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Limites do poder constituinte originário

Limites do poder constituinte originário

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Negar a existência de um conjunto mínimo de direitos inatos à própria condição humana é rejeitar o fato de que a imensa maioria das pessoas prefere viver a não viver, inclusive, desejam um tipo de vida mais rica e completa do que aquelas que lhe dariam uma mera sobrevivência física.

Sumário:1. INTRODUÇÃO 2. DO CONSTITUCIONALISMO JURÍDICO AO CONSTITUCIONALISMO SOCIAL 3. A TEORIA DO PODER CONSTITUINTE: DO CLÁSSICO AO CONTEMPORÂNEO 3.1 O Poder Constituinte Originário 3.2 O Poder Constituinte Derivado 4. OS LIMITES MATERIAIS DO PODER CONSTITUINTE 5. A EXIGÊNCIA DA GARANTIA DOS DIREITOS COMO LIMITES AO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO 6. CONCLUSÃO 7. BIBLIOGRAFIA.


1.    Introdução

A Constituição é a norma positiva mais importante de um Estado, pois se trata da expressão da vontade livre e soberana do povo acerca da organização do Estado e do conteúdo e extensão dos direitos fundamentais que lhes são assegurados. Em razão de seu posicionamento hierárquico na pirâmide normativa imaginada por Hans Kelsen, a Constituição goza de supremacia frente a todas as demais normas, que com ela devem se conformar, sob pena de que lhes seja negada validade.

Por sua vez, e em razão da crença na supremacia da Constituição, o poder constituinte é visto como um poder ilimitado, já que antecede a própria criação do Estado, e independente em relação a qualquer ordem jurídica antes estabelecida. Essa visão positivista do Direito predominou durante mais de um século, até que, em face de acontecimentos históricos importantes, a visão de uma Constituição puramente positiva, que não deve obediência aos direitos humanos consagrados em antológicas declarações de direitos, vem dando lugar à visão da nova ciência do constitucionalismo, menos formal e mais voltada para seus aspectos materiais, o que implica dizer que se passou a contestar, pelo menos doutrinariamente, a ausência de limites materiais à atuação do poder constituinte originário.

No primeiro capítulo deste trabalho far-se-á uma digressão histórica do constitucionalismo, desde a sua concepção naturalística, passando pela visão puramente jurídico-formal, até os dias atuais, onde prevalece o seu sentido social, em que o texto constitucional adquire força normativa e passa a gozar de efetividade.

No segundo, abordar-se-á a teoria do constitucionalismo a partir da concepção original de Sieyès, mostrando as influências da teoria pura do Direito de Hans Kelsen até chegar às discussões teóricas contemporâneas. Para facilitar a abordagem, o capítulo se desdobrará em outros dois, onde serão tratados, distintamente, os conceitos de poder constituinte originário e de poder constituinte derivado.

No terceiro, a discussão sobre os limites materiais ao poder constituinte resultará num apanhado doutrinário sobre o pensamento de constitucionalistas nacionais e estrangeiros acerca da temática, tendo sempre como ponto de partida os ideais revolucionários franceses, a mudança de perspectiva ocorrida com a predominância do pensamento kelseniano e a superação do positivismo a partir do pós-guerra.

Por fim, a partir da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, uma espécie de preâmbulo da Constituição francesa de 1789, mostrar-se-á que o constitucionalismo pós-moderno tem resgatado a ideia da existência de um direito supraestatal, ou suprapositivo, o que já vem se revelando nas Constituições de alguns países europeus, a exemplo da Alemanha, da França e da Espanha.

Ao final, longe de pretender apresentar a solução definitiva da controvérsia doutrinária, objeto de acirrados duelos ideológicos, tentar-se-á contribuir para que, com a definição mais restrita do campo em que se desenvolve esta discussão, seja possível ter-se uma visão mais clara das diferentes correntes de pensamento.


2.    Do Constitucionalismo Jurídico ao Constitucionalismo Social

A ideia de Constituição como conjunto de normas voltadas à organização de poder de um Estado remonta a um passado relativamente recente, mais precisamente à segunda metade do século XVII, com a limitação dos poderes da monarquia inglesa pela Bill of Rights, de 1688, e com o processo de independência dos Estados Unidos da América em relação aos seus colonizadores ingleses, culminando com a Constituição Americana de 1776. Muito pouco tempo depois, com a Revolução Francesa e a consagração dos ideais liberais, a ideia de uma carta política dotada de supremacia, voltada à organização do Estado com fundamento na separação dos poderes e a definição dos direitos individuais, ganhou a adesão de quase todos os países, fazendo surgir a ciência do constitucionalismo e a noção de Estado Liberal.

Ao longo de seu processo evolutivo, o Direito Constitucional sofreu profundas transformações, sendo, dentre elas, a mais significativa, a mudança de paradigmas de um constitucionalismo liberal para um constitucionalismo social, o que fez com que fossem ampliadas as tarefas desempenhadas pelo Estado no plano econômico e social[1]. Contudo, a influência do positivismo jurídico europeu, cuja maior representação se encontra na teoria pura do Direito, de Hans Kelsen, relegou a Constituição ao papel secundário de uma espécie de carta de intenções políticas dirigida ao legislador, já que não havia tutela judicial em caso de descumprimento de suas normas.

Segundo Kelsen, a Constituição deveria ser vista apenas em seu sentido jurídico, norma pura sem qualquer pretensão a fundamentação sociologia, política ou filosófica, o que lhe conferiria o status de norma positiva suprema reguladora da criação de outras normas, a lei nacional em seu mais alto grau.[2]

Com o advento da segunda guerra mundial e a percepção de que a visão estritamente normativista da Constituição havia legitimado o surgimento de Estados totalitários[3], trazendo, como consequência, a perda de prestígio da corrente positivista, deu-se início à superação da perspectiva de uma Constituição desprovida de efetividade, inaugurando a era da constitucionalização dos direitos, em que a Constituição é vista como o centro do sistema jurídico[4], fundamento de validade de todo o ordenamento. Hoje, cada vez mais o Direito Constitucional se distancia da teoria pura do Direito e se aproxima da Ciência Política[5].

