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Concretização judicial de direitos fundamentais da pessoa portadora de transtorno mental

Concretização judicial de direitos fundamentais da pessoa portadora de transtorno mental

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No Brasil estamos com cerca de 40 anos de atraso na produção teórica e jurisprudencial entre “direitos fundamentais” e saúde mental.

1. Introdução. 2. Um conceito jurídico de saúde mental - poder judiciário. 3. Concretização judicial de direitos fundamentais da pessoa portadora de transtorno mental. 4. A jurisprudência concretizadora: uma experiência a realizar a dignidade do portador de transtorno mental. 4.1. Fornecimento de medicação: a saúde não é uma promessa constitucional inconsequente. 4.2. Saúde como direito líquido e certo. 4.3. O habeas corpus como garantia do direito à liberdade na internação psiquiátrica involuntária irregular. 4.4. O direito de ir e vir à unidade de tratamento. 5. Considerações finais – referências bibliográficas.


1. INTRODUÇÃO

Fiat Lux! No princípio Deus criou o céu e a terra. A terra estava deserta, vazia; as trevas cobriam o abismo. Sobre as águas, apenas um vento pavoroso. Deus disse: haja luz e houve luz (Gênesis), e alguém no mundo entendeu que Deus falava latim.

As interações sociais estão sujeitas a múltiplos fatores pessoais, sociais, fisiológicos, de personalidade, de linguagem, psicológicos etc, que influenciam os processos de comunicação humana. Como observam Paul Watzlawick, Janet Helmick Bealvin, e Don D Jackson, a ilusão mais perigosa de todas é a de que existe apenas uma realidade. Aquilo que de fato existe são várias perspectivas diferentes da realidade, algumas das quais contraditórias, mas todas resultantes da comunicação e não reflexos de verdades eternas e objetivas[1].

Quando a luz se fez pela primeira vez, a humanidade, ainda sem espelhos, relegou a loucura ao signo da animalidade, passando em seguida sobre o simbólico dos “loucos bêbados”, “loucos sem memória e entendimento”, loucos mansos e semimortos”, “loucos avoados e sem cérebro” - que passeavam escravizados na Narrenschiff[2] pelos rios calmos da Renânia e dos canais flamengos – para aportar na grande internação manicomial de que nos fala a obra inigualável de Michel Foucault[3].

O direito, notadamente a civilística, antecipando-se às teorias médicas, apurou a sua análise do fenômeno da loucura, registrando o aludido filósofo francês que num sentido, é justo dizer que é sobre o fundo de uma experiência jurídica da alienação que se constituiu a ciência médica das doenças mentais[4].

A psiquiatria, disciplina nascida no século XIX em decorrência da crença de que os manicômios para guarda poderiam ter uma função terapêutica[5], desenvolve o conceito de “doença mental”, inicialmente adotando parâmetros das doenças orgânicas ou somáticas.

O paradigma, até então, tanto para o direito quanto para a psiquiatria, era a “doença mental”.

Mas, a segunda guerra mundial, com seus extremos de destruição, levou às duas disciplinas à percepção da fragilidade de seus poderes isolados. O direito percebeu que a sua tão propalada “pureza”, e mera legalidade, defendidas pelo positivismo jurídico”[6], tinham a capacidade de servir a qualquer senhor, como bem demonstraram as leis e o ordenamento jurídico dos nazistas. A psiquiatria teve que reconhecer, para além das bases biológicas, que o indivíduo como agente sócio-cultural é construído segundo diretrizes simbólicas, semióticas e virtuais que o orientam segundo representações e significações que lhe determinam um lugar e uma identidade no sistema de produção de sua cultura e sociedade[7].

Enquanto o direito, agora aberto aos demais ramos do conhecimento humano, formulava teorias e práticas para superar a barbárie, transformando em normas jurídicas eficazes valores éticos e morais, na tentativa de construir dispositivos jurídicos eficientes que não mais permitissem outro episódio autoritário universal[8], a área da saúde mental (não mais só da psiquiatria), mormente as experiências de Franco Basaglia nas cidades italianas de Triste e Goriza, ofertaram ao mundo uma nova possibilidade: a chamada “desinstitucionalização da loucura[9]”.

Para desinstitucionalizar a loucura uma reforma psiquiátrica é exigida, uma reforma, sobretudo, no conceito de “doença mental” que passa a ser desconstruído para dar lugar a nova forma de perceber a loucura enquanto “existência-sofrimento[10]”. Como pondera Nacile Daúd Júnior, exige-se uma ressignificação dos conceitos de loucura e doença mental, considerando a doença mental um fenômeno complexo relacionado ao drama existencial humano, combatendo a simplificação que reduz o conceito ao modelo clínico médico-psicológico causa[11].

Para lidar com a realidade do pós-guerra o direito se transforma. Numa revolução lenta e silenciosa realiza mudanças de paradigmas, atribuindo à norma constitucional o status de norma jurídica (anteriormente não passava de um documento essencialmente político, sem vocação imperativa, apenas indicativa), cuja não observância deflagra os mecanismos jurídicos próprios de coação. Essa nova norma jurídica, superior a todas as demais[12], possui estrutura semântica aberta (princípios), para proporcionar a incorporação em si de valores éticos e morais do humanismo, exigindo uma interpretação diferenciada (hermenêutica constitucional), a ser realizada por jurisdição devidamente constitucionalizada, que passa a ter a sua importância aumentada na contemporaneidade, deixando para trás a tão conhecida supremacia do parlamento.

Verdadeira revolução foi a constitucionalização dos direitos humanos, retirando destes a inaplicabilidade, e transformando-as em “direitos fundamentais”, protegidos dos perigos do processo político majoritário, aplicáveis contra o Estado e particulares,  resguardados pelo Poder Judiciário, contando com um amplo rol de garantias processuais, bem como novas disciplinas, como o direito constitucional processual, que agora fazem parte do direito constitucional contemporâneo.

Marcelo Lima Guerra esclarece que os direitos fundamentais, como categoria jurídica dotada de contornos próprios, como atualmente se reconhece que eles são, nascem no constitucionalismo do século XX. Contudo, boa parte dos valores e exigências que têm como conteúdo são há muito reivindicados pelo humanismo e incorporados pela cultura jurídica. O que caracteriza os direitos fundamentais, como uma nova categoria jurídica,é, precisamente, a força jurídica reconhecida a tais valores. Em outras palavras, é o regime jurídico a que se acham submetidos os direitos fundamentais o novum que os identifica como uma categoria específica[13].

Das necessidades da reforma psiquiátrica, quando verdadeiramente se fez luz, também restou estabelecido um novo paradigma: a “saúde mental”. Esse novo conceito, que é em verdade uma exigência também prática de todos os povos, está necessariamente ligado ao princípio jurídico que sustenta toda a estrutura do direito constitucional contemporâneo: o “princípio da dignidade humana”.

É na dignidade da pessoa portadora de transtorno mental[14] que o direito constitucional contemporâneo se encontra com as possibilidades do conceito de saúde mental. A matriz genética de todos os direitos fundamentais, também alberga eficientemente uma reforma psiquiátrica verdadeira e eficaz, aquela que, sem exceção, terá de ser construída com instrumentos materiais e processuais da Constituição, a norma suprema do Estado Democrático brasileiro, maior e mais poderoso depositório de possibilidades em saúde mental.

Não se quer dizer que a “doença mental” não mais existe. A idéia de que a doença mental seria um mito restou consignada apenas nas relevantes e corajosas percepções de Thomas S. Azasz[15] . Qualquer um que experimente o sofrimento psíquico pode dar o testemunho de quanto ele pode ser destruidor e letal, assim como a assistência psiquiátrica distante dos novos paradigmas do direito constitucional e da saúde mental.

No Brasil estamos com cerca de 40 anos de atraso na produção teórica e jurisprudencial entre “direitos fundamentais” e saúde mental. Impressiona, ressalvadas exceções valorosas, o descaso que fazem os juristas acerca do tema. A rigor, tem sido a doutrina de bravos e humanistas profissionais da saúde, como José Jackson Coelho Sampaio, Paulo Amarante, Pedro Gabriel Godinho Delgado, entre outros, que tem explorado a intercessão do direito e da saúde mental, contudo, sempre sob a perspectiva dos “direitos humanos”. Há uma nova tarefa a cumprir, a “concretização”, e ela exige um olhar agora para os “direitos fundamentais”.

Não se questiona que na história da humanidade as declarações de direitos humanos foram e são muito importantes, mas é também inegável que os novos tempos exigem a realização plena dos direitos declarados.

Norberto Bobbio esclarece que o problema grave de nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não era mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-los.

Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é a sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados[16]

Estamos diante de novas possibilidades. Na contemporaneidade do direito constitucional loucura é somente o não-direito. As esperanças da saúde mental afloram não somente de doutrinas e leis, mas, sobretudo, da Constituição Federal de 1988, e o guardião desse documento máximo é o Poder Judiciário.

