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Análise sobre a viabilidade da restituição de tributos indiretos

Análise sobre a viabilidade da restituição de tributos indiretos

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Embora o contribuinte de direito tenha legitimidade para pleitear a restituição do indébito tributário, dificilmente obterá êxito, tendo em vista os óbices criados pela Fazenda Pública e endossados pela atual jurisprudência.

1     INTRODUÇÃO

A finalidade primordial da existência do Estado é a prestação de serviços voltados a atender às necessidades básicas e essenciais de sua população. A maioria dos tributos – notadamente aqueles com função fiscal – é arrecadada justamente para que haja recursos financeiros que tornem o Estado apto a exercer suas atividades. Dessa forma, os tributos constituem a receita derivada do Estado, e, sem dúvida, representam a maior fonte de financiamento da atividade estatal.

A arrecadação dos tributos deve seguir o princípio da legalidade. Se, por algum motivo, os tributos forem pagos de forma indevida, fora dos ditames legais, e, assim, feito de uma maneira eivada de inconstitucionalidade, surge, para o sujeito passivo, o direito à restituição.

Assim como o Fisco tem o direito de cobrar o que lhe é devido, o contribuinte também tem o direito de reaver aquilo que foi pago equivocadamente. Não é aceitável que o Estado crie obstáculos à restituição de tributos, ferindo o princípio da isonomia.

É irrelevante que o contribuinte tenha pago o tributo espontaneamente ou mediante cobrança, uma vez que, no Direito Tributário, a vontade da parte não é considerada; apenas a lei pode determinar quando um tributo é devido, e, portanto, o direito à restituição de tributos indevidos deve ser respeitado.

Em especial, os tributos considerados indiretos, por apresentarem características peculiares, são alvo de constantes discussões doutrinárias, não havendo consenso quanto ao tratamento que lhes cabe no ordenamento jurídico brasileiro.

Corriqueiramente, a Fazenda Pública busca negar o direito do sujeito passivo à restituição, ignorando a lógica e o bom senso de que é não é correto locupletar-se a partir do erro de outrem. Conforme os argumentos utilizados pelo Fisco, notadamente em relação aos tributos indiretos, primeiro, o contribuinte de direito, que integra a relação obrigacional

tributária não pode pleitear a restituição porque, segundo a Fazenda, procedeu ao repasse do encargo e raramente tem a chance de provar que não o fez. Ao mesmo tempo, também alega que o contribuinte de fato não tem direito à repetição porque sequer é parte dessa relação jurídico-tributária. Como se não bastasse, o Fisco defende que, entre seu próprio enriquecimento sem causa e o do contribuinte, o primeiro é justificável, pois se converteria em benefício para toda a sociedade – conforme visto no início desse texto.

O capítulo inicial trata da fundamentação que respalda o direito à restituição dos tributos pagos indevidamente, com base na Constituição Federal e no Código Tributário Nacional, atribuindo destaque ao relevante suporte principiológico.

O capítulo seguinte cuida das definições e das distinções referentes a pontos indispensáveis para uma melhor compreensão do tema central desse trabalho monográfico. Objetiva-se, portanto, tecer esclarecimentos preliminares, para só então adentrar no cerne da matéria objeto desse estudo.

O último capítulo expõe a análise da viabilidade da restituição dos chamados “tributos indiretos”, assunto que dá título a essa monografia. Para isso, foram verificados os requisitos dispostos no artigo 166 do Código Tributário Nacional, bem como o entendimento consolidado nos Tribunais Superiores.


2 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS DO DIREITO À REPETIÇÃO DE TRIBUTOS

A restituição de tributos pagos indevidamente tem fundamento na Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/88), na medida em que a Carta Magna dispõe, por exemplo, dos princípios da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV), da legalidade (arts. 5º, II e 150, I), da vedação ao locupletamento sem causa (art. 5º, caput), da equidade (art. 5º, caput e inciso I), assim como encontra, também, base em lei infraconstitucional, no caso, a Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966, denominada de Código Tributário Nacional, como será analisado a seguir.

2.1 Direito à tutela jurisdicional – Artigo 5º, XXXV, da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/88)

A Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu artigo 5º, XXXV, estabelece que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, tratando-se, claramente, do princípio da inafastabilidade da jurisdição, também chamado de direito de ação, princípio do livre acesso ao Judiciário, ou, segundo a dicção de Pontes de Miranda, princípio da ubiquidade da Justiça (LENZA, 2009).

José de Albuquerque Rocha (2002, p. 53) define o princípio do acesso à justiça como sendo “a possibilidade assegurada a todos pela Constituição Federal de acudir aos órgãos do Poder Judiciário para pedir a proteção jurisdicional do Estado”. Conforme ensinamento do autor, quando ocorre violação da ordem social, o direito deverá ser imposto, de modo a efetivar os valores que ele expressa.

Salvo pontuais exceções, a autotutela foi abolida da sociedade moderna brasileira. Consoante o ensinamento de Gonçalves (2010, p. 02), isso teve início a partir do fortalecimento do Estado, quando este assumiu, em caráter de monopólio, o poder-dever de resolver conflitos. Dessa forma, as partes não poderiam mais usar da própria força nem de métodos similares para solucionar oposições de interesses, ficando proibido o exercício arbitrário das próprias razões. Assim, o Estado passou a elaborar normas jurídicas, a fim de que fossem aplicadas ao caso concreto.

No mesmo sentido, Rocha (2002, p. 88) assinala que “a jurisdição é, justamente, a função estatal que tem a finalidade de garantir a eficácia do direito em última instância no caso concreto, inclusive recorrendo à força, se necessário”. Em sábias palavras, Pontes de Miranda (1979, t.I, p. XX) doutrina:

Se o Estado chamou a si a decisão das questões, a função de justiça, criou a todos os interessados a pretensão à tutela jurídica, a que corresponde o seu dever de prestar aos figurantes o que prometera. Seria absurdo que se visse no Estado o dever do Estado, a sua obrigação de resolver os litígios, e não se visse no autor, no réu e nos que podem intervir ou serem chamados o direito e a pretensão a que a entidade estatal faça aquilo que retirou aos que lutariam em justiça de mão própria.

De acordo com o entendimento de Cândido Rangel Dinamarco (2004, p. 128), um dos fatores que motivam o Estado a proibir que a sociedade pratique o exercício espontâneo da jurisdição é “a consciência do escopo social de pacificação mediante a eliminação de conflitos e insatisfações”. Além disso, o autor também ressalta a importância de “educar para a defesa de direitos próprios e respeito aos alheios”.