O constitucionalismo jurídico liberal, fruto dos ideais individualistas que consagraram a Revolução Francesa, vem dando espaço ao constitucionalismo social e político, resultado, dentre outros, da pressão irresistível das necessidades sociais[6], donde emerge um modelo de Estado garantidor dos direitos fundamentais do indivíduo e solucionador dos conflitos e das exigências do corpo social.

Já no Brasil, tendo em vista o fato de que a conquista da força normativa da Constituição e a mudança dos paradigmas constitucionais são fenômenos bastante recentes, remontando a pouco mais de duas décadas, com o advento do fim da ditadura militar e a promulgação da Constituição Federal de 1988, a ideia de um poder constituinte limitado a regras universalmente aceitas, a direitos humanos consagrados pela sociedade ao longo de sua história de avanços e de retrocessos, ainda encontra significativa resistência entre os defensores da soberania estatal absoluta, o que revela a difícil transição entre os dois modelos de constitucionalismo, mais evidente em países em desenvolvimento.


3.    A Teoria do Poder Constituinte: do Clássico ao Contemporâneo

Em que pese o poder constituinte sempre ter existido na história da humanidade, haja vista que foi através dele que as nações se formaram e se organizaram ao longo do tempo, a formulação de sua teoria somente surgiu na efervescência da Revolução Francesa, no final do século XVIII, graças ao pensamento iluminista do racionalismo francês que se opunha ao poder decadente e absoluto das monarquias europeias, até então aceitas como titulares de um direito divino.

Coube a Emmanuel Joseph Sieyès, em sua obra clássica Quést-ce que Le Tiers État?, escrita quando ainda estava em curso o processo revolucionário francês[7], a concepção da teoria do poder constituinte. Com base na doutrina do contrato social de Jean-Jacques Rousseau[8], Sieyès propôs que a soberania popular consistiria essencialmente no poder constituinte, já que todos os poderes previstos na Constituição emanariam do povo. Daí porque concluiu que o poder constituinte seria um poder inicial (inaugura nova ordem jurídica, pois antes dele não existe qualquer outro), autônomo (somente a ele cabe decidir “se”, “como” e “quando” deve conceber-se uma Constituição à Nação), e onipotente (não subordinado a qualquer regra, exceto, como se verá a seguir, àquelas decorrentes do direito natural).

Segundo o religioso[9] francês, “o poder constituinte, incondicionado e permanente, seria a vontade da nação, só encontrando limites no direito natural”.[10] Ou seja, uma vez constituído pela vontade popular, que na teoria clássica oitocentista foi substituída pelo conceito de representação política, o poder constituinte somente encontraria limitação no direito natural. A titularidade do poder soberano passava, desta forma, às mãos da Nação, que através de um sistema representativo popular tinha a atribuição extraordinária de criar a norma fundamental do País.

Sieyès também elaborou importante distinção entre “poder constituinte” e “poderes constituídos”, reconhecendo, no primeiro, a soberania popular. Dizia, em suma, que ao delegar parte de seu poder às autoridades, o povo ainda assim conserva seu poder constituinte, não estando vinculado, portanto, à Constituição. Tratou em sua teoria, também, da concepção de autonomia do poder constituinte.

Ainda que tenha mantido a soberania popular como o núcleo essencial de sua teoria, o poder constituinte sofreu significativas alterações ao longo de pouco mais de duzentos anos de sua formulação, principalmente no auge da teria positivista do Direito, em que se buscava a separação entre direito e moral, o que inegavelmente conduziu ao afastamento da baliza imposta pela teoria original à atuação do constituinte: o direito natural. Influenciado pelos acontecimentos do segundo pós-guerra mundial, o chamado neoconstitucionalismo, ou pós-positivismo, como alguns preferem se referir, o Direito reaproximou-se da ética e da moral, definindo a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais do homem como fatores de limitação material ao poder constituinte.

Numa síntese dialética da nova hermenêutica constitucional, diz-se que o poder constituinte é o poder de conceber ou de atualizar, se originário ou se derivado, respectivamente, o texto constitucional. O titular desse poder é o próprio povo, fonte de emanação de todo o poder, como se pode observar, por exemplo, no disposto no parágrafo único, do art. 1º da Constituição Federal do Brasil.[11]

3.1 O Poder Constituinte Originário

O poder constituinte é originário quando inaugura uma nova ordem jurídica com a superação de toda a ordem jurídica anterior, criando um novo modelo de Estado regido por valores agora prevalecentes. Trata-se de um poder essencialmente político, extrajurídico[12]. Observa Michel temer:

[...] ressalte-se a idéia de que surge novo Estado a cada nova Constituição, provenha ela de movimento revolucionário ou de assembléia popular. O Estado brasileiro de 1988 não é o de 1969, nem o de 1946, o de 1937, de 1934, de 1891, ou de 1824. Historicamente é o mesmo, Geograficamente pode ser o mesmo. Não o é, porém, juridicamente. A cada manifestação constituinte, editora de atos constitucionais como Constituição, Atos Institucionais e até Decretos (veja-se o Dec. n. 1, de 15.11.1889, que proclamou a República e instituiu a Federação como forma de Estado), nasce o Estado. Não importa a rotulação conferida ao ato constituinte. Importa a sua natureza. Se dele decorre a certeza de rompimento com a ordem jurídica anterior, de edição normativa em desconformidade intencional com o texto em vigor, de modo a invalidar a normatividade vigente, tem-se novo Estado[13].

A doutrina clássica divide o poder constituinte em histórico ou revolucionário, sendo o primeiro o verdadeiro poder constituinte, haja vista a primazia de ter estruturado o Estado pela primeira vez, enquanto todos os outros que o sucederem serão tidos como revolucionários, uma vez que terão a função de romper com a ordem jurídica até então vigente para a criação de um novo Estado.

Anote-se que, por aqui, a ideia de onipotência do poder constituinte, ou a sua propalada falta de limitação, é fruto da predominância inquestionável da corrente positivista kelseniana no Brasil, sob o argumento de que sua natureza é pré-jurídica, ou seja, de que antecede até mesmo a própria ordem jurídica. Convencionou-se no Brasil, desta forma, dizer que não há qualquer limitação ao poder constituinte originário, uma vez que, por estabelecer nova ordem jurídica, não está vinculado ao dever de obediência a qualquer limite de ordem jurídica. É um poder de fato, um poder político, não de direito.

