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Racismo: reflexões sobre as restrições constitucionais

Racismo: reflexões sobre as restrições constitucionais

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As restrições constitucionais incidentes sobre os crimes de prática de racismo podem ser aplicadas à injúria e ao crime de plágio quando motivados por preconceito?

Introdução

1. Breve histórico da intolerância

A história da humanidade é pródiga em exemplos de intolerância. Na Antiguidade, por exemplo, ela normalmente tinha como base certos aspectos como diferenças socioculturais ou religiosas[1]. Estas últimas, especialmente, legitimaram movimentos como as Guerras Santas, a Inquisição e a perseguição dos judeus em diversos momentos históricos.

Entretanto, ao longo do tempo, a discriminação calcada na divisão dos seres humanos em diferentes raças assumiu proporções consideráveis, tornando-se a mais visível. Esse tipo específico de intolerância atingiu seu ápice ao obter status de política oficial de governo, como na África do Sul e em algumas regiões dos Estados Unidos da América.

O Brasil, por sua vez, não constitui exceção aos desafios sociais decorrentes do preconceito racial - estimulado e sedimentado, em grande parte, devido à escravidão adotada em suas terras a partir da colonização portuguesa. Note-se que o Brasil foi o último país do mundo a abolir oficialmente a escravatura, no ano de 1888, quando a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea. 

Aliás, o progresso do capitalismo, desde suas origens remotas no mercantilismo, é apontado por diversos autores como o motor principal de nascimento e solidificação dos preconceitos raciais existentes atualmente. A necessidade incessante de lucro pelos Estados nacionais europeus diante dos meios de exploração disponíveis àquela época redundou na demanda de vasta mão-de-obra.

Em função disso, os “maiores detentores da força, os brancos europeus, acabaram por subjugar os habitantes de outros continentes, principalmente escravizando índios americanos e negros africanos”. [2] A crença na subumanidade dos nativos das colônias continuou a render frutos ao longo dos anos, sendo que:

Durante as décadas de 1850 e 1870 as ideias de raça e racismo se consolidaram na Europa. A partir dessa época, generalizou-se a crença de que certos povos, por questão de raça, não tinham a capacidade para progredir como tantos outros, e os europeus passaram a reconhecer diferenças entre os brancos e as outras raças. [3]

Ocorre que, a supremacia europeia sofreu diversos abalos, principalmente com as duas Guerras Mundiais, cujo resultado foi o enfraquecimento considerável das capacidades dos Estados da Europa em manter o controle político, econômico e social sobre as colônias ocupadas ao longo de sua expansão imperialista.

Ademais, outros fatores como a ascensão do nacionalismo asiático e africano e a emergência das superpotências EUA e União Soviética igualmente influenciaram na ocorrência do que ficou conhecido como processo de descolonização.

Uma das principais consequências da Segunda Guerra Mundial foi o fim dos grandes impérios coloniais europeus, com o processo de descolonização da Ásia e da África. Entre 1945 e 1960, conquistaram a independência mais de 40 países africanos e asiáticos, habitados por 800 milhões de pessoas, o que representava na época um quarto da população do globo. [4]

Em decorrência dessas mudanças na organização da ordem mundial, os povos dos países que lograram romper com os laços de dominação impostos durante longos anos passaram a demandar participação no cenário internacional. Eles pretendiam com isso fazer valer seus interesses e contribuíram decisivamente com a expansão dos direitos humanos.

Nesse sentido, tem-se, por exemplo, a adoção no âmbito da Organização das Nações Unidas, em 21 de dezembro de 1965, da “Convenção sobre a Eliminação De Todas As Formas De Discriminação Racial”.

De acordo com Flávia Piovesan, o referido acordo teve dentre seus precedentes históricos o ingresso de dezessete países africanos na ONU, assim como a realização da Primeira Conferência de Cúpula de Países Não Aliados que ocorreu em 1961[5].

A incorporação desse tratado pela comunidade internacional representou uma conquista para grupos populacionais anteriormente excluídos. E constitui uma das bases jurídicas mais importantes para a promoção da diversidade, seja social, cultural, econômica, política ou religiosa ao redor do mundo.

Atualmente no Brasil o tema continua a proporcionar calorosos debates, como demonstrado pela recente discussão acerca das cotas em universidades públicas, que culminou na edição da lei n. 12.711/12. A discussão chegou inclusive ao STF, que decidiu pela constitucionalidade da reserva de vagas na ADPF n. 186.

A tentativa por parte dos entes estatais para promover o desenvolvimento socioeconômico das populações historicamente oprimidas no Brasil vem de encontro ao enraizamento de práticas discriminatórias no próprio seio das instituições, fenômeno conhecido como racismo institucional.

O racismo institucional é o fracasso das instituições e das organizações em promover serviço profissional e adequado às pessoas, em decorrência de sua cor, cultura, origem racial ou étnica. Manifesta-se por meio de normas, práticas e comportamentos discriminatórios adotados no cotidiano de trabalho (PNUD, 2006).

Naturalizadas nas estruturas e nos procedimentos das organizações, as práticas discriminatórias que caracterizam o racismo institucional impedem que as políticas universais nas instituições públicas sejam de fato igualitárias, atendendo, de forma diferenciada, grupos historicamente discriminados na nossa sociedade. [6]

E ainda que durante muito tempo tenha reinado e ainda reine no país a crença na existência de uma democracia racial, a realidade é que as pessoas consideradas não brancas no Brasil enfrentam grandes obstáculos na busca por real igualdade no país.

Muito se fala em cordialidade racial e democracia racial e de crença no Brasil. Tende-se a negar a existência das discriminações e dos preconceitos, ou minorar suas consequências, atribuindo os atos deles decorrentes a obra de pequenos grupos, ou entendendo as ocorrências como casos isolados. Outra vertente tende a considerar indivisível o preconceito de classe e os preconceitos de raça ou cor. Assim sendo, negros, índios e mestiços, na grande maioria, pertencentes às classes socioeconômicas mais baixas, sofreriam apenas indiretamente os reflexos da discriminação e do preconceito racial, de cor ou étnico. [7]

Registre-se que os dados do Censo de 2010 realizado pelo IBGE mostram que embora as pessoas que se consideram pretas ou pardas constituam a maioria da população (50,7%), as taxas de analfabetismo são maiores nesses grupos do que entre brancos e amarelos, além de ser a renda média daqueles, menor do que a desses últimos [8].

Tal quadro indica a persistência da desigualdade iniciada com a escravidão, e reforça a perspectiva de que a discriminação e o preconceito raciais produzem resultados concretos sobre diversos aspectos da qualidade de vida das pessoas afetadas.

Contudo, cabe ressaltar que a resposta social tendo em vista o combate a essa conjuntura pode ocorrer por diferentes meios:

Se as manifestações do problema são de diversas ordens, as possibilidades de medidas para enfrentá-lo também são muitas – podem envolver estratégias com escopos distintos e também distintos tipos de ações, incluindo ou não o Estado e o direito. Podemos, por exemplo, pensar tanto em ações voltadas à valorização da estética e da cultura afro-brasileira, como ações voltadas especificamente à correção do quadro de desigualdade econômico-social, como também respostas sancionatórias a práticas racistas ou discriminatórias. [9]

Apesar da existência de distintas modalidades de ação para a diminuição ou extinção de sistemas e comportamentos racialmente excludentes, o Brasil optou historicamente pela ótica jurídica. Sendo que “desde o início da articulação do movimento negro, as estratégias de combate ao racismo levaram em consideração o direito e, em especial, o direito como instrumento sancionatório” [10].

2. Objetivo e estrutura do trabalho.

O foco do presente trabalho recai no tratamento jurídico-penal dispensado à questão da discriminação racial no Brasil. Em especial, diante da criminalização expressa da prática do racismo pela Constituição Federal brasileira de 1988, em seu artigo 5°, inciso XLII, que estipula: “a prática do racismo constitui crime inafiançável, imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;”.

Tendo em vista essa proposta, o primeiro capítulo inicia-se com uma identificação dos conceitos de discriminação, preconceito, raça, racismo e cor. Além disso, examinar-se-á a relevante interpretação acerca do tema que ocorreu no bojo do julgamento do Habeas Corpus n° 82.424, pelo Supremo Tribunal Federal, em 2003.

Ainda no primeiro capítulo, apresenta-se um histórico sobre o racismo no Brasil, sob o ponto de vista das cartas constitucionais adotadas anteriormente a 1988, juntamente com a legislação ordinária editada ao longo dos anos, que de alguma forma trata do tema.

Mais à frente, no segundo capítulo, o objeto principal de análise é a atual Constituição Federal, promulgada em 1988. Em função disso, detém-se sobre os diversos mandados expressos de criminalização constantes na Carta Maior, dentre eles, o da prática do racismo. Ademais, são identificadas as leis penais do período pós-88.

Em seguida, no terceiro capítulo, a atenção é voltada para o detalhamento dos elementos que compõem o dispositivo constitucional de criminalização da prática do racismo. Nesse sentido, são abordadas as questões pertinentes à imprescritibilidade, à inafiançabilidade e à pena privativa de liberdade de reclusão.

Adiante, o quarto capítulo é dedicado à análise do principal diploma legal no tratamento penal da discriminação racial, qual seja, a lei n. 7.716/89. Nesse contexto, serão abordados os principais elementos dos tipos penais presente nessa legislação.

No quinto capítulo, inicia-se a abordagem da discriminação do ponto de vista das disposições constantes do texto do Código Penal, em especial, no que tange ao crime de plágio motivado pelo preconceito do art. 149, §2º, inciso II.

O citado enfoque é complementado no sexto capítulo, oportunidade na qual é realizado o exame da injúria qualificada por elementos discriminatórios. Neste ponto, são investigadas as convergências e divergências possíveis entre esse tipo de injúria e o crime de prática de racismo.

A título de conclusãoserão considerados os elementos trazidos ao longo do trabalho, assim como da doutrina e jurisprudência pátrias no sentido de determinar quais as perspectivas no que tange à aplicação das restrições constitucionais incidentes sobre o crime de racismo.


Capítulo I – Noções preliminares sobre preconceito e discriminação.

1.    Os conceitos mais relevantes.

Inicialmente, para que seja possível uma análise coerente do tema, os conceitos de preconceito, racismo, discriminação, raça e cor apresentam-se como essenciais. Em vista disso, especificar-se-ão em seguida as definições desses vocábulos que serão utilizadas por todo o texto.

1.1.   Preconceito

O preconceito pode ser conceituado como “formulação de ideia ou ideias (que por vezes alicerçam atitudes concretas), calcadas em concepções prévias que não foram objeto de uma reflexão devida ou que foram elaboradas a partir de ideias deturpadas”. [11]

1.2.  Racismo

O racismo é uma doutrina que sustenta a superioridade de algumas raças ou grupos sobre outros tidos como inferiores a partir de determinados parâmetros preestabelecidos, ou seja, uma doutrina baseada no preconceito.  Logo, tem-se que o racismo é um produto do preconceito, assim como um propagador do mesmo.

A ideologia do racismo não se centra na ciência ou em uma necessidade imperativa da verdade: ela é em si uma verdade, uma verdade de um pequeno grupo que, pela força ou pelo convencimento (da repetição ou da cooptação), se torna imposta como verdade legítima de todo um grupo social. [12]

1.3.  Discriminação

O termo discriminação encontra as seguintes caracterizações: “1. Ato ou efeito de discriminar. 2. Tratamento preconceituoso dado a certas categorias sociais, raciais, etc.” [13] Em função disso, discriminação está relacionada com o verbo discriminar que reflete a ação de diferenciar, distinguir ou discernir.

Contudo, é digno de atenção o fato de que a diferenciação de algo ou de um indivíduo não traduz necessariamente a realização de uma conduta negativa. Nesse sentido, o artigo I, item 4 da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial dispõe que:

4.  Não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais tomadas como o único objetivo de assegurar progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, contanto que, tais medidas não conduzam, em consequência , à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sidos alcançados os seus objetivos. (grifos nossos)

Diante do exposto até o momento, resta evidente que a discriminação negativa tem como força motriz algum tipo de preconceito e pode ser também levada a cabo em certos casos com base nos pensamentos da doutrina racista.

Quando o ato de discriminar é baseado em preconceito, os termos discriminação e preconceito se tornam intercambiáveis. Em razão disso, esses termos são utilizados em diversos momentos como sinônimos ao longo do trabalho.

1.4.   Cor

A palavra cor evidencia um fenômeno físico, que no âmbito do tema aqui tratado é “empregado para definição da pigmentação epidérmica dos seres humanos” [14]. No entanto, é muito comum a sua confusão com o termo raça, podendo cor ser até mesmo um eufemismo para o mesmo.

Assim, se, por preconceito ou discriminação, for negado emprego a um negro e a mesma vaga for concedida (por exemplificação improvável) a um membro da raça negra, albino, estar-se-á diante de preconceito de cor, e não de raça. [15]

1.5.  Etnia

Por fim, o vocábulo etnia igualmente constitui desafio interpretativo, podendo adquirir diversos significados a depender da definição dada. No entendimento de Ricardo Andreucci, trata-se de “coletividade de indivíduos que se diferencia por sua especificidade sociocultural, refletida principalmente na língua, religião e maneiras de agir” [16].

1.6.  Raça

A definição do que seja raça no que se refere aos diversos grupos humanos já desfrutou de maior relevância no mundo científico, mas atualmente, a partir da nova ótica proporcionada pelo mapeamento do genoma humano, a tendência tem sido no sentido da inexistência de raças dentro da espécie humana.

Contudo, antes mesmo do mapeamento genético, já era altamente controversa essa diferenciação. O principal problema encontrava-se na própria determinação de quais características físicas podiam ou deviam ser utilizadas como o parâmetro para a classificação dos seres humanos em raças.

Melhor sorte não se obteve com a tentativa de identificar as raças por marcadores genéticos no sangue. Com isso, “tanto pela antropologia física como pela genética de populações, através de estudos de frequência gênicas, é impossível delimitar as raças” [17].  Portanto, “se não é possível delimitar biologicamente as raças, sua definição terá que necessariamente ser imprecisa”. [18]

Neste ponto, cabe ressaltar a interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal no que tange à abrangência dos termos raça e racismo. O posicionamento do STF sobre o tema ocorreu no julgamento do Habeas Corpus n. 82.424-2/RS.

A questão de fundo versava sobre a publicação de livros pelo paciente Siegfried Ellwanger, nos quais eram veiculadas ideias de cunho preconceituoso contra a comunidade judaica. O remédio constitucional havia sido impetrado sob o argumento de que não seria possível a aplicação da imprescritibilidade à conduta do paciente.

Ocorre que, segundo os impetrantes, uma vez que os judeus não constituiriam uma raça, eventual preconceito ou discriminação contra eles não constituiria a prática de racismo. E, inexistindo o racismo propriamente dito, a consequência seria a inaplicabilidade da restrição constitucional à prescrição da conduta.

E, embora o relator originário do processo, ministro Moreira Alves, tenha acolhido essa linha de pensamento em seu voto, o resultado final do julgamento não acompanhou sua decisão. Ao final, prevaleceu a interpretação trazida pelo ministro Maurício Corrêa, segundo a qual a incidência da imprescritibilidade era apropriada no caso concreto - o que resultou na denegação da ordem.

Por maioria, concluiu-se que os conceitos de raça e de racismo deveriam ser interpretados em sentido amplo, de modo a se assegurar a maior efetividade possível da norma constitucional, em conformidade com a adequada proteção da dignidade da pessoa humana.

Em suma, os ministros entenderam que seria imprópria a classificação de humanos em raças, pelo menos cientificamente, em razão de o mapeamento do genoma humano ter mostrado definitivamente a inexistência de diferenças biológicas significativas entre os homens, de modo que todos são biologicamente iguais.

Em função disso, a classificação dos seres humanos em raças seria necessariamente sempre o resultado “de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista.” [19]

Sendo assim, a interpretação jurídico-constitucional mais acertada do que constituiria racismo deve ser mais abrangente de modo a compatibilizar conceitos etimológicos, etnológicos, sociológicos, antropológicos e biológicos.

Embora hoje não se reconheça mais, sob o prisma científico, qualquer subdivisão da raça humana, o racismo persiste enquanto fenômeno social, o que quer dizer que a existência das diversas raças decorre de mera concepção histórica, política e social, e é ela que deve ser considerada na aplicação do direito. É essa circunstância de natureza estrita e eminentemente social e não biológica que inspira a imprescritibilidade do delito previsto no inciso XLII do artigo 5º da Carta Política. [20]

Portanto, no julgamento do HC n. 82.424-2/RS, o STF determinou que os judeus são considerados histórica e socialmente como raça, e por isso, os crimes discriminatórios praticados contra eles se submetem à cláusula constitucional de imprescritibilidade, reservada para o delito de prática de racismo.

A princípio, a abordagem do Supremo sobre os elementos determinantes para a identificação do que seria uma raça, para fins de aplicação do inciso XLII do art. 5º da CRFB, permite concluir pela adoção de um conceito amplo do crime de racismo.

Em outras palavras, toda diferenciação negativa de um grupo em função de certas características comuns aos membros, pode em tese dar azo a condutas discriminatórias criminosas. Ocorre então uma possibilidade de englobamento sob o conceito de raça dos outros conceitos como cor, religião, origem e etnia.

A expansividade do conceito de racismo extraída da decisão do STF é criticada por Christiano Jorge dos Santos por incluir outros tipos de discriminação que não relativa à raça, ainda que ele reconheça que:

[...] em alguns casos, fica absolutamente indissociável a definição de raça dos conceitos de cor e etnia (na prática, revelando situações idênticas), motivo pelo qual, excepcionalmente, abarcaria o racismo o preconceito e a discriminação em virtude destas duas características, também. [21]

A priori, no entanto, a posição do STF parece seguir na esteira do que é proposto pela Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial – ratificada pelo Brasil – que no artigo primeiro define discriminação racial como:

[...] qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tem por objetivo ou efeito anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício num mesmo plano, (em igualdade de condição), de direitos humanos e liberdades fundamentais no domínio político econômico, social, cultural ou em qualquer outro domínio de sua vida.