Conforme o magistério de Machado Segundo (2010, p. 216), “as normas jurídicas podem ter suas prescrições violadas, fazendo-se necessária a composição do conflito com a restauração do direito malferido”. De acordo com o autor, quando um direito subjetivo se torna exigível, surge uma pretensão do detentor do direito de vê-lo adimplido. Se não ocorrer o cumprimento dessa pretensão, nascerá um conflito. Gonçalves (2010, p. 03) conclui:

No cumprimento do dever de editar normas de conduta, o Estado inicialmente regrou os comportamentos que os indivíduos deveriam ter em sociedade. Em caso de desobediência a elas, o prejudicado poderia comparecer em juízo para reclamar do Estado-juiz a formulação de norma para o caso concreto, suscetível de sanção e hábil para compelir o renitente a cumprir a sua obrigação. E o Estado, que já regulava o comportamento dos indivíduos em sociedade, passou a editar normas e princípios regulamentadores do processo, por meio do qual se emite a regra concreta de conduta capaz de solucionar o conflito de interesses.

Analisando o tema, Lenza (2009, p. 699) afirma que as expressões “lesão” e “ameaça a direito”, contidas no inciso em análise, garantem livre acesso ao Judiciário para postular, respectivamente, a tutela repressiva e a preventiva, deixando evidente que, de fato, o Poder Judiciário, de maneira imparcial e independente, poderá apreciar qualquer situação que confronte as normas jurídicas vigentes. Alexandrino e Vicente Paulo (2008, p. 144) acrescentam que “(...) não só a lei está impedida de excluir determinadas matérias ou controvérsias da apreciação do Judiciário; a inafastabilidade de jurisdição, sendo garantia individual fundamental, está gravada como cláusula pétrea (CF, art. 60, § 4º, IV), insuscetível de abolição (...)”.

Tanto os direitos públicos subjetivos, delineados na Constituição Federal, quanto os direitos decorrentes de normas infraconstitucionais são resguardados pela tutela jurisdicional. Com base nisso, Carrazza (2010, p. 461-462) assevera que o contribuinte poderá, “a qualquer tempo, ir ao Judiciário para que este Poder decida, com imparcialidade, se as exigências do Fisco encontram, ou não, acústica na Constituição e nas leis”.

Relevante salientar que, apesar de todo o exposto, o direito à tutela jurisdicional estatal, consoante Gonçalves (2010, p. 30), “sofre limitações que lhe são naturais e restringem sua amplitude, mas nem por isso constituem ofensa ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional”. Para se obter provimento de mérito, é necessário que sejam preenchidas as condições da ação, quais sejam, legitimidade, possibilidade jurídica do pedido e interesse de agir, bem como sejam atendidos os pressupostos processuais. O autor esclarece, ainda, que “essas limitações não ofendem a garantia da ação, pois constituem restrições de ordem técnico-processual, necessárias para a própria preservação do sistema e o bom convívio das normas processuais”, sendo, portanto, plausíveis.

Salvo casos excepcionais, como a hipótese prevista no art. 217, § 1º, da CRFB/88, referente à Justiça Desportiva, que condiciona a garantia da ação ao esgotamento das vias administrativas, qualquer outra restrição ou condição imposta pela lei que apresente óbice ao exercício do direito de acesso ao Judiciário será flagrantemente inconstitucional (GONÇALVES, 2010).

No Brasil, de modo geral, não há a denominada “instância administrativa de curso forçado”, portanto, não é necessário esgotar a via administrativa para que se possa buscar a tutela perante o Poder Judiciário. Entretanto, uma vez escolhida a via judicial, haverá renúncia tácita da via administrativa. Isso não representa uma afronta à garantia constitucional, mas sim, uma regra de economia processual (ALEXANDRINO, 2008).

Nesse sentido, Machado Segundo (2010, p. 217) elucida que:

No âmbito tributário, caso o conflito não seja equacionado na esfera administrativa, seja porque o administrado não a utilizou, seja porque não se satisfez com o resultado, sempre haverá a possibilidade de acesso ao Poder Judiciário, único competente para impor às partes uma solução definitiva para o conflito. (...) Quando o contribuinte obtém êxito ainda no processo administrativo não há propriamente a “imposição” desse êxito à Administração (como ocorre no Poder Judiciário), pois é a própria administração, através do órgão a tanto competente, que está reconhecendo o direito do administrado, fazendo, com esse reconhecimento, com que desapareça o conflito.

Carrazza (2010, p. 467) evidencia que, assim como o Estado tem o direito de instituir e cobrar tributos, “tem o dever de assegurar ao contribuinte a possibilidade de exercer o controle da juridicidade das imposições tributárias, sem prejuízo do direito ao amplo acesso ao Judiciário, assegurado pelo art. 5º, XXXV, da CF”.

Conforme orientação de Dinamarco (2004, p. 114), para que o acesso à justiça atinja sua plenitude, tornando-se mais célere e capaz de oferecer resultados mais coerentes e efetivos, é necessário “remover os males resistentes à universalização da tutela jurisdicional e aperfeiçoar internamente o sistema”, evitando que o processo se resuma a “um exercício improdutivo de lógica jurídica”. É inaceitável que o Estado crie barreiras intransponíveis ao acesso à tutela jurisdicional.

2.2 Princípios

O consagrado doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello (2007, p. 922-923), em seu magistério, leciona que

princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para  sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.

 Conforme o ensinamento de Sacha Calmon (2008, p. 95), os princípios auxiliam na interpretação das leis, sobrepondo-se a estas. Salienta, ainda, que os princípios constitucionalizados tem aplicação obrigatória. Sua função não é a de estabelecer condutas, mas de orientar padrões, valores. Machado Segundo (2010, p. 13) acrescenta que os direcionamentos propostos pelos princípios devem ser seguidos “na medida do que for jurídica e factualmente possível, na elaboração e na aplicação de outros princípios, e especialmente das regras jurídicas”.

Para a melhor compreensão de todo o ordenamento jurídico ou mesmo de uma área específica do Direito, é necessário analisar e entender o conteúdo e o alcance dos princípios. Alexandre (2012, p. 79-80) ressalta que, enquanto os princípios, a depender do caso concreto, podem ser ponderados, as regras não são susceptíveis de sopesamento; ou elas são aplicadas, ou não. Por esse motivo, a atual doutrina considera que alguns dos chamados princípios constitucionais tributários, são, na verdade, regras. Machado Segundo (2010, p. 14) esclarece, por fim, que “essa é uma questão terminológica sem muita relevância, pois o que importa é que cada norma seja observada e aplicada conforme a sua estrutura lógica, pouco importando o nome que se lhe dê”.

 O Ministro Celso de Mello (apud Bonfim, 2004), salienta que

o respeito incondicional aos princípios constitucionais evidencia-se como dever inderrogável do Poder Público. A ofensa do Estado a esses valores – que desempenham, enquanto categorias fundamentais que são, um papel subordinante na própria configuração dos direitos individuais ou coletivos – introduz um perigoso fator de desequilíbrio sistêmico e rompe, por completo, a harmonia que deve presidir as relações, sempre tão estruturalmente, desiguais, entre as pessoas e o Poder.

2.2.1 Princípio da legalidade

Considerado um dos mais importantes princípios constitucionais, uma vez que “é informado pelos ideais de justiça e de segurança jurídica, valores que poderiam ser solapados se à administração pública fosse permitido, livremente, decidir quando, como e de quem cobrar tributos” (AMARO, 2009), o princípio da legalidade está positivado, em sua forma genérica, no artigo 5º, II, da Constituição Federal de 1988, ao dispor que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Por sua vez, Paulo de Barros Carvalho (2000, p. 155) considera que, em relação ao Direito Tributário, esse princípio “ganha feição de maior severidade, como se nota na redação do art. 150, I: Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”.

