (ou devem gozar) das liberdades pessoais, públicas e políticas prescritas na CF/88. Nesse sentido, a decisão do CNJ representou uma imensa derrota para o regime democrático e constitucional brasileiro. Uma decisão, porém, foi proferida e terá que ser respeitada.  



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Fábio de Oliveira. Representação no CNJ contra a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo: decisão final proferida pelo CNJ com alguns comentários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3827, 23 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/26214. Acesso em: 28 mar. 2024.