E, embora, a cultura jurídica brasileira ainda apresente resistência à interpretação da legislação nacional com atenção aos tratados ratificados pelo país, essa é uma tendência que vem se ampliando. Ressalte-se inclusive, que a lei n. 9.034/95, voltada contra o crime organizado, foi por muito tempo interpretada a partir da Convenção de Palermo.

Até a elaboração da lei n. 12.694/2012, o conceito de organização criminosa era encontrado somente no art. 2º da citada convenção, diante da omissão legislativa no que tange à definição do que constituiria uma organização criminosa para a aplicação da lei antiga.

Registre-se que a acepção trazida pela Convenção antidiscriminatória foi também reproduzida na lei n. 12.888/2010, que institui o Estatuto da Igualdade Racial, o que indica que o caminho adotado no Brasil é efetivamente um no qual o termo raça abrangeria todos os outros elementos já estudados.

Entretanto, é preciso notar que a interpretação trazida pelo STF foi centrada na avaliação de que os judeus podiam ser vítimas de crime da prática de racismo uma vez que eles eram considerados historicamente como uma raça. Logo, não cabe a princípio asseverar que em ulteriores casos, envolvendo outros grupos sociais, o Supremo apresentará uma resposta nos moldes do que foi exposto ao longo do julgamento do HC n. 82.424-2/RS.

2.  O Direito e a discriminação racial no Brasil até 1988

O início da história jurídica no Brasil ocorreu com a chegada e permanência dos colonizadores portugueses ao seu território em 1500. A população indígena que habitava o território brasileiro era constituída por diversas tribos, sendo inviável se falar em leis abrangentes de todo o território, assim como é problemática a definição de eventuais regras como efetivamente jurídicas, em termos atuais.

No período conhecido como Brasil colônia, as leis vigentes no país eram as determinadas pelos portugueses, chamadas de Ordenações do Reino. Nesse momento histórico o preconceito racial era, em verdade, elemento integrante do statu quo na sociedade europeia que aqui veio residir, sendo total a legalidade da escravidão de negros e índios.

Com a independência do Brasil, em 1822, pouco mudou, não contendo o Código Criminal de 1830 nenhuma infração relativa à prática de racismo. O negro era apenas uma coisa, e qualquer agressão contra ele constituía nada mais do que um dano à propriedade, ainda que, ele pudesse ser condenado caso fosse autor de algum crime.

Mesmo após a Lei Áurea, o Código Penal adotado no início do período Republicano, em 1890, não fazia menção à discriminação racial como delito. A Consolidação das Leis Penais que veio para sistematizar as leis esparsas retificadoras desse Código, tampouco inovou no assunto.

Com o fim oficial da escravidão, o controle penal dos negros foi refinado através de regras discriminatórias de atuação reflexa sobre o comportamento desse grupo. É nesse contexto que o artigo 402 do Código Penal vigente à época vedava e punia a “capoeiragem”, prática típica dos descendentes de escravos.

Somente com as constituições brasileiras de 1934 e 1946 se fizeram presentes condenações, ainda que genéricas, ao preconceito por motivo de raça. E a constituição de 1967 avançou, tendo disposto em seu artigo 150, §1º que a lei deveria punir o preconceito racial.

A disposição constitucional em 1967 consolidou a tendência de combate ao preconceito já corrente na comunidade internacional. Em especial, é necessário destacar os textos da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU (1948), da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965) e do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966).

Contudo, já sob a Constituição de 1946, se dá a edição da primeira lei específica para punição penal da discriminação racial, a Lei Afonso Arinos (Lei n. 1.390/1951), que passou a considerar “a prática de atos resultantes de preconceito de raça, de cor, de sexo ou de estado civil” como contravenção penal.

[...] tratou-se a iniciativa de importante marco na história da defesa dos discriminados, entre outros aspectos por reconhecer oficialmente a existência de racismo no Brasil e por possibilitar a punição criminal de algumas formas de exteriorização do preconceito de raça e de cor. [22]

Entretanto, a lei sofreu diversas críticas ao longo de sua vigência, dentre elas, a estipulação da discriminação como mera contravenção e a própria tipificação, tida como pouco abrangente e de difícil aplicação aos casos concretos tendo em vista a pequena variação entre os tipos.

Alguns apontam que as limitações da lei residiriam no fato de que o anteprojeto de lei foi fruto de emotividade e improvisação por parte do parlamentar mineiro Afonso Arinos, responsável pela autoria da proposta apresentada. 

De acordo com Eunice Aparecida de Jesus Prudente, “[...] esta lei teve como causa imediata a discriminação racial sofrida por seu motorista negro, que há trinta e cinco anos servia a família e que teve sua entrada barrada em uma confeitaria no Rio de Janeiro”. [23]

Na esteira da lei Afonso Arinos foram elaboradas algumas disposições legislativas que tratavam marginalmente da penalização de condutas discriminatórias em geral. Como por exemplo, as leis nº 2.889/1956 (Lei do Genocídio), nº 4.117/1962 (Código Brasileiro de Comunicações), nº 4.898/1965 (Lei do Abuso de Autoridade), nº 5.250/1967 (Lei de Imprensa), nº 5.473/1968, nº 6.001/1973 e nº 7.437/1985.

A lei n. 1.390/51 ficou em vigor até a Constituição Federal de 1988, tendo sido considerada não recepcionada pela Carta Política. Ocorre que esta exigiu do legislador infraconstitucional a definição da prática do racismo como crime, inafiançável, imprescritível e sujeito à pena de reclusão.

Tendo em vista que a lei considerava a discriminação racista como mera contravenção penal e a pena aplicável, segundo o art. 5º e incisos da LCP, era a de prisão simples, incabível sua subsistência como lei penal apta a regular a prática de racismo nos termos da CRFB/88.

A Carta de 1988 inaugurou um novo e inédito marco jurídico do combate à discriminação racial. Em função dessa nova conformação, o legislador ordinário rapidamente editou nova lei, a Lei n° 7.716, sancionada em 1989. É esse novo quadro jurídico o objeto principal do capítulo seguinte.


Capítulo II – A Constituição de 1988 e as novas fronteiras jurídicas do combate ao preconceito.

1. O contexto constitucional inclusivo e a obrigação de proteção suficiente dos bens jurídicos pelo Estado.

No ano de 1987, a redemocratização política no Brasil culminou na reunião da Assembleia Constituinte, cujo objetivo era a elaboração de uma nova Carta para inaugurar definitivamente a nova República no país. Dentro de um ano, a partir de então, seria promulgada a Constituição de 1988.

Inicialmente convém demonstrar a multiplicidade de referências ao preconceito, à discriminação ou ao racismo presente no texto constitucional, sendo que já no preâmbulo, afirma-se que o objetivo dos constituintes é a formulação de “uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”.

Para a melhor sistematização dessas referências, à exceção das criminalizadoras, remete-se ao quadro a seguir:

Termos

Referências constitucionais

Igualdade

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

II – prevalência dos direitos humanos

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidadedo direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

VII - redução dasdesigualdades regionais e sociais;

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

Preconceito e Discriminação

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

V - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos: II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação.

XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;

XXXI - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;

Racismo

Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;

Diante das passagens colacionadas, a Constituição atualmente vigente delimitou um espaço de destaque às questões relacionadas à igualdade, formal ou material. E dentro desse contexto, especialmente importante é o combate à discriminação negativa e ao racismo.

Além disso, o constituinte também mostrou preocupação em promover a preservação e valorização das diferentes culturas conformadoras da sociedade brasileira. Nesse sentido, temos o tombamento dos documentos e sítios ligados aos quilombos (art. 216, §5º, CRFB) e a proteção das manifestações afro-brasileiras e indígenas (art. 215, §1º CRFB).

Diferentemente dos textos anteriores, o combate à exteriorização do preconceito assumiu posição relevante no desenvolvimento da sociedade. De tal forma, o tema encontra-se presente por toda a Constituição, não estando limitado a uma disposição isolada, como em 1967.

Em função disso, não seria prudente reduzir o espírito de inclusão proposto pela Constituição à atuação estatal meramente penal no que tange ao repúdio a comportamentos discriminatórios. Sendo assim, há a necessidade de ações voltadas para o próprio avanço social de camadas populacionais tradicionalmente excluídas.

Por outro lado, contudo, há que se ter em mente que a criminalização de determinadas condutas é, por vezes, essencial para evitar-se proteção insuficiente de determinados valores.

Assim, a proporcionalidade da atuação estatal na defesa dos direitos fundamentais deve ser sindicada não apenas para evitar medidas gravosas e evitáveis – a proibição do excesso, Übermassverbot – mas, também, no sentido de proibir a proteção subdimensionada ou insuficiente Untermassverbot.

[...]

Situações há nas quais meios mais brandos de controle se mostram incapazes para dissuadir a prática de condutas anti-sociais ou para reafirmar, na sociedade, a prevalência de determinados valores. [24]

Uma vez que a construção de uma sociedade sem preconceitos é mostrada como um dos objetivos fundamentais da República, incoerência haveria na inexistência de tutela penal sob as condutas que desafiassem essa meta.

Essa ótica inclusive está em consonância com a visão de que existe um papel seletivo a ser desempenhado pelo direito penal na busca pela pacificação social. Como consequência de tal entendimento, o tipo penal deve vir ao encontro da proteção dos bens jurídicos tidos como mais importantes.

2.  Os mandados constitucionais de criminalização.

Na esteira do novo contexto delineado pela Constituição Federal de 1988 exposto acima, o constituinte, imbuído de um compromisso com a repressão de determinadas práticas reconhecidas como especialmente danosas à sociedade, estabeleceu diversos outros comandos voltados para a criminalização destas condutas.

O texto constitucional revela além da obrigatoriedade de penalização da prática do racismo outros mandados de criminalização, identificados por Luiz Carlos dos Santos Gonçalves a partir de uma ótica restritiva. De acordo com esse critério, os mandados constitucionais expressos de criminalização seriam os seguintes:

Art. 5º XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;

Art. 5º XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;

Art. 5º XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

Art. 5º XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;

Art. 7º X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;

Art. 225 § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Art. 227 § 4º - A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente. (grifos nossos)

A determinação no próprio texto constitucional de mandados de criminalização é uma prática recorrente em diversos países. Costuma-se deixar o estabelecimento de tipos criminais a cargo do legislador ordinário a partir da escolha dos bens jurídicos que merecem a tutela penal, tendo como parâmetro as diretrizes constitucionais.

Conforme observado, a Constituição de 1988 foi generosa nas hipóteses de obrigatoriedade de proteção penal de certos bens. Com isso, poder-se-ia concluir por uma tendência autoritária da Carta, no entanto, segundo Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, essa seria uma visão equivocada.

Não é possível correlacionar a existência de mandados de criminalização com qualquer viés autoritário do texto constitucional. [...] É certo que além da submissão de todos, inclusive do próprio Estado e suas autoridades, ao regramento constitucional, o Estado Democrático de Direito se caracteriza, essencialmente, pela procura da igualdade e pela promoção social. Estes requisitos combinam com a função protetiva de direitos fundamentais [...]. [25]

O que se pode concluir é que as determinações previstas constitucionalmente representam por um lado um compromisso especial do constituinte com a tutela de certos valores e, por outro lado, revelam a tentativa de utilizar o direito penal como uma relevante estratégica na promoção dos direitos fundamentais.

3.  A limitação das disposições criminalizadoras da Constituição.

Do ponto de vista da efetividade, os mandados de criminalização dependem de legislação posterior, seja essa necessidade expressa ou não. Isso porque nenhuma das regras apontadas determina o tipo penal em todos os seus elementos objetivos e subjetivos básicos e, tampouco as penas aplicáveis.

Essa opção do constituinte é razoável, tendo em vista que, um tipo constitucional inteiramente acabado, exigira para sua alteração a elaboração de emendas constitucionais e “impediria a flexibilidade e a mutabilidade exigidas para que as condutas criminosas acompanhem a evolução da sociedade”. [26]

Neste ponto, surgem questões sobre a eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais de cunho penal. Em relação ao tema, a principal conceituação doutrinária decorre do trabalho de José Afonso da Silva, que classificou em três categorias as normas constitucionais: (i) de eficácia plena, (ii) de eficácia contida e (iii) de eficácia reduzida ou limitada.

Segundo José Afonso da Silva, as normas de eficácia plena são aquelas que “desde a entrada em vigor da constituição, produzem todos os seus efeitos essenciais” [27] porque o legislador constituinte criou desde logo “uma normatividade para isso suficiente, incidindo direta e imediatamente sobre a matéria que lhes constitui objeto” [28].

 Já as normas de eficácia contida também produzem ou podem produzir todos os efeitos queridos pelo constituinte, mas a atuação legislativa ou outros meios podem intervir sobre essas normas, fazendo com que a sua aplicabilidade possa ser contida em certos limites.

E, por fim, as de eficácia limitada são as que não produzem, com a simples entrada em vigor, todos os seus efeitos porque não foi estabelecida uma normatividade bastante sobre a matéria, deixando-se essa tarefa ao legislador ordinário ou outro órgão do Estado.

Embora, este autor não tenha identificado especificamente a posição dos mandados de criminalização na citada classificação, subsiste a possibilidade de fazê-lo a partir da utilização dos elementos acima trazidos para a separação das normas quanto à sua eficácia.

Os mandados previstos nos incisos XLII, XLIII, XLIV do art. 5º são de eficácia reduzida em decorrência da inexistência de definições dos preceitos primários e preceitos secundários dos tipos, em face do princípio constitucional da legalidade.

Todavia, as restrições constitucionais referentes à imprescritibilidade, inafiançabilidade, pena de reclusão ou de insusceptibilidade de graça ou anistia são plenamente eficazes, sem dependerem de nenhuma outra ação estatal para produzir seus efeitos.

Quando, no artigo 5º, inciso XLII, a Constituição dispõe que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”, evidencia-se que com relação à fiança e a prescritibilidade, a norma constitucional é autoaplicável, tornando dispensável uma análoga previsão legal. Uma vez definido o que vem a ser “prática do racismo”, esses efeitos aplicar-se-ão diretamente. [29]

Por outro lado, os mandados do art. 5º, inciso XLI; art. 7º, inciso X eart. 227, §4º dependem inteiramente de legislação ordinária para que tenham sua eficácia plena. Em outros termos, são disposições de caráter de eficácia limitada.


Capítulo III – O mandando de criminalização da prática do racismo.

1. Precedentes da inclusão no texto constitucional.

A emenda aditiva nº 654 do constituinte Carlos Alberto Caó foi a responsável pela inclusão da criminalização da prática do racismo nos termos da atual Constituição. A votação dessa proposta ocorreu na sessão de 2 de fevereiro de 1988, e a votação contou com apenas três votos contrários.

Ao apresentar a emenda para votação, Carlos Caó explicou os motivos determinantes para a elaboração dela:

Neste momento, Sr. Presidente, em que nos empenhamos em construir um Estado democrático, em trabalhar no sentido de transformar a sociedade civil brasileira numa sociedade civil civilizada é indispensável que tenhamos conta de que a construção do Estado democrático se inicia pela superação das discriminações raciais, pela superação desse tentativa de classificar o homem pela cor da pele no mercado de trabalho.[30]

A prática do racismo é criminalizada no artigo 5º da Constituição Federal, situado sob o Título II, “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”. O referido dispositivo, por sua vez, representa a integralidade do Capítulo I, “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”, daquele Título.

Mais especificamente no inciso XLII do artigo em exame o legislador constituinte originário determinou ao legislativo pátrio a criminalização da prática do racismo, cujas características principais são a imprescritibilidade, a inafiançabilidade e a pena de reclusão.

E, tendo em vista a pluralidade de aspectos envolvidos na redação constitucional do art. 5º, XLII, passaremos a seguir para o esclarecimento das citadas características essenciais do mandado de criminalização em comento.

2.  As restrições constitucionais incidentes sobre a criminalização do racismo.

2.1.  A imprescritibilidade.

O instituto jurídico da prescrição é encontrado em diversos ramos do Direito, inclusive o direito penal. Em termos gerais, a prescrição tem como função determinar a ocorrência de efeitos jurídicos ao decurso do tempo.

Em exame etimológico, tem-se que a palavra prescrição origina-se do latim “praescriptio”, do verbo “praescribere”, que expressa a idéia de escrever antes ou no começo. O surgimento do instituto da prescrição explica-se pelo anseio por segurança e estabilidade no Direito Romano, de modo que se acabasse o aspecto de perpetualidade, de falta de prazo para impetrar ações. Dessa forma, antes da demonstratio, os pretores escreviam um texto introdutório em que apontavam para o juiz se a ação fora ou não proposta dentro do prazo devido. (grifos nossos) [31]

No que tange à sua aplicação especificamente na esfera criminal essa figura é uma das formas de extinção da punibilidade, conforme disposto no art. 107, IV do Código Penal Brasileiro de 1940, sendo que os prazos prescricionais tem relação direta com a quantidade de pena abstrata das infrações penais (art. 109, CP).

A punibilidade é a possibilidade surgida para o Estado a partir do cometimento de um delito de punir o indivíduo responsável pela infração penal, através da imposição de uma sanção. Ocorre que a punibilidade compreende tanto a pretensão punitiva – que é a aplicação da pena que a lei prevê em abstrato, quanto a pretensão executória – consubstanciada na execução da pena concretamente aplicada.[32]

A prescrição, por sua vez, acarreta a “perda do direito-poder-dever de punir pelo Estado em face do não-exercício da pretensão punitiva (interesse em aplicar a pena) ou da pretensão executória (interesse em executá-la) durante certo tempo’. [33]

Em razão do momento em que a punibilidade é extinta pela prescrição, esta é chamada de prescrição punitiva ou prescrição executória. Em sua primeira forma, a prescrição acarreta a impossibilidade de uma decisão acerca do fato apontado como delituoso. Enquanto no último caso implica somente no não cumprimento da pena principal, imposta ao fim do processo criminal, com a subsistência das consequências secundárias da condenação, inclusive para fins de reincidência. [34]

Por sua vez, a imprescritibilidade indica ser possível ilimitada atuação estatal na persecução penal dos indivíduos. Entretanto, a prescritibilidade é a regra nos sistemas penais contemporâneos no mundo ocidental e é vista como uma garantia do indivíduo contra o Estado.