No mesmo sentido, Paulsen (2011, p. 163), em seu magistério, doutrinou que:

A legalidade tributária, em verdade, é específica e de maior rigor que a legalidade geral. A legalidade tributária, estampada no art. 150, I, da CF e interpretada em consonância com outros artigos constitucionais que lhe revelam o sentido, como o art. 153, §1º, implica a reserva absoluta de lei, de modo que a instituição dos tributos se dê não apenas com base legal, mas diretamente através da lei. Veja-se, ainda, que a instituição por lei consta do conceito de tributo, no art. 3º do CTN.

Carrazza (2010, p. 258) refere-se ao princípio da legalidade como sendo “um dispositivo fundamental, que impede que o Estado aja com arbítrio em suas relações com o indivíduo (...)”, tratando-se, portanto, de uma cláusula pétrea. E, de fato, tamanha é sua importância que serve como fundamento à restituição do indébito tributário, no momento em que quantias forem pagas indevidamente, atingindo o patrimônio do contribuinte, em decorrência de uma tributação que não esteja em consonância com os ditames legais (MARQUEZI JUNIOR, 2013).

Cerqueira (2000, p. 261-262), em suas sábias palavras, professa:

Como reflexo disso, o particular tem o direito de ser tributado apenas nos termos de regras tributárias individuais e concretas válidas absolutamente; qualquer pagamento respaldado por norma válida apenas relativamente ofenderá ao Sistema Tributário Brasileiro, e em especial ao princípio da estrita legalidade tributário, e há de ser repetido.

Todo o direito positivado sofre influência direta do princípio da legalidade, uma vez que o principal objetivo do direito é normatizar condutas, e isso é feito a partir da criação tanto de direitos quanto de deveres. É a legalidade que determina os limites objetivos da normatização, buscando evitar que o Estado pratique arbitrariedades, e assim, resguardando a segurança (CARVALHO, 2000).

No mesmo sentido, Machado (2012, p. 59) leciona que “ainda que a lei não represente a vontade do povo, e por isto não se possa afirmar que o tributo é consentido por ter sido instituído em lei, ainda assim, tem-se que o ser instituído em lei garante maior grau de segurança nas relações jurídicas”. O mesmo autor acrescenta que a normatização amparada pelo princípio da legalidade implica numa “relação de tributação [que] não é uma relação simplesmente de poder, mas uma relação jurídica”.

Seabra Fagundes (apud Martins, 1997) enfatiza que a legalidade impõe limitações às atividades da Administração Pública, subordinando-as à ordem jurídica. E ressalta que não é suficiente, apenas, que se tenha sempre a lei como fonte, pois “é preciso, ainda, que se exerça segundo a orientação dela e dentro dos limites nela estabelecidos. Só assim o procedimento da Administração Pública é legítimo”.

Por fim, Hugo de Brito Machado (2006, p. 59) assevera que:

No Brasil, como, em geral, nos países que consagram a divisão dos Poderes do Estado, o princípio da legalidade constitui o mais importante limite aos governantes na atividade de tributação. Por isto mesmo, teóricos a serviço do Poder já cuidam de construir teses com o objetivo de amesquinhá-lo. Entre estas a que coloca a solidariedade como algo moderno e que no denominado Estado Social deveria se sobrepor à legalidade, colocada como algo inseparável do individualismo. O Poder busca, sempre, formas para contornar os limites que o Direito vai a muito custo construindo.

2.2.2 Princípio da isonomia

O princípio da isonomia ou da igualdade está genericamente expresso no início do caput do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, ao enunciar que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (...)”. Em reforço a esse princípio geral, especificamente para o Direito Tributário, a Carta Magna dispõe, ainda, no inciso II do art. 150, o seguinte:

Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

(...)

Trata-se, nesse caso, do princípio da isonomia tributária, que norteia o Direito Tributário (ALEXANDRINO, 2009). A respeito disso, Lacombe (2000, p. 16) doutrinou:

A isonomia é o princípio nuclear de todo o nosso sistema constitucional. É o princípio básico do regime democrático. Não se pode mesmo pretender ter uma compreensão precisa de Democracia se não tivermos um entendimento real do alcance do princípio da isonomia. Sem ele não há República, não há Federação, não há Democracia, não há Justiça. É a cláusula pétrea por excelência. Tudo o mais poderá ser alterado, mas a isonomia é intocável, bem como suas decorrências lógicas.

Explica Machado Segundo (2010, p. 19-20) que esse princípio apresenta um aspecto formal, que se refere à aplicação do Direito de maneira igualitária para todos, e outro substancial, também nomeado de aspecto material, que prega um tratamento diferenciado para situações que também sejam diferenciadas. Por sua vez, Machado (apud MACHADO SEGUNDO, 2010, p. 19-20), em atenção à importância do aspecto substancial do princípio da isonomia, menciona em sua obra que o aspecto formal, embora necessário, não define inteiramente o princípio em estudo, pois, como já explicava Aristóteles, e, posteriormente, Leon Duguit e Rui Barbosa, a verdadeira igualdade tem por base tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades.

Conforme ensinamento de Paulo Bonavides (2008, p. 376), o princípio da igualdade merece grande destaque, uma vez que representa “o centro medular do Estado social e de todos os direitos de sua ordem jurídica”.

O princípio da isonomia fica mesclado ao princípio da justiça no momento em que são feitos alguns questionamentos, como, por exemplo, qual o critério deve ser utilizado pelo legislador para fazer as diferenciações e qual a finalidade destas. É importante frisar que os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade devem ser sempre resguardados na avaliação de validade dessas discriminações (MACHADO SEGUNDO, 2010), pois, como bem lembrou Alexandrino (2008, p. 109), é inadmissível que “o parâmetro diferenciador seja arbitrário, desprovido de razoabilidade, ou deixe de atender a alguma relevante razão de interesse público. Em suma, o princípio da igualdade não veda tratamento discriminatório entre indivíduos, quando há razoabilidade para a discriminação”.

No mesmo sentido, Machado (2004, p. 51) leciona que:

As dificuldades no pertinente ao princípio da isonomia surgem quando se coloca a questão de saber se o legislador pode estabelecer hipóteses discriminatórias e qual o critério de discrime que pode validamente utilizar. Na verdade a lei sempre discrimina. Seu papel fundamental consiste precisamente na disciplina das desigualdades naturais existentes entre as pessoas. Alei, assim, forçosamente discrimina. O importante, portanto, é saber como será válida essa discriminação. Quais os critérios admissíveis, e quais os critérios que implicam lesão ao princípio da isonomia. A este propósito existem formulações doutrinárias interessantes, entre as quais se destaca aquela segundo a qual o critério de discrime deve ter um nexo plausível com a finalidade da norma.