A humanidade não pode esquecer as lições do arbítrio universal, precisa sempre recomeçar, nunca mais sem o princípio da dignidade humana, pois, como lembra Hannah Arendt, também é verdade de que todo fim na história constitui necessariamente um novo começo; esse começo é a promessa, a única “mensagem” que o fim pode produzir[17].

Na aproximação entre saúde mental e Poder Judiciário pode estar o princípio do fim da era manicomial, o verdadeiro começo da dignidade da pessoa portadora de transtorno mental.


2.  UM CONCEITO JURÍDICO DE SAÚDE MENTAL – PODER JUDICIÁRIO

Intermináveis são as discussões sobre os conceitos de “doença mental” e “saúde mental”. Não cabe neste estudo, porém, digressões sobre os diversos autores e movimentos responsáveis pela referidas discussões. Importante, no entanto, é saber que  inicialmente, do ponto de vista estritamente médico, falar em saúde mental seria falar de ausência de doença, ou seja, da erradicação da doença mental[18].

Essa visão estrita do conceito de saúde mental sofreu sensível evolução, mormente por influência da definição de “saúde” adotada pela Constituição da Organização Mundial de Saúde (OMS ou WHO)[19], em 1946, que, superando a concepção simples de saúde como ausência de doença, remete a uma expansão de sentido ao firmá-la como “o estado de completo bem-estar físico, mental e social”. Posteriormente a aludida definição foi alterada de forma a se incluir no conceito de saúde a capacidade para produzir uma vida social e economicamente produtiva[20].

Face às necessidades de concretização dos direitos das pessoas portadoras de transtorno mental, a discussão teórica sobre o termo médio que corresponda a uma barreira bem definida entre o normal e o mórbido[21], não pode impedir a imediata percepção de um conceito jurídico de saúde mental, uma definição adequada a ser utilizada quando da atividade jurisdicional.

Fernandes da Fonseca propõe entender-se “saúde mental” como o sistema de equilíbrio funcional do organismo capaz de permitir ao indivíduo uma boa adaptação social[22]. Contudo, talvez a mais legítima definição seja mesmo a da Organização Mundial de Saúde, para quem saúde mental não é apenas a ausência de transtorno mental. É definida como um estado de bem estar que permite que cada indivíduo se aperceba do seu próprio potencial, lide com o stress normal da vida, possa trabalhar produtiva e proveitosamente e seja capaz de dar o seu contributo à sua comunidade[23].

Como lembram Maria Victoria Famá, Marisa Herrera e Luz María Pagano, também é possível compreender-se “saúde mental” para fazer referência a um conjunto de conhecimentos e ações de caráter público e privado tendentes a prevenir a aparição de transtornos mentais e desajustes de conduta em pessoas e instituições, a detectar e tratar precocemente os casos existentes, e a produzir a reinserção social de quem tenha sido afetado por alterações psicológicas[24].

Embora não seja possível falar-se em um conceito “oficial” de saúde mental, convém reconhecer que o exercício da jurisdição no caso concreto pode perfeitamente adotar as definições acima aludidas, pois ao Poder Judiciário compete interpretar os chamados “conceitos indeterminados”, principalmente porque legalmente obrigado a resolver qualquer pendência que lhe chegue às mãos. A pacificação social a que se destina o direito não pode esperar eternamente por discussões doutrinárias.

Sueli Gandolfi Dallari esclarece:

A Constituição brasileira de 1988 forneceu muitas indicações para orientar o aplicar do direito na precisão do conceito jurídico de saúde. Sabe-se por decorrência da origem natural dos conceitos jurídicos – que a palavra saúde apresenta hodiernamente um núcleo, claro, preciso e determinado: a ausência manifesta de doença. Por outro lado, pela mesma razão, divisa-se um halo nebuloso, expresso por termos imprecisos, ou seja, o bem-estar físico, mental e social. O intérprete constitucional está, pois, obrigado, desde o exame dos princípios que informaram a política constituinte, passando pela compreensão das diretrizes na Constituição e alcançando, finalmente, o estudo das normas jurídicas nele incidentes, ao preenchimento do conceito de saúde.

A Lei maior da República estipulou critérios para que a saúde seja corretamente determinada em seu texto. Assim, vinculou sua realização às políticas sociais e econômicas e ao acesso às ações e serviços destinados, não só, à sua recuperação, mas também à sua promoção e proteção[25].

No ordenamento jurídico constitucional do Brasil todo juiz é um legítimo intérprete e aplicador da Constituição. O Supremo Tribunal Federal, no entanto, é o “guardião” da Carta Magna (art. 102, da CF/88), podendo desempenhar o papel de “regulador” e determinador da própria identidade cultural da República (Ebsen) e de controlador do “legislador mastodonte e da administração leviathan”(Cappelletti)[26] .

A Constituição da República Federativa do Brasil prescreve que saúde é “direito de todos e dever do Estado” (art. 196), sendo que inúmeras vezes a Corte Suprema declarou que a referida norma “não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente” (AGRRE 271286/RS, Ministro Celso de Mello, DJ de 24/11/2000).

Restou também definido pelo STF que em matéria de saúde pública a responsabilidade dos entes da Federação (União, Estados, Distrito Federal e dos Municípios) é solidária (RE 195.192-3/RS, DJ de 22/02/2000), ficando estabelecido que inicialmente compete aos poderes executivos e legislativos a implementação de políticas públicas em saúde.

Não podendo, entretanto, a Constituição Federal tornar-se uma promessa inconsequente,  na omissão da Administração Pública, cabe ao Poder Judiciário a realização das medidas necessárias ao cumprimento do aludido art. 196 da Carta Política. Em casos de inércia do poder público, compete ao Poder Judiciário o controle da referida omissão, determinando a concretização de medidas para a plena realização do direito à saúde, sem que possa a Administração Pública alegar contingência de orçamento, frente o caráter cogente da norma constitucional comentada e à necessidade de respeito ao chamado “mínimo existencial[27]” (RE 482.611/SC, j. em 23/03/2010).

Como também já definiu o Superior Tribunal de Justiça “a omissão injustificada da administração em efetivar políticas públicas constitucionalmente definidas (como no caso da saúde, por exemplo) e essenciais para a promoção da dignidade humana não deve ser assistida passivamente pelo Poder Judiciário” (RESP 1041197/MS, DJ de 16/09/2009).

É lógico que o princípio da separação dos poderes não recomenda que o Poder Judiciário - órgão relativamente isento de responsabilidade, e não escolhido pelo povo - possa impor a sua hierarquia de valores ao interpretar as disposições constitucionais, mas é absolutamente inaceitável que os poderes executivo e legislativo se omitam diante das políticas públicas em saúde preconizadas pela própria Constituição.

Sendo assim, a manifestação do Poder Judiciário com relação à saúde e suas políticas públicas, embora excepcional, é medida possível, cidadã e garantida pelo Supremo Tribunal Federal.

Embora não tenha se manifestado a Corte Suprema sobre o conteúdo específico direito fundamental à saúde mental, é plenamente possível derivá-lo das disposições constitucionais relativas à saúde, abrindo-se para a sua concretização toda a imensidão de possibilidades da jurisprudência da Corte Máxima.

Sendo a saúde “direito de todos e dever do Estado” (art. 196), convém perceber, por inclusão lógica[28], que também a “saúde mental” é direito de todos e dever do Estado. Os direitos fundamentais das pessoas portadoras de transtorno mental, portanto, possuem aplicabilidade imediata (art. 5º, § 1º, da CF/88) e eficácia horizontal e vertical, obrigando o poder público e os particulares, como enuncia a doutrina constitucional e proclama o Supremo Tribunal Federal:

As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados[29].

Dessa forma, o “direito fundamental à saúde mental”, implica direito constitucional subjetivo, garantindo um estado de bem estar que permita a cada indivíduo a percepção e fruição do seu próprio potencial, para que possa lidar com o stress normal da vida e trabalhar produtiva e proveitosamente, a fim de ser capaz de dar o seu contributo à sua comunidade.

Noutra vertente, também acima enunciada, o “direito fundamental à saúde mental” implica um conjunto de ações de caráter público e privado tendentes a prevenir a aparição de transtornos mentais e desajustes de conduta em pessoas e instituições, a detectar e tratar precocemente os casos existentes, e a produzir a reinserção social de quem tenha sido afetado por alterações psicológicas.

 Políticas de saúde mental são, portanto, direito de todos e dever do Estado (gênero)[30], mormente quando a OMS já em 2001 alertava que cerca de 450 milhões de pessoas sofriam de transtornos mentais ou de comportamento no mundo, sem contar o atual e cotidiano aumento e abuso de drogas e álcool, principalmente do crack, que possui efeito fidelizador imediato[31] .

O conteúdo do “direito fundamental à saúde mental” já foi amplamente delimitado no direito comparado[32], e inclui: o direito à internação e a resistir à internação, o direito a ser informado, ao consentimento informado, à autonomia, ao diagnóstico, ao prognóstico, tratamento e reabilitação adequados, direito ao tratamento menos invasivo, a recusa de determinado tratamento, direito ao devido processo legal de internação psiquiátrica involuntária, a alta médica, a comunicação, a seguridade, à dignidade, à indenização em caso de danos, à proteção do patrimônio, a não discriminação, a confidencialidade, a assistência em comunidade, a reabilitação e ressocialização, direito à continuidade do tratamento, direito à terapia farmacológica adequada, direito de participar do próprio tratamento, direito a um registro preciso do processo terapêutico etc.