Para a corrente jusnaturalista, contrária à ideia de um poder constituinte ilimitado, o fato de não se vincular a qualquer regra ou norma jurídica pré-existente não dá ao poder constituinte o caráter de ilimitado, mas tão somente de autônomo, no sentido de independente, de não sujeito às influências jurídicas anteriores do Estado que se buscou recriar. Sinteticamente, em razão da anterioridade e da superioridade do direito natural, o poder constituinte estaria a ele submetido, já que não se trata de regras de direito positivo.

3.2 O Poder Constituinte Derivado

Definido por Paulo Bonavides como “poder primacialmente jurídico”, o poder constituinte derivado nasce da necessidade de compatibilizar o sistema de representação popular com as manifestações diretas de uma vontade soberana.[14]

Em razão de sua finalidade reformadora ou revisora do texto constitucional, o poder constituinte derivado, cujas atribuições e limites encontram-se expressamente previstos na Constituição e cujo poder deriva do poder constituinte originário (daí o designativo derivado)[15], tem suas limitações amplamente aceitas pela doutrina jurídica. Suas características mais marcantes são, dessa forma, a limitação material de seu exercício e condicionalidade às regras estabelecidas pelo próprio texto constitucional, e a limitação formal, uma vez que esta lhe impõe procedimento específico que não pode deixar de ser observado no processo legislativo, sob pena de sujeitar o seu resultado ao sistema de controle da constitucionalidade.

Segundo José Afonso da Silva, as limitações impostas ao poder reformador são de três espécies: temporais, circunstanciais e materiais (explícitas ou implícitas)[16]. As primeiras, temporais, que impõe um lapso temporal para que haja a reforma do texto constitucional (daquilo que pode ser reformado pelo poder constituinte derivado, obviamente), não são comuns na história do Direito Constitucional brasileiro, tendo o seu único registro na Constituição do Império, de 1824[17].

A limitação circunstancial, que trata da impossibilidade de emenda à Constituição em determinadas situações excepcionais, passou a ser adotada nas Constituições brasileiras a partir de 1934, estando descrita expressamente no art. 60, § 1° da atual Constituição Federal[18].

No entanto, a espécie de limitação que gera maiores controvérsias diz respeito aos limites materiais impostos ao poder reformador constitucional. Para delimitar ainda mais o campo da discussão, a doutrina costuma subdividir tais limites materiais em explícitos e implícitos.

Os primeiros, limites materiais explícitos, são aqueles formalmente expressos no texto constitucional, integrantes do núcleo intangível da Constituição Federal, cláusulas pétreas e imodificáveis pelo poder constituinte derivado.

Essas limitações materiais que estão explícitas no texto constitucional são, no Brasil, dispostas no art. 60, § 4° da Constituição Federal[19], que dispõe que não será objeto de deliberação a proposta de emenda constitucional tendente a abolir (I) a forma federativa de Estado, (II) o voto direto, secreto, universal e periódico, (III) a separação dos Poderes, e (IV) os direitos e garantias individuais. Vê-se que a atuação do poder constituinte derivado, exercido pelos membros do Congresso Nacional, pelo Presidente da República ou pelas Assembleias Legislativas Estaduais, encontra limitação material expressa no próprio texto constitucional.

Observe-se, por oportuno, que a vedação expressa no art. 60, § 4°, inciso IV da Constituição Federal diz respeito à supressão de direitos e garantias individuais do texto constitucional, e não à sua ampliação ou alteração, desde que conservada a essência valorativa do princípio protegido.

Finalmente, quanto aos limites materiais implícitos impostos ao poder reformador, há de se observar que, com a gradativa ampliação do rol dos limites materiais explícitos no texto constitucional, surge uma forte tendência a que não sejam aceitas limitações implícitas. Entretanto, merecem destaque três situações descritas por Nelson de Sousa Sampaio e que ainda configurariam limitações materiais implícitas, portanto insuscetíveis de alteração pelo poder constituinte derivado: (1) as concernentes ao titular do poder constituinte, já que,por óbvio, uma reforma constitucional não pode mudar o titular do poder que cria o próprio poder reformador; (2) as referentes ao titular do poder reformador, já que não seria admissível que o legislador ordinário estabelecesse novo titular de um poder derivado só da vontade do constituinte originário; e, (3) as relativas ao processo da própria emenda, distinguindo-se quanto à natureza da reforma, para admiti-la quando se tratar de tornar mais difícil seu processo, rejeitando-a quando vise a atenuá-lo.[20]

Trata-se, como visto, de um poder de direito, e não de fato, uma vez que sua legitimação encontra fundamento no próprio texto constitucional.


4.    Os Limites Materiais do Poder Constituinte

A constatação de que a Constituição encontra-se posicionada, numa escala hierárquica-normativa, no ápice do ordenamento jurídico do País, legitimando todos os poderes do Estado exatamente porque os reconhece, estrutura e organiza, definindo suas competências e atribuições, irradiando seus efeitos para que todo o sistema jurídico interno com ela se conforme e encontre validade, demonstra, de per si, a sua supremacia frente às demais normas jurídicas internas.

Como norma conformadora e validante de todo o ordenamento jurídico interno, é necessário que a Constituição se sujeite a regras rigorosas para alteração de seu conteúdo. Uma das características universalmente aceitas da Constituição é a rigidez de seu texto, tendo em vista a maior dificuldade para modificá-lo, quando comparado aos demais textos do ordenamento jurídico estatal. Dessa rigidez se denota a supremacia da constituição como “pedra angular em que assenta o edifício do moderno direito político”[21].

A rigidez constitucional em sua compreensão mais ampla, como forma de preservação da juridicidade de seu texto, foi defendida com fervor pelos positivistas que tiveram no normativismo de Kelsen o seu ponto mais alto. Se por um lado a teoria positivista fez com que eventuais investidas contra o texto constitucional esbarrassem na rigidez exigida para sua modificação, preservando-o íntegro, por outro, provocou o descompasso de seu texto com os fatos e com a realidade social.

Segundo essa corrente doutrinária, a Constituição somente poderia ser alterada pelo legislador (poder constituinte) e não pelo intérprete, sendo, a aplicação do Direito, uma operação lógica de subsunção dos fatos à norma, não se admitindo ato de criação ou de aperfeiçoamento.[22] A introdução de novos preceitos constitucionais materiais somente seria admissível pela via formal, o que fazia com que houvesse absoluta coincidência entre conteúdo formal e material do texto constitucional.