Na Constituição brasileira existem quatro menções à imprescritibilidade em geral. Na seara criminal, além da prática de racismo, também são marcados pela imprescritibilidade os crimes que envolvam a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático – art. 5°, XLIV.

Afora isso, são imprescritíveis os direitos sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios (art. 231, parágrafo 4º, CRFB) e as ações de ressarcimento de danos ao erário (art. 37, parágrafo 5º, CRFB).

2.1.1.  Questões sobre novas possibilidades de imprescritibilidade

Questão controversa recai sobre o processo legislativo adequado para a instituição da imprescritibilidade em outros casos, ou seja, questiona-se a possibilidade de fazê-lo por meio de lei ordinária ou se seria exigível a elaboração de emenda constitucional.

O posicionamento de Christiano Jorge dos Santos, que entende pela capacidade do legislador de prever através de lei ordinária a imprescritibilidade em geral, baseia-se primeiramente na inexistência vedação constitucional expressa sobre o assunto.

Além disso, esse mesmo autor destaca como precedente favorável à tal linha de raciocínio a incorporação ao direito brasileiro do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, através do Decreto n. 4.388/02, como norma de cunho supralegal e infraconstitucional.

O TPI tem como competência o julgamento dos crimes internacionais previstos no citado Estatuto, de modo complementar à jurisdição nacional dos Estados signatários. Logo, o Tribunal somente atuará nos casos em que, por qualquer motivo, a jurisdição nacional não processar os indivíduos suspeitos.

O artigo 29 daquele documento é categórico ao afirmar que todos os crimes de competência do TPI são imprescritíveis, dentre os quais estão a tortura, o genocídio e os crimes de guerra. Os crimes internacionais nos termos do Estatuto são aqueles de maior gravidade, que afetam a comunidade internacional como um todo.

A confusão suscitada pelo tema é evidenciada pelas iniciativas legislativas acerca da imprescritibilidade, existindo tanto projetos de lei ordinária quanto emenda constitucional para o estabelecimento de outras hipóteses penais de imprescritibilidade.

Por um lado, já tramitaram projetos de lei ordinária (e.g. n. 4458/2004, n. 5113/2001) na Câmara dos Deputados prevendo a imprescritibilidade para outros crimes. Por outro lado, tramita na Câmara atualmente proposta de emenda à constituição (PEC 229/2012) que torna imprescritíveis os crimes hediondos.

No Tribunal do Rio de Janeiro, a maioria dos processos nos quais se fez menção à imprescritibilidade penal contém a opinião de que somente aquelas hipóteses expressas na Constituição podem ensejar a inexistência de prescrição. Na ementa do julgado de uma apelação, afirma-se que:

As hipóteses de imprescritibilidade de crimes encontram expressa previsão nos incisos XLII e XLIV do art. 5º da Constituição Federal, que chamando a si o poder de elencar os respectivos delitos, excluiu a possibilidade de ampliação através da legislação infraconstitucional. Trata-se de garantia jurídica constitucional [...]. [35]

Mas, cabe destacar que a imprescritibilidade estabelecida por lei ordinária relativa ao direito civil não encontra resistência, inclusive tendo plena aplicação a ausência de prescrição para a ação negatória de paternidade (art. 1.601, caput, CC) e para o reconhecimento do estado de filiação (art. 27, ECA).

Além disso, existe caso de imprescritibilidade decorrente de entendimento jurisprudencial. Nesse sentido, o STJ já tem posição firmada de que as ações para reparação de danos morais por violação de direitos fundamentais é imprescritível como decorrência do princípio da dignidade humana (e.g. AgRg REsp 1056333).

2.1.2. A imprescritibilidade em outros Estados.

No âmbito do direito comparado observa-se que vários países possuem igualmente a figura da imprescritibilidade presente em seus ordenamentos jurídicos. Nesse grupo estão países como a Espanha, a Itália, a França, a Venezuela e o Paraguai, sendo que os dois últimos, assim como o Brasil, cuidam do tema em suas respectivas constituições.

O Paraguai tem como imprescritíveis os crimes de genocídio, tortura, desaparecimento de pessoas, sequestro e homicídio, conforme inscrito no art. 5° do Capítulo I do Título II, assim como a norma é reproduzida no Código Penal do país. [36]

A nação mais prolifica na determinação de crimes imprescritíveis é a Itália, com 26 (vinte e seis) delitos assim considerados [37]. Tal ocorrência significativa é fruto de uma regra prevista no art. 157 do Código Penal italiano, que determina não haver extinção dos crimes para os quais a lei prevê a pena de prisão perpétua.

Dentre eles estão os crimes de atentado contra a integridade, a independência ou a unidade do Estado, a destruição ou sabotagem de operações militares, espionagem política ou militar e insurreição armada contra o poder do Estado.

Cabe ainda ressaltar o caso particular referente aos Estados Unidos da América, no qual impera o sistema da common law onde a prescrição somente existe sobre a pretensão punitiva, inexistindo sua aplicação quanto à execução da condenação.

Nesse país, existem crimes de índole federal e outros de âmbito meramente estadual. Em relação aos últimos, os prazos prescricionais são determinados pelos próprios Estados. Como exemplo de imprescritibilidade tem-se o Ato Patriótico.

Como exemplo das mais recentes normas de imprescritibilidade e de regulamentação da prescrição no âmbito federal, tem-se o denominado “Ato Patriótico” (Patriotic Act), editado após os atentados terroristas de 11 de setembro, cujo título bem revela nitidamente sua índole.

Está prevista em sua Seção 809 a “ausência de prazo prescricional para determinados delitos de terrorismo”, dentro do Título VIII (Reforço das leis penais contra o terrorismo). [38]

2.1.3. Teorias justificadoras da prescrição.

As principais teorias que fundamentam a aplicação penal da prescrição são, segundo Christiano Jorge Santos [39], as seguintes: (i) teoria do esquecimento; (ii) teoria da expiação; (iii) teoria da emenda; (iv) teoria psicológica; (v) teoria das provas; (vi) teoria da ineficiência do Estado e (vi) a teoria da exclusão do ilícito.

Inicialmente, a teoria do esquecimento tem base no entendimento de que após certo período de tempo, o delito cometido já não mais é lembrado pela sociedade. E, em função disso, deixa de existir interesse social na punição da prática delitiva.

Por outro lado, a teoria da expiação indica que a longa duração de investigações ou processo criminais faz com que o indivíduo acusado seja confrontado com grande angústia em decorrência de sua reflexão sobre o ocorrido. Portanto, mais uma vez não haveria necessidade de aplicação da punição penal uma vez que a reflexão feita já causa suficiente sofrimento.

Já a teoria da emenda justifica a aplicação da prescrição devido à presunção absoluta de regeneração do autor do delito, caso o mesmo após um lapso temporal não voltasse a delinquir.

Outra teoria abonadora do instituto em discussão é a teoria psicológica, no bojo da qual se afirma que a estrutura psíquica do homem se altera com o passar do tempo. Com isso, seriam pessoas diferentes que praticariam o ato delituoso e depois seriam punidas por ele, embora se trate fisicamente do mesmo indivíduo.

Ainda existe a teoria das provas segundo a qual não seriam dignos de confiança os elementos de prova, especialmente os testemunhos, após certo tempo de modo que é impossibilitada a demonstração da imputação feita ao réu. Nesse sentido, deve-se evitar um processo inútil com a extinção da punibilidade.

Além disso, também há a teoria da presunção de ineficiência do Estado cujo argumento central é que a prescrição seria um ônus aplicado ao Estado tendo em vista a falha dos seus agentes em promover a persecução penal do indivíduo.

Derradeiramente, tem-se a teoria da exclusão do ilícito que entende ser o decurso do tempo capaz de retirar relevância de condutas infracionais de modo que elas passam a ser toleradas.

2.1.4. As tendências atuais da imprescritibilidade.

Não obstante a diversidade de teorias, todas elas apresentam pontos sujeitos a críticas e é justamente por isso que a imprescritibilidade não foi uma opção totalmente abandonada pelo legislador penal moderno. Dentre algumas das razões para a sua existência são de especial interesse os motivos para a sua adoção no cenário internacional.

A Convenção sobre a imprescritibilidade dos crimes de guerra e dos crimes contra a humanidade adotada no âmbito da Organização das Nações Unidas, em 1968, no preâmbulo, afirma que os crimes tratados no documento se incluem dentre aqueles mais graves, que a repressão efetiva dos mesmos é um elemento importante para sua prevenção e proteção dos Direitos do homem e das liberdades fundamentais.

O tratado segue para asseverar que a repressão encoraja a confiança, a cooperação entre os povos e a paz e segurança internacionais. Além disso, a aplicação àqueles crimes das regras de direito interno relativa à prescrição dos crimes comuns ‘inquieta profundamente a opinião pública mundial porque impede que os responsáveis por esses crimes sejam perseguidos e castigados’.

A exemplo da ONU, a União Europeia produziu um documento, em 1974, a “Convenção Europeia sobre a não aplicabilidade da prescrição aos crimes contra a humanidade e de guerra”. No respectivo preâmbulo, é retomada a visão de que essas espécies de crimes são especialmente violadoras da dignidade humana e de que a punição dos seus perpetradores não pode ser impedida por prazos prescricionais.

Em suma, a adoção da imprescritibilidade para certos crimes internacionais tem base na necessidade de efetiva punição das infrações penais que causam maior gravame às vítimas e à sociedade como um todo. E a gravidade do delito tem estreita relação com o impacto que ele possui sobre os direitos mais básicos e fundamentais do ser humano.

A proteção dos direitos fundamentais através de sanções penais está inserida dentro de uma nova perspectiva na qual as tipificações criminais adquirem um perfil não mais meramente repressor, mas promotor dos valores mais importantes para a sociedade.

Embora não se possa afirmar que, em função disso, toda e qualquer ofensa a um direito fundamental deva ser criminalizada, a existência destes direitos se vocaciona, tendencialmente, à proteção penal. Essa proteção chega a ser indicada como critério de reconhecimento para os direitos fundamentais, como faz Häberle (2003, p. 44), observando que “(...) não se apresenta nenhum só direito fundamental que não esteja condicionado por leis penais” [40].

As mesmas razões poderiam ser invocadas para o entendimento das regras nacionais de imprescritibilidade. Conforme visto anteriormente, os diversos países que as têm, reservam-nas para incidência sobre crimes considerados mais graves.

Nesse sentido, vislumbra-se a ideia subjacente de que a existência da prescrição em relação a tais crimes constituiria um caminho perverso para a impunidade dos mesmos. A lógica, aliás, é a mesma que rege a determinação das penas das infrações penais, uma vez que quanto maior a percepção de gravidade de uma conduta, maior a pena cominada – o que por sua vez reflete diretamente no eventual prazo prescricional.

2.2. Fiança e Inafiançabilidade

A fiança, antes caução real, é atualmente uma medida cautelar diversa da prisão e atualmente tem previsão no Código de Processo Penal, especificamente no artigo 319, inciso VIII e parágrafo 4º e todos os artigos que compõem o Capítulo VI.

As disposições correntemente vigentes têm origem nas alterações trazidas pela Lei n. 12.403/11, que modificou significativamente o panorama legal acerca das medidas cautelares existentes no processo penal brasileiro, inclusive com a criação de novas espécies.

O principal objetivo dessa nova lei foi o desafogamento do sistema penitenciário brasileiro, pelo menos em relação aos presos provisórios, ou seja, aqueles que são recolhidos à cadeia antes do trânsito em julgado da sentença.

No que tange especificamente à fiança, o legislador revitalizou-a, a partir de uma regulamentação mais clara e harmoniosa com as normas constitucionais e outras normas processuais. Nesse sentido, sistematizaram-se os crimes que são inafiançáveis, conforme a CRFB. Ademais,

A contravenção da vadiagem (artigo 59 da LCP) deixou de ser motivo para a não concessão da ?ança. Na mesma cadência, em relação aos crimes que provoquem clamor público, bem como a circunstância de o agente se encontrar no gozo de suspensão condicional do processo ou de livramento condicional. [41]

Além disso, também foram feitas reformas quanto aos valores aplicáveis à quantificação da fiança, que foi consideravelmente ampliada. Ela pode ser estipulada em até cem salários mínimos para os crimes com pena não superior a quatro anos e tem o teto de duzentos salários mínimos para aqueles com pena superior a quatro anos.

Conforme se depreende do CPP, a fiança é uma medida cautelar diversa da prisão preventiva que visa assegurar o comparecimento aos atos do processo e evitar a obstrução do seu andamento, além de ser aplicável em caso de resistência injustificada à ordem judicial.

Essa medida cautelar pode ser aplicada pela própria autoridade policial nos casos de delitos cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a quatro anos. Nos outros casos, somente é competente para tanto órgão pertencente ao Poder Judiciário.

A fiança é considerada quebrada quando o acusado (i) deixa de comparecer, sem motivo justo, a ato do processo para o qual foi intimado, (ii) pratica deliberadamente ato de obstrução ao andamento processual, (iii) descumpre outra medida cautelar imposta, (iv) resiste injustificadamente a ordem judicial e (v) pratica nova infração penal dolosa.

A fiança pode ser consubstanciada por objetos ou dinheiro, e quando ela se tem por quebrada injustificadamente, metade do valor da mesma é tido como perdido. Contudo, o valor é integralmente perdido caso o acusado não se apresente para o início do cumprimento da pena definitivamente imposta.

Diante do quadro atual, a determinação constitucional de impossibilidade da estipulação de fiança para alguns crimes, inclusive o de prática de racismo, não causa impacto significativo no processo criminal ao qual os infratores ficam sujeitos.

Contudo, existe uma previsão constitucional que excepciona a inexistência de consequências práticas da inafiançabilidade. Conforme o art. 53, §2º da CRFB, desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável.

Mas é preciso voltar atenção para o caput do mesmo art. 53 da Constituição, que prescreve que os deputados e senadores são invioláveis civil e penalmente por suas opiniões, voto e palavras – ainda que somente quando no exercício da função parlamentar. Com isso, por exemplo, em caso de incitação de discriminação racial por político nessas circunstâncias não há que se falar em prisão em flagrante.

Com efeito, o acusado por crime de racismo escapa ao perdimento de bens ou dinheiro em caso de quebra de fiança, pois esta não pode ser aplicada. Sob esse aspecto, ele é submetido a um controle processual mais brando do que indivíduos acusados por outros crimes.

Nada obstante, impõe que se diga, a questão da concessão de fiança não é previsão das mais importantes. Isto porque, se é certo que um magistrado denegue arbitramento de fiança ao autor de crime de racismo, nada impede que lhe conceda a liberdade provisória, sem a fiança. Ou seja, sob a ótica pública, melhor seria (se for o caso de libertação) colocar à solta o suspeito com a fixação da garantia (fiança) do que livrá-lo sem ônus.[42](grifos nossos)

A importância da fiança enquanto único instrumento hábil a permitir a soltura do réu, em sede de apelação, se manteve enquanto a regra no processo penal brasileiro era o encarceramento dos acusados. De acordo com a redação original do art. 594 do CPP, o réu não poderia apelar sem se recolher à prisão ou prestar fiança.

A referida situação foi ligeiramente abrandada pela lei n. 5.941/73, conhecida como Lei Fleury. Esse diploma abriu uma exceção no sistema anterior, determinando que em caso de primariedade e bons antecedentes, o réu poderia apelar em liberdade.

Na sentença condenatória, o réu era mantido no cárcere, caso lá se encontrasse, mesmo que fosse primário e de bons antecedentes. E se estivesse solto, deveria ser decretada a sua prisão, salvo se o crime admitisse o arbitramento da caução ?ança. Na hipótese contrária, para apelar, deveria primeiro se recolher ao cárcere.

A prisão, de caráter nitidamente processual, era uma condição objetiva do recurso, por imposição do seu artigo 594: “O réu não poderá apelar sem recolher-se a prisão, ou prestar ?ança, salvo se condenado por crime de que se livre solto”.

Essa situação injusta, arbitrária e, sobretudo, autoritária, somente veio a ser abrandada com a edição da Lei nº 5.941/73, apelidada de Lei Fleury, a qual alterou aquele dispositivo legal e passou a permitir que o réu primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença, pudesse apelar em liberdade. [43]

Contudo, o art. 594 foi revogado pela lei n. 11.719/08, de modo que a regra é a possibilidade de recurso contra decisão condenatória em liberdade pelo acusado. Portanto, a inafiançabilidade do crime de prática de racismo não traduz qualquer circunstância gravosa para eventuais suspeitos.

O professor Eduardo Cabette analisa a situação da inafiançabilidade no direito brasileiro como fruto de um equívoco do legislador, propiciado em parte pela própria doutrina e pela jurisprudência. No seu entendimento, haveria uma confusão entre o instituto da fiança e o da liberdade provisória.

Percebe-se, de acordo com o exposto, que a doutrina em geral, embora certamente vislumbre, ao menos em sua maioria, a distinção existente entre os institutos da “fiança” e da “liberdade provisória com fiança”, não traduz com a devida clareza essa importante noção. A maneira muitas vezes confusa com que os conceitos são expostos é certamente fonte de equívocos interpretativos, especialmente aquele de pensar a fiança como um direito subjetivo do imputado quando é ela, na realidade, um ônus, sendo o verdadeiro direito aquele à liberdade provisória, que pode ser com ou sem fiança. [44]

Além disso, cabe registrar que o Supremo Tribunal Federal até pouco tempo atrás posicionava-se no sentido de que a inafiançabilidade prevista constitucionalmente indicava concretamente a impossibilidade de liberdade provisória nos casos assinalados pela Carta.