Machado Segundo (2010, p. 20) aponta uma vinculação tríplice ao princípio da isonomia envolvendo o legislador, o administrador e o juiz, “os quais não podem permitir o surgimento de situações que favoreçam injustificadamente um contribuinte em detrimento dos demais, ou, o que é mais comum, beneficiem a Fazenda Pública em detrimento dos contribuintes em geral”. Celso Antônio Bandeira de Mello (p. 23, 1999), assevera que “a igualdade é princípio que visa a duplo objetivo, a saber: de um lado propiciar garantia individual (...) contra perseguições e, de outro, tolher favoritismos”.

Com relação à Fazenda Pública, Machado Segundo (2010, p. 20), em consonância com o aspecto material do princípio da isonomia, concorda, em parte, que esse Órgão merece tratamento diferenciado, justamente porque é diferente dos cidadãos, entretanto, ressalta que “o problema é o demasiado elastério que dão a ela, fazendo-a justificativa para toda sorte de abusos e injustificados privilégios”. E arremata:

É importante ter em mente que o “tratamento desigual para os desiguais” não é uma válvula de escape para arbitrariedades, mas sim, como visto acima, uma solução racional diretamente relacionada com um propósito legítimo. Por isso mesmo, é evidente que a condição “diferenciada” da Fazenda Pública não é suficiente para validar todos os privilégios que eventualmente se lhe concedem (...).

Para Xerez (p. 339, 2001), o princípio da isonomia restaria violado caso fosse admitido que o Estado permanecesse com quantias referentes a tributos pagos de forma indevida, uma vez que o contribuinte que efetuou esse pagamento ficaria em desvantagem quando comparado a outros contribuintes que não fizeram o mesmo.

2.2.3 Princípio da vedação ao locupletamento sem causa

Muitas vezes, o princípio da vedação ao locupletamento ou enriquecimento sem causa confunde-se com a própria exigência da equidade, referindo-se ao preceito latino que enuncia “suum cuique tribuere”, que significa “dar a cada qual o que lhe é devido” (HILDEBRAND, online).

Em outro giro, Marquezi Junior (2013, p. 92-93) aborda esse princípio como sendo uma consequência do direito à propriedade, uma vez que o tributo pago indevidamente compõe o patrimônio financeiro de quem o pagou, e esclarece que “não é possível que as pessoas que compõem a Federação, sejam elas físicas ou jurídicas, privadas ou públicas, enriqueçam de forma não amparada pelo ordenamento vigente ou ao menos não vedada pelo ordenamento, quando tratamos dos particulares”.

O mesmo autor salienta que “uma pilastra importantíssima do sistema constitucional pátrio reside no direito de propriedade, previsto também como cláusula pétrea do sistema, prescrito na cabeça do artigo 5º e reforçado no seu inciso XXII da Carta Magna”. Afirma, ainda, que, assim como os demais direitos previstos na Constituição Federal, o direito à propriedade não é pleno, sendo suscetível de restrições por outros direitos e princípios constitucionais.

Marquezi Junior (2013, p. 92-93) destaca que a tributação é um dos meios existentes para atingir o direito à propriedade, uma vez que torna possível a “transferência de riqueza do administrado para o Estado”. Seguindo esse pensamento, tem-se que, caso a propriedade seja atingida por uma incidência tributária eivada de ilegalidade, haverá o direito à restituição dos valores pagos indevidamente, verificando-se, portanto, uma relação interligada dos princípios da legalidade e da propriedade, convergindo para a proibição do enriquecimento imotivado. Em seu magistério, o autor enfatiza que “a propriedade somente pode ser atingida, nas formas previstas pela Constituição Federal e, quando estamos diante da tributação (forma prevista para atingir a propriedade), esta deve respeitar a legalidade”.

Marçal Justen Filho (apud Marquezi Junior, 2013) concluiu que, “se a Constituição assegura o direito de propriedade, não se compadece com tal garantia a previsão de uma atividade tributária que possa destruí-lo”.

Para Celso Ribeiro Bastos (apud Mattos, 2001) os termos “propriedade” e “bens econômicos” são sinônimos:

A propriedade tornou-se, portanto, o anteparo constitucional entre o domínio privado e o público. Neste ponto reside a essência da proteção constitucional: é impedir que o Estado, por medida genérica ou abstrata, evite a apropriação particular dos bens econômicos ou, já tendo esta ocorrido, venha a sacrificá-la mediante um processo de confisco.

No mesmo sentido, Alexandre (2012, p. 407), argumenta que “não é justo que alguém obtenha um aumento patrimonial sem que tenha concorrido para tanto, sendo apenas beneficiário de erro de outrem”, e, portanto, o princípio da vedação ao enriquecimento injustificado fundamenta o direito à restituição de tributos pagos indevidamente.

Segundo Marquezi Junior, as condições trazidas pelo artigo 166 do CTN para a restituição de tributos pagos indevidamente constituem um mecanismo criado pelo ordenamento jurídico “para evitar que o enriquecimento sem causa ocorra, justamente porque ele é vedado pelo sistema”, e, assim, resguardar o direito à propriedade, sendo essa sua função teleológica ou finalística.

Marcelo Cerqueira (2000, p. 405), em sua obra intitulada “Repetição do indébito tributário”, leciona que o artigo 166 do Código Tributário Nacional não pode ser interpretado apenas literalmente, desvinculado do restante do ordenamento jurídico. Consoante seu ensinamento:

Havendo pagamento de tributo em desconformidade com o ordenamento jurídico, por imperativo legal (CTN, art. 165) e constitucional (princípio da estrita legalidade tributária), fundamentos de validade imediato e remoto do direito à repetição do indébito, o montante indevidamente recolhido aos cofres públicos há de ser restituído, e restituído ao próprio contribuinte, ou seja, ao sujeito passivo da obrigação tributária.

Ainda em defesa das condições impostas pelo artigo 166 do CTN como sendo um meio de evitar o enriquecimento desprovido de causa, Marquezi Junior (2013, p. 94) afirma que o mencionado dispositivo legal não apresenta nenhuma inconstitucionalidade, “pois se mostra como um mecanismo hábil a evitar que aqueles que não tiveram sua propriedade tolhida angariem, por meio da repetição, patrimônio de outrem”, apontando para a mesma intenção verificada ao se proibir o enriquecimento sem causa.

Importante salientar que o princípio da vedação ao locupletamento sem causa também encontra respaldo no princípio da moralidade, consagrado no artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1988, e assim, ambos fundamentam o direito à restituição do indébito tributário.

Nas palavras de Troianelli (2001, p. 121) acerca do tema, “é certo que o respeito do Estado pela legalidade e moralidade deve sobrepor-se à sua necessidade de caixa, uma vez que aquele é finalidade do Estado e esta é mero meio do qual o Estado se utiliza para atingir seus fins”. Para o autor, o princípio da moralidade apresenta repercussões diferentes para o contribuinte e para o Estado:

Enquanto a moralidade é para o contribuinte, sob o aspecto jurídico positivo constitucional, questão de consciência, é para o Estado imperativo jurídico. Assim, embora o enriquecimento injustificado por parte do contribuinte possa ser imoral, não será, necessariamente, ilícito. Já o enriquecimento injustificado por parte do Estado será, além de imoral, necessariamente ilícito, pois constitucionalmente vedado.