Já que nessa teoria a essência de toda a juridicidade da Constituição era a obediência às regras formais de ingresso de novas normas no texto, tornou-se possível a introdução de qualquer disposição desprovida de valoração social, desde que se atentasse às citadas regras formalísticas.

A teoria positivista kelseniana não reconhecia quaisquer limites materiais para a revisão constitucional, já que podia a ordem jurídica soberana receber qualquer conteúdo, inclusive tendo citado, em sua obra Das Problem der Souveänität, a introdução da escravidão como instituto jurídico no âmbito da possibilidade de uma ordem jurídica[23]. Não havia, na teoria de Hans Kelsen, limites materiais ao exercício do poder constituinte, fosse ele originário, quer derivado.

A expressão utilizada por Horst Ehmke, constitucionalista alemão do Estado Social, de que a norma fundamental se converte, portanto, numa Constituição em branco, apta a receber qualquer conteúdo, demonstra com exatidão o pensamento positivista acerca da ilimitação do poder constituinte[24].

A legitimidade conferida a toda espécie de ordenamento jurídico que obedecesse aos critérios formais de alteração do texto constitucional, permitiu que se pudesse atribuir até mesmo ao Estado Nacional-Socialista de Hitler o atributo qualificativo de Estado de Direito. A forma sobrepunha-se ao conteúdo, o aspecto jurídico-formal prevaleceu em relação às necessidades reais do corpo social.

Com o declínio do constitucionalismo liberal e da visão puramente jurídica da Constituição, desenvolveu-se a ideia de uma Constituição normativa e de um constitucionalismo social, fruto de uma síntese dialética da formulação teórica positivista e da sociológico-constitucional, preconizada por Ferdinand Lassalle[25]. Segundo magistério de José Afonso da Silva:

Busca-se, assim, formular uma concepção estrutural de Constituição, que a considera no seu aspecto normativo, não como norma pura, mas como norma em sua conexão com a realidade social, que lhe dá o conteúdo fático e o sentido axiológico. Trata-se de um complexo, não de partes que se adicionam ou se somam, mas de elementos e membros que se enlaçam num todo unitário. O sentido jurídico de Constituição não se obterá, se a apreciarmos desgarrada da totalidade da vida social, sem conexão com o conjunto da comunidade. Pois bem, certos modos de agir em sociedade transformam-se em condutas humanas valoradas historicamente e constituem-se em fundamentos do existir comunitário, formando os elementos constitucionais do grupo social, que o constituinte intui e revela como preceitos normativos fundamentais: a Constituição.[26]

A visão clássica da Constituição e sua “ênfase nos aspectos da organização do Estado e na proteção de um elenco limitado de direitos da liberdade”[27], deu lugar para o constitucionalismo social, ampliando significativamente seu conteúdo com o alargamento das tarefas do Estado no plano econômico e social.

Alguns países avançaram ainda mais, com a adoção do conceito de uma Constituição dirigente[28], criando para o legislador e para o administrador deveres de atuação positiva para a concretização das finalidades pré-estabelecidas no texto.

Quanto ao aspecto dogmático, o fato mais preponderante na evolução do constitucionalismo atual tem sido o reconhecimento e a consolidação da força normativa da Constituição, antes vista como “diretivas políticas endereçadas, sobretudo, ao legislador”[29], hoje amplamente aceitas como normas jurídicas que comportam tutela judicial em face de seu descumprimento. Quanto a esta importante quadra na história do constitucionalismo, importa observar o comentário de Luís Roberto Barroso:

[...] A superação dessa perspectiva ganhou impulso no segundo pós-guerra, com a perda de prestígio do positivismo jurídico e da própria lei e com a ascensão dos princípios constitucionais concebidos como uma reserva de justiça na relação entre o poder político e os indivíduos, especialmente as minorias. Essa mudança, uma verdadeira revolução silenciosa, tornou-se possível graças à disseminação da jurisdição constitucional, com a criação de inúmeros tribunais constitucionais pelo mundo afora.[30]

É certo que não há qualquer vinculação do poder constituinte originário a normas jurídicas anteriores, pois se assim o fosse, estaria limitado, senão impossibilitado, de romper com a ordem jurídica até então dominante. Contudo, esse poder constituinte não pode desconhecer outras limitações, principalmente as de cunho moral e ético, sob pena de se constituir em poder arbitrário, capaz de legitimar injustiças. Mesmo não sendo limitações jurídico-positivas, estes parâmetros servem de balizas para que haja legitimidade no exercício do poder constituinte originário. Os valores civilizatórios dos direitos humanos e da justiça devem pautar o exercício do poder constituinte originário[31].

No entanto, como herança da concepção positivista kelseniana de um sistema escalonado de normas, em que as normas inferiores buscam sua validade nas superiores até atingir a Constituição, localizada no ápice da pirâmide normativa, não se reconhecia a possibilidade de um direito preexistente ao Estado, sendo o poder constituinte um fato pré-jurídico (ou metajurídico), externo ao direito[32].

O Direito, agora visto sob a perspectiva de interação indissociável entre fato e norma, não mais admite a ideia de uma norma jurídica divorciada dos anseios sociais; a visão de legitimidade da Constituição apenas pela obediência a critérios jurídico-formais não subsiste diante da constatação de que esse pensamento permitiu o surgimento de Estados que se impunham pela força bruta e pela desatenção (ou até mesmo violação) ao mínimo dos direitos humanos fundamentais.

Luís Roberto Barroso verifica que a rigidez da constituição e a plasticidade de suas normas são conceitos essenciais à teoria da Constituição que vivem em permanente tensão, uma vez que, tendo a finalidade de preservar a estabilidade da ordem constitucional e a segurança jurídica, a rigidez se opõe à necessidade de que as normas constitucionais possam se adaptar aos novos tempos e às novas demandas sem a necessidade de se recorrer, a cada mudança social, aos processos formais e burocráticos da reforma.[33]


5.    A Exigência da Garantia dos Direitos Como Limites ao Poder Constituinte Originário

Mesmo já tendo sido afirmado por diversas vezes neste trabalho que a Revolução Francesa foi o marco histórico que mais influenciou o constitucionalismo moderno, é necessário ressaltar que, não obstante os aperfeiçoamentos naturais do pensamento liberal que a orientou, ainda hoje se tem como referência para a teoria dos direitos fundamentais a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, espécie de preâmbulo da Constituição francesa de 1789.