A alternativa de vedação à concessão de liberdade provisória ex lege poderia ser apontada como uma possibilidade para aqueles eventualmente pretendam evitar o esvaziamento da inafiançabilidade, na esteira do que prevê o art. 44 da lei n. 11.343/06, a Lei de Drogas.

Contudo, a exemplo do que ocorreu com a interpretação do STF quanto à identidade entre inafiançabilidade e impossibilidade de liberdade provisória, a Corte também já condenou previsões legais como da Lei de Drogas, devendo haver por parte do juízo uma avaliação da necessidade concreta do acautelamento processual do acusado.

De qualquer modo, por se tratar de decisões sem efeito erga omnes, já que proferidas em controle concreto de constitucionalidade, existem julgadores que aplicam normalmente a lei de Drogas e recusam a liberdade provisória aos réus com base em seu art. 44.

Não obstante, destaca-se que o Estatuto do Desarmamento foi considerado inconstitucional no seu art. 21, ao final do julgamento da ADI n. 3.112-1, por vedar a liberdade provisória em alguns dos crimes lá previstos.

2.3. A pena de reclusão

Primeiramente cabe esclarecer que, no sistema penal brasileiro são previstas as seguintes sanções penais: multa pecuniária, privação de liberdade e restritiva de direitos. Como um tipo impróprio de pena, tem-se a medida de segurança, que é aplicada aos maiores de idade penalmente inimputáveis.

Dentre as penas privativas de liberdade, existem três tipos, quais sejam, a pena de reclusão, pena de detenção e prisão simples. Sendo que esta última somente tem aplicação no que tange às contravenções penais, devendo ser cumprida sem rigor penitenciário e com impossibilidade de regime fechado mesmo em caso de regressão.

A diferença entre a pena de reclusão e a de detenção reside nas categorias de regimes de encarceramento aplicáveis, sendo que na reclusão podem ser impostos os regimes fechado, semiaberto e aberto. Já na detenção, o regime fechado é inaplicável, a não ser em hipótese de regressão.

O art. 33 do Código Penal, em seu parágrafo 1º define que (i) no regime fechado a execução da pena ocorre em estabelecimento de segurança máxima ou média, (ii) no regime semiaberto a execução da pena se dá em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar e (iii) no regime aberto a execução da pena é realizada em casa de albergado ou estabelecimento adequado.

A determinação do regime inicial de cumprimento da pena é feita segundo os critérios apontados no parágrafo 2º do mesmo art. 33 do CP. De forma que, o regime fechado é aplicável ao condenado a pena superior a oito anos.

Já o condenado não reincidente cuja pena seja superior a quatro anos, mas inferior a oito pode ter como regime inicial o semiaberto. Por fim, o condenado não reincidente com pena igual ou inferior a quatro anos pode cumpri-la em regime aberto.

No entanto, cumpre ressaltar que a legislação em questão determina ao juiz uma obrigatoriedade de aplicação do regime fechado para os apenados a mais de oito anos (art. 33, §2º, a, CP), enquanto, apenas faculta ao magistrado a aplicação dos regimes semiaberto e aberto nos outros casos (art. 33, §2º, b, c, CP).

Com isso, é possível que mesmo diante do preenchimento dos requisitos exigidos no citado art. 33, §2º, o juiz entenda ser mais adequado o emprego de regime inicial mais gravoso, se possível. Contudo, o julgador necessita elencar razões para tanto, particularmente apoiado nas circunstâncias elencadas no art. 59 do CP.

Em decorrência disso, as pessoas que cometem crimes para os quais é apontada a pena de reclusão, ficam expostas ao regime fechado como modo de cumprimento inicial da pena, no qual nenhum tipo de saída do cárcere é possível. Logo, esses indivíduos estão sujeitos, em tese, a um cumprimento da sanção penal mais rigoroso.

Cabe destacar, contudo, que em princípio, nenhum crime de cunho racista está sujeito a um montante de pena maior do que oito anos. Logo, dificilmente a obrigatoriedade imposta pelo art. 33, §2º CP, terá lugar na determinação pelo magistrado do regime fechado.

As únicas hipóteses para a aplicação do citado dispositivo seria em função da existência de concurso formal, material de crimes ou aumento por continuidade delitiva. Além disso, o mesmo ocorreria em condenação pelo crime de redução à condição análoga à de escravo motivado por preconceito, no qual o aumento previsto incidisse sobre pena superior cinco anos e quatro meses.

2.4.  Considerações gerais sobre as restrições constitucionais.

Diante do até aqui exposto sobre as características constitucionais do crime de prática de racismo, cristaliza-se a intenção do constituinte de reprovar veementemente as condutas discriminatórias de cunho racial. Porquanto, procurou, por um lado, assegurar o exercício da ação penal sem limitação temporal e, por outro, submeter eventuais condenados a um cumprimento mais rigoroso da pena.

Não obstante, a grandiosidade da intenção da norma constitucional, a aplicação prática do texto encontra óbices na realidade do processo penal. Primeiramente, destacam-se as limitações vistas quanto à inafiançabilidade enquanto instrumento para assegurar a efetividade do processo a que se submete o infrator.

Além disso, há que se destacar que a cominação de pena de reclusão, por si só, não garante necessariamente que o réu seja submetido a um regime inicial fechado. Especialmente considerando-se os parâmetros elencados no art. 33, §2º do CPP e a quantidade das penas previstas na lei n. 7.716/89.

Em suma, a disposição que se revela como a mais relevante sobre o assunto é relativa à imprescritibilidade do crime de racismo. Com efeito, essa característica desse tipo de delito, oferece ao Estado uma capacidade de persecução penal que se mostra excepcional no atual quadro da legislação brasileiro, visto ser a prescrição a regra.


Capítulo IV – A regulamentação do art. 5º, XLII pela Lei n. 7.716/89.

1. Considerações preliminares.

Atualmente, no ordenamento brasileiro, o principal diploma penal acerca das práticas discriminatórias é a lei n. 7.716/1989, conhecida como Lei Caó. Esta normativa veio definir e regulamentar o crime de prática de racismo para fins de aplicação da disposição constitucional do art. 5º, inciso XLII.

O projeto de lei n. 668/1988, cuja tramitação completa ocorreu em pouco mais de um ano, deu origem à lei. O projeto foi de autoria do então deputado Carlos Alberto Caó, razão pela qual a referente legislação também é conhecida por seu sobrenome.

Na justificativa do PL afirmava-se que:

O negro deixou, sem dúvida, de ser escravo, mas não conquistou a cidadania. Ainda não tem acesso aos diferentes planos da vida econômica e política. É mais do que evidente que as discriminações raciais marcam a sociedade, o Estado e as relações econômicas em nosso País. Passados cem anos da Lei Áurea, esta é a situação real. [45]

À luz das razões apresentadas por Carlos Alberto Caó, depreende-se que o objetivo primário por trás da elaboração do mandando constitucional e de sua lei regulamentadora era o combate à histórica desigualdade social, suportada especialmente pela população brasileira negra. De maneira que o a principal forma de racismo a ser combatida era aquela dirigido contra à raça negra.

Não obstante esse relevante aspecto da mens legislatoris, a aplicabilidade da lei não se reduz ao combate do racismo contra os negros, as regras jurídicas incidem sobre o preconceito e a discriminação contra qualquer raça.

O principal efeito da lei Caó foi suprir a lacuna decorrente da classificação das condutas discriminatórias previstas na lei Afonso Arinos como contravenções penais e a exigência constitucional de criminalização da prática do racismo.

Contudo, o regramento trazido pela lei n. 7.716/89 não diferiu em muito da anterior, uma vez que todos os preceitos primários dos tipos penais da Afonso Arinos foram reproduzidos, com certas alterações pontuais. Numa análise objetiva, somente os arts. 12 e 14 na redação original da Lei Caó previram situações originais em relação à lei n. 7.437/85.

2.  Os vetos ao projeto de lei.

O PL n. 668/1988 não foi sancionado em sua inteireza pelo presidente à época de sua aprovação pelos parlamentares brasileiros. Ao todo, foram apostos quatro vetos presidenciais, sob a justificativa de contrariedade ao interesse público, que recaíram sobre os artigos 2º, 15, 17 e 19, cujas redações eram as seguintes:

Art. 2º Os crimes definidos nesta lei serão imprescritíveis, inafiançáveis e insuscetíveis de suspensão condicional da pena.

Art. 15. Discriminar alguém por razões econômicas, sociais, políticas ou religiosas, em local de trabalho, em público, ou em reuniões sociais.

Pena: reclusão, de dois a quatro anos.

§1º Incorre nas mesmas penas quem fizer propaganda de preconceito de raça ou cor.

§2º Sendo o ato discriminatório veiculado ou publicado pela imprensa, ou qualquer veículo de comunicação social, a pena é agravada de um terço, assegurado ao discriminada o mesmo espaço e tempo para defesa e esclarecimentos que se tornem necessários, independentemente da ação indenizatória cabível.

Art. 17. Em caso de reincidência, a decisão condenatória imporá a pena acessória de cassação da autorização de funcionamento do estabelecimento, se entidade privada.

Art. 19. O processo judicial para a apuração dos crimes definidos na presente lei terão rito sumário, não podendo ultrapassar o prazo de sessenta dias para a prolação da sentença.

O veto sobre o artigo 2º do diploma legal foi dirigido à proibição pretendida pelo mesmo no que tange à concessão de suspensão condicional da pena (o sursis) àqueles sujeitos dos crimes coibidos pela lei. No mais, o dispositivo replicava a Constituição, afirmando serem os crimes imprescritíveis e inafiançáveis.

Em que pese o veto do art. 2º, a inexistência de referência na lei às restrições constitucionais impostas ao crime de prática de racismo, as mesmas são autoaplicáveis. Com isso, em pleno vigor estão a imprescritibilidade e a inafiançabilidade previstas constitucionalmente.

O art. 15 dentro da redação original do PL 668/88 era de caráter singular, uma vez que determinava a criminalização da discriminação por razões econômicas, sociais, políticas ou religiosas – fugindo assim do critério racial e de cor.

Por um lado, a supressão desse artigo baseou-se na avaliação presidencial de que seus termos seriam indevidamente genéricos para a correta aplicação da lei penal. A outra razão apresentada dizia respeito à causa de aumento na hipótese da discriminação em apreço ser feita por veículo de comunicação social. O entendimento da presidência foi de que essa possibilidade era melhor tratada pela Lei de Imprensa, considerada vigente à época.

Em relação ao art. 17 do PL, a mensagem de veto afirmava que a pretensão da norma era de fazer ressurgir a figura da pena acessória. No entanto, essa espécie de pena não era mais contemplada pela nova parte geral do Código Penal.

Por fim, o veto ao art. 19 teve motivação na aplicabilidade de procedimento sumário apenas aos delitos punidos com detenção ou às contravenções penais. De modo que deveria ser afastado tal rito para os crimes do PL, que eram apenados com reclusão.

3.  Aspectos gerais da lei n. 7.716/89.

Inicialmente, destaca-se que o texto da lei n. 7.716/89 foi modificado em cinco oportunidades, pelas leis n. 8.081/90, n. 8.882/94, n. 9.459/97 e n. 12.288/10 (Estatuto da Igualdade Racial) e n. 12.735/12. Todas trouxeram importantes alterações, sempre no sentido de endurecimento das diposições legais.

Pela redação atual, dos vinte e dois artigos constantes do diploma legislativo, treze deles contém criminalização de condutas. No entanto, para efeito de análise da lei n. 7.716/89, ainda necessitam de esclarecimentos os sentidos referentes à religião e procedência nacional.

Neste ponto, cumpre notar que a redação do art. 1º da lei n. 7.716/89, no qual se prevê genericamente quais os tipos de preconceito e discriminação que são delitos, foi essencialmente alterada pela lei n. 9.459/97, que inclui os termos etnia, religião e procedência nacional aos já existentes de raça e cor.

O vocábulo religião indica, geralmente, uma crença na existência de um deus ou vários deuses imbuídos de forças sobre-humanas, que encontra exteriorização através de doutrinas e rituais. Apesar de uma grande diversidade, as religiões mais proeminentes no mundo são o judaísmo, o islamismo e o cristianismo.

Para fins de aplicação da lei penal, todas as pessoas indevidamente diferenciadas por conta de sua crença religiosa, seja qual ela for, fazem jus à proteção. No entanto, a depender da noção adotada sobre o termo religião, a tutela penal pode ser estendida ou não a determinados grupos, como, por exemplo, os ateus.

Assim caberia indagar se impedir o acesso de ateu, por conta de tal convicção, a um clube social aberto ao público, por exemplo, caracterizaria a discriminação por religião prevista no art. 9º da Lei n. 7.716/89, ou outro delito.

A resposta à pergunta seria não. Tratar-se-ia de conduta atípica. Isto porque, considerando-se o ateu como aquele que não crê em Deus ou em deuses e, por vez, religião como crença necessariamente vinculada à existência de ente ou entes superiores, nos termos da conceituação adotada acima, o ateísmo enquadrar-se-ia como espécie de doutrina filosófica não amparada pela Lei n. 7.716/89.

A questão, contudo, é tormentosa, pois dependendo do conceito de religião adotado, o ateísmo pode ser enquadrado como tal, o que faria da conduta – inequivocadamente ilegal (sob a ótica cível) – também criminosa. [46]

Em relação à procedência nacional, a doutrina pátria firmou-se no sentido de a mesma além de fazer referência à nacionalidade do sujeito passivo, ser também relativa à naturalidade dentro do próprio território brasileiro. Sendo, a naturalidade entendida não somente como a unidade federativa de onde o sujeito é originário, mas também região do país.

O art. 1º, com redação dada pela lei n. 9.459/97, define os motivos exigidos para o enquadramento em todos os tipos penais da lei, que é a “discriminação ou preconceito de taça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Portanto, todos os outros artigos criminalizantes da lei devem submeter-se a tal fim enquadrarem-se na mesma, ainda que cada tipo, por si só, não tenha isso expressamente previsto.

A fórmula de elaboração legislativa, ou seja, a estrutura formal da lei em vigor, embora não seja de todo original, não é usual, já que os tipos penais previstos nos arts. 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 11, 12, 13 e 14 guardam relação de subordinação à previsão do art. 1º da mesma lei, que lhes limita a amplitude, criando uma “adequação típica mediata limitativa por subordinação intrínseca”.

Assim, não será crime, exemplificadamente, “negar ou obstar emprego em empresa privada” por si só (art. 4º da lei), mas apenas se a hipótese de incidência típica coexistir com os elementos do art. 1º da “Lei Antidiscriminação”, ou seja, se tal fato derivar de preconceito ou discriminação de raça, cor, etnia, religião, ou por procedência nacional. [47]

Apesar da estrutura de subordinação apresentada, em diversos artigos a motivação requerida para a tipificação é repetida. Em um caso particular, no entanto, a lei em apreço ao ser alterada em seu art. 4º, pelo Estatuto da Igualdade Racial, teve rompida essa uniformidade na punição criminal.

A um, porque o parágrafo 1º desse dispositivo, que passou a punir determinados comportamentos em empresas privadas em relação aos seus empregados, deixou de proibi-los quando motivados pelo preconceito ou discriminação religiosa.

A dois porque, em seguida, o parágrafo 2º - que trata de exigência injustificada de aspectos de aparência próprios de raça ou etnia em anúncios ou qualquer outra forma de recrutamento de trabalhadores, - também foi afastada a incriminação dos comportamentos excludentes com fulcro na cor, procedência nacional ou religião, que, a princípio, também empolgariam proteção da lei n. 7.716/89.

Então, quem, motivado por preconceito, em atitude discriminatória, negar emprego em empresa privada a alguém por pertencer tal candidato a determinada religião, comete o crime do art. 4º, caput, da Lei n. 7.716/89, mas quem, dentro da mesma empresa, pelo mesmo motivo, “negar promoção” ou “deixar de oferecer equipamentos adequados”, não comete crime algum.[48]

Todas as incriminações da lei em análise tem como elemento subjetivo o dolo. Já o principal bem jurídico tutelado pela lei, segundo Christiano Jorge dos Santos, é o direito à igualdade, constitucionalmente assegurado a todos no Brasil (art. 5º, caput da CRFB).

Originalmente, os principais núcleos verbais da lei eram todos de caráter negativo como impedir, obstar, negar e recusar – que apresentam sentidos muito próximos. Contudo, modificações posteriores trouxeram outros verbos como deixar de fornecer, sendo alguns representativos de condutas positivas, como proporcionar, praticar, induzir, incitar e exigir. Os sentidos atribuídos a eles são os seguintes [49]:

· Impedir: Impossibilitar a execução ou o prosseguimento de, interromper, obstruir, tornar impraticável, não permitir.

· Obstar: Causar embaraço ou impedimento (a).

· Negar: Recusar.

· Recusar: Não aceitar, rejeitar, renunciar, opor-se.

· Deixar: Renunciar a.

· Fornecer: Abastecer de, produzir, proporcionar o necessário a.

· Proporcionar: Dar, oferecer.

· Praticar: Fazer, realizar, executar.

· Induzir: Causar, inspirar, instigar.

· Incitar: Impelir, suscitar.

· Exigir: Ordenar, determinar.

4. Do cumprimento das penas.

Todas as condutas previstas, à exceção do art. 4º, §2º, são punidas com a pena de reclusão, combinada ou não com a de multa. A quantidade das penas privativas de liberdade varia entre o mínimo de um ano e o máximo de cinco sendo que as mais brandas são quantificadas de um ano a três anos.

No que tange à pena cominada às condutas prevista no art. 4º, §2º, que é de multa e prestação de serviços comunitários, ela pode ser tida como inconstitucional porque, conforme já visto, a CRFB exige a aplicação da pena de reclusão para crimes de prática de racismo.

Em decorrência desses parâmetros, nenhuma das condutas pode ser caracterizada como infração de menor potencial ofensivo, sob a competência dos Juizados Especiais Criminais. O que, por sua vez, obsta a aplicabilidade da transação penal.