Verifica-se, portanto, que a atuação da Administração Pública deve ter esteio na ética defendida pelo princípio da moralidade, sendo-lhe proibida a criação de meios que dificultem ou impeçam os cidadãos de exercer seus direitos (XEREZ, 2001).

2.3 Hipóteses legais para a restituição de tributos – Artigo 165 do Código Tributário Nacional

Conforme analisado acima, a Constituição Federal de 1988 enuncia uma série de princípios que alicerçam o direito de pleitear a restituição do indébito tributário. Cerqueira (2000, p. 405) orienta que, ao contrário desses princípios constitucionais, que fundamentam esse direito de modo remoto ou mediato, o artigo 165 da Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional – traz, em seu bojo, o fundamento de validade imediato da repetição dos tributos pagos indevidamente.

Art. 165 - O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos:

I - cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;

II - erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento;

III - reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.

Troianelli (2001, p. 120), lembra que “embora o direito à restituição do indébito encontre-se assegurado, no âmbito infraconstitucional, pelo artigo 165 do CTN, o disposto neste artigo decorre imediatamente da observância dos princípios constitucionais (...)”. Assim, seguindo os ditames da Carta Magna, o Código Tributário Nacional elenca as hipóteses – que serão analisadas em capítulo posterior – a partir das quais nascerá o direito à restituição.

A rigidez do sistema constitucional brasileiro limitou a atuação da legislação derivada também no que se refere às normas de tributação (MARQUES; GONÇALVES, 2001). Os referidos autores enfatizam o ensinamento de Kelsen acerca da “estrutura escalonada do ordenamento jurídico”, a partir da qual

uma norma busca seu fundamento de validade em outra norma jurídica, da qual é derivada. Essa segunda norma, por sua vez, deriva de outra norma de grau hierárquico ainda mais elevado, e assim sucessivamente, encontrando-se no ápice da “pirâmide normativa” a Constituição, fundamento último de validade do sistema positivo. (...) Acima dela – a Constituição – vislumbrar-se-ia apenas a norma hipotética fundamental, ficção jurídica que opera como pressuposto lógico necessário à interrupção do processo de imputação.

É válido ressaltar que, embora a Lei 5.172 seja de 1966, e, à época, aprovada como lei ordinária, foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988 com nível de lei complementar. Nesse sentido, Paulo de Barros Carvalho (2000, p. 59-60) esclareceu:

Não excede recordar que a Lei n. 5.172/66 – o Código Tributário Nacional – foi aprovada como lei ordinária da União, visto que naquele tempo a lei complementar não apresentava o caráter ontológico-formal que só foi estabelecido com o advento da Constituição de 1967. Todavia, com as mutações ocorridas no ordenamento anterior, a citada lei adquiriu eficácia de lei complementar, pelo motivo de ferir matéria reservada, exclusivamente, a esse tipo de ato legislativo. E, com tal índole, foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988.

Mariz de Oliveira (2001, p. 356) enfatiza que, apesar de o fundamento imediato do direito à restituição de tributos ser encontrado no CTN, é na Constituição Federal que está o fundamento último desse direito, e, assim, “um tributo pode requerer restituição por uma causa imediata que represente uma ruptura de preceito constitucional, sem ter havido violação de lei ordinária, ou a causa imediata pode ser a violação direta de uma norma infraconstitucional”.

No mesmo sentido, Mörschbächer (2001, p. 254) destaca que o Código Tributário Nacional, ao tratar da repetição do indébito em artigos específicos, não concedeu novos direitos ao contribuinte, uma vez que estes já foram originados da própria Constituição Federal de 1988. O intuito desses dispositivos seria, tão-somente, cumprir as funções que cabem à lei complementar, conforme preceitua o inciso III, do artigo 146, da Carta Magna, referindo-se a “estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária”.  E, em seu magistério, ainda acrescenta:

Fê-lo, sem dúvidas, no intuito e na incumbência de traçar interpretações e procedimento o mais possível uniformes em todo o território nacional, considerando, especialmente, a existência de três entidades políticas distintas e, mesmo dentro destas, o grande número de Estados e o infinito número de Municípios, com isto procurando pôr a salvo os cidadãos contra inúmeros e muitas vezes abusivos entendimentos diferentes com respeito à mesma matéria.


3 TRIBUTOS DIRETOS E INDIRETOS   

3.1 Quando um tributo é direto ou indireto?

A classificação dos tributos em diretos e indiretos é considerada muito relevante tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência quando se trata de restituição do indébito tributário, conforme ensina Machado Segundo (2011, p. 22).  

Em que pese ser importante, constituindo a base de todos os julgados referentes à restituição de tributos, essa classificação, na maioria das vezes, é estudada de forma deveras simplista (Machado Segundo, 2011, p. 13). É importante ressaltar o caráter dinâmico dessa classificação, que, a depender do caso concreto, está sujeita a diversas variações. Neviani (1983, p. 57) esclarece que “não existe no direito positivo brasileiro qualquer definição de quais sejam uns e quais outros, socorrendo-se, pois, os julgadores, com maior ou menor infelicidade, de distinções ou classificações preparadas pelos estudiosos da Ciência das Finanças”.

De fato, a classificação dos tributos em diretos e indiretos é bastante variável, não havendo um método totalmente eficaz para essa distinção. Aliomar Baleeiro (2008, p. 884) aduz em sua obra que “o mesmo tributo poderá ser direto ou indireto, conforme a técnica de incidência e até conforme as oscilantes e variáveis circunstâncias do mercado ou a natureza da mercadoria ou a do ato tributado”. Luciano Amaro (2009, p. 425) também acrescenta que “(...) é um trabalho árduo identificar quais tributos, em que circunstâncias têm natureza indireta, quando se sabe que há a tendência de todos os tributos serem ‘embutidos’ no preço de bens ou serviços e, portanto, serem transferidos para terceiros”.

Neviani (1983, p. 58) ressalta que as discussões envolvendo a classificação dos tributos em diretos e indiretos existe há mais de duzentos anos, o que deu origem a várias teorias, casa uma com um fundamento diferente, não havendo, portanto, um critério totalmente confiável para realizar a distinção.

Atualmente, são considerados três critérios para diferenciar tributos diretos de indiretos: critério técnico-administrativo, critério econômico e critério financeiro (NEVIANI, 1983).

De Juano (apud Neviani, 1983), em síntese, orienta que, conforme o critério técnico-administrativo, defendido por Trotabas e outros autores franceses, “tributos diretos seriam os arrecadados com base em fatos estáveis, registráveis em cadastros, livros ou registros; indiretos seriam os tributos com incidência jurídica sobre fatos contingentes, imprevisíveis e a priori indeterminados”. Já com base no critério econômico, sugerido por Stuart Mill e adotado pela jurisprudência brasileira, tributos diretos são aqueles que nunca tem seu encargo repassado a terceiros, enquanto são indiretos os tributos que sempre tem seu ônus trasladado. Por sua vez, de acordo com o critério financeiro, inicialmente elaborado por Nitti, Flora e Graziani, seriam indiretos “os impostos destinados a onerar a renda no momento em que o cidadão a dispensa para adquirir outros bens”, ao passo que diretos seriam os “tributos destinados a onerar a renda do cidadão no momento de sua produção ou realização”.