Por sua vez, como lembra Luís Roberto Barroso, todas as normas constitucionais são normas jurídicas dotadas de eficácia e vinculadoras de comandos imperativos. Nas hipóteses em que tenham criado direitos subjetivos – políticos, individuais, sociais ou difusos – são elas, como regra, direta e imediatamente exigíveis, do poder Público ou do particular, por via das ações constitucionais e infraconstitucionais contempladas no ordenamento jurídico. O Poder Judiciário, como conseqüência, passa a ter papel ativo e decisivo na concretização da Constituição[33]

Daí, portanto, a importância da aproximação entre saúde mental e o poder judiciário para a concretização dos direitos fundamentais da pessoa portadora de transtorno mental.

É de se notar, entretanto, que essa aproximação possui um risco. Diz respeito à tendência do poder judiciário a se filiar às diretrizes da psiquiatria tradicional, olvidando os salutares ventos da reforma psiquiátrica.

Michel Landry[34] alerta para certa obstinação na justiça para privilegiar o papel do psiquiatra em detrimento de outras ciências humanas, o que deriva de sua preocupação em evitar o demasiado aprofundamento da criminogênese, como se a sociedade temesse descobrir um estreito parentesco entre o louco, o criminoso e o homem considerado normal. Pois se o louco é o avalista da ordem racional (M. Foucault), o criminoso deve ser, por sua vez, o avalista da honestidade e respeitabilidade dos outros.

Thomas Szasz[35] registrou que entre a lei e a psiquiatria existe um estabelecido e tácito acordo que permite ao psiquiatra institucional dizer quais pessoas são ‘mentalmente doentes’ e ‘perigosas’ e aos tribunais corroborarem ou rejeitarem esses diagnósticos. Na realidade, esses pareceres psiquiátricos são rotineiramente carimbados pelos tribunais.

Pesquisa realizada no Manicômio Judiciário do Estado do Ceará[36] também confirma a aceitação absoluta, por parte do judiciário, do resultado de perícias psiquiátricas, numa atividade que transforma o ato de julgamento em mera chancela mecânica.

Desta forma, é prudente não esquecer que o chamamento do judiciário para concretizar direitos dos portadores de transtornos mentais, embora urgente e necessário, deve ser iniciado por uma apresentação da nova saúde mental constitucional aos magistrados, matéria ainda a ser desenvolvida plenamente nos planos teórico e prático, embrião de novas possibilidades, esperança e preparação de um futuro necessariamente muito melhor, onde a linguagem da diferença finalmente nos traduzirá em seres iguais.

Exemplo de atuação conservadora por parte do poder judiciário, que apenas reforça o estigma e o preconceito, é a exigência jurisprudencial de interdição total[37] para o recebimento do benefício da prestação continuada[38] pelo portador de transtorno mental, quando o art. 20 da LOAS não faz esta exigência. Pesquisa realizada por Patrícia Ruy Vieira[39] revela a tendência do poder judiciário em decretar interdições totais, ignorando as virtudes da interdição parcial. Lembra o Conselho Federal de Psicologia, contudo, que pessoa incapacitada para vida independente e para o trabalho é aquela que precisa de ajuda para a sua própria sobrevivência. Isso não significa que ela esteja incapacitada para tomar decisões a respeito de sua própria vida, que não possa ter uma conta no banco, que não possa sair sozinha de casa, etc. A maioria das pessoas que possuem alguma doença mental é completamente capaz de regular sua vida, como qualquer outra, pelo menos na maior parte do tempo. Seu transtorno, no entanto, pode lhes impedir de trabalhar normalmente, e isso é o que deve ser medido para efeito do benefício[40].

Outro exemplo de atuação conservadora foi percebido em pesquisa[41] realizada no Manicômio Judiciário do Estado do Ceará, onde todas as decisões acerca da averiguação de cessação de periculosidade eram meras chancelas dos laudos psiquiátricos, documentos de fundamentação absolutamente iguais para todos os casos. A apreciação judicial anulou-se diante das prescrições da psiquiatria.

Para a adequada aproximação entre saúde mental e poder judiciário, portanto, é necessário municiar este com os paradigmas da reforma psiquiátrica e dos Princípios para a Proteção de Pessoas Acometidas de Transtorno Mental e para a Melhoria da Assistência à Saúde Mental da Organização das Nações Unidas – ONU. O direito não se realiza sozinho, exige luta[42].


3. CONCRETIZAÇÃO JUDICIAL DE DIREITOS FUNDAMENTAIS DA PESSOA PORTADORA DE TRANSTORNO MENTAL 

As grandes mudanças de paradigmas no Direito, ocorridas ao longo do século XX, deram à norma constitucional o status de norma jurídica, adquirindo aquela as características desta[43], inclusive o atributo da imperatividade, ou seja, a nova norma jurídica constitucional possui comandos, mandamentos, ordens, dotados de força jurídica, e não apenas moral[44] .

A norma constitucional, dotada de superioridade hierárquica, possui uma estrutura semântica aberta, veiculando conceitos vagos ou ambíguos, dada a natureza política das Cartas Constitucionais, cujas normas devem traduzir o encontro de uma pluralidade de valores, muitas vezes conflitantes, bem como possibilitar e promover o consenso entre e antagônicas forças sociais[45].

Como esclarece Marcelo Lima Guerra:

Além disso, não há como firmar os valores fundamentais da ordem jurídica – uma das missões específicas de uma Constituição digna desse nome – através de uma linguagem marcada pelo tecnicismo: é a ‘voz do povo’, a linguagem natural e ordinária, com todas as suas ‘imperfeições’, ambigüidades e vaguezas, aquela que melhor se presta a veicular as normas constitucionais[46]                                 

Sendo, portanto, a norma constitucional tradutora de uma pluralidade de valores, veiculando uma linguagem natural e ordinária, com imperfeições, ambigüidades e vaguezas, convém admitir a necessidade de uma hermenêutica própria para interpretá-la, uma vez que a hermenêutica clássica, baseada nos métodos literal, gramatical, lógico e sistemático não possui instrumentação suficiente para essa nova tarefa. A era do brocardo in claris cessat interpretatio (Se a lei for clara, não se faz necessário interpretá-la) já passou.

Os novos tempos exigem - como esclarece Raimundo Bezerra Falcão[47] - a percepção de que o sentido não é imutável. Ele é sempre para o sujeito cognoscente, sem se olvidar a ação do objeto sobre o sujeito cognoscente. Além disso, e por isso, o sentido é criador. O sentido é livre por que o palco de sua criação é o pensamento, que também o é por excelência. E é inesgotável por ser livre.

Esse sujeito cognoscente é o intérprete, o novo intérprete constitucional, que pode ser qualquer pessoa física ou instituição, uma vez que todo aquele que vive no contexto regulado por uma norma e que vive com este contexto é indireta ou, mesmo diretamente, um intérprete dessa norma. O destinatário da norma é participante ativo muito mais ativo o que se pode supor tradicionalmente, do processo hermenêutico. Como não são apenas os intérpretes jurídicos da Constituição que vivem a norma, não detêm eles o monopólio da interpretação da Constituição[48].

A proposta democrática de Peter Härbele parte da seguinte tese:

(...) no processo de interpretação constitucional estão potencialmente vinculados todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elenco cerrado ou ficado em numerus clausus de intérpretes da Constituição[49].

A interpretação constitucional deve levar em conta as observações da doutrina contemporânea, segundo a qual as normas jurídicas não se confundem com os texto legislativos, estes são as expressões lingüísticas criadas ou postas pelas autoridades competentes, enquanto aquelas são, nas palavras de Marcelo Lima Guerra

O resultado de uma interpretação dos textos jurídicos, mas, pelo menos nos casos de em que ocorrem ambigüidades e/ vaguezas nos textos legislativos, as normas jurídicas não podem ser, simplesmente identificadas com o próprio significado destes textos. Isto porque a mera informação codificada nas expressões lingüísticas que compõem um texto legislativo, vale dizer, o significado destas expressões, não são suficientes para estabelecer, exatamente, qual é a norma que por este texto se pretendeu veicular. Nesse caso, pelo menos, o intérprete tem que se valer de informações contextuais, a fim de escolher qual o sentido a ser atribuído à expressão ambígua, o que também implica, como se viu, escolher qual a norma a ser atribuída ao texto legislativo apresentado[50]

É preciso consignar, ainda, que a interpretação não é um produto de uma operação realizada em partes (compreensão, interpretação e aplicação), como se fosse possível retirar do texto algo que ele possui em si mesmo; ao contrário o intéprete sempre atribui sentido. Mutatis Mutandis, foi o que fez Müller – de forma inovadora e porque não dizer, revolucionária – anunciar (de denunciar) que a norma é sempre o resultado da interpretação do texto, isto é, que a norma não está contida no texto. O acontecer da interpretação ocorre a partir de uma fusão de horizontes(..), porque compreender é sempre o processo de fusão dos supostos horizontes para si mesmos[51].