Noutro giro, é possível a substituição da eventual pena privativa de liberdade aplicada por restritiva de direitos, em conformidade com os parâmetros exigidos para tal pelos incisos I a II do art. 44 do Código Penal. Igualmente, possível é a suspensão condicional da pena, em condenações não superiores a dois anos, nos termos dos arts. 77 e 78 do CP.

Além disso, é cabível a suspensão condicional do processo, prevista no art. 89 da Lei 9.099/95, nos crimes com pena mínima de um ano. Com isso, caso seja aceita a suspensão e, ao final, devidamente cumpridos seus termos, o acusado escapa à aplicação da pena de reclusão. Outrossim, o livramento condicional é aplicável nos limites do art. 83 do CP.

5. Os tipos penais da lei n. 7.716/89.

Antes de adentrarmos nos detalhes referentes aos artigos que compõem a lei n. 7.716, afigura-se importante atentar para o caráter penal dos mesmos. Isso implica reconhecer que certos princípios caros ao direito penal devem ser devidamente respeitados quando da interpretação legal.

De tal modo, impõem-se a observância da reserva legal, da taxatividade e da vedação ao emprego da analogia. Sendo assim, o entendimento de um tipo penal deve ser feito de forma restritiva, buscando-se sempre uma fiel correspondência entre a conduta do indivíduo e os elementos descritos no tipo.

[...] a lei penal deve ser precisa, uma vez que um fato só será considerado criminoso se houver perfeita correspondência entre ele e a norma que o descreve. A lei penal delimita uma conduta lesiva, apta a pôr em perigo um bem jurídico relevante, e prescreve-lhe uma consequência punitiva. Ao fazê-lo, não permite que o tratamento punitivo cominado possa ser estendido a uma conduta que se mostre aproximada ou assemelhada. [50] (grifos nossos)

5.1.   Artigos 3º, 4º e 13.

Art. 3º Impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a qualquer cargo da Administração Direta ou Indireta, bem como das concessionárias de serviços públicos.

Parágrafo único.  Incorre na mesma pena quem, por motivo de discriminação de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, obstar a promoção funcional.

Pena: reclusão de dois a cinco anos.

Art. 4º Negar ou obstar emprego em empresa privada. 

§ 1º  Incorre na mesma pena quem, por motivo de discriminação de raça ou de cor ou práticas resultantes do preconceito de descendência ou origem nacional ou étnica: 

I - deixar de conceder os equipamentos necessários ao empregado em igualdade de condições com os demais trabalhadores; 

II - impedir a ascensão funcional do empregado ou obstar outra forma de benefício profissional

III - proporcionar ao empregado tratamento diferenciado no ambiente de trabalho, especialmente quanto ao salário. 

§ 2º  Ficará sujeito às penas de multa e de prestação de serviços à comunidade, incluindo atividades de promoção da igualdade racial, quem, em anúncios ou qualquer outra forma de recrutamento de trabalhadores, exigir aspectos de aparência próprios de raça ou etnia para emprego cujas atividades não justifiquem essas exigências.

Pena: reclusão de dois a cinco anos.

Art. 13. Impedir ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer ramo das Forças Armadas.

Pena: reclusão de dois a quatro anos.

Todos esses artigos dizem respeito à discriminação relacionada ao acesso e permanência no mercado de trabalho. Por um lado, proíbe-se a seleção da força de trabalho com base em critérios preconceituosos. Pelo outro, igualmente é vedado tratamento discriminatório no ambiente laborativo quando uma pessoa já se encontra trabalhando.

O artigo 3º cuida especificamente das pessoas que laboram na Administração Pública, ou seja, prestam serviços para entes públicos ou equiparados a tais. Tem relevo o fato de que a imprecisão da redação do artigo empolga alguns problemas interpretativos.

Primeiramente, a utilização da expressão “cargo” somente pode ser entendida num contexto dissociado de seu sentido técnico no que tange ao direito administrativo. O caráter leigo é evidenciado pela conexão entre cargo e concessionárias de serviço público.

Ocorre que, as concessionárias são normalmente empresas privadas nas quais os seus funcionários estão sujeitos à Consolidação das Leis do Trabalho, ocupando, portanto, um emprego público e não um cargo. Por isso, a única forma de emprestar ao dispositivo um sentido unívoco, é entender pelo emprego informal da expressão “cargo”.

Caso fosse adotado o conceito técnico-jurídico de cargo, por óbvio, face ao princípio da reserva legal, o preconceito ou discriminação para impedir ou obstar o emprego público na administração direta ou indireta, seria conduta atípica, dependendo do caso, absoluta ou relativamente (restaria o crime subsidiário do art. 20, caput, apenas). [51]

Ademais, também é questionável a escolha legislativa em não incluir as empresas permissionárias no tipo. Ressalte-se que não existem grandes diferenças entre esse tipo de prestadora de serviço público e as concessionárias que justifiquem a exclusão daquelas.

Além disso, inexiste qualquer previsão de punição para a conduta discriminatória que venha a ocorrer em preenchimento ou promoção em função nos outros poderes como o Legislativo e o Judiciário.

Como complemento no que se refere ao acesso dos cidadãos ao trabalho dentro de órgãos estatais, o artigo 13 busca coibir a exclusão preconceituosa de pessoas em relação ao alistamento militar.

O artigo 4º faz um contraponto em relação ao serviço público, versando sobre o trabalho desenvolvido dentro de empresas privadas. Além de reprimir a discriminação na contratação ou seleção e na efetivação de promoções funcionais, diversas outras condutas discriminatórias são objeto de reprovação.

No curso da relação de emprego privado não permite a lei, com a redação modificada pelo Estatuto da Igualdade Racial, que o empregador, ou quem faça as suas vezes, deixe de fornecer os equipamentos necessários ou trate diferentemente quaisquer trabalhadores por motivações preconceituosas (art. 4º, §1º, I e III).

Derradeiramente, observa-se que a quantidade de pena nos artigos 3º e 4º é idêntica, ou seja, de dois a cinco anos de reclusão. Não obstante a congruência inicial dessas disposições, a sanção referente às Forças Armadas é menor do que as outras duas citadas, sendo de dois a quatro anos apenas.

5.2. Os artigos 5º e 7º ao 12.

Art. 5º Recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador.

Pena: reclusão de um a três anos.

Art. 7º Impedir o acesso ou recusar hospedagem em hotel, pensão, estalagem, ou qualquer estabelecimento similar.

Pena: reclusão de três a cinco anos.

Art. 8º Impedir o acesso ou recusar atendimento em restaurantes, bares, confeitarias, ou locais semelhantes abertos ao público.

Pena: reclusão de um a três anos.

Art. 9º Impedir o acesso ou recusar atendimento em estabelecimentos esportivos, casas de diversões, ou clubes sociais abertos ao público.

Pena: reclusão de um a três anos.

Art. 10. Impedir o acesso ou recusar atendimento em salões de cabelereiros, barbearias, termas ou casas de massagem ou estabelecimento com as mesmas finalidades.

Pena: reclusão de um a três anos.

Art. 11. Impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou escada de acesso aos mesmos:

Pena: reclusão de um a três anos.

Art. 12. Impedir o acesso ou uso de transportes públicos, como aviões, navios barcas, barcos, ônibus, trens, metrô ou qualquer outro meio de transporte concedido.

Pena: reclusão de um a três anos.

Esses sete lidam casuísticamente com diferentes tipos de bloqueio indevidos ao direito de ir e vir das pessoas, assim como o acesso a locais e serviços públicos ou privados. Em consonância com o espírito da lei, a criminalização incide sobre os impedimentos baseados em preconceito, logo não será toda negativa de acesso ou atendimento que caracterizará comportamento criminoso.

5.3. O artigo 6º:

Art. 6º Recusar, negar ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau.

Pena: reclusão de três a cinco anos.

Parágrafo único. Se o crime for praticado contra menor de dezoito anos a pena é agravada de 1/3 (um terço).

O artigo 6º volta-se contra a discriminação que venha a ocorrer em estabelecimentos de ensino, sejam eles públicos ou privados. O objetivo da norma é impedir que se obste o acesso dos indivíduos à educação por motivos preconceituosos.

Nesse sentido não pode ser negada a inscrição de pessoas como alunos dessas instituições e, tampouco, podem esses indivíduos uma vez inscritos terem a entrada barrada nas dependências das mesmas. E, caso a conduta tenha como sujeito passivo criança ou adolescente, incide o aumento de pena em 1/3 (um terço).

5.4. O artigo 14:

Art. 14. Impedir ou obstar, por qualquer meio ou forma, o casamento ou convivência familiar e social.

Pena: reclusão de dois a quatro anos.

O art. 14 é de cunho mais privado em comparação com os outros analisados até o momento. Ocorre que, o Estado pode intervir para punir as pessoas por comportamentos preconceituosos ocorridos em circunstâncias privadas.

O casamento de que trata o art. 14 é aquele casamento civil assim como o religioso com efeitos civis, pois que equiparados. No entanto, o impedimento de casamento religioso sem efeitos civis ou união estável pode ser inserido no embaraço oposto à convivência familiar.

Há ainda a punição direcionada pela construção da tipicidade em torno do impedimento ou obstáculo à convivência familiar de pessoas casadas entre si ou ligadas por união estável, ou mesmo de outros entes que tenham elos de parentesco, seja consanguíneo ou por afinidade. [52]

Neste ponto, cumpre registrar que com o julgamento da ADPF n. 132, em 2011, pelo Supremo Tribunal Federal, a determinação do que pode ser considerado juridicamente como uma entidade familiar adentrou num novo patamar.

Na ementa do citado julgado deixa-se claro a larga abrangência jurídica do termo família: “Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico pouco importando se formal ou informalmente constituída...”. [53]

Em decorrência disso, a convivência familiar para fins da lei n. 7.716/89 aceita uma interpretação ampla. O intérprete não precisa ficar restrito a um conceito tradicional e excludente de família quando instado a decidir pela pertinência da tutela penal no caso concreto.

De qualquer forma, a lei se refere ainda à convivência social que “significa qualquer forma de contato mais próximo, fora do âmbito familiar” [54] e pode, caso necessário, abarcar especificamente as ocorrências nas quais a discriminação não se dirija inequivocamente ao impedimento da convivência familiar, mas alguma forma de contato mais próximo.

5.5. O artigo 20:

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Pena: reclusão de um a três anos e multa.

§ 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo.

Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

§ 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza:

Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.

§ 3º No caso do parágrafo anterior, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência:

I - o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material respectivo;

II - a cessação das respectivas transmissões radiofônicas ou televisivas.

III - a interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na rede mundial de computadores.

§ 4º Na hipótese do § 2º, constitui efeito da condenação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido.

A atual redação do artigo é resultado da lei n. 9.459/97, responsável igualmente pela adição ao CP do crime de injúria qualificada no art. 140, §3º, que será tratado posteriormente. A referida lei reestruturou amplamente o dispositivo que havia sido originalmente incluído pela lei n. 8.081/90 e que já tinha sofrido alteração pela lei n. 8.882/94.

No texto do caput artigo a partir da lei de 1990 se incriminava a prática, o induzimento e a instigação à discriminação somente quando feita por meio de meios de comunicação. Atualmente, a utilização midiática passou a ser uma forma qualificada de execução do crime.

O art. 20 é considerado como um ‘soldado de reserva’ uma vez que sua estrutura objetiva é ampla, especialmente pelo emprego do verbo praticar. Desse modo, caso a conduta do agente não possa ser amoldada com perfeição a algumas das outras ínsitas nos outros dispositivos da lei, o art. 20 pode ser utilizado como tipificação alternativa.

Com esse dispositivo incrimina-se a prática, a indução e o incitamento preconceito ou discriminação por raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. A aludida amplitude da redação legal é criticada por alguns, até mesmo no que tange à sua constitucionalidade:

De qualquer sorte, embora tenhamos dúvidas acerca da constitucionalidade do disposto em comento, por ofensa ao princípio da taxatividade e, portanto, ao princípio da legalidade, diante da imprecisão demasiada na descrição legal da conduta incriminada, certo é que o mesmo vem sendo utilizado por nossos tribunais, inclusive STF e STJ. [55]

Contudo, não são todos que concordam com essa avaliação, destacando-se os argumentos trazidos pelo Observatório Negro, entidade negra de direitos humanos. Para esse grupo, a sustentação da tese de prática de racismo como uma figura vaga, é fruto do costume brasileiro de negar a existência de desigualdades raciais.

Queremos dizer que, até então, o que fazem os penalistas brasileiros é tão somente interpretar a Lei 7.716/89 sob os costumes racistas nacionais que naturalizam a degradação da Dignidade Humana do sujeito negro de direitos, tornando meros “adjetivos” pessoais as utilizações discriminatórias de termos como “negro safado” e o frequente hábito da desumanização da pessoa negra, por ofensas como “macaco”, “urubu”.[56]

As condutas às quais faz referência o art. 20 da lei n. 7.716/89 inovou em relação aos tipos desse diploma legislativo. Ocorre que os outros dispositivos incriminam condutas que de alguma forma impedem a liberdade de ir e vir ou de educação, a convivência social, o acesso a locais, trabalhos e eventuais promoções, ou equipamentos.

Em certa medida, o art. 20 busca atingir a própria formação de pensamentos preconceituosos na sociedade brasileira. Ele seria uma barreira que tenta evitar que se chegue à uma cultura propícia para a ocorrência das situações referentes àquelas outras condutas citadas.

Ademais, essa norma quebrou o paradigma de que os crimes de racismo sempre são condutas que impedem diretamente a pessoa discriminada de conseguir algo, seja o ingresso em um ambiente, a obtenção de um emprego ou a fruição de um serviço.

6. A proteção contra a discriminação no Código Penal

O Código Penal em sua redação original não apresentava qualquer incriminação da prática de preconceito ou discriminação, seja de cunho racial ou não. Este cenário foi alterado pela elaboração das leis n. 9.459/97, n. 10.741/03 e n. 10.803/03.

A lei n. 9.459/97 incluiu o parágrafo 3º no art. 140 do Código Penal, que trata de uma das espécies de crime contra a honra: a injúria. O novo parágrafo criou um novo tipo de injúria qualificada, consistente na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem.

Em 2003, o alcance da injúria qualificada foi alargado pela lei n. 10.741/03 para a inclusão da expressão “ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência” – de modo a compatibilizar o ordenamento penal à proteção do Estado às pessoas idosas e aos deficientes.

Também em 2003, foi promulgada a lei n. 10.803/03 que alterou o artigo 149 do CP, que cuida do crime de redução à condição análoga à de escravo. A nova composição do tipo penal foi necessária para abarcar expressamente novos formatos dados à escravidão nos últimos anos, especialmente, a decorrente de dívida.

A alteração trazida pela lei incluiu ainda uma causa de aumento pela metade da pena para o referido crime quando a redução à condição de escravo for realizada por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.


Capítulo V: O crime de redução à condição análoga à de escravo.

1. Da escravidão ao trabalho como um valor social.

Durante muito tempo na história humana a escravidão foi adotada por diversos povos, tendo seu ponto alto ocorrido nos tempos mais recentes durante o colonialismo de origem eminentemente europeia. Somente com a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU é que o repúdio a escravidão tomou corpo na sociedade internacional.

Ainda que a escravidão nos moldes tradicionais seja mais rara, práticas de trabalho forçado ainda permanecem ao redor do mundo. Em função disso, a ONU e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) editaram normas específicas sobre o assunto, com destaque para a Convenção Suplementar sobre práticas análogas à escravatura e as Convenções n. 29 e 105 – todas ratificadas pelo Brasil.

Com efeito, o trabalho em condições análogas à de escravo é espécie do gênero “trabalho forçado”, cujo conceito é mais amplo, pois envolve desde situações decorrentes do trabalho de prisioneiros de guerra, até a utilização do trabalho como forma de castigo (pena), conforme observamos na Convenção nº 29 da OIT.

O ordenamento jurídico brasileiro vai ao encontro desse sistema de proteção contra a exploração laboral, visto ser o trabalho tanto um valor social, - fundamento da República Federativa do Brasil (Art. 1º, IV, CRFB) -, quanto um direito social (Art. 6º, caput, CRFB). Ao redor dele, gravitam diversos direitos e garantias dos trabalhadores.

Destacam-se, especialmente, o recebimento de um salário mínimo capaz de atender às necessidades básicas do trabalhador e de sua família, duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias, gozo de repouso semanal e férias anuais remunerados e redução de riscos por meio de normas de saúde, higiene e segurança.

Esse sistema de proteção é extensível a qualquer tipo de trabalhador, seja ele urbano ou rural. E a implementação dos direitos sociais constitucionalmente previstos se dá através de diversas legislações ordinárias dirigidas especificamente para tal fim – sendo a mais conhecida, a CLT.

Mas, ao largo das conquistas legais dos trabalhadores, ainda persistem, no Brasil, - em especial, no campo - práticas reminiscentes dos tempos da escravidão. Isso porque, alguns indivíduos são submetidos a atividades laborativas em circunstâncias desumanas, desprovidas de qualquer preocupação com a dignidade dos trabalhadores.

Atualmente, o combate do tema, sob a ótica penal, ocorre por meio do art. 149 do Código Penal, cujo nomen juris é “redução à condição análoga à de escravo”, também conhecido como crime de plágio.

 A redação atual é fruto da alteração realizada com base na edição da lei n. 10.803/03. A mesma provocou extensa reestruturação do tipo penal, estabelecendo-se, pormenorizadamente, quais as condutas ensejadoras de redução à condição análoga à de escravo. As penas cominadas, entretanto, mantiveram-se inalteradas.

A sanção da nova legislação ocorreu na esteira de um acordo celebrado, em setembro de 2003, pelo Brasil no bojo do caso n. 11.289 (Caso “José Pereira”) que tramitava perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Na ocasião o Brasil era acusado de violar

suas obrigações, à luz da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e da Declaração, com relação às pessoas sob sua jurisdição que sofrem condições análogas à escravidão impostas por outras pessoas, e ao permitir a persistência dessa prática por omissão ou cumplicidade.  Especificamente ao caso do adolescente José Pereira, vítima dessa prática na  Fazenda Espirito Santo, localizada no  sul do Estado do Pará. [57]

Dentre diversos compromissos assumidos pelo Estado brasileiro nessa ocasião foi estabelecida a necessidade de ocorrerem mudanças legislativas com o fito de coibir eficazmente o trabalho escravo, nos termos do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.