Naquele documento antológico, símbolo de nova era nas relações entre o Estado e seus súditos, os revolucionários franceses definiram, em seu art. 16, a finalidade da Constituição:

Artigo 16. Toda sociedade na qual a garantia dos direitos não for assegurada, nem a repartição dos poderes determinada, não tem constituição.[34]

A força ideológica e a clareza da declaração firmada pelos constituintes franceses são inquestionáveis. Com a finalidade de preservar a ordem jurídica que pretendiam inaugurar, impondo ao Estado limites para impedir o retrocesso daquelas conquistas, expressaram-se no sentido de que uma lei que não divida o poder (forma por eles imaginada para impedir o abuso do poder concentrado) e nem assegurava a garantia dos direitos (tidos como fundamentais ou essenciais à própria existência do homem) não podia ser chamada de Constituição. Como argumento de validade destas proposições, sustentavam que os direitos fundamentais são superiores e anteriores ao Estado que, em última análise, se destina a protegê-los e a assegurá-los. Trata-se da visão clássica da Constituição como garantia[35].

Curiosamente, parece-nos que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, firmada em 1948 pelos países da Organização das Nações Unidas (ONU), imediatamente ao término do segundo pós-guerra mundial, um dos principais documentos internacionais em matéria de direitos fundamentais, caminhou em sentido inverso quando, em seu art. VIII, dispôs que “todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.”[36]

Como se observa da redação do texto, a maior parte das nações do planeta reconheceu a importância de que todos os homens recebam proteção dos tribunais contra atos de violação aos seus direitos fundamentais, entretanto, remetem o conteúdo e a definição destes direitos às declarações contidas nas Constituições e nas leis de seus respectivos países.

Ao deixar a critério do poder constituinte originário a definição do que reconhece como direito fundamental, a Declaração, implicitamente, reconhece a supremacia absoluta do texto constitucional, negando a existência de direitos anteriores e superiores aos textos constitucionais.

É bem possível que a motivação desse retrocesso no condicionamento dos textos constitucionais a uma ordem social internacional de proteção aos direitos fundamentais do homem tenha sido as influências do contexto político e econômico do pós-guerra, haja vista o surgimento das duas grandes potências mundiais de ideologias completamente antagônicas que viriam a travar, a partir dali e por mais de três décadas, o que o mundo conheceu como guerra fria.

 Certo é que o constitucionalismo positivista jamais aceitou a existência de qualquer norma que se posicionasse, numa ordem valorativa, acima da Constituição, conferindo-lhe uma supremacia absoluta e uma independência em relação a todo e qualquer valor moral ou ético como fundamento de validade. Como já discutido anteriormente, esse pensamento não se compatibilizava com a teoria do poder constituinte em sua concepção original, uma vez que Sieyès admitia a limitação do poder constituinte originário pelos direitos naturais.

Com o declínio do positivismo em face das barbáries verificadas na segunda grande guerra mundial, renasceu a ideia de que “o direito não é meramente o comando do Poder, mas para merecer o nome há de ter um conteúdo de justiça, ou, se preferir, tem de respeitar os grandes princípios morais”[37].  

Deu-se vida novamente, como já o fizera Sieyès nos primórdios da teoria do constitucionalismo, à tese de que, acima da Constituição há um Direito que se impõe a esta, exigindo-lhe conformidade, tendo a doutrina convencionado chamá-lo de normas supraconstitucionais ou suprapositivas[38].

Esta mesma tese é defendida pelos internacionalistas, mas com argumentos um pouco diferentes. Em que pese reconhecerem nos direitos fundamentais a anterioridade e a independência do direito positivo, condicionam a sujeição das Constituições ao Direito Internacional à participação dos Estados em entidades supra-estatais que tenham lhes exigido à conformação de seus textos constitucionais a normas contidas em tratados adotados no plano da instituição.[39]

No início da década de 90, Alemanha, França, Irlanda e Portugal firmaram em Maastricht, na Holanda, um importante tratado internacional que visava, dentre outras coisas, a unificação europeia e a criação do primeiro sistema internacional de proteção aos direitos fundamentais. Eduardo García de Enterría assevera que:

Esta dirección se inicia, tras el primer intento que concluye en la formación del Consejo de Europa en 1949 y en el montaje del primer sistema de protección internacional de los derechos fundamentales o sistema de Estrasburgo, por la vía de los pasos concretos y medidos, que se abre, sobre la sugestión de Jean Monet, con el Tratado de París de 1951, que creó la Comunidad del Carbón y del Acero.[40]

A ideia de adoção de regras uniformes de proteção aos direitos fundamentais no âmbito dos países integrantes da União Europeia foi assim concretizada no texto do Tratado de Maastricht:

La Unión respetará los derechos fundamentales tal y como se garantizan en el Convenio Europeo para la Protección de los Derechos Humanos y de las Libertades Fundamentales firmado en Roma el 4 de noviembre de 1957, y tal y como resultan de las tradiciones constitucionales comunes a los Estados miembros como principios generales del Derecho Comunitario".[41]

Em que pese a inegável importância do reconhecimento da supra-estatalidade das regras relativas à proteção aos direitos fundamentais no âmbito do Direito Comunitário, ainda assim é possível afirmar que as nações que não se sujeitam a tratados internacionais que tenham como exigência a conformação de suas Constituições às regras uniformes de proteção aos direitos humanos têm a atuação de seus poderes constituintes originários limitados à observância de um conteúdo mínimo de garantias fundamentais ao homem. Afirma o magistério de Paulo Bonavides:

A noção jurídica e formal de uma Constituição tutelar de direitos humanos parece, no entanto, constituir a herança mais importante e considerável da tese liberal. Em outras palavras: o princípio das Constituições sobreviveu no momento em que foi possível discernir e separar na Constituição o elemento material de conteúdo (o núcleo da ideologia liberal) do elemento formal das garantias (o núcleo de um Estado de direito). Este, sim, pertence à razão universal, traz a perenidade a que aspiram as liberdades humanas. O neoliberalismo do século XX o preserva nas Constituições democráticas do nosso tempo, porquanto, se o não acolhesse, jamais poderia com elas exprimir a fórmula eficaz de um Estado de Direito.[42]