Para os novos paradigmas filosóficos da hermenêutica, interpretar é compreender. Compreender é aplicar, concretizar, tarefa responsável[52] do intérprete, que passa a exercer relevante função na concretização de direitos fundamentais.

O estudo desenvolvido no presente trabalho diz respeito, entretanto, somente à concretização “judicial” dos direitos fundamentais da pessoa portadora de transtorno mental, ou seja, aquela aplicação realizada por juízes e tribunais (colegiados de juízes) que efetivamente tornam realidade os aludidos direitos, não mais – apenas -com as feições das declarações de “direitos humanos”, mas agora sob as perspectivas dos “direitos fundamentais subjetivos” albergados pela Constituição Federal.

Os instrumentos utilizados pelo intérprete judicial são dados pela hermenêutica constitucional[53], e levam em conta que as normas constitucionais, especialmente por consagrarem “valores” fundamentais da ordem jurídica, estão em harmonia no plano abstrato[54], mas, entretanto, sempre entram em rota de colisão[55] quando da concretização de qualquer deles[56], exigindo três momentos indispensáveis anunciados por Marcelo Lima Guerra: o levantamento dos valores em jogo, a prognose de consequencias práticas  e a ponderação de bens[57].

O direito fundamental à saúde mental está veiculado num enunciado normativo de textura aberta (direito à saúde – arts. 6º e 196 da CF/88), estando protegido contra atos e abusos dos poderes estatais, além de obrigar juízes e tribunais à realização de uma efetiva proteção positiva, que confira a máxima eficácia possível no âmbito no sistema jurídico.

Lênio Luiz Streck reitera

É dever dos juízes e tribunais aplicar as leis em conformidade com os direitos fundamentas, além de estarem obrigados a “colmatarem” lacunas à luz das normas de direitos fundamentais, o que alcana, inclusive, a jurisdição cível, abrangendo de forma horizontal, as normas de direito privado[58]

Para a efetiva concretização dos direitos fundamentais da pessoa portadora de transtorno mental, portanto, o poder judiciário precisa levar em consideração os valores gerais já identificados no princípio da dignidade da pessoa humana e neles incluir os valores específicos dispostos nos “Princípios para a Proteção de Pessoas Acometidas de Transtorno Mental e a Melhoria da Assistência à Saúde Mental”, da Organização das Nações Unidas – ONU (1991).

Com efeito, referidos princípios, por conterem uma espécie de legitimação e consenso universais sobre os direitos da pessoa portadora de transtorno mental, devem integrar o conceito constitucional aberto de “saúde” ou “saúde mental” no momento da aplicação judicial. Registre-se que o Conselho Federal de Medicina, mediante a Resolução nº 1.407/1994, adotou os mencionados princípios como guia a ser seguido pelos médicos, o que já indica dever da classe médica para com essas orientações internacionais.

Os princípios da ONU para saúde mental possuem validade como normas deontológicas ou reguladoras aplicáveis mediante às sentenças judiciais quando se julga um caso concreto. É dizer que, seja normativamente ou através do modelo de interpretação judicial, os princípios de saúde mental possuem efetividade[59].

Alfredo Jorge Kraut esclarece que os princípios discutidos incorporam garantias para proteger o direito a ser diferente, ao estabelecerem que “a determinação de um transtorno mental nunca deverá ser feita com base no status econômico, político ou social, ou na pertinência a um grupo cultural, racial ou religioso, ou em qualquer outra razão não diretamente relevante para o estado de saúde mental da pessoa” (item 4.2) e também que os conflitos familiares ou profissionais, a não-conformidade com valores morais, sociais, culturais ou políticos, ou com as crenças religiosas prevalentes na comunidade da pessoa nunca serão fatores determinantes para o diagnóstico de um transtorno mental” (item 4.3).

A concretização de direitos fundamentais da pessoa portadora de transtorno mental implica numa leitura constitucional de todas as normas infra-constitucionais  relativa ao tema, mormente a Lei Federal nº 10.216/2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental[60].

Não se pretende defender no presente trabalho que o poder judiciário seja o grande “salvador” da pessoa portadora de transtorno mental. Diante da terrível exclusão social existente em nosso país, compete a todos – poder público, sociedade e indivíduos - a concretização dos direitos fundamentais. Somente uma aplicação prioritária e solidária da Constituição poderá realizar plenamente a concretização dos direitos fundamentais da pessoa portadora de transtorno mental. 

No entanto, o poder judiciário, muito embora os movimentos sociais, pacientes, familiares e, até mesmo, o ministério público tenham alguma resistência em aceitar isso, é sim uma instância legítima e eficaz para a concretização dos mencionados direitos. O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, XXXV, da CF/88) garante que nada nem ninguém, nem mesmo a própria lei, pode impedir que chegue ao aludido poder as questões e as mazelas do cotidiano da saúde mental.

Acrescenta José Reinaldo de Lima Lopes:

O Judiciário, provocado adequadamente, pode ser um instrumento de formação de políticas públicas. Exemplo disto certamente é o caso da previdência social brasileira. Não fosse a atitude dos cidadãos de reivindicarem judicialmente e em massa seus interesses ou direitos, ficaríamos mais ou menos onde sempre estivemos. Mas, aqui, também o Judiciário há de dividir o papel de protagonista dos casos com os cidadãos e advogados iniciadores das ações[61]

No próximo item exporemos sobre algumas hipóteses em que juízes e tribunais concretizaram de forma adequada valores constitucionais, tornando assim realidade os direitos fundamentais da pessoa portadora de transtorno mental, sempre tendo como referência o princípio  da dignidade humana.


4.  A JURISPRUDÊNCIA CONCRETIZADORA: UMA EXPERIÊNCIA A REALIZAR A DIGNIDADE DA PESSOA PORTADORA DE TRANSTORNO MENTAL

Denomina-se “jurisprudência”, em termos jurídicos, o conjunto das decisões e interpretações das leis feitas pelos tribunais, adaptando as normas às situações de fato. Na ordem jurídico constitucional brasileira todo juiz é um legítimo intérprete constitucional, podendo, dentro de sua competência, aplicar os princípios, valores e direitos fundamentais da pessoa portadora de transtorno mental. 

Compete ao Supremo Tribunal Federal, entretanto, a “guarda” da Constituição (art. 102 da CF/88). Este órgão máximo do poder judiciário detém a última palavra sobre quaisquer temas que cheguem até ele, o que não impede juízes e tribunais inferiores de concretizar direitos fundamentais cotidianamente. A importância da jurisprudência aumenta no momento que ela se torna – como vem acontecendo no Brasil – parâmetro para novos julgamentos, rumos a serem trilhados para novos casos.

A seguir vamos examinar 4 (quatro) decisões judiciais que concretizaram conceitos indeterminados (saúde, por exemplo), ou interpretaram direitos fundamentais da pessoa portadora de transtorno mental. São alguns exemplos em que o poder judiciário fez valer a Constituição Federal para efetivar direitos fundamentais de pessoas portadoras de transtorno mental.

4.1FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO: A SAÚDE NÃO É UMA PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQUENTE

É dramática a situação de quem precisa de medicamentos especiais de alto custo (ou mesmo os comuns, que também são caros), espécies não fornecidas regularmente pelo Sistema Único de Saúde. Via de regra o poder executivo se nega a fornecer gratuitamente esse tipo de medicação, não restando ao paciente necessitado outra opção, que não procurar o poder judiciário para fazer valer o seu direito à vida e à saúde.

Ao ponderar sobre os valores fundamentais em colisão (saúde e vida x limitação orçamentária) o Supremo Tribunal Federal chegou à mesma conclusão da doutrina acerca da superioridade do direito à vida e à saúde, consignando de forma peremptória que o direito a saúde não pode ser reduzido a uma “promessa constitucional inconsequente”.

 Resultado natural desse entendimento - concretizador de norma de textura aberta (arts. 6º e 196 da CF/88[62]) - foi a ordem para o Estado fornecer os medicamentos necessários ao tratamento do paciente.

Assim reiterou a Corte Suprema na oportunidade:

E M E N T A: PACIENTE COM HIV/AIDS - PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS - DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196) - PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ- LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES. - O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF (AGRRE 271286/RS, Ministro Celso de Mello, DJ de 24/11/2000).

As premissas desse julgamento, por razões óbvias, também se aplicam ao contexto da saúde mental, e se expandem por todo o ordenamento jurídico, fazendo com que os demais juízes e tribunais reconheçam que a vida e a saúde são direitos fundamentais de aplicação concreta.

A título de exemplo, desta vez especificamente sobre medicamentos psiquiátricos, o Superior Tribunal de Justiça proclamou

Ementa 

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 544, CPC. SUS. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. PACIENTE PORTADORA DE DISTÚRBIOS MENTAIS. DEVER DO ESTADO. CONDENAÇÃO GENÉRICA. INOCORRÊNCIA.