Uma das propostas inclusas no Plano era a classificação do crime de redução como crime hediondo, o que até o momento não foi feito. Entretanto, a Comissão de Juristas para a elaboração de anteprojeto de Código Penal, criada em 2011, apresentou um documento no qual prestigia referida classificação.

Evidenciando a pertinência do tema estão os dados apresentados pela Comissão Pastoral da Terra - entidade voltada para o registro e denúncia de eventos que envolvam conflitos ocorridos no meio rural brasileiro.

No relatório “Conflitos no Campo Brasil 2012”, a CPT indicou a ocorrência de 168 (cento de sessenta e oito) casos envolvendo trabalho escravo. Desde 2003, um número considerável de situações desse tipo vem sendo registradas, com pouca alteração na quantidade apurada.

De 2003 até hoje foram identificados dois mil casos no país e resgatados mais de 36 mil trabalhadores, entre os quais 10.010 canavieiros (66 casos). Neste período, a Comissão Pastoral da Terra já registrou denúncias envolvendo mais de 56 mil trabalhadores “aprisionados por promessas”, obrigados a trabalhar em fazendas, carvoarias e canaviais, tratados pior que animais e impedidos de romper a relação com o empregador.[58] (grifos nossos)

Frise-se que além do enfrentamento penal sobre o assunto, alguns projetos legislativos já tramitaram no Congresso Nacional com o fim de prever outros tipos de punição para os empregadores que venham a se utilizar de trabalhadores submetidos à condição análoga à de escravo, como, por exemplo, a desapropriação de terras.

2.  Análise do tipo penal do art. 149 do Código Penal.

O artigo encontra-se localizado sob o Capítulo VI (Dos crimes contra a liberdade individual), na Seção I (Dos crimes contra a liberdade pessoal), de modo que o bem jurídico tutelado é a liberdade de ir e vir, ainda que o tema tratado igualmente encerre proximidade com a proteção à organização do trabalho.

Todavia, subsidiariamente, caso não venha a restar plenamente configurado o delito de plágio é possível, em tese, a tipificação por alguns dos delitos previstos no Título IV (Dos crimes contra a organização do trabalho), como os arts. 197, 198, 199, 203 e 207. Ressalte-se que o principal critério de distinção entre o tipo da redução para os tipos citados está na restrição à liberdade de locomoção.

Para fins de tutela penal, entende-se como trabalhador em condição análoga à escravo aquele submetido à (i) trabalhos forçados, (ii) jornada exaustiva, (iii) condições degradantes de trabalho, (iv) restrição, por qualquer meio, de locomoção em razão de dívida contraída. 

Neste ponto, cabe ressaltar que, muitas vezes, os lesados pela conduta criminosa do empregador encontram-se submetidos a todas essas hipóteses simultaneamente - ainda que se trate tecnicamente de um tipo penal misto alternativo.

Igualmente entendeu por bem o legislador punir aqueles empregadores que cerceiam o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador ou mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, devendo ambas as condutas serem animadas pelo fim de reter o empregado no local de trabalho. 

O sujeito passivo “somente pode ser pessoa vinculada a uma relação de trabalho” [59], enquanto o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa que tenha algum tipo de ingerência na organização dessa relação trabalhista. Em geral, os sujeitos ativos serão os empregadores ou seus prepostos.

 Por trabalhos forçados, entende-se “a atividade laborativa desenvolvida de maneira compulsória, sem voluntariedade, pois implica em alguma forma de coerção caso não desempenhada a contento” [60]. Já a jornada exaustiva compreende aquela que exaure o trabalhador, “independentemente de pagamento de horas extras ou qualquer outro tipo de compensação” [61].

O trabalho em condições degradantes também é considerado pela lei como trabalho similar ao de escravo e, muitas vezes engloba a jornada exaustiva e os trabalhos forçados, sendo, portanto, uma circunstância mais ampla. Em outros termos, pode-se dizer que:

[...] que trabalho em condições degradantes é aquele em que há a falta de garantias mínimas de saúde e segurança, além da falta de condições mínimas de trabalho, de moradia, higiene, respeito e alimentação. Tudo devendo ser garantido - o que deve ser esclarecido, embora pareça claro - em conjunto; ou seja, e em contrário, a falta de um desses elementos impõe o reconhecimento do trabalho em condições degradantes. [62]

A restrição de locomoção em razão de dívida configura-se muitas vezes como aprofundamento do crime previsto no §1º do art. 203 do CP, no qual o trabalhador é obrigado ou coagido a usar mercadorias de determinado estabelecimento, para impossibilitar o rompimento da relação trabalhista em razão de dívida.

No entanto, a contração da dívida também pode se dar anteriormente ao próprio início da prestação do trabalho.

Quando o “gato”, preposto do empregador ou o próprio empregador financia débitos pendentes do trabalhador (a exemplo das dívidas com alimentação e pousadas onde permanecem à espera de trabalho); ou antecipa (“adiantamento”) parte do salário que garanta as mínimas condições de subsistência da família do trabalhador por algum período de tempo. Ainda, cobra do trabalhador as despesas efetuadas a título de transporte e alimentação desde o local da contratação até o local de trabalho. [63]

3. A relação entre as restrições constitucionais à causa de aumento de pena do §2º, II do art. 149 do CP.

Neste ponto do trabalho, passa-se à análise da pertinência da aplicação das restrições constitucionais incidentes sobre o crime de prática do racismo ao crime de redução à condição análoga à de escravo, por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

Nesse sentido, busca-se indagar se a imprescritibilidade, a inafiançabilidade e a pena de reclusão incidem necessariamente sobre aqueles que cometem o crime do art. 149, §2º, II do CP. O ponto central para a elucidação dessa questão encontra-se na caracterização ou não de tal delito como crime de prática de racismo, nos termos constitucionais.

Cumpre esclarecer que a análise empreendida deve permanecer restrita aos debates produzidos em âmbito doutrinário sobre o assunto, diante da inexistência de jurisprudência abarcando o crime de plágio motivado por preconceito.

A inclusão do crime de plágio motivado por preconceito enquanto crime de racismo, submetido aos parâmetros do inciso XLII do artigo 5º da CRFB, não é solução unânime encontrada pelos doutrinadores que se debruçaram sobre o tema.

Por um lado, há aqueles que opinam favoravelmente a tal entendimento, como, por exemplo, Guilherme de Souza Nucci:

Esta última situação não deixa de ser uma forma de racismo, por isso é imprescritível e inafiançável, conforme prevê a Constituição Federal (art. 5º, XLII). Dessa maneira, quem cometer o delito de redução à condição análoga à de escravo motivado por razões de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem será mais severamente apenado, além de não se submeter a pretensão punitiva estatal à prescrição.[64]

No que tange ao bem jurídico tutelado, Nucci observa que embora a liberdade individual seja um dos bens jurídicos tutelados, não se pode “olvidar a intenção legislativa de conferir maior punição ao crime, visto abranger a motivação racista” [65].

Embora o citado autor não faça referência à pena de reclusão, a sua linha de raciocínio leva à conclusão de que também é esta uma imposição constitucional sobre os condenados pelo crime de redução motivado por preconceito. Com isso, ficaria vedada eventual alteração legislativa no tipo de pena imposta ao delito, sob o risco de inconstitucionalidade dessa medida.

O mesmo resultado é alcançado caso se entenda que o crime de plágio absorve aquele do art. 20 da lei n. 7.716/89:

O posicionamento de Cezar Roberto Bitencourt sobre a majorante em tela é também no mesmo sentido, devendo se fazer presente o especial fim de agir que ele entende exigido por esse tipo, qual seja, aquele de discriminar o ofendido em razão de sua raça, cor, religião ou origem:

Contudo, para que essa majorante específica se faça presente é indispensável que seja orientada pelo especial fim de discriminar o ofendido por razao de raça, cor, etnia, religião ou origem (elementos subjetivo especial do injusto), a exemplo do que acontece com a injúria preconceituosa ou discriminatória (art. 140, §3º). [66] (grifos nossos)


Capítulo VI – O crime de injúria qualificada por motivo de preconceito.

1.  A honra e sua tutela penal-constitucional.

A honra das pessoas é considerada inviolável pela Constituição brasileira e sua violação pode ter como consequência o pagamento de indenização por parte do ofensor. Em compasso com essa proteção, o Código Penal tutela penalmente a honra, através dos crimes contra a honra.

Esse grupo de crimes é composto pelos artigos 138 (calúnia), 139 (difamação) e 140 (injúria). Porém, a intervenção penal não é ilimitada, conhece além dos limites interpretativos inerentes aos tipos penais, a limitação por parte do direito de liberdade de expressão.

Em vista disso, não é cabível a criminalização como injúria das críticas quando as mesmas façam parte do natural e livre debate de ideias esperado numa sociedade democrática. Tal sopesamento de valores é realizado no próprio CP art. 142, II, que exclui o crime nessas circunstâncias, salvo a intenção inequívoca de injuriar.

O verbo injuriar significa, ordinariamente, ofender. No entanto, a caracterização da injúria merecedora de tutela penal exige que a ofensa “atinja a dignidade (respeitabilidade ou amor-próprio) ou o decoro (correção moral ou compostura) de alguém” [67], maculando o conceito que alguém faz de si mesmo.

A injúria pode ocorrer de diversas formas, desde uma ofensa produzida verbalmente a uma que se exteriorize por meio de gestos. “Na injúria não há a imputação de um fato, mas a opinião que o agente dá a respeito do ofendido”. [68]

A injúria simples, prevista no caput do art. 140 possui pena de detenção de um a seis meses, ou multa. Já a forma qualificada da injúria real na qual o ato injurioso ocorre por meio de violência ou vias de fatoconsideradas aviltantes, a pena, igualmente de detenção, é maior com um mínimo de três meses e o máximo de um ano cumulada com multa.

Por fim, a forma qualificada da injúria na qual se utiliza de elementos preconceituosos, a pena é de reclusão – em atendimento à diretiva constitucional – com variação de um ano a três anos, além de multa.

A injúria do art. 140, §3º é uma injúria qualificada em função do conteúdo injurioso do qual o sujeito ativo se utiliza para ferir a honra subjetiva do ofendido. No caso, busca-se coibir mais severamente aquele tipo de ofensa que é expressão de algum tipo de preconceito albergado pelo ofensor.

A utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência é essencial para ensejar a qualificação do crime.

Em princípio, a injúria admite perdão judicial quando o ofendido, de forma, reprovável, provocou a injúria ou quando houve retorsão imediata. O doutrinador Fernando Capez descarta a possibilidade de aplicação da retorsão enquanto causa geradora de perdão judicial na injúria por preconceito.

[...] uma vez que o preconceito manifestado não se reveste de simples injúria e, portanto, não poderia ser simplesmente elidido por outra, tratando-se de violação muito mais séria à honra e uma das metas fundamentais do Estado Democrático de Direiro (CF, art. 3, IV). [69]

2. Considerações sobre o tipo penal da injúria preconceituosa.

2.1. As críticas à quantidade de pena cominada.

A quantidade de pena cominada pelo legislador é alvo de críticas na doutrina, sob o argumento de que lhe faltaria proporcionalidade:

De acordo com a intenção da lei nova, chamar alguém de "negro", "preto", "pretão", "negão", "turco", "africano", "judeu", "baiano", "japa" etc., desde que com vontade de lhe ofender a honra subjetiva relacionada com a cor, religião, raça ou etnia, sujeita o autor a uma pena mínima de 1 ano de reclusão, além de multa. Menor do que a imposta no homicídio culposo (1 a 3 anos de detenção, art. 121, § 3º) e a mesma do autoaborto (CP, art. 124) e do aborto consentido (art. 125).

[...]

E há delitos mais graves com pena comparativamente menor: constrangimento ilegal (art. 146), ameaça de morte (147), abandono material (art. 244) etc. A cominação exagerada ofende o princípio constitucional da proporcionalidade entre os delitos e suas respectivas penas. [70]

Independentemente do mérito da crítica colacionada, há que sedestacar que o legislador penal brasileiro enfrenta grande dificuldade no que tange à elaboração de leis que considerem devidamente o sistema penal como um todo.

A edição de leis ocorre muitas vezes ao largo de uma abordagem dos novos tipos penais para com os já existentes. Com isso, prolíficos são os exemplos de condutas desproporcionalmente apenadas quando em confronto com outras já existentes.

Ademais, o CP vigente foi inicialmente concebido há mais de sessenta anos, de modo que as suas disposições já foram extensamente alteradas tendo em vista a necessidade de atualização legal em face das mudanças sociais e culturais que ocorrem no seio da sociedade.

Contudo, existem vozes que defendem a quantidade de pena ora discutida. Neste ponto, cabe transcrever a doutrina de Guilherme de Souza Nucci, que comenta:

Não vemos qualquer ofensa ao princípio da proporcionalidade É o que ocorre neste caso. O Brasil intitula-se um país formado de várias raças, etnias e religiões, onde não haveria, em tese, como existe em outros lugares, discriminação. Entretanto, é sabido que há uma forma de discriminação velada, trazida por ofensas e comentários desairosos a pessoas e instituições, que demonstram a face segregativa de muitos.

[...] não basta punir rigidamente quem impede a entrada de uma pessoa negra em um lugar público (reclusão, de 1 a 3 anos, conforme art. 5º da Lei 7.716/89), mas também quem faz o mesmo através de comentários jocosos e humilhantes, que afastam a mesma pessoa do lugar onde pretendia ingressar. (grifos nossos) [71]

Essa observação do doutrinador revela que a cominação legal encontra suporte na própria realidade dos fatos. E a partir dela, assume relevância a questão acerca da aplicabilidade das restrições constitucionais à figura típica da injúria preconceituosa, o que será abordado mais à frente.

2.2. Do tipo de ação penal.

Por se tratar de um crime cujo bem jurídico protegido, a honra, é de cunho eminentemente pessoal, a vontade do ofendido em promover a ação penal assume especial relevância. A par de tal circunstância, o legislador previu que a regra para a deflagração da ação penal relativa ao crime de injúria seja a ação penal privada.

A ação penal pública incondicionada somente é possível no caso da injúria real na qual resulta lesão corporal da violência, conforme dispõe o art. 145 do CP. Ademais, a requisição do Ministro da Justiça é necessária para a deflagração do processo em caso de injúria praticada contra o Presidente da República ou contra chefe de governo estrangeiro.

Por outro lado, a injúria contra funcionário público, em razão de suas funções e aquela com elementos preconceituosos são públicas condicionadas à representação do ofendido, nos termos do parágrafo único do art. 145 do CP.

Contudo, a ação penal pública condicionada para a injúria preconceituosa somente foi instituída pela lei n. 12.033/09. Antes, essa categoria de crime estava sujeita à regra da ação penal pública privada, o que, desde a origem, foi alvo de críticas por doutrinadores e grupos ligados aos movimentos de combate ao racismo.

[...] a relevância do bem jurídico protegido exigiria a obrigatoriedade da ação, devendo, portanto, ser de iniciativa pública e não privada, pois esta implica disposição do bem jurídico pela parte ofendida, o que no caso em tela não deveria ocorrer. [72]

A necessidade de queixa do ofendido ensejava problemas principalmente quando o Ministério Público acusava alguém com base na lei n. 7.716/89, e a conduta era desclassificada para a injúria preconceituosa. Como consequência, muitas vezes já havia decorrido in albis o prazo de 6 (seis) meses para a representação, e a vítima não mais possuía meios para buscar a condenação do ofensor.

Esclarece-se que a atual condição de procedibilidade da representação da vítima incidente sobre a injúria do §3º do art. 140 não existe no caso dos crimes da lei n. 7.716/89, porquanto todos os crimes constantes desse diploma legal são de ação penal pública incondicionada.

Sendo assim, a ação penal em caso de injúria preconceituosa estará submetida ao prazo decadencial de que trata o art. 38 do Código de Processo Penal. Se o ofendido não representar contra o autor do crime em até seis meses, contados a partir do momento em que tiver conhecimento da autoria, ele não mais poderá valer-se da persecução criminal do ofensor.

Mas, mesmo num contexto em que não se entenda ser o crime de injúria com preconceito um crime de racismo, a intenção constitucional em combater a discriminação indica que o melhor caminho poderia ser a ação penal pública incondicionada também para o delito do §3º, art. 140, CP.

Neste ponto, é importante apontar que o anteprojeto de novo Código Penal elaborado por uma comissão de juristas, composta em 2011, apresenta involução. A proposta é o retorno ao cenário original, no qual seria necessária a queixa do ofendido para dar início ao processo.

3. A diferenciação entre a injúria preconceituosa e o crime do art. 20 da lei n. 7.716/89.

Muitas dúvidas pairam sobre a diferenciação entre o art. 20 da lei n. 7.716/89 e o art. 140, §3º do CP, uma vez que a mesma situação fática pode, em tese, acarretar em dificuldade para o intérprete no sentido de estabelecer qual dos dois tipos deve prevalecer para fins de tipificação da conduta.

A grande discussão travada hoje na doutrina e nos tribunais diz respeito à classificação típica da conduta de quem, normalmente de modo verbal, tece comentários ofensivos utilizando-se de elementos relativos a raça, cor, etnia, credo ou procedência nacional. [73]

Um dos critérios utilizados para a diferenciação entre um tipo e outro é o relativo ao alcance das palavras proferidas. No caso de uma pessoa ofender outra diretamente com a utilização de elementos de raça, cor, etnia, credo ou procedência nacional, caberia a aplicação da injúria qualificada do Código Penal. No entanto, se o sujeito ativo utiliza-se desses elementos para ofender um grupo ou categoria de pessoas, restaria configurada a conduta do art. 20 da lei n. 7.716/89.