O ressurgimento do pensamento liberal de limitação do poder constituinte originário pelo direito natural, repelido por mais de um século e meio de predominância da escola positivista, foi uma reação contra os abusos praticados pelos Estados totalitários durante a segunda guerra mundial, à época considerados legítimos sob a ótica legalista, uma vez que tinham como fundamento uma lei formal. Esse era o Estado legal e formal, que se contentava com a observância da lei pelo Estado e pelo Judiciário, independentemente do conteúdo dessa lei, ainda que contrariasse valores como a justiça, a liberdade e a equidade.[43]

Associados a este declínio do pensamento positivista, o desprestígio da lei e a ineficiência dos legisladores contribuíram significativamente para o reconhecimento de um direito que transcende ao direito positivo e a ele se impõe. A inflação legislativa[44], proliferação de leis com baixa qualidade, desvaloriza o direito positivo na media em que estas leis revelam imprecisão e obscuridade. A desconfiança do povo na atuação de seus representantes legislativos, não raros envolvidos em escândalos de corrupção, e o despreparo jurídico que revela a má qualidade das leis, “esvazia a fórmula rousseauniana da lei, expressão da vontade geral.”[45]

Alguns países deram um passo adiante e passaram a reconhecer a existência de um direito suprapositivo, como é o caso da Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, de 1949, que em seu art. 20, alínea 3, reconheceu a existência de um direito distinto da lei, ao afirmar que o Poder Legislativo estaria subordinado à ordem constitucional:

Artigo 20 [...]

(3) O Poder Legislativo está subordinado à ordem constitucional; os Poderes Executivo e Judiciário obedecem à lei e ao Direito.[46]

Em consonância com seu texto constitucional, a Corte Constitucional alemã reconhece em seus julgados a existência de um direito suprapositivo, a exemplo da decisão que ficou assim ementada: “A Corte Constitucional federal reconhece a existência de um direito suprapositivo que se impõe ao próprio constituinte e é competente para apreciar a conformidade de uma regra escrita em relação a esse direito”[47]. Em outro caso mais recente, aquela corte manifestou-se no sentido de que “o constituinte não pode violar os postulados fundamentais da justiça.”[48]

Em obra referencial sobre o assunto, intitulada Normas Constitucionais Inconstitucionais?, o jurista alemão Otto Bachoff revela que diversas cortes constitucionais de Estados federados alemães admitem a inconstitucionalidade de norma constitucional em face da violação de direito suprapositivo.[49] Por lá desenvolveu-se a tese de que “o direito materialmente constitucional sempre prevalece sobre o direito apenas formalmente constitucional.”[50]

O mesmo posicionamento foi adotado pelo Conselho Constitucional francês na vigência da Constituição de 1958. Em seu preâmbulo, a Constituição afirma que:

El pueblo francés proclama solemnemente su adhesión a los derechos humanos y a los principios de la soberanía nacional tal y como fueron definidos por la Declaración de 1789, confirmada y completada por el Preámbulo de la Constitución de 1946, así como a los derechos y deberes definidos en la Carta del Medio Ambiente de 2003. En virtud de estos principios y del de la libre determinación de los pueblos, la República ofrece a los Territorios de Ultramar que manifiesten la voluntad de adherirse a ella nuevas instituciones fundadas en el ideal común de libertad, igualdad y fraternidad y concebidas para favorecer su evolución democrática.[51]

Como se observa, ao reafirmar solenemente os direitos e as liberdades do homem consagrados pela Declaração de Direitos de 1789 e os princípios fundamentais reconhecidos pelas leis da República, a Constituição francesa reconhece a força cogente dos direitos fundamentais, tendo-os como integrantes da Constituição material, o que faz com que o controle da constitucionalidade naquele país compreenda o exame de adequação das leis propostas aos valores consagrados no preâmbulo, e não somente às regras dispostas no corpo do texto constitucional. Para permitir uma interpretação restritiva destes direitos suprapositivos, o Conselho Constitucional criou a ideia de um “bloc de constitutionnalité”, sendo seguido por outros países, como a Espanha e seu “bloque de constitucionalidad”.[52]

Não obstante o reconhecimento de alguns países à existência deste direito suprapositivo, a grande indagação que inquieta os defensores da existência de limites à atuação do poder constituinte originário diz respeito à identificação desses direitos sem que seja necessário recorrer às lições jusnaturalistas de São Tomás de Aquino ou a um fundamento puramente sociológico.

  Alguns observam que, a ideia de um direito suprapositivo ou supralegal, verdadeiro limite do poder constituinte originário, se caracterizaria apenas como imperativos de ordem moral ou política.

De uma forma ou de outra, a hesitação doutrinária ao reconhecimento da existência de um direito suprapositivo tem um motivo claro: a insegurança jurídica, uma vez que a conduta lícita de um determinado sujeito, por assim reconhecer a lei, poderia ser tida como ilícita pelo direito suprapositivo.

Contudo, negar a existência de um conjunto mínimo de direitos inatos à própria condição humana é rejeitar o fato de que a imensa maioria das pessoas prefere viver a não viver, inclusive, desejam um tipo de vida mais rica e completa do que aquelas que lhe dariam uma mera sobrevivência física[53].

Os direitos humanos como normas suprapositivas que ensejam a conformação das Constituições a seu conteúdo nada mais é do que a consagração da ideia de que, se por um lado não existiria Estado sem a Constituição, por isso a sua anterioridade e independência, por outro, não haveria Constituição, e nem mesmo necessidade de uma organização social, se não existissem as próprias pessoas humanas, sendo, por isso mesmo, fundamental que o próprio Direito lhes assegure existência digna.

A enorme resistência ao reconhecimento destes limites materiais impostos ao poder constituinte originário se dá, em grande parte, em razão de um argumento positivista: se os direitos humanos são regras suprapositivas de Direito, a quem incumbiria aplicá-los e fiscalizá-los? E mais: qual seria a consequência do descumprimento destes Direitos, tendo em vista que, por se tratar de normas não positivadas, não contém sanções específicas?