1. O Sistema Único de Saúde-SUS visa a integralidade da assistência à saúde, seja individual ou coletiva, devendo atender aos que dela necessitem em qualquer grau de complexidade, de modo que, restando

comprovado o acometimento do indivíduo ou de um grupo por determinada moléstia, necessitando de determinado medicamento para debelá-la, este deve ser fornecido, de modo a atender ao princípio maior, que é a garantia à vida digna.

2. Configurada a necessidade de a recorrida ver atendida a sua pretensão, posto legítima e constitucionalmente garantida, uma vez assegurado o direito à saúde e, em última instância, à vida. A saúde, como de sabença, é direito de todos e dever do Estado.

3. Proposta a ação objetivando a condenação dos entes públicos ao fornecimento gratuito dos medicamentos necessários ao tratamento de distúrbios mentais, resta inequívoca a cumulação de pedidos posto umbilicalmente interligados o tratamento e o fornecimento de medicamento. É assente que os pedidos devem ser interpretados, como manifestações de vontade, de forma a tornar o processo efetivo, o acesso à justiça amplo e justa a composição da lide. Precedentes: REsp 625329 / RJ, Ministro LUIZ FUX, T1 - PRIMEIRA TURMA, DJ 23.08.2004; REsp 735477 / RJ, Ministra ELIANA CALMON, T2 – SEGUNDA TURMA, DJ 26.09.2006; REsp 813957 / RJ, Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, T1 - PRIMEIRA TURMA, DJ 28.04.2006.

4. A decisão que ante a pretensão genérica do pedido defere tratamento com os medicamentos consectários, desde que comprovada a necessidade por atestado médico, não incide no vício in procedendo do julgamento ultra ou extra petita, tampouco configura condenação genérica.

5. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg no Ag 865880/RJ, STJ, T1, Rel. Min Luiz Fux, DJ de 09/08/2007).

De fato, esse entendimento está consagrado em todo o país, sendo que recentemente o plenário do Supremo Tribunal Federal, no STA 175 AgR/CE, Relator Ministro Gilmar Mendes. DJ de 29/04/2010, fixou parâmetros para solução judicial dos casos concretos que envolvem direito à saúde.

4.2.SAÚDE COMO DIREITO LÍQUIDO E CERTO

O mandado de segurança, instrumento constitucional processual[63], por suas características intrínsecas, inclusive por prever a possibilidade de tutela emergencial por meio de liminar, revela-se ação de rito célere e exige prova documental pré-constituída, não admitindo dilação probatória, ou seja, todo o direito do impetrante deve ser comprovado documentalmente logo com a petição inicial.

Muito se discutiu se o mandado de segurança poderia ser utilizado para obrigar o Estado (gênero) a fornecer medicamentos a pacientes necessitados. Mas, pondo fim aos questionamentos, o poder judiciário, mais uma vez concretizando direitos fundamentais, entendeu que, comprovada a hipossuficiência econômica do impetrante e a sua necessidade médica (atestado ou relatório clínico), o medicamento tem que ser fornecido.

Veja-se o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça, que chancelou decisões inferiores pela via do mandado de segurança

Ementa 

CONSTITUCIONAL. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA OBJETIVANDO O FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO (RILUZOL/RILUTEK) POR ENTE PÚBLICO À PESSOA PORTADORA DE DOENÇA GRAVE: ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA - ELA. PROTEÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. DIREITO À VIDA (ART. 5º, CAPUT, CF/88) E DIREITO À SAÚDE (ARTS. 6º E 196, CF/88). ILEGALIDADE DA AUTORIDADE COATORA NA EXIGÊNCIA DE CUMPRIMENTO DE FORMALIDADE BUROCRÁTICA.

1 - A existência, a validade, a eficácia e a efetividade da

Democracia está na prática dos atos administrativos do Estado voltados para o homem. A eventual ausência de cumprimento de uma formalidade burocrática exigida não pode ser óbice suficiente para impedir a concessão da medida porque não retira, de forma alguma, a gravidade e a urgência da situação da recorrente: a busca para garantia do maior de todos os bens, que é a própria vida.

2 - É dever do Estado assegurar a todos os cidadãos, indistintamente, o direito à saúde, que é fundamental e está consagrado na Constituição da República nos artigos 6º e 196.

3 - Diante da negativa/omissão do Estado em prestar atendimento à população carente, que não possui meios para a compra de medicamentos necessários à sua sobrevivência, a jurisprudência vem se fortalecendo no sentido de emitir preceitos pelos quais os necessitados podem alcançar o benefício almejado (STF, AG nº 238.328/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 11/05/99; STJ, REsp nº 249.026/PR, Rel. Min. José Delgado, DJ 26/06/2000).

4 - Despicienda de quaisquer comentários a discussão a respeito de ser ou não a regra dos arts. 6º e 196, da CF/88, normas programáticas ou de eficácia imediata. Nenhuma regra hermenêutica pode sobrepor-se ao princípio maior estabelecido, em 1988, na Constituição Brasileira, de que "a saúde é direito de todos e dever do Estado" (art. 196).

5 - Tendo em vista as particularidades do caso concreto, faz-se imprescindível interpretar a lei de forma mais humana, teleológica, em que princípios de ordem ético-jurídica conduzam ao único desfecho justo: decidir pela preservação da vida.

6 - Não se pode apegar, de forma rígida, à letra fria da lei, e sim, considerá-la com temperamentos, tendo-se em vista a intenção do legislador, mormente perante preceitos maiores insculpidos na Carta Magna garantidores do direito à saúde, à vida e à dignidade humana, devendo-se ressaltar o atendimento das necessidades básicas dos cidadãos.

7 - Recurso ordinário provido para o fim de compelir o ente público (Estado do Paraná) a fornecer o medicamento Riluzol (Rilutek) indicado para o tratamento da enfermidade da recorrente (RMS 11183/PR, STJ, T1, Rel. Min. José Delgado, DJ de 04/09/2000).

Também por intermédio de mandado de segurança, o plenário do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará firmou

EMENTA

MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL. DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE. MEDICAÇÃO. CÂNCER. FORNECIMENTO. RESPONSABILIDADE. ESTADO (GÊNERO). RESERVA DO POSSÍVEL. INVOCAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.

1. A jurisprudência nacional, na esteira de orientação expressa da Corte Suprema, reconheceu como solidária e linear a responsabilidade de todos os entes estatais para com a assistência à saúde, uma vez compreendido que cada ente federativo possui parcela de responsabilidade autônoma (arts. 23, II e 198, I da CF/88) sobre o sistema constitucional de proteção à saúde.

2. A prova pré-constituída realizada pela impetrante é mais do que suficiente para assegurar o grave mal que lhe acomete, a sua urgente necessidade da medicação específica e a sua evidente hipossuficiência. Detalhado Relatório Médico, baseado em literatura específica e na prática internacional. Exames complementares.

3. Paciente que necessita com urgência de medicamento específico para combater câncer de alto risco, compete ao Estado do Ceará fornecê-lo, pois a interpretação do Supremo Tribunal Federal acerca do Direito Fundamental à Saúde não admite escusas diante de quadro onde o próprio Direito Fundamental à Vida está em questão.

4.Limitações financeiras do Estado. Mera alegação.

A cláusula da ``reserva do possível”, ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível, não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade" (Ministro Celso de Mello - Informativo/STF nº 345/2004).

Segurança concedida (MS nº 2008.0023.5313-6/0, TJCE, Tribunal Pleno, Rel. Des. José Arísio Lopes da Costa, DJ de 10/02/2000).

Desta forma, convém perceber que por meio da concretização judicial passou a ser indiscutivelmente possível a utilização do mandado de segurança para garantir o “direito líquido e certo” de obter do Estado prestações positivas relacionadas ao direito à saúde. Essa possibilidade é uma garantia processual, pelo menos em tese, de se conseguir o direito fundamental à saúde do portador de transtorno mental de uma maneira mais célere do que os meios processuais ordinários.

Note-se que os fundamentos das decisões acima elencadas não se restringem ao fornecimento de medicamentos, uma vez que abrangem extensivamente todos os instrumentos, materiais e insumos terapêuticos para garantir a efetiva saúde do paciente, tais como o custeio de passagens para o tratamento fora do domicílio[64],  próteses[65], bombas de insulina[66], psicoterapia[67] etc.

Outra conquista judicial importante dos pacientes, entre eles obviamente as pessoas portadoras de transtorno mental, foi aquela que garantiu o seqüestro de verbas do Estado (gênero) para o cumprimento das decisões acima referidas[68]. Lembre-se que os bens do Estado são, em regra, indisponíveis, representando a mencionada conquista uma segura concretização de direitos fundamentais pelo poder judiciário.