Em verdade, neste tipo de ofensa que caracteriza o crime do art. 140, §3º, o agente não tem o dolo de segregar, de demonstrar uma falsa superioridade com relação a todo e qualquer membro de um grupo, mas, sim, de ofender determinada pessoa, atingindo o conceito que a mesma tenha de si mesma, de seus atributos, valores, etc. [74].

Nesse sentido, no Recurso Ordinário em Habeas Corpus n. 19.166-RJ, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça firmou posição clara sobre o tema. O RHC em questão havia sido interposto contra decisão do Tribunal Federal da 2ª Região, que confirmou a tipificação de denúncia oferecida pelo Ministério Público.

O caso concreto envolveu um desentendimento, dentro de uma aeronave, entre um passageiro brasileiro e dois comissários de bordo americanos, funcionário da empresa American Airlines. O MP denunciou os dois comissários como incursos nas penas do art. 20 da lei n. 7.716/89.

Durante a citada discussão, o acusado Shawn Tipton Scott proferiu a seguinte frase dirigida ao brasileiro: "Amanhã vou acordar jovem, bonito, orgulhoso, rico e sendo um poderoso americano, e você vai acordar como safado, depravado, repulsivo, canalha e miserável brasileiro."

Segundo a própria denúncia, o outro comissário, Mathew Gonçalves, teria concorrido materialmente para o crime. Este incitou seu colega e chegou a tentar agredir a vítima, tendo sido, entretanto, contido por outros passageiros.

Em poucas palavras, a alegação da defesa para a impetração do habeas corpus era de que o MP não tinha legitimidade para apresentar a denúncia, pois o caso era de injúria preconceituosa (art. 140, §3º, CP), pois, pela redação do Código Penal à época, a ação penal nesse tipo de injúria era privada.

Porém o STJ não acatou o raciocínio esposado pela defesa dos acusados e, confirmou a decisão anteriormente tomada pelo TRF. Para o relator, min. Felix Fischer, não havia equívoco na tipificação do Ministério Público, tendo em vista a intenção dos agentes:

Com efeito, no delito de injúria preconceituosa, a finalidade do agente, a fazer uso de elementos ligados a raça, cor, etnia, origem etc., é atingir a honra subjetiva da vítima, bem juridicamente protegido pelo crime em questão. Ao contrário, o delito previsto no art. 20, da Lei nº 7716/89, na modalidade de praticar ou incitar a discriminação ou preconceito de procedência nacional, constitui manifestação de um sentimento em relação a toda uma coletividade em razão de sua origem (nacionalidade). [75]

O ministro segue para asseverar que no caso a intenção dos agentes não parecia ser uma de mera ofensa à honra subjetiva da vítima. Com efeito, o que os réus pretenderam foi marcar a condição de inferioridade do ofendido em função do mesmo ser brasileiro – “a ideia foi exaltar a superioridade do povo americano em contraposição à posição inferior do povo brasileiro.” [76]

Todavia, a distinção entre um e outro crime deverá continuar a depender de uma avaliação casuística e subjetiva do julgador. Observe-se que no próprio STJ, a Sexta Turma, por exemplo, já decidiu um caso semelhante ao analisado previamente, no processo relativo ao RHC n. 18.620-PR.

O resultado final, alcançado por unanimidade, seguiu a argumentação trazida no voto da relatora, min. Maria Thereza de Assis Moura. Ela destacou que o fato de o recorrente ter dito não gostar da raça negra, “no contexto dos fatos, não implica em disseminação do racismo, mas de opinião ou valoração pessoal, dirigida, ainda, a ferir a honra do recorrente” [77].

Porém, o resultado desse julgamento poderia ter sido em direção completamente oposta se a interpretação quanto ao alcance das palavras proferidas pelo acusado tivesse sido outra. De qualquer modo, a simples estruturação da frase utilizada pelo sujeito ativo pode determinar a diferença entre um crime sujeito à imprescritibilidade e outro não.

Isso porque a posição majoritária da doutrina é de que o disposto no art. 5º, XLII não tem aplicação quando tem lugar a injúria preconceituosa do Código Penal. Logo, a simples desclassificação do delito do art. 20 da lei n. 7.716/89 para esse tipo de injúria acarreta significativa diminuição do alcance da persecutio criminis estatal.

Por fim, destaca-se a Apelação Criminal n. 0007333-28.2009.4.02.5001 no Tribunal Regional Federal da 2ª Região, na qual há um voto divergente do desembargador Messod Azulay Neto, que se sobressai por uma interpretação mais abrangente do art. 20 da lei n. 7.716/89.

No recurso, o MPF se insurgia contra a decisão do juízo de primeiro grau que efetivou a desclassificação da conduta das rés para o art. 140, §3º do CP em prejuízo da tipificação ministerial originalmente proposta na denúncia.

O des. Azulay Neto não aceitou a desclassificação com fulcro na argumentação trazida pelo MPF que dizia:

[...] não há que se falar em crime de injúria racial simplesmente porque as palavras, atos ou gestos preconceituosos foram dirigidos a uma única pessoa, ou então no calor de uma discussão - ou ainda, como no caso, “no bojo de uma antiga disputa pelo afeto de um homem”. Mesmo em tais hipóteses, verificado que as palavras proferidas revelam o preconceito em relação a uma raça ou etnia como um todo, incorre o agente no crime previsto no art. 20, da Lei nº 7.716/89. [78]

Para esse julgador, as ofensas proferidas pelas rés como “povo da senzala”, “macaca”, “manda um cacho de banana” e “blacks”, evidenciavam não só uma ofensa à honra subjetiva da vítima, “mas demonstram o sentimento de desprezo que as acusadas nutrem pela raçanegra”.

4. A injúria preconceituosa é prática de racismo? Questões sobre a aplicabilidade das restrições constitucionais.

4.1. Da semelhança entre a injúria motivada por preconceito e a lei n. 7.716/89.

Na justificativa para o PL de sua autoria - que gerou a multicitada lei n. 9.459/97, cujo art. 1º redefiniu a redação dos arts. 1º e 20 da lei n. 7.716/89 e a inserção do §3º no art. 140 do CP -, o então deputado federal Paulo Paim afirmou:

Este projeto que aumenta os tipos penais com a alteração e acréscimo de artigos à lei n. 7.716/89, de autoria do ex-deputado Carlos Alberto Caó, visando criminalizar práticas de discriminação ou de preconceito de raça, cor, etnia e procedência nacional objetiva resgatar todos esses valores e atacar a impunidade. Por este projeto as citadas transgressões não serão mais tipificadas como delitos de calúnia, injúria e difamação, e sim, como crimes de racismo. [79]

A modificação perpetrada no art. 1º da lei Caó objetivou ampliar a gama de incidência da maioria dos tipos penais da lei n. 7.716/89, pois passou-se a tutelar além da discriminação por raça e cor, aquela por etnia, religião ou procedência nacional.

Inicialmente, da manifestação do deputado extrai-se que o objetivo era fazer com que os crimes cometidos por preconceito de etnia, religião e procedência nacional também sejam crimes de racismo. Ou seja, o termo racismo afasta-se da identificação tradicional com o termo raça – posicionamento semelhante ao que seria posteriormente acolhido pelo STF no Caso Ellwanger.

Ao comentar as modificações trazidas por aquela legislação, Marta Rodriguez assevera que:

A injúria qualificada criada com a mesma lei visava, segundo a justificativa do próprio projeto de lei, a corrigir um dos pontos apontados como dos mais problemáticos à aplicação da regulamentação anterior: o fato de que as ofensas à honra em razão da raça e da cor continuavam a ser enquadradas pelos Tribunais como simples crimes contra a honra individual, com pena bem mais baixa que as previstas pela Lei Caó. [80] (grifos nossos)

A analisarem-se a justificação de Paulo Paim e o comentário acima transcrito, surge uma aparente contradição nos objetivos do deputado responsável pelo projeto de lei. Isso porque, ele afirma que pretende com o PL afastar a tipificação como calúnia, injúria ou difamação de condutas motivadas por preconceito para torná-las crimes de racismo.

No entanto, o próprio PL institui uma forma de injúria qualificada pelo seu conteúdo discriminatório. Ocorre que, para tornar esse quadro harmônico, uma interpretação seria no sentido de que o desígnio do legislador era que o novel §3º do art. 140 do CP fosse um crime de racismo, sujeito a todas as implicações jurídicas decorrentes disso.

Todavia, ainda que assim não fosse, muitos elementos apontam para a existência de estreita relação entre a injúria preconceituosa e os crimes de racismo constantes da Lei Caó, a começar pela sua previsão ter se dado no mesmo diploma legislativo.

Em segundo lugar, não escapa à observação que a discriminação e o preconceito são a força motora por trás das condutas tanto da lei n. 7.716/89 quanto da injúria qualificada. Como prova disso, destaca-se a própria semelhança inerente à redação legal dispensada àquelas.

Igualmente, merece relevo a pena cominada no §3º, art. 140 do CP, que é de reclusão, como a prevista na Constituição para o crime de prática de racismo. Essa previsão se destaca em vista de todas as outras formas de injúria serem apenadas somente com detenção, incluindo-se a injúria real.

Por derradeiro, a quantidade de pena também é compatível com as incidentes sobre os crimes da lei n. 7.716/89, fato explicitado por Guilherme Nucci quando o mesmo defende razoabilidade da sanção aplicável à injúria preconceituosa como já abordado.

4.2. A posição majoritária na doutrina.

A questão da aplicabilidade dos termos do art. 5º, inciso XLII da Constituição ao crime de injúria qualificada pelo preconceito não é referenciada diretamente por muitos doutrinadores. No entanto, quando certos autores tratam do art. 140, §3º e adentram nesse aspecto, a grande maioria aponta como correta a solução na qual esse tipo de injúria não é considerado como crime de racismo e, portanto, não é passível de aplicação as determinações constitucionais.

Dentre esses doutrinadores, pode-se destacar Julio Fabbrini Mirabete, Renato N. Fabbrini, Rogério Greco, Christiano Jorge Santos e Luiz Carlos dos Santos Gonçalves. Todavia, as razões para a não inclusão da injúria discriminatória como crime racista variam entre esses autores.

Dentre os citados, Christiano Santos e Luiz Gonçalves observam que a injúria preconceituosa implica “nítida demonstração de racismo ou outra forma de preconceito por parte do autor do delito” [81] e que “a inclusão dessas formas de condutas na lei n. 7.716/89 daria às vítimas a proteção especial da imprescritibilidade e da inafiançabilidade” [82].

De modo que, embora eles reconheçam a prática de racismo através da injúria do §3º do art. 140 do CP, concluem pela impossibilidade da incidência das restrições constitucionais pelo fato de a injúria racista não estar na lei Caó. Sendo que ao mesmo resultado chega Rogério Greco, porém sem analisar o mérito de haver ou não expressão de racismo naquele tipo de crime contra a honra.

Por outro lado, Julio Mirabete e Renato Fabbrini afastam a hipótese debatida em função da distinção entre os bens jurídicos protegidos, ainda que defendam a possibilidade de progressão criminosa entre a injúria e os crimes da lei 7.716/89.

A injúria qualificada pelo preconceito em contexto de progressão criminosa para o cometimento de crime previsto na lei n. 7.716/89 é por este absorvida. Não se confunde, porém, a injúria qualificada por preconceito, crime contra a honra subjetiva, com os crimes descritos na lei n. 7.716/89, que tipifica condutas dirigidas à segregação ou discriminação de alguém em razão dos mesmos elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem. [83] (grifos nossos)

4.3. A tese de inconstitucionalidade do art. 140, §3º.

Previamente, ao tratar-se das dificuldades inerentes à diferenciação entre a injúria qualificada pelo preconceito e o art. 20 da lei Caó, observou-se que a escolha entre essas possibilidades de tipificação implica na incidência ou não da nota de imprescritibilidade constitucional aplicável ao crime de prática de racismo.

Em outras palavras, a injúria preconceituosa, embora seja impregnada por elementos que evidenciam o preconceito do ofensor, não é considerada pela doutrina ou pela jurisprudência como crime de racismo. Nesse passo, esse tipo de injúria tem a sua prescrição regida pelas normas comuns ínsitas no CP.

 De encontro a esse panorama erige-se outra tese, esposada pelo promotor de justiça Roberto Brayner Sampaio, membro do Grupo de Combate à Discriminação Racial (GT Racismo) do Ministério Público Estadual de Pernambuco.

Ele entende que a existência do art. 140, §3º do Código Penal revela racismo institucional, “consistente na construção jurídica de uma forma de tornar menos grave conduta que a Carta Magna qualificou como crime imprescritível e inafiançável.” [84] E, por isso, a injúria preconceituosa é inconciliável com os princípios inerentes à Constituição brasileira.

Ademais, ataca a diferenciação, já analisada, que foi levada à cabo tendo em vista a compatibilização entre o art. 20 da lei n. 7.716/89 e a injúria qualificada, introduzidos pela mesma lei. Em primeiro lugar, ressalta-se que a conduta injuriosa baseada em preconceito é de fato encarada pela própria sociedade como racismo.

Para boa parte da doutrina somente haverá crime de racismo quando as ofensas forem direcionadas indistintamente a todo o grupo discriminado, a exemplo de expressões como “os índios são preguiçosos” ou “os negros são desonestos” dentre outras manifestações de intolerância. Nessa linha de pensamento, as ofensas diretas às pessoas como referências à cor, como “o negro safado, ponha-se no seu lugar!”, deveriam ser tidas como injúria qualificada. É um conceito restritivo do que é racismo que não encontra ressonâncias no pensamento das pessoas e que, por consequência, não traduz a consciência social de nosso povo.[85] (grifos nossos)

Em segundo lugar, deve-se considerar legítima a pretensão do corpo social em impor punição para todos os que praticam a discriminação, mesmo que ela seja dirigida somente contra um indivíduo. Isso porque, “não há como negar haver violação de interesses difusos e coletivos consistentes no ideal de eliminação da intolerância e do racismo".

Em razão dessas ponderações, o promotor conclui pela inconstitucionalidade do art. 140, §3º do CP. No entanto, ele sustenta a possibilidade de aplicação desse dispositivo sob a condição de incidência da imprescritibilidade que recai sobre o crime de prática de racismo, nos termos da Constituição.

4.4. A posição favorável à aplicabilidade das restrições constitucionais sobre a injúria motivada por preconceito.

A interpretação conforme apresentada pelo promotor Brayner tem como argumento central o entendimento de que o crime de injúria motivada por preconceito, embora não incluído na lei n. 7.716/89, - que é por excelência a lei antidiscriminatória no ordenamento jurídico brasileiro - encaixar-se-ia no conceito constitucional de “prática de racismo”.

Com isso, não só a imprescritibilidade incidiria sobre o crime do art. 140, §3º do CP, como também inevitavelmente deveriam ser aplicadas a inafiançabilidade e a obrigatoriedade da pena de reclusão, previstas na Constituição.

Esse ponto de vista é indubitavelmente minoritário tanto na doutrina brasileira como na jurisprudência. A necessidade de diferenciação entre as condutas da injúria preconceituosa e o art. 20 da lei 7.716/89 é um sintoma disso na medida em que a separação de alcance entre elas resulta na incidência ou não da restrição constitucional mais substancial, que é a imprescritibilidade.

Ao encontro da tese de Roberto Brayner está a posição de Guilherme de Souza Nucci, que afirma que “a injúria racial, prevista no art. 140, § 3º, quando lastreada em discriminação ou preconceito racial, constitui, igualmente, nítida prática do racismo.”[86]

Isso porque, segundo esse autor inexiste vedação para a constituição de tipos penais incriminadores que estabeleçam delitos calcados na prática do racismo, “não importando em qual código ou lei encaixa-se a figura típica” [87]. Logo, “deve-se conceber como prática de racismo todos os delitos vinculados a esta motivação, presentes em qualquer lei, inclusive, por óbvio, no Código Penal” [88].

Nesse sentido, assume relevância a observação feita pelo des. Messod Azulay Neto, cujo voto divergente em uma apelação criminal foi exposto anteriormente quando se tratou da argumentação subjacente à separação entre a injúria preconceituosa e a prática do racismo do art. 20 da lei Caó.

Naquela ocasião, o desembargador federal interpretou as injúrias raciais proferidas pelas rés como sinais do desprezo delas pela raça negra como um todo. Sendo assim, pode-se ter que o entendimento de Nucci sobre o tema constitui uma extrapolação disso, uma vez que a motivação racista indicaria sempre o desprezo do ofensor pelo grupo no qual ele inclui sua vítima, devendo, portanto, ser considerado como crime de racismo.

Por outro lado, Cezar Roberto Bitencourt aceita a classificação da injúria discriminatória enquanto crime de racismo na medida em que os elementos preconceituosos quando utilizados devem representar um fim especial de agir do agente em discriminar o ofendido para a configuração dessa forma qualificada:

Para a configuração da injúria por preconceito, é fundamental, além do dolo representado pela vontade livre e consciente de injuriar, a presença do elemento subjetivo especial do tipo, constituído pelo especial fim de discriminar o ofendido por razão de raça, cor, etnia, religião ou origem. A simples referência aos “dados discriminatórios” contidos no dispositivo legal é insuficiente para caracterizar o “crime de racismo”, que, é bom que se diga, é inafiançável e imprescritível (art. 5º, XLII, da CF). [89] (grifos nossos)

Assim, os termos referentes aos elementos de raça, cor, etnia, religião ou origem por si sóis não são aptos a ensejar a caracterização do crime, como é necessário que eles sejam empregados a partir de um fim doofensor em discriminar o alvo de suas injúrias.

4.5.   A visão dos tribunais.

Apesar das semelhanças apontadas, não há no Brasil tendência significativa doutrinária ou jurisprudencial a entender a injúria preconceituosa do Código Penal como crime de racismo, na acepção de que empolgue incidência do art. 5º, XLII.

O STF embora não tenha emitido julgado no qual essa questão fosse a controvérsia central, a decisão da Segunda Turma da Corte no bojo HC n. 86452-0, de relatoria do min. Joaquim Barbosa, em nenhum momento aventa a possibilidade de inexistir prescrição sobre o tipo do art. 140, §3º do Código Penal.