A resposta parece vir de uma interpretação jurídico-sociológica que se pode fazer dos fenômenos políticos e sociais contemporâneos. Com a integração econômico-social de países em blocos continentais, a uniformização do Direito interno pelo Direito Internacional será um exigência para que possa haver coexistência harmônica da nação no grupo a que pretenda aderir. Assim, aquele que descumprir essa exigência, seja porque não previu em seu texto constitucional a garantia aos direitos humanos, quer porque, tendo garantido-os, não lhes dá efetividade ou respeito, além de ter seu ingresso no bloco internacional vetado pelos demais países, ainda deverá suportar as dificuldades várias que o isolamento econômico lhe trará.


6.    CONCLUSÃO

A história do Estado, de sua organização política, e da luta dos povos pelo reconhecimento de um conjunto mínimo de garantias frente aos abusos do poder, pode ser contada, como sugere Noberto Bobbio[54], numa análise da legislação positiva de cada nação ao longo do tempo. Da monarquia à república, do absolutismo à democracia, da violência às liberdades, a história da evolução humana exigiu incontáveis sacrifícios para que os povos pudessem ter uma existência minimamente digna.

A superação da hegemonia das monarquias absolutas na Europa foi um importante marco na consagração dos direitos fundamentais, então uma resposta à violência e aos desrespeitos cometidos pelo Estado em nome de um poder dito divino.

Logo em seguida ao surgimento da ciência do constitucionalismo, com a elaboração de uma teoria que se assentava, basicamente, na separação dos poderes e no respeito aos direitos naturais do homem, preponderou a teoria positivista que via na obediência aos aspectos formais da lei o seu único fundamento de validade. A purificação do Direito de qualquer influência de cunho político ou sociológico, síntese da teoria pura do direito de Hans Kelsen, demonstrou que a visão exclusivamente normativista do Direito possibilitava a criação de regimes totalitários, uma vez que bastava, apenas, que decidissem com fundamento na lei positiva, muitas vezes recheada de abusos e de violências contra a pessoa humana.

Após a experiência marcante da segunda guerra mundial, a teoria positivista do Direito entrou em declínio, dando lugar a outra, pós-positivista, em que os valores pretendidos pela sociedade e o respeito aos direitos do homem voltam a servir como fundamentos de validade do Direito.

Este contexto trouxe, necessariamente, a discussão acerca da existência (ou não) de limites ao poder constituinte, não o originário, haja vista o reconhecimento pacífico da existência de limites materiais e formais à sua atuação, mas ao originário, o único competente para instaurar nova ordem jurídica no Estado. A importância desta discussão reside no fato de que o reconhecimento de limites materiais à atuação do poder constituinte originário implica no reconhecimento, também, de que a supremacia da Constituição não é absoluta.

A divergência, na atualidade, se biparte entre positivistas e pós-modernista. Os primeiros não aceitam a mitigação da característica de onipotência da Constituição, sob o argumento de que antecede ao próprio Estado, ao passo que os segundos defendem que a soberania não pode ser confundida com a autonomia, o que significa dizer que a Constituição é autônoma por não se vincular a qualquer outra norma de direito positivo, mas deve encontrar conformidade com um Direito supraestatal, anterior ao próprio direito positivo: os direitos humanos.

Alguns países de história mais antiga, como Alemanha e França, de experiências político-constitucionais mais refletidas e trabalhadas pelas revoluções e pelas discussões doutrinárias mais aprofundadas, passaram a reconhecer, após o pós-guerra, a existência de um Direito suprapositivo, numa reedição aperfeiçoada da clássica concepção jusnaturalística de direito. No entanto, para garantir a segurança e a integridade de seus sistemas jurídicos, preferem restringir o conteúdo desses direitos ao que convencionaram chamar “bloco de direitos”.

 A formação da União Europeia através do Tratado de Maastricht, e o reconhecimento de um conteúdo mínimo de direitos fundamentais que deve ser reconhecido pelos seus países-membros parece reforçar a tese da suprapositividade dos direitos humanos, mas esbarra na constatação de que essa subsunção decorre da livre manifestação político de aderir a esses pactos, o que impede que seja apresentado como exemplo definitivo de limitação do poder constituinte.

Sob uma perspectiva puramente legalista, reminiscência do pensamento positivista puro, é fácil afirmar que o poder constituinte originário é ilimitado, sendo necessário, apenas, a simples constatação de que não existem normas escritas que se sobreponham hierarquicamente às Constituição. Assim, já que caberia a este o poder de criar a ordem jurídica, o seu conteúdo estaria legitimado pelo fato de que o exercício dessa manifestação ocorre pela manifestação livre e soberana do povo através de seus representantes.

Contudo, a noção empobrecida de uma Constituição apenas como regras de organização estatal e o apego excessivo à visão normativista do Direito são obstáculos ao reconhecimento de que a representação popular, segundo a teoria de Jean-Jacques Rousseau, não se mostrou consentânea com a ideia de soberania popular. Desta forma, ainda que exercido por representantes escolhidos pelo povo, o poder constituinte soberano tem a possibilidade de estabelecer novos Estados que violem as garantias humanas, os direitos primaciais de seus representados.

É bem verdade que os tribunais não podem (e não devem) simplesmente “passar por cima da lei”, sob o único argumento subjetivista de prevalência de um Direito suprapositivo, o que implicaria na redução da função constitucional e na instabilidade jurídica do ordenamento. O que se defende, por mais coerente, é a função harmonizadora do intérprete, buscando extrair daquelas regras de direito positivo uma conformidade com os direitos humanos fundamentais.

A limitação do poder constituinte originário pelos direitos humanos fundamentais é condição que se impõe para que as novas ordens jurídicas que possam ser instauradas tenham, sempre, o bem estar social e a dignidade da pessoa humana como fundamentos de valor para o seu reconhecimento na nova ordem jurídica internacional que o constitucionalismo pós-moderno recentemente inaugurou.


7.    Bibliografia

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Notas

[1] BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 84.

[2] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32° ed. ver. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 39.

[3] Sobre o tema, indispensável é a leitura do texto “Cinco Minutos de Filosofia do Direito” de Gustav Radbruch: “Esta concepção da lei e sua validade, a que chamamos Positivismo, foi a que deixou sem defesa o povo e os juristas contra as leis mais arbitrárias, mais cruéis e mais criminosas. Torna equivalentes, em última análise, o direito e a força, levando a crer que só onde estiver a segunda estará também o primeiro”.

[4] Idem, ibidem, p. 85

[5] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 23ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 35. 

[6] Idem, ibidem, p. 40.