4.3.O HABEAS CORPUS COMO GARANTIA DO DIREITO Á LIBERDADE NA INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA INVOLUNTÁRIA IRREGULAR

Para a internação psiquiátrica involuntária a Constituição exige um “devido processo legal”, pois “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. (Art. 5º, LIV, da CF/88). A referida modalidade de internação, para além de suas funções médicas, também possui a nítida natureza de restrição ao direito fundamental à liberdade[69] .

Um procedimento de internação involuntária que esteja descumprindo - além do devido processo legal, princípios sensíveis da Constituição, como o da dignidade da pessoa humana, ou da proibição de tortura - enseja a impetração de habeas corpus, garantia constitucional do direito à liberdade, concedida até mesmo de ofício pelo poder judiciário.

O habeas corpus é importante e célere garantia constitucional do direito fundamental a liberdade. O instituto é historicamente ligado ao constitucionalismo e não precisa estar previsto na Lei Federal nº 10.216/2001 por que integra o rol de direitos e garantias fundamentais da Carta da República.

A ação constitucional ora examinada pode ser utilizada amplamente por qualquer pessoa, também devendo ser ajuizada quando o estabelecimento não assegurar os direitos da pessoa portadora de transtorno mental, previstos no parágrafo único do art. 2º da Lei 10.216/2001 e na Constituição Federal.

Registre-se que o paciente mantém, mesmo internado involuntariamente, o seu direito à liberdade de religião e consciência, possuindo direito à comunicação, à proteção de seu patrimônio, à livre expressão e ao direito de ação.

Esclarece Luís Roberto Barroso que

o habeas corpus pode ser impetrado por qualquer pessoa física ou jurídica, e também pelo Ministério Público (...), em favor logicamente de pessoa física, única capaz de ver tolhida sua liberdade de locomoção. Sequer é exigida capacidade postulatória do impetrante. E, mesmo que ninguém o impetre, poderão os juízes e tribunais competentes expedir, de ofício, ordem de habeas corpus[70] .

Embora tenha existido alguma controvérsia sobre o assunto, atualmente doutrina e jurisprudência admitem a utilização de habeas corpus contra atos de particular (diretores de clínicas ou hospitais psiquiátricos, por exemplo).

Como explica Heráclito Antônio Mossin[71], o habeas corpus não se projeta exclusivamente no campo penal ou processual, porquanto é ele cabível também na área extra persecutio criminis, visando tutelar o direito de liberdade corpórea do indivíduo quando estiver sendo lesada ou ameaçada de sê-lo, abusivamente por qualquer pessoa, aqui se incluindo o particular, embora a matéria não seja ainda pacífica.

No mesmo sentido, pronuncia-se Fernando Capez

Prevalece o entendimento de que pode ser impetrado habeas corpus contra ato de particular, pois a Constituição fala não só em coação por abuso de poder, mas também por ilegalidade. ‘Por exemplo: filho que interna pais em clínicas psiquiátricas, para deles se ver livres[72] .

O Superior Tribunal de Justiça também admite impetração de HC contra internação psiquiátrica involuntária irregular, como se pode constatar do julgado a seguir transcrito, onde paciente maior e civilmente capaz foi internado, sem diagnóstico, contra a sua vontade.

Veja-se:

Ementa

Habeas Corpus. Internação involuntária em clínica psiquiátrica. Ato de particular. Ausência de provas e/ ou indícios de perturbação mental. Constrangimento ilegal delineado. Binômio poder-dever familiar. Dever de cuidado e proteção. Limites. Extinção do poder familiar. Filha maior e civilmente capaz. Direitos de personalidade afetados.

- É incabível a internação forçada de pessoa maior e capaz sem que haja justificativa proporcional e razoável para a constrição da paciente.

- Ainda que se reconheça o legítimo dever de cuidado e proteção dos pais em relação aos filhos, a internação compulsória de filha maior e capaz, em clínica para tratamento psiquiátrico, sem que haja efetivamente diagnóstico nesse sentido, configura constrangimento ilegal.

Ordem concedida (HC 35301/RJ, STJ, T3, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ de 13/09/2004).

Assim, além das ações de indenização por danos morais e materiais causados pela internação psiquiátrica involuntária irregular, é possível o manejo de habeas corpus para assegurar o pleno exercício de ir e vir da pessoa envolvida nessa questão, que, obviamente não tendo condições de sair livremente em virtude de sua patologia mental, pode perfeitamente, uma vez liberto, seguir para um estabelecimento médico que atenda todas as suas necessidades de saúde, uma vez atendidas as novas diretrizes globais para saúde mental.

4.3.O DIREITO DE IR E VIR À UNIDADE DE TRATAMENTO

De que vale a Constituição Federal garantir formalmente o direito de locomoção[73] se o cidadão, principalmente nos grandes centos urbanos, não tiver renda suficiente para pagar o transporte? Anatole France lembrava: "a majestosa igualdade das leis, que proíbe tanto o rico como o pobre de dormir sob as pontes, de mendigar nas ruas e de roubar pão”.

Como esclarece Luis Roberto Barros, não é incomum a existência formal e inútil de Constituições que invocam o que não está presente, afirmam o que não é verdade e prometem o que não será cumprido[74]. Essas promessas não cumpridas da Constituição afastam o “sentimento constitucional[75]” do povo e impõem o seu descrédito.

A concretização judicial de direitos fundamentais atua para efetivar as promessas da Constituição, pois é certo que esta, embora resultante de um impulso político, que deflagra o poder constituinte originário, é um documento jurídico. E as normas jurídicas, tenham caráter imediato ou prospectivo, não são opiniões, meras aspirações ou plataforma política[76], são instrumentos práticos voltados para efeitos concretos na realidade social.

Dentro dessa perspectiva o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro concedeu passe gratuito no transporte coletivo da municipalidade carioca para paciente psiquiátrico crônico e hipossuficiente, que residia longe da unidade de tratamento.

São os termos da decisão monocrática, confirmada pela 4ª Câmara Cível da aludida Corte de Justiça em 16 de janeiro de 2007

E M E N T A: Obrigação de fazer. Passe gratuito. Autora que é hipossuficiente e portadora de Transtorno Mental de Evolução Crônica Transtorno Bipolar. Tratamento psiquiátrico e exames realizados em hospital distante de sua residência, demandando valor superior a vinte e quatro reais de passagem, quantia demasiadamente excessiva, haja vista o estado de saúde da apelada que, inclusive, sobrevive através da ajuda de parentes. Compete ao Município regularizar os serviços públicos do local, inclusive o de transporte coletivo, que tem caráter social. Exegese do inciso V do artigo 30 da Carta Magna. Artigo 196 da Constituição Federal de 1988 que evidencia a responsabilidade solidária da União, Estados e Municípios em relação ao direito fundamental à saúde. Aplicação do Princípio da vedação dos atos de ruína que possa vir a atingir os valores mais relevantes da pessoa humana. Entendimento corroborado pela Jurisprudência uníssona deste C. Sodalício. Recurso que se apresenta manifestamente improcedente. Aplicação dos art. 557 do C.P.C. c.c. art. 31, inciso VIII do Regimento Interno deste E. Tribunal. Negado Seguimento. (Apelação Cível nº 2006.001.63296, TJRJ, 4CC, Rel. Des. Reinaldo P. Alberto Filho, j. em 28/11/2006).

Como se adiantou essa decisão monocrática foi confirmada, por unanimidade, pelo colegiado da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, a 16 de janeiro de 2007, o que indica claramente que o poder judiciário exerce valioso trabalho de concretização dos direitos fundamentais da pessoa portadora de transtorno mental.


5.  CONSIDERAÇÕES FINAIS

A concretização judicial dos direitos fundamentais da pessoa portadora de transtorno mental é uma exigência da Constituição e da realidade, ainda mais quando no Brasil não foi instalada eficientemente uma rede extra-hospitalar, compostas por Centros de Atenção Psicossocial, leitos psiquiátricos em hospital geral, hospitais dias, residências terapêuticas etc. Políticas públicas em saúde mental podem e devem ser cobradas no e do poder judiciário diante da flagrante omissão dos poderes públicos.

Não se está aqui a defender um desmedido “ativismo” do poder judiciário, desconhecendo-se os limites constitucionais de sua atuação e também as limitações orçamentárias. O que se confirma, no entanto, é que a concretização judicial de direitos fundamentais torna o aludido poder um verdadeiro Poder da República, autorizando-o a interferir eficientemente na vida política do Estado, principalmente se os demais poderes permanecerem omissos diante da não efetivação das políticas públicas previstas na Constituição.

O Poder Judiciário brasileiro ainda possui muitas mazelas capazes de frustrar as expectativas constitucionais, mas já é tempo de todos os envolvidos na seara da saúde mental perceber que ele pode ser mais um excelente campo de luta, um espaço para a realização da dignidade da pessoa portadora de transtorno mental.

Para tanto, convém não esquecer o mais que centenário conselho de Ihering: o fim a que visa o direito é a paz, mas o caminho para atingi-lo é a luta[77]. À luta, pois, pela concretização dos direitos fundamentais da pessoa portadora de transtorno mental, pela Constituição e pela vida.