No caso em tela, o paciente estava sendo processado com base nos artigos 140, §3º e 141, inciso III do Código Penal. O impetrante pretendia ver concedida ao paciente a suspensão condicional do processo, previsto na lei n. 9.099/95.

Não obstante, o Ministério Público em seu parecer suscitou outro ponto, em sede de preliminar, consistente no entendimento de que o crime estaria prescrito e, portanto, deveria ser reconhecida a extinção da punibilidade do paciente.

O relator ao enfrentar a questão conclui que a manifestação ministerial era equivocada na medida em que desconsiderou-se o componente racial das ofensas do paciente. Nesse sentido, o MP baseou-se na cominação legal da injúria simples, de um a dois anos para afirmar a ocorrência da prescrição.

E o ministro relator encerra afirmando que, tendo em conta a pena máxima de três anos prevista para o crime do art. 140, §3º, a prescrição ocorre em oito anos, de acordo com o previsto no art. 109, IV do CP. Assim, não se poderia falar em prescrição no caso concreto.

Considerando-se que o voto do relator foi seguido unanimemente pela Segunda Turma, transparece que até o momento inexiste no STF qualquer tendência de interpretação da injúria por motivo de preconceito como crime de prática de racismo.

O Superior Tribunal de Justiça acompanha o STF na tese de prescritibilidade do crime de injúria qualificada por preconceito. Como demonstração disso estão os próprios julgados, em habeas corpus, anteriormente analisados, RHC n. 18.620-PR e n. 19.166-RJ.

A mesma linha de raciocínio seguem os Tribunais de Justiça dos estados federativos, v.g. Ap. n. 200930063132 (TJPA), Ap. n. 70043206143 (TJRS) e Ap. 100.014 (TJRO). E, embora na justiça federal sejam mais raros os casos que envolvam o tema, o entendimento se repete, v.g. ACr. n. 42 PR (TRF 4ª Região).


Conclusão

A partir dos elementos trazidos a lume no decorrer do presente trabalho, a única certeza é de que o preconceito sempre será uma constante no caminho da humanidade. Embora a discriminação seja hoje em dia mais sistematicamente combatida em comparação com tempos anteriores, ela persiste na mentalidade das pessoas, seja conscientemente ou não.

E o conceito prévio acerca do outro pode assumir inúmeras formas que vão desde uma avaliação negativa em relação à condição social de um indivíduo até a cor de sua pele. Ainda que a experiência possa derrubar determinados preconceitos, alguns grupos sociais não conseguem escapar à estigmatização e a perpetuação de estereótipos sobre eles.

No Brasil, especificamente, as raízes históricas da segregação da população negra, por exemplo, produzem efeitos até os dias atuais. E em função de certas particularidades, o preconceito dirigido a tal parcela da população brasileira não se dá às claras, mas surge escamoteado por pequenas ações do dia-a-dia.

Diante disso, muitos anotam que a democracia racial no Brasil seria apenas um mito, que é fruto da negação veemente de qualquer comportamento discriminatório para com os negros ou pardos.  Ademais, a força desse mito permite que a realidade dos dados socioeconômicos no país seja ignorada no que tange à desigualdade de condições suportada por esses grupos.

Ciente desse contexto, o legislador constituinte originário de 1987 consignou que o crime da prática de racismo deveria ser punido mais severamente, no que é acompanhado por outras infrações às quais a Constituição reservou igualmente menção expressa.

Assim, a postura adotada pelos constituintes constitui exceção que confirma a regra de que a definição de quais comportamentos devem ser rotulados como crime depende da consciência social, que se encontra em constante mudança.

Nesse sentido, tão mais expressiva é a adoção no texto constitucional de dispositivos - a maioria sob o manto de proteção que recai sobre as cláusulas pétreas - que atuam diretamente sobre quais bens da vida necessitam obrigatoriamente de albergue da lei penal, em todo o seu simbolismo.

O sistema jurídico de combate ao preconceito e à discriminação no Brasil tem como base de sustentação a lei n. 7.716/89 (Lei Caó), que teve seu surgimento atrelado diretamente ao mandando constitucional de criminalização da prática do racismo.

Ocorre que, a determinação de quais crimes seriam prática de racismo não obrigatoriamente necessita ficar restrita àquela lei. O legislador ordinário não foi limitado na sua criatividade nesse aspecto, embora tenha sido instruído a aplicar sobre os crimes raciais determinadas características de imprescritibilidade, inafiançabilidade e apenação com reclusão.

Ao longo do tempo, a lei n. 7.716/89 sofreu inúmeras alterações ao seu texto. E é possível apontar a mais relevante mudança nesse período como aquela promovida pela lei n. 9.459/97, que de uma só vez estendeu o âmbito de incidência da Lei Caó, assim como alterou significativamente o seu art. 20, além de ter inserido no Código Penal a primeira referência à injúria qualificada pelo preconceito.

Ainda no que se refere à luta contra a discriminação, o Código Penal também teve alterado seu art. 149, no ano de 2003. Com isso, houve a criação de uma causa de aumento de pena para o crime de redução à condição análoga à de escravo cometido com motivação preconceituosa.

Dentro desse cenário legal, este trabalho objetivou determinar se seria possível afirmar que as restrições constitucionais incidentes sobre os crimes de prática de racismo poderiam ser aplicadas à injúria e ao crime de plágio quando motivados por preconceito.

E, ao final da pesquisa empreendida, cristalizou-se a percepção de que inexiste qualquer tendência robusta no sentido de responder afirmativamente à questão central do estudo. Tanto a doutrina quanto a jurisprudência mostram-se quase pacíficas para entender que a lei n. 7.716/89 esgota em absoluto a determinação de criminalização imposta no art. 5º, inciso XLII da Constituição Federal.

Todavia, foram encontradas vozes dissonantes, que a partir de um ponto de vista voltado para a otimização do mandado de criminalização constitucional, defendem ser possível a extensão das referidas restrições a outros delitos não presentes na lei n. 7.716/89.

Como integrantes dessa corrente minoritária foram identificados, em especial, Guilherme Nucci e Roberto Brayner, que em linhas gerais apresentaram os seguintes argumentos:

· O art. 5º, inciso XLII abarca todas as formas de manifestação de racismo, sendo este disciplinado pela Constituição de modo amplo e genérico;

· O legislador ordinário e o intérprete das normas não podem restringir a aplicação da norma constitucional indevidamente;

· A disposição constitucional faz parte da própria luta do Estado Democrático de Direito pela igualdade e fim da discriminação;

· Os crimes de prática de racismo não tem sua criação limitada, não importando qual diploma legal contenha a tipificação de condutas racistas.

A partir disso, segue a conclusão de que não é possível distinguir na essência a conduta da injúria racial e do plágio por preconceito daquelas tipificadas na lei n. 7.716/89. E qualquer distinção que possa ser feita seria baseada em elementos artificiais que perdem de vista que aquelas duas infrações penais são efetivamente prática de racismo.

Diante do exposto, e considerando que a discriminação ainda é uma dura realidade para milhares de brasileiros, o debate sobre os limites das restrições penais constitui uma necessidade para que o Brasil livre de preconceitos idealizado pelos constituintes possa ter como aliado concreto a tutela penal sobre os comportamentos que mais desagregam o tecido social.


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Notas

[1]SANTOS, Christiano Jorge. Crimes de preconceito e de discriminação. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.p. 27.

[2]Ibid. p. 28.

[3]Azevêdo, Eliane. RAÇA Conceito e Preconceito. 2ª ed. São Paulo: Ática, 1990. p. 25.

[4] MELLO, Leonel Itaussu A.; COSTA, Luís César Amad. História Moderna e Contemporânea. 5ª ed. São Paulo: Editora Scipione, 1999. p. 383.

[5] PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 196.

[6] ONU. Guia de Orientações das Nações Unidas no Brasil para Denúncia de Discriminação Étnico-Racial. Brasília, 2011. p. 14. Disponível em <http://www.onu.org.br/img/2012/02/guia-para-denuncias-de-discriminacao2.pdf> Acesso em 10 dez. 2012.

[7] SANTOS, Christiano Jorge. Op. Cit., p. 31/32.

[8] BRASIL. Indicadores sociais municipais: Uma análise dos resultados do universo censo demográfico 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2011. Disponível em <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/indicadores_sociais_municipais/indicadores_sociais_municipais.pdf> Acesso em 4 jan. 2013.

[9]III Seminário Políticas Sociais e Cidadania. A legislação anti-racismo e sua aplicação: um caso de insensibilidade do Judiciário. Salvador, 2010. p. 2.

[10] Ibid. p. 2.

[11] SANTOS, Christiano Jorge. Op. Cit., p. 43.

[12] PAULA, Adilton de. Educar o Brasil com raça: Das raças ao racismo que ninguém vê. In. SANTOS, Gevanilda; SILVA, Maria Palmira da. (Org.) Racismo no Brasil: percepções da discriminação e do preconceito racial no século XXI. p. 89.

[13] FERREIRA, A. B. H. Minidicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 3ª ed. rev. e ampl.. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.

[14] SANTOS, Christiano Jorge. Op. cit., p.59.

[15]Ibid. p.59.

[16] ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Legislação penal especial. 8ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010. p. 127.

[17] AZEVÊDO, Eliane. Op. cit., p. 21.

[18]Ibid. p. 21.

[19] STF, HC n. 82.424-2/RS (Ementa), Rel. Ministro Moreira Alves, Brasília, 16 set. 2003.

[20] STF, HC n. 82.424-2/RS (Voto Maurício Corrêa), Rel. Ministro Moreira Alves, Brasília, 16 set. 2003. p. 568.

[21] SANTOS, Christiano Jorge. Racismo ou injúria qualificada. Disponível em <http://www.justitia.com.br/artigos/a35c5x.pdf> Acesso em 4 fev. 2013.p. 9.

[22] SANTOS, Christiano Jorge. Op. cit., p. 66.

[23] PRUDENTE apud SANTOS, Christiano Jorge. Crimes de preconceito e de discriminação. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 66.

[24] Ibid. p. 57/58.

[25] GONÇALVES, Luiz Carlos dos Santos. Mandados expressos de criminalização e a proteção de direitos fundamentais na constituição brasileira de 1988. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2007.  p. 154.

[26] Ibid. p. 162.

[27]SILVA, José Afonso da.Aplicabilidade das normas constitucionais. 4ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2000. p. 82

[28]Ibid. p. 82

[29] GONÇALVES, Luiz Carlos dos Santos. Op. cit., p. 163.

[30] BRASIL. Diário da Assembleia Nacional Constituinte Ano II, n. 176. Brasília, 1988. p. 6815.

[31] CALIXTO, Clarice Costa. Breves reflexões sobre a imprescritibilidade dos crimes de racismo. Revista eletrônica do curso de direito da UFSM. Santa Maria, v. 5, n. 2, p. 02-31, 2010. p. 16.

[32] DELMANTO, Celso et al.. Código Penal Comentado. 6ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2002. p. 215.

[33] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral, volume 1. 4ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva. 2002. p. 511.

[34] DELMANTO, Celso et al.. Op cit. p. 215.

[35] TJRJ. Sétima Câmara Criminal. Apelação n. 0003619-31.2004.8.19.0021 (Ementa), Rel. Des. Roberto Guimarães, Rio de Janeiro, 22 mar. 2005.

[36]SANTOS, Christiano Jorge. Prescrição Penal e Imprescritibilidade. Rio de Janeiro: Editora Elsevier, 2010. p. 117.

[37] Ibid. p. 115,

[38] Ibid. p. 109,

[39] Ibid. p. 37.

[40]GONÇALVES, Luiz Carlos dos Santos. Op. cit., p. 58.

[41] BARRETO, Luciano Silva. O novo regime das medidas cautelares no processo penal – Lei n. 12.403. Disponível em

<http://www.emerj.tjrj.jus.br/serieaperfeicoamentodemagistrados/paginas/series/4/medidas_cautelares_241.pdf.> Acesso 12 fev. 2013. p. 259/260.

[42] SANTOS, Christiano Jorge. Crimes de preconceito e de discriminação. p. 165.

[43] BARRETO, Luciano Silva. Op. cit., p. 248/249.

[44] CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Inafiançabilidade: a genealogia de um equívoco. Disponível em <http://sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/060607.pdf> Acesso em: 12 fev. 2013. p. 6.

[45] BRASIL. Diário do Congresso Nacional, Seção I, Ano XLIII. Disponível em <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD15JUN1988.pdf#page=4> Acesso em 16 jan. 2013. p. 2208/2209.

[46] SANTOS, Christiano Jorge. Crimes de preconceito e de discriminação. p. 84/85.

[47] Ibid. p. 81.

[48] SANTOS, Jorge Christiano. Breves comentários ao Estatuto da Igualdade Racial (Suplemento). In: SANTOS, Christiano Jorge. Crimes de preconceito e discriminação. p. 6.

[49] FERREIRA, A. B. H. Op. cit.

[50] CAPEZ, Fernando. Op. cit., p. 43.

[51] SANTOS, Christiano Jorge. Crimes de preconceito e de discriminação. p. 96.

[52] SILVA, Amaury; SILVA, Artur Carlos. Crimes de racismo. Leme: Editora JH Mizuno, 2012. p. 87

[53] STF. ADPF n. 132, Rel. Min. Ayres Britto, Brasília, 5 mai. 2011. p.3

[54] SANTOS, Christiano Jorge. Crimes de preconceito e de discriminação. p. 119.

[55]PORTOcarrero, Cláudia Barros. Leis penais especiais comentadas para concursos. 2ª ed. Niterói: Editora Impetus, 2012. p. 67.

[56] DUARTE, Rebeca Oliveira. Devemos ser intolerantes com qualquer tipo de racismo. Disponível em <http://www.conjur.com.br/2005-ago-18/racismo_violacao_atinge_todos_campos_vida> Acesso em 7 ago. 2012.p. 3.

[57] CIDH. Relatório n. 95/93, Caso 11.289. Disponível em <http://www.cidh.oas.org/annualrep/2003port/Brasil.11289.htm> Acesso em 3 fev. 2013.

[58]Canuto, Antônio; Luz, Cássia Regina da Silva; Wichinieski,Isolete (Orgs.). Conflitos no Campo Brasil 2011. Disponível em <http://www.cptnacional.org.br/index.php/component/jdownloads/finish/43/274?Itemid=23>. Acesso em 13 jan. 2013p. 146.

[59]NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 10ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.p. 704/705.

[60] Ibid. p. 706.

[61] Ibid. p. 706.

[62] FILHO, José Cláudio Monteiro de Brito. Trabalho com redução do homem à condição análoga à de escravo e dignidade da pessoa humana. Disponível em <http://www.oit.org.br/sites/all/forced_labour/brasil/documentos/dignidadetrabalhoescravo.pdf>Acesso em 7 mar. 2013. p. 13/14.

[63] BRASIL. Manual de combate ao trabalho em condições análogas às de escravo. <http://portal.mte.gov.br/data/files/8A7C816A350AC88201350B7404E56553/combate%20trabalho%20escravo%20WEB.PDF> Acesso em 3 fev. 2013. p. 15.

[64] NUCCI, Guilherme de Souza. Op. cit., p. 708.

[65] NUCCI, Guilherme de Souza. Racismo: uma interpretação à luz da Constituição Federal. Disponível em <http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/racismo-uma-interpretacao-a-luz-da-constituicao-federal/5447> Acesso em: 7 mar. 2013.

[66]Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial 2. Dos crimes contra a pessoa. 11ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2011. p. 434.

[67] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. p. 682.

[68] DELMANTO, Celso et al.. Op cit., p. 303.

[69] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: volume 2. p. 253.

[70] JESUS, Damásio E. Direito penal: parte especial. 31. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 265.

[71] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. p. 686.

[72] CAPEZ. Curso de Direito Penal: volume 2. p. 253.

[73] SANTOS, Jorge Christiano. Crimes de preconceito e de discriminação. p. 122.

[74]Portocarrero, Cláudia Barros. Op. cit., p. 67.

[75] STJ. Quinta Turma. RHC n. 19.166-RJ, Rel. Min. Felix Fischer, 23 out. 2006. p. 6.

[76] Ibid. p. 7.

[77] STJ. Sexta Turma. RHC n. 18.620-PR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 14 out. 2008.p. 4/5.

[78] TRF 2. Segunda Turma Especializada. Apelação Criminal n. 0007333-28.2009.4.02.5001, Rel. Min. Nizete Lobato Carmo, 15 ago. 2012.

[79] BRASIL. Diário da Câmara dos Deputados. Ano LI, n. 163. Brasília, 1996. p. 24632-24633.

[80]III Seminário Políticas Sociais e Cidadania. A legislação anti-racismo e sua aplicação: um caso de insensibilidade do Judiciário. Salvador, 2010. p. 4.

[81] SANTOS, Christiano Jorge. Crimes de preconceito e de discriminação. p. 143.

[82]GONÇALVES, Luiz Carlos dos Santos. Op. cit., p. 268.

[83]Mirabete, Julio Fabbrini; Fabbrini, Renato N. Manual de direito penal: Parte especial, arts. 121 a 234-B do CP, volume 2. 28ª ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2011 p. 133.

[84] SAMPAIO, Roberto Brayner. Racismo e injúria qualificada – Inconstitucionalidade e questões procedimentais – decadência e prescrição. In: Construindo os Direitos Humanos no Estado da Pobreza, 2005, Gravatá. p. 1.

[85] Ibid. p. 1.

[86] NUCCI, Guilherme de Souza. Racismo: uma interpretação à luz da Constituição Federal. Disponível em <http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/racismo-uma-interpretacao-a-luz-da-constituicao-federal/5447> Acesso em 4 jan 2013.

[87] Ibid.

[88] Ibid.

[89]Bitencourt, Cezar Roberto. Op. cit., p. 363.


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CORRÊA, Letícia França. Racismo: reflexões sobre as restrições constitucionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3865, 30 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26568. Acesso em: 26 abr. 2024.