[7] BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 96.

[8] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 23ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 145.

[9] Luís Roberto Barroso afirma que o título de abade comumente atribuído a Sieyès decorreu de uma imprecisão na tradução da expressão francesa abbé.

[10] BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 96.

[11] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Art. 1º [...] Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

[12] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 23ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 146. 

[13] TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 14ª ed. ver. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 33.

[14] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 23ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 146.

[15] José Afonso da Silva prefere utilizar a expressão “competência constituinte derivada ou constituinte de segundo grau”, afirmando que seria muito complicado ter que convocar o constituinte originário todas as vezes em que fosse necessário emendar a Constituição.

[16] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32° ed. ver. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 66.

[17] BRAZIL, Constituição Política do Império do. Brasília: Senado Federal, 1824. Art. 174. Se passados quatro annos, depois de jurada a Constituição do Brazil, se conhecer, que algum dos seus artigos merece roforma, se fará a proposição por escripto, a qual deve ter origem na Camara dos Deputados, e ser apoiada pela terça parte delles. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/Constituicao/Constituiçao24.htm>. Acesso em: 26.6.2009

[18] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: [...] § 1º - A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio. [...]. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 26.6.2009.

[19] Idem, ibidem.

[20] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32° ed. ver. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 68.

[21] FERREIRA, Pinto apud SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32° ed. ver. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009,p. 45.

[22] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 23ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 172 e 173.

[23] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 23ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 174.

[24] Idem, ibidem, p. 175

[25] BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 79 e 80.

[26] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32° ed. ver. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009,p. 39

[27] BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 84.

[28] Sobre o tema, ver J. J. Gomes Canotilho em sua obra Constituição dirigente e vinculação do legislador.

[29] BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 85

[30] Idem, ibidem.

[31] BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 110.

[32] Idem, ibidem, p. 109.

[33] Idem, ibidem, p. 127.

[34] Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão traduzida do francês para o português. Disponível em: <https://ead.serpro.gov.br/cursos/CIDAD%C3%83O.pdf>. Acesso em: 26.6.2009.

[35] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Princípios Fundamentais do Direito Constitucional: o estado da questão no início do século XX, em face do direito comparado e, particularmente, do direito positivo brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 26.

[36] Disponível em: <http://www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php>. Acesso em: 26.6.2009.

[37] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Princípios Fundamentais do Direito Constitucional: o estado da questão no início do século XX, em face do direito comparado e, particularmente, do direito positivo brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 36.

[38] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Princípios Fundamentais do Direito Constitucional: o estado da questão no início do século XX, em face do direito comparado e, particularmente, do direito positivo brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 36.

[39] Idem, ibidem, p. 37

[40] ENTERRÍA,Eduardo Garcia de. Revista Del Instituto Bartolome de las Casas. Los Derechos Fundamentales Europeos Segun El Tratado de Maastricht Sobre La Unio Europea. Derechos y Libertades. Disponível em: <http://e-archivo.uc3m.es/dspace/bitstream/10016/1444/2/DL-1993-I1-GarciaEnterria.pdf>. Acesso em: 26.6.2009.

[41] Idem, ibidem.

[42] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 23ª ed. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 37.

[43] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Princípios Fundamentais do Direito Constitucional: o estado da questão no início do século XX, em face do direito comparado e, particularmente, do direito positivo brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 108.

[44] Sobre o tema, importante conhecer a obra Do processo legislativo, de Manoel Gonçalves Ferreira Filho.

[45] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Princípios Fundamentais do Direito Constitucional: o estado da questão no início do século XX, em face do direito comparado e, particularmente, do direito positivo brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 109.

[46] Texto original: Artikel 20 [Grundlagen staatlicher Ordnung, Widerstandsrecht] [...] (3) Die Gesetzgebung ist an die verfassungsmäßige Ordnung, die vollziehende Gewalt und die Rechtsprechung sind an Gesetz und Recht gebunden. ALEMANHA, Lei Fundamental da República Federal da. Berlim: 1949. Disponível em: <http://archiv.jura.uni-saarland.de/BIJUS/grundgesetz/>. Acesso em: 27.6.2009.

[47] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Princípios Fundamentais do Direito Constitucional: o estado da questão no início do século XX, em face do direito comparado e, particularmente, do direito positivo brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 110.

[48] Idem, ibidem.

[49] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Princípios Fundamentais do Direito Constitucional: o estado da questão no início do século XX, em face do direito comparado e, particularmente, do direito positivo brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 111.

[50] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Princípios Fundamentais do Direito Constitucional: o estado da questão no início do século XX, em face do direito comparado e, particularmente, do direito positivo brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 111.

[51] Texto original traduzido pela Direção de Imprensa, Informação e Comunicação do Ministério de Assuntos Exteriores e do Departamento de Assuntos Europeus da Assembleia Nacional: Le peuple français proclame solennellement son attachement aux Droits de l'homme et aux principes de la souveraineté nationale tels qu'ils ont été définis par la Déclaration de 1789, confirmée et complétée par le préambule de la Constitution de 1946, ainsi qu'aux droits et devoirs définis dans la Charte de l'environnement de 2004. En vertu de ces principes et de celui de la libre détermination des peuples, la République offre aux territoires d'Outre-Mer qui manifestent la volonté d'y adhérer des institutions nouvelles fondées sur l'idéal commun de liberté, d'égalité et de fraternité et conçues en vue de leur évolution démocratique. FRANÇA. Constituição. Paris: Conselho Constitucional, 1958. Disponível em: <http://www.conseil-constitutionnel.fr/conseil-constitutionnel/root/bank_mm/espagnol/constitution-espagnol_juillet2008.pdf>. Acesso em: 27.6.2009.

[52] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Princípios Fundamentais do Direito Constitucional: o estado da questão no início do século XX, em face do direito comparado e, particularmente, do direito positivo brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 114.

[53] FERNÁNDEZ, Eusébio. El Problema Del Fundamento de los Derechos Humanos. Anuario de Derechos humanos, n.º 1. Madri: Instituto de Derechos Humanos, Universidad Complutense, 1982.

[54] BOBBIO, Noberto. Teoria da Norma Jurídica. São Paulo: Edipro, 2002.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FALCÃO, Fernando Antônio Jambo Muniz. Limites do poder constituinte originário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3876, 10 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26667. Acesso em: 28 mar. 2024.