Em suas sábias palavras, Neviani (1983, p. 66) assevera que

É fácil perceber que, em todos os critérios, os impostos sobre a produção ou sobre a circulação de riqueza ou de bens, também genericamente compreendidos no tipo impostos sobre a despesa (“sales taxes” e “excise”) são considerados indiretos. Mas esta mera coincidência não é suficiente para convalescer o vício metodológico de se aplicar esta distinção com fins de prestação jurisdicional: neste exame, cabe atribuir valor maior à diferença dos motivos que informam a distinção ora em análise.

O critério econômico, que classifica os tributos em diretos ou indiretos levando em consideração a possibilidade de se repassar o encargo tributário, embora seja a base da orientação jurisprudencial dominante no Brasil, é alvo de muitas críticas. Isso ocorre devido a inconsistência de sua classificação, uma vez que mesmo os tributos considerados diretos podem ter seu ônus transferido a terceiros, bem como os chamados tributos indiretos não terão, necessariamente, seu encargo repassado, sendo, nesse último caso, suportado pelo próprio sujeito passivo.  Portanto, “a transferibilidade é mera questão aritmética” (NEVIANI, 1983).

No mesmo sentido, Machado Segundo (online), apontando a fragilidade dessa classificação assevera que “o problema é que o critério econômico, usado por Mill (e por tantos outros), não permite a colocação dos tributos em uma ou em outra classe, pois todos eles podem, conforme as circunstâncias, ter o seu ônus transferido a um terceiro, na fixação dos preços correspondentes”.

Tarcísio Neviani (1983, p. 70-71), seguindo o mesmo raciocínio, afirma que

(...) é inexato, não verdadeiro e anti-científico afirmar-se que os impostos sobre a produção ou a circulação de bens se trasladam sempre. Um tal pressuposto invalida qualquer conclusão dele decorrente, pois, em verdade, é muito mais frequente do que usualmente se pensa a permanência do ônus desses impostos a cargo do contribuinte legal, não havendo traslação.

O mesmo autor (1983, p. 86-87) critica reiteradamente a inconsistência da classificação feita com base no critério econômico, utilizando, para isso, esclarecimentos de importantes financistas, como Pantaleoni, Valdes Costa e Rubens Gomes de Sousa, e, por fim, arremata com maestria:

Após este desfile de categorizadas autoridades científicas sobre a traslação dos tributos e a sua adoção para distinguir entre tributos diretos e indiretos, todas no sentido de negar valor ao fenômeno, que é teoria cerebrina, é pesaroso constatar que a unanimidade dos cientistas só foi superada, neste assunto, pela quase unanimidade dos julgadores brasileiros em atribuir à distinção dos tributos diretos e indiretos com base no suposto fenômeno da traslação do ônus financeiro do tributo a terceiro um valor absoluto, a ponto de com base nisso, negarem a restituição de tributos indevidamente pagos. Os cientistas afirmam que o critério não vale coisa alguma, os nossos julgadores atribuem-lhe valor praticamente absoluto...

Importante ressaltar, ainda, que, no caso de não haver o repasse do encargo tributário ou se este ocorrer apenas parcialmente, a aplicação superficial e abstrata do critério econômico resultaria em denegação do direito à restituição ao contribuinte de direito, que realmente suportou o ônus de um tributo considerado indireto. Ainda nas palavras de Neviani (1983, p. 88), essa decisão representaria uma “irreparável injustiça, mesmo que se aceitassem todos os demais argumentos apresentados contra a restituição”. E finaliza:

Ainda que se queira aceitar, para argumentar, que os tribunais recorram a conceitos financeiros ou econômicos como o da traslação dos tributos, não se pode aceitar que tais conceitos sejam aplicados com efeitos apenas parciais, para atender apenas à comodidade de raciocínio dos julgadores, mediante uma arbitrária simplificação de situações não simplificáveis.

Rulliere, da mesma forma, também questiona a classificação dos tributos feita a partir do critério econômico, enfatizando “a total incerteza de que os impostos diretos incidam efetiva e economicamente sobre o contribuinte legal e de que os chamados indiretos sejam automaticamente trasladados”, e ainda acrescenta que a não observância da fluidez inerente à traslação retira a “firmeza que se faz necessária para julgamentos baseados em critérios de certeza” (NEVIANI, 1983).

Machado Segundo (2011, p. 15-16) ressalta que o repasse do encargo tributário é, muitas vezes, impossível de ser comprovado na prática, e que “tudo dependerá da relação entre a elasticidade-preço da demanda e a elasticidade-preço da oferta, fatores que podem fazer com que um tributo incidente sobre o consumo onere economicamente o produtor ou o consumidor, pouco importando quem é seu contribuinte do ponto de vista jurídico”.

Ainda a respeito do critério econômico, em análise do que ocorre no caso concreto, Neviani (1983, p. 94-95) salienta de forma bastante esclarecedora:

(...) ou a traslação é (a) integral, e então o imposto seria considerado indireto, ou é (b) parcial e o mesmo imposto (qualquer que ele seja) seria simultaneamente direto e indireto, ou (c) é nula, e o mesmo imposto que, em outros momentos ou negócios ou situações, seria considerado indireto, passa a ser considerado direto. Não pode ter valor científico uma distinção que não resiste às contingências mais elementares.

Apesar de toda a discussão, Machado Segundo (online) orienta, em seu magistério, que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça normalmente considera como tributos indiretos o ICMS, o IPI e o ISS (com exceção do ISS-fixo), e salienta que “na verdade, devem-se considerar indiretos aqueles tributos que oneram fatos que, de rigor, revelam capacidade para contribuir por parte de pessoas diversas daquelas legalmente definidas como sujeito passivo, embora estas últimas participem igualmente de tais fatos”.

3.2 As partes da relação jurídico-tributária: sujeito ativo e sujeito passivo

A relação jurídico-tributária apresenta elementos subjetivos e objetivos. Entende-se por elemento objetivo ou material a própria prestação de natureza tributária. O presente tópico, entretanto, dará ênfase aos elementos subjetivos ou pessoais da obrigação tributária, compostos pelo sujeito ativo e o sujeito passivo.

3.2.1 Sujeito ativo

Nos termos do artigo 119 do Código Tributário Nacional, “sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público titular da competência para exigir o seu cumprimento”, sendo, portanto, “o titular do direito à prestação objeto da obrigação, podendo exigir o cumprimento da referida prestação pelo sujeito passivo” (XEREZ, 2003).