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Notas

[1] WATZLAWICK, Paul, HELMICK Beavin, Janet e D. Jackson Don. Pragmática da Comunicação Humana, São Paulo: Editora Cultrix, 2002.

[2] A chamada “Nau dos Loucos” foi retratada por inúmeros artistas em quadros e composições, entre eles Josse Bade (1498) e  Hieronymus Boschh (1488 - 1510). Michel Foucault, no entanto, relata a existência verídica dessas embarcações, sendo que “de todas essas naves romanescas ou satíricas, a Narrenschiff é a única que teve existência real, pois elas existiram, “esse barcos levavam a sua carga insana de uma cidade para outra”. 

[3] FOUCAULT, Michel. História da Loucura. 6 ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 2000, p. 9.

[4] FOUCAULT, Michel. História da Loucura. 6 ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 2000, p.130.

[5] SHORTER, Edward. Uma história da psiquiatria: da era do manicômio à idade do prozac. Lisboa: Climepsi Editores, 2001, p. 21.

[6] V. por todos: KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

[7] BRIDI, Vera Lúcia. Organização do trabalho e psicopatologia: um estudo de caso envolvendo o trabalho em telefonia. Dissertação de Mestrado, Santa Catarina, Universidade Federal de Santa Catariana, 1997.

[8] Muito antes da psicologia científica se firmar, Montesquieu já centravam na natureza humana as grandes questões da política e do poder, para ele “é uma verdade eterna: qualquer pessoa que tenha o poder, tende a abusar dele. Para que não haja abuso, é preciso organizar as coisas de maneira que o poder seja contido pelo poder" (Montesquieu, o Espírito das Leis).

[9] Denomina-se “desinstitucionalização” da loucura, em breve síntese, o processo de desconstrução da cultura manicomial, com a construção simultânea de outras culturas e locais que ultrapassem o domínio médico, preservando a subjetividade e as possibilidades do sujeito. Como pondera Franco Rotelli, a desinstitucionalização é a transformação das relações de poder(...) é um grande processo social. Importantes estudos sobre a desinstitucionalização da loucura foram desenvolvidos por Franco Basaglia, Franco Rotelli, Nacile Daúd Júnior, Paulo Amarante, Maria Lúcia Boarini, Denise Dias Barros, Ana Marta Lobosque, Cristina Palhano da Costa, entre outros.

[10] SILVEIRA, Lia Carneiro & BRAGA, Violante Augusta Batista. Acerca do conceito de loucura e seus reflexos na assistência de saúde mental. Revista Latino-americana de Enfermagem, 13(4), 2005, p.594/595.

[11] DAÚD, Nacile Jr. Considerações histórico-conceituais sobre a instituição psiquiátrica no Brasil e a desinstitucionalização do “doente mental”. In Desafios na atenção à saúde mental, Maringá, Eduem, 2000, p. 47.

[12] A supremacia da Constituição emana da rigidez constitucional, diretriz segundo a qual há maior dificuldade para a modificação da Carta Magna do que para a alteração das demais normas jurídicas do ordenamento. A Constituição está no vértice do sistema jurídico do país, afirmando Kelsen que se começarmos levando em conta apenas a ordem jurídica do Estado, a Constituição representa o escalão de direito positivo mais elevado.

É possível notar, contudo, a superioridade da Constituição também por seu conteúdo, que abarca as normas fundamentais do Estado e exige uma compatibilidade das normas de hierarquia inferior.

A supremacia constitucional também determina um sistema de controle de constitucionalidade para que se imponha efetivamente ao legislador infraconstitucional.

O legislador encontra na Constituição a forma de elaboração das leis e o seu conteúdo, matérias postas no ápice do sistema normativo, a serem garantidas pelo controle de constitucionalidade, que poderá ser difuso ou concentrado, sendo aquele caracterizado pela permissão a todo e qualquer juízo de realizar, na hipótese concreta, a análise acerca da compatibilidade do ordenamento jurídico com a Constituição, e este, a análise em abstrato – pelo Supremo Tribunal Federal - da norma (tida por inconstitucional) pela via direta das ações constitucionais, previstas nos arts. 36, III; 102, I, a e 103, § 2º da Carta Magna.

[13] GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil, São Paulo: RT, 2003, p. 83.

[14] Essa denominação para o sujeito que experimenta sofrimento psíquico é a adotada pela Lei nº 10.216/2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. É certo, no entanto, que o conceito legal para determinar a pessoa que experimenta um sofrimento mental ainda enseja polêmica, evidente a sua ambigüidade. LOBOSQUE, Ana Marta. Experiências da loucura. Rio de Janeiro: Garamond, 2001, esclarece que o sofrimento mental não é alguma coisa que se porta, como um câncer ou uma deficiência física; não é algo que ocorre acidentalmente a alguém; ainda que desencadeado por acontecimentos cuja conta pode lançar-se ao acaso, será sempre uma resposta do sujeito .

[15] SZASZ, Thomas. O Mito da doença mental. Círculo do Livro, 1981.

[16] BOBBIO, Norberto. A era dos direitos; tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

[17] ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo: anti-semitismo, imperialismo, totalitarismo. 8ª reimpressão, São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 531.

[18] MOREIRA, Paulo & MELO, Ana. Saúde mental: do tratamento à prevenção. Porto: Porto Editora, 2005, p. 122.

[19] A Constituição da Organização Mundial de Saúde está disponível, em língua portuguesa, em < http://www.promocaodesaude.unifran.br/docs/ConstituicaodaWHO1946.pdf>.

[20] GONÇALVES, Pedro Correia. O Estatuto jurídico do doente mental com referência à jurisprudência do tribunal europeu dos direitos do homem. Lisboa: Quid Juris Sociedade Editora, 2009, p. 25.

[21] FONSECA, A. Fernandes. Psiquiatria e psicopatologia, I volume, 2 ed, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.

[22] FONSECA, A. Fernandes. Psiquiatria e psicopatologia, I volume, 2 ed, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.

[23] O conceito de saúde mental proposto pela OMS está disponível em <http://www.who.int/features/qa/62/en/index.html>.

[24] FAMÁ, Maria Victoria, HERRERA, Marisa & PAGANO, Luz María. Salud mental em el derecho de família. Buenos Aires: Hammurabi, 2008, p.70.

[25] DALLARI, Sueli Gandolfi. Os estados brasileiros e o direito à saúde, São Paulo: Editora Hucitec, p. 30.

[26] CANOTILHO, J. J. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 2003, p. 682..

[27] A doutrina denomina “mínimo existencial” o núcleo essencial dos direitos fundamentais ancorado nos princípios da dignidade humana e do Estado Democrático de Direito e na busca da felicidade (Paulo Lobo Torres). Embora não exista um consenso acerca do conteúdo deste núcleo, admite-se que ele é integrado pelos direitos à alimentação, saúde e educação. Para maior aprofundamento: A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais, Ana Paula de Barcellos; O Direito ao Mínimo Existencial, Ricardo Lobo Torres; O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas, Luis Roberto Barroso; Direito Constitucional e Teoria da Constituição, J.J Canotilho.

[28]    “Nesse contexto, seria limitativo individuar o conteúdo do chamado direito à saúde à integridade física; e isso, por duas razões. A saúde refere-se também àquela psíquica, já que a pessoa é uma indissolúvel unidade psicofísica; a saúde não é apenas aspecto estático e individual, mas pode ser relacionada ao são e livre desenvolvimento da pessoa e, como tal, constitui um todo com esta última”. PELINGIERI, Pietro. Perfis do direito civl. Tradução de Maria Cristina De Cicco, 3 ed, Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 158.

[29] Recurso Extraordinário nº 201819/RJ, Supremo Tribunal Federal, Segunda Turma, Relator p/ Acórdão Ministro Gilmar Mendes, DJ de 27/10/2006.

[30] Nesse sentido ver também o art. 3º da Lei nº 10.216/2001.

[31] ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE – OMS. Relatório sobre a saúde no mundo, Saúde mental: nova concepção, nova esperança, 2001, p. 02.

[32] Nesse sentido: KRAUT, Alfredo J. Kraut. Salud mental: tutela jurídica: Ediciones La Rocca, 1998. FAMÁ, Maria Victoria, HERRERA, Marisa & PAGANO, Luz María. Salud mental em el derecho de família. Buenos Aires: Hammurabi, 2008. WINICK, Bruce J. The right to refuse mental health treatment. United States: American Psychological Association, 1997.

[33] BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. 2 ed, São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 223.

[34] LANDRY, Michel. O Psiquiatra no Tribunal: O Processo da Perícia Psiquiátrica em Justiça Penal. São Paulo: Pioneira. Editora da Universidade de São Paulo, 1981.

[35] SZASZ, Thomas. A escravidão psiquiátrica. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

[36] PINHEIRO, Gustavo Henrique de Aguiar. Averiguação de periculosidade: manicômio judiciário do estado do ceará, 2001. Monografia (Especialização) – Curso de Especialização em Saúde Mental, Universidade Estadual do Ceará, Ceará.