Esse artigo é alvo de muitas críticas, ocasionando divergências doutrinárias quanto à sua validade, uma vez que alguns autores defendem a possibilidade de pessoas jurídicas de direito privado, bem como as pessoas naturais figurarem como sujeitos ativos da obrigação tributária (MACHADO, 2006). Para Sacha Calmon (2008, p. 682), o dispositivo é insuficiente e “ignora a diferença entre a competência para legislar sobre relações jurídico-tributárias e a capacidade para lançar e receber tributos na qualidade de sujeito ativo da obrigação tributária”. Por conseguinte, faz-se, necessário, inicialmente, estabelecer a distinção entre competência tributária e capacidade tributária ativa.

 Paulo de Barros Carvalho (2012, p. 269) professa que “competência legislativa é a aptidão de que são dotadas as pessoas políticas para expedir regras jurídicas, inovando o ordenamento positivo. Opera-se pela observância de uma série de atos, cujo conjunto caracteriza o procedimento legislativo”. Mais esclarecedora ainda é a definição de Paulsen (2011, p. 657), para quem “a competência tributária é a parcela de poder conferida pela Constituição a cada ente político (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) para a instituição de tributos. Apenas os entes políticos, pois, são titulares de competência tributária”.

Importante ressaltar que, em consonância ao princípio da legalidade tributária disposto no artigo 150, I, da Constituição Federal, a competência tributária é atribuída exclusivamente às pessoas políticas, também denominadas de pessoas jurídicas de direito público, uma vez que estas são dotadas de poder legislativo (XEREZ, 2003).

Já a capacidade tributária ativa, na definição de Paulsen (2011, p. 657), é “a aptidão para ser colocado, por lei, na posição de sujeito ativo da relação tributária, ou seja, na posição de credor, com as prerrogativas que lhe são inerentes de fiscalizar o cumprimento das obrigações pelos contribuintes, lançar e cobrar os respectivos créditos tributários”.

Alguns outros aspectos costumam ser elencados quando da diferenciação entre competência tributária e capacidade tributária ativa. Dessa forma, tem-se que a primeira é determinada por meio de norma constitucional, é indelegável, bem como é atribuída tão-somente a pessoas jurídicas de direito público. Por outro lado, a segunda é definida pela lei que institui o tributo, com a identificação daquele que ocupará o polo ativo da relação obrigacional tributária, pode ser delegada, através de lei, a entidade diversa daquela que possui a competência tributária, assim como pode ser atribuída tanto para ente público como para ente privado (XEREZ, 2003).

Xerez (2003, p. 28) elucida que a maior parte das divergências doutrinárias relacionadas às características supramencionadas concentra-se no fato de que alguns autores entendem que “as hipóteses em que a lei estabelece o pagamento de tributo em favor de entidade distinta daquela dotada da competência tributária para instituí-lo correspondem a mera destinação do produto da arrecadação, permanecendo como sujeito ativo a entidade dotada de competência tributária”, ao passo que outros doutrinadores consideram que aquelas entidades delegadas para exigir o cumprimento da prestação obrigacional, embora não detenham competência tributária, podem assumir o polo ativo dessa relação.

Em defesa do primeiro posicionamento, Machado (2006, p. 157-159) escreveu:

O art. 119 do Código Tributário Nacional cuida da relação de tributação nesse estágio em que a mesma se apresenta como relação jurídica obrigacional. Cuida – digamos assim – da obrigação tributária, definindo seu sujeito ativo, que é o titular da competência para lançar e cobrar o tributo. (...) não há insuficiência na norma em questão por não admitir pessoas jurídicas de direito privado e até pessoas naturais como sujeitos ativos da obrigação tributária. (...) É certo que uma pessoa jurídica de direito privado pode receber a atribuição de arrecadar um tributo. E pode até ser destinatária do produto de sua arrecadação. Mesmo assim ela não pode ser qualificada como sujeito ativo da obrigação tributária, por lhe faltar a competência para exigir o seu cumprimento, no sentido em que esse exigir está empregado no art. 119 do Código Tributário Nacional. (...) Na verdade, a expressão “titular da competência para exigir o adimplemento da obrigação tributária” significa ter condições para promover a execução fiscal, que é o instrumento posto pela ordem jurídica à disposição do sujeito ativo da obrigação tributária para exigir seu cumprimento. (...) Assim, se por titular da competência para exigir o cumprimento da obrigação tributária entendemos a pessoa jurídica que tem condições de constituir o crédito, inscrevê-lo em Dívida Ativa e promover a execução fiscal correspondente, com certeza não podemos colocar nessa condição a pessoa jurídica de direito privado, nem a pessoa natural. Tais pessoas podem receber atribuições de arrecadar o tributo. Não, porém, de exigi-lo, nos termos aqui referidos.

Por sua vez, discordando desse entendimento, Luciano Amaro (2009, p. 293) defendeu que:

Partindo-se da ideia (correta, sem dúvida) de que o tributo, como prestação ex lege, só pode ser criado pelo Estado, chegou-se à conclusão (a nosso ver, inadequada) de que o sujeito ativo teria de ser sempre o próprio Estado. (...) Uma coisa é a competência tributária (aptidão para instituir o tributo) e outra é a capacidade tributária (aptidão para ser titular do polo ativo da obrigação), vale dizer, para figurar como credor na relação jurídica tributária. (...) O sujeito ativo é da obrigação tributária. Sua identificação deve ser buscada no liame jurídico em que a obrigação se traduz, e não na titularidade da competência para instituir o tributo.

Xerez (2003, p. 29) argumenta que a Carta Magna de 1988 possibilitou a “instituição de tributo cujo sujeito ativo seja distinto da entidade dotada de competência tributária para instituí-lo, ao prever as chamadas contribuições parafiscais, correspondentes às contribuições de seguridade social e contribuições de interesse de categoria profissional ou econômica”. As contribuições de seguridade social encontram-se na mesma situação, uma vez que, nas palavras do autor, “o sujeito ativo deverá ser a respectiva entidade federal, estadual ou municipal responsável pela administração da seguridade social”.

No mesmo sentido, Sacha Calmon (2008, p. 682) afirma que “o ente político investido da competência para legislar pode ser, ao mesmo tempo, o sujeito ativo da relação jurídica obrigacional. (...) Todavia, nem sempre é assim”. E segue exemplificando:

A competência para instituir contribuições sociais previdenciárias é da União Federal, mas a capacidade tributária ativa para exigi-las e recebê-las é da autarquia previdenciária responsável pela seguridade social, ente diverso, portanto, do que detém a competência legislativa, do que institui e, por isso, torna exigíveis ditas contribuições. (...) Não há, necessariamente, identidade entre a competência legislativa que institui o tributo e a capacidade para figurar no polo ativo da relação (ou obrigação) tributária.