[37] V. AC 200361110035321, TRF 3, T3, Juiz Antonio Cedenho, DJ de 28/01/2009 e AG 200501000663553,TRF 1, T2, Juíza Federal Monica Sifuentes (conv.), DJ de 04/12/2009.

[38] Benefício previsto no art. 203 da Constituição Federal e na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) - Lei Nº 8.742, de 7 de dezembro 1993.

[39] VIEIRA, Patrícia Ruy. Estudo de prevalência dos transtornos psiquiátricos na determinaçäo da interdiçäo civil no município de säo paulo, 2003. Dissertação (mestrado). Universidade Federal de Säo Paulo. Escola Paulista de Medicina. Ciências da Saúde. São Paulo.

[40] Cartilha do Conselho Federal de Psicologia, disponível em <http://www.crprj.org.br/publicacoes/cartilhas/prestacao-continuada.pdf>.

[41] PINHEIRO, Gustavo Henrique de Aguiar. Averiguação de periculosidade: manicômio judiciário do estado do ceará, 2001. Monografia (Especialização) – Curso de Especialização em Saúde Mental, Universidade Estadual do Ceará, Ceará.

[42] IHERING, Rudolf  von. A luta pelo direito. São Paulo: Editora Acadêmica, 1988.

[43]Anteriormente a Constituição era vista como um documento essencialmente político, apenas um convite à atuação dos poderes públicos.Luis Roberto Barroso, obra citada, p. 198.

[44] BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. 2 ed, São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 220.

[45] GUERRA, Marcelo Lima. Competência da justiça do trabalho. Fortaleza: Tear da Memória, 2009, p. 29/30.

[46] GUERRA, Marcelo Lima. Competência da justiça do trabalho. Fortaleza: Tear da Memória, 2009, p. 30

[47] FALCÃO, Raimundo Bezerra. Hermenêutica. São Paulo: Malheiros, 2004.

[48] HÄRBELE, Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da constituição – uma contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da constituição.  Tradução Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p.15

[49] HÄRBELE, Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da constituição – uma contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da constituição.  Tradução Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p.13.

[50] GUERRA, Marcelo Lima. Competência da justiça do trabalho. Fortaleza: Tear da Memória, 2009, p. 24/25.

[51] STRECK, Lenio Luis.Constituição e constituir:da interpretação de textos à concretização de direitos – a incindibilidade entre interpretar e aplicar a partir da diferença entre texto e norma. In Democracia, direito e política: estudos internacionais em homenagem a Friedrich Müller.Florianópolis: Conceito Editorial, 2006, p. 446.

[52] Lenio Luiz Streck afirma, em obra citada, p. 450, que a afirmação de que o intérprete sempre atribui ao texto, nem de longe pode significar a possibilidade deste estar autorizado a “dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa”, atribuindo sentidos de forma arbitrária aos textos como texto e norma estivessem separados (e, portanto, tivessem “existência” autônoma).No dizer de Marcelo Lima Guerra, obra citada, p. 25, o intérprete sempre deve dar uma justificação adequada da opção realizada no curso da interpretação.

[53] (…) enquanto as normas constitucionais servem de parâmetros orientadores numa interpretação de disposições infra-constitucionais, a posição hierarquicamente superior delas retira a a possibilidade de se recorrer a outras normas, que sirvam de parâmetro na interpretação das próprias disposições constitucionais. Esta circunstância contribui significativamente para uma interpretação mais voltada à harmonização global das normas constitucionais, baseada em critérios como o da “concordância prática e o da “máxima efetividade”, ambos diretamente ligados ao “princípio da unidade da constituição”.Marcelo Lima Guerra, obra citada, p. 30. 

[54]  “A norma em abstrato não contem integralmente os elementos de sua aplicação. Ao lidar com locuções como ordem pública, interesse social ou calamidade pública, dentre outras, o intérprete precisa fazer a valoração de fatores objetivos e subjetivos presentes na realidade fática, de modo a definir o sentido e o alcance da normas. Como a solução não se encontra integralmente no enunciado normativo, sua função não poderá limitar-se à revelação do que lá se contém.; ele terá de ir além, integrando o comando normativo com a sua própria avaliação”. Luis Roberto Barroso, obra citada, p. 311.

[55] Exemplo clássico de colisão de direitos fundamentais acontece quando, no caso concreto, colidem o direito à liberdade de expressão e o respeito à imagem e a honra. Outra hipótese, é a colisão do direito de ir e vir com o “direito dos outros”, que pode determinar, ou não, uma internação psiquiátrica involuntária concretamente.

[56]GUERRA, Marcelo Lima. Competência da justiça do trabalho. Fortaleza: Tear da Memória, 2009, p. 33.

[57]GUERRA, Marcelo Lima. Competência da justiça do trabalho. Fortaleza: Tear da Memória, 2009, p. 33.

[58]STRECK, Lenio Luis. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. Da possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito.2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2007, p. 159.

[59]KRAUT, Alfredo J. Kraut. Los derechos de los pacientes. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2000, p. 353.

[60]Uma leitura assim foi realizada por PINHEIRO, Gustavo Henrique de Aguiar Pinheiro. Comentários à Lei da Reforma Psiquiátrica: uma leitura constitucional da lei nº 10.216/2001, Fortaleza: Editora Tear da Memória, 2010.

[61] LOPES, José Reinaldo de Lima. Judiciário, democracia, políticas públicas, in Revista de Informação Legislativa, Brasília, nº. 122, abr./jun. 1994.

[62] Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

[63] Art. 5º, LXIX da Constituição Federal - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.

[64] Agravo de Instrumento nº 70032851594, TJRS, Sétima Câmara Cível, Rel. Des. André Luiz Planella Villarinho, julgado em 24/02/2010.

[65] V. REsp 881496 / RS, STJ, T1, Rel.Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 16/08/2007.

[66] MS nº- 0004112-70.2005.807.0000, TJDFT, Conselho Especial, Rel. Des. Aparecida Fernandes, DJ de 29/10/2007.

[67]   “A terapia é um tratamento sócio-sanitário que não pode continuar sendo uma cara terapia de elite, excluída da assistência obrigatória; não constitui um interesse juridicamente merecedor de tutela quando for expressão de uma moda em expansão nos ambientes mais abastados. Se o tratamento foi julgado oportuno, o sujeito, tendo sempre presente a sua liberdade de decisão, a ele tem direito”. PELINGIERI, Pietro. Perfis do direito civl. Tradução de Maria Cristina De Cicco, 3 ed, Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 162.

[68] “Possibilidade de bloqueio de valores a fim de assegurar o fornecimento gratuito de medicamentos em favor de pessoas hipossuficientes. Precedentes”.AI 553712 AgR/RS, STF, T1, Rel. Min. Ricardo Lewandowisk, DJ de 04/06/2009.

[69] Sobre o a natureza jurídica da internação psiquiátrica involuntária e o devido processo legal de internação psiquiátrica involuntária, v. PINHEIRO, Gustavo Henrique de Aguiar. “Comentários à Lei da Reforma Psiquiátrica: uma leitura constitucional da lei nº 10.216/2001”, Fortaleza: Editora Tear da Memória, 2010. Segundo Pedro Correia Gonçalves, in O Estatuto jurídico do doente mental com referência à jurisprudência do tribunal europeu dos direitos do homem. Lisboa: Quid Juris Sociedade Editora, 2009, p. 34 “no que diz respeito ao internamento compulsivo de um doente mental, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já veio a afirmar que ‘o internamento compulsivo num hospital psiquiátrico constitui ‘privação de liberdade’”. Acórdão Varbanov/Bulgária, de 5 deoutubro de 2000, § 43.

[70] BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas norma: limites e possibilidades da constituição brasileira, 7. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 184/185.

[71] MOSSIN, Heráclito Antônio. Habeas Corpus, 7 ed., Barueri: Manole, 2005, p. 77.

[72] CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 12. ed, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 493.

[73] Art. 5º, XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens.

[74] BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da constituição brasileira, 7. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 61.

[75] Pablo Lucas Verdú conceitua como sentimento jurídico o afeto mais ou menos intenso pelo justo e equitativo na convivência, esclarecendo que quando esse mesmo afeto versa sobre a ordem fundamental daquela convivência, se pode falar em sentimento constitucional. O importante estudo do jurista espanhol aponta que o sentimento também pode exercer atribuições cognoscitivas, que não são exclusividade do racionalismo, sendo certo repousar a força do Direito, como a do amor, no sentimento, descansando os elementos de harmonia, valoração e impulso do sentimento sobre uma base cognoscitiva. v. VERDÚ, Pablo Lucas. O sentimento constitucional: aproximação ao estudo do sentir constitucional como modo de integração política. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004, p. 53 e 69. 

[76] BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da constituição brasileira, 7. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 60.

[77] IHERING, Rudolf  von. A luta pelo direito. São Paulo: Editora Acadêmica, 1988.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINHEIRO, Gustavo Henrique de Aguiar. Concretização judicial de direitos fundamentais da pessoa portadora de transtorno mental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3838, 3 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26307. Acesso em: 28 mar. 2024.