Paulo de Barros Carvalho (2012, p. 369-370) tece severa crítica ao artigo 119 do CTN pelo fato de este dispositivo enunciar que o sujeito ativo da obrigação tributária deve ser pessoa jurídica de direito público:

O preceptivo suprime, descabidamente, gama enorme de possíveis sujeitos ativos, reduzindo o campo de eleição, única e tão somente, às pessoas jurídicas de direito público, portadoras de personalidade política. Estamos diante de uma formulação legal que briga com o sistema. Há mandamentos constitucionais que permitem às pessoas titulares de competência tributária a transferência da capacidade ativa, nomeando outro ente, público ou privado, para figurar na relação como sujeito ativo do vínculo. (...) Não é tarde para reconhecermos que o art. 119 do Código Tributário Nacional é letra morta no sistema do direito positivo brasileiro. Dele nada se aproveita, com exceção, naturalmente, de admitirmos a ponderação óbvia de que as pessoas titulares de competência para instituir tributos também podem ser sujeitos ativos.

Importante salientar que a atividade de mero recebimento das quantias provenientes do pagamento de tributos não se confunde com competência tributária ou capacidade tributária ativa. O sujeito ativo poderá atribuir essa atividade a pessoa distinta, como por exemplo, entidade bancária. Entretanto, esta não passará a ser sujeito ativo da relação tributária, uma vez que não possui “titularidade para exigir o cumprimento da prestação objeto da obrigação tributária no caso de seu inadimplemento” (XEREZ, 2003).

3.2.2 Sujeito passivo

Conforme preceitua o artigo 121 do Código Tributário Nacional, “sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária”, ao passo que o artigo 122 do mesmo Código enuncia que “sujeito passivo da obrigação acessória é a pessoa obrigada às prestações que constituam seu objeto”.

É válido recordar que as obrigações tributárias podem ser principais, quando tem por objeto o pagamento de tributo ou de penalidade pecuniária (multa), ou acessórias, cujo objeto são prestações de fazer ou deixar de fazer, com o intuito de colaborar com a arrecadação e a fiscalização dos tributos (MACHADO, 2006). 

Não há divergências quando se afirma que o sujeito passivo tanto pode ser pessoa natural quanto pessoa jurídica de natureza pública ou privada, dotadas de capacidade tributária passiva (CARVALHO, 2012).

A respeito da capacidade tributária passiva, o artigo 126 do CTN dispõe, em seus incisos, que, em relação às pessoas naturais, ela independe da capacidade civil ou de estarem sujeitas a “medidas que importem privação ou limitação do exercício de atividades civis, comerciais ou profissionais, ou da administração direta de seus bens ou negócios”. Já no que se refere às pessoas jurídicas, estas serão aptas para ocupar o polo passivo da obrigação tributária independentemente de estarem constituídas de forma regular, “bastando que configure uma unidade econômica ou profissional”.

Machado (2006, p. 167), em seu magistério, explica de modo esclarecedor:

As razões práticas que justificam essas regras sobre a capacidade tributária passiva são evidentes. Não fosse assim, muita gente alegaria incapacidade jurídica, decorrente de menoridade, desenvolvimento mental incompleto ou retardado, entre outros. Ou as pessoas jurídicas alegariam falta de arquivamento de seus atos constitutivos no Registro do Comércio, ou uma irregularidade qualquer, para fugirem às obrigações tributárias. Também no plano da lógica jurídica, justifica-se a regra do art. 126 do Código Tributário Nacional. É que a capacidade jurídica está ligada à questão da vontade como elemento formativo do vínculo jurídico obrigacional. Qualquer pessoa, para obrigar-se, há de ser juridicamente capaz. Ocorre que a vontade é irrelevante na formação do vínculo obrigacional tributário. Em sendo assim, não tem sentido a exigência da capacidade jurídica como condição para que alguém possa ser sujeito passivo desse tipo de obrigação.

O parágrafo único do artigo 121 do CTN traz as duas espécies de sujeito passivo da obrigação tributária. Dessa forma, será denominado contribuinte quando apresentar “relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador”, e será classificado como responsável quando “sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei”. Em atenção ao princípio da legalidade, caberá à lei instituidora do tributo o fornecimento de todos os elementos necessários para que seja identificado o sujeito passivo da obrigação tributária, na condição de contribuinte ou de responsável (XEREZ, 2003).

A primeira espécie de sujeito passivo analisada será a de contribuinte, também chamado de sujeito passivo direto. Nas palavras de Machado (2006, p. 161), “o sujeito passivo direto é aquele que tem relação de fato com o fato tributável, que é na verdade uma forma de manifestação de sua capacidade contributiva”. Consoante a explicação de Luciano Amaro (2009, p. 299-302):

Nessa pertinência lógica entre a situação e a pessoa, identificada pela associação do fato com o seu autor, ou seja, pela ligação entre a ação e o agente, é que estaria a “relação pessoal e direta” a que o Código Tributário Nacional se refere na identificação da figura do contribuinte. (...) Ao falar em relação pessoal, o que se pretendeu foi sublinhar a presença do contribuinte na situação que constitui o fato gerador. Ele deve participar pessoalmente do acontecimento fático que realiza o fato gerador. É claro que essa presença é jurídica e não necessariamente física (ou seja, o contribuinte pode relacionar-se com o fato gerador por intermédio de representante legal; o representante o faz presente). Ademais, quer o Código que essa relação seja direta. Em linguagem figurada, podemos dizer que o contribuinte há de ser o personagem de relevo no acontecimento, o personagem principal, e não mero coadjuvante. Ele deve ser identificado na pessoa em torno da qual giram os fatos.

Com relação a outra modalidade de sujeito passivo, o responsável tributário, também denominado de sujeito passivo indireto, Machado (2006, p. 162) asseverou que “por conveniência da Administração tributária, a lei pode atribuir o dever de pagar o tributo a outra pessoa, que não tenha relação de fato com o fato tributável, eliminando, ou não, esse dever do contribuinte”. Dessa forma, definiu responsável tributário como sendo “aquele que, sem ter relação direta de fato com o fato tributável, está, por força da lei, obrigado ao pagamento do tributo”.

Para Xerez (2003, p. 34), “a razão que motiva o legislador a indicar responsável no lugar da pessoa que normalmente ocuparia o polo passivo da obrigação tributária na condição de contribuinte é viabilizar a arrecadação de determinado tributo ou obter maior eficiência nesta”.

É imprescindível ressaltar, conforme ensinamento de Alexandre (2012, p. 277), que, embora o responsável tributário não apresente relação pessoal e direta com o fato gerador, “não pode ser um estranho ao fato, devendo necessariamente possuir um vínculo com a situação tipificada na lei como fato gerador do tributo. A conclusão decorre não só de uma concepção de lógica, mas de disposição expressa constante no art. 128 do CTN”. A existência desse vínculo indireto do responsável tributário com o fato gerador serve para justificar sua atribuição do dever de pagar o tributo, e, assim, o legislador não poderá fazer uma escolha arbitrária (XEREZ, 2003).

Machado (2006, p. 169-170), em seu magistério, arremata:

Com efeito, denomina-se responsável o sujeito passivo da obrigação tributária que, sem revestir a condição de contribuinte, vale dizer, sem ter relação pessoal e direta com o fato gerador respectivo, tem seu vínculo com a obrigação decorrente de dispositivo expresso da lei. Essa responsabilidade há de ser atribuída a quem tenha relação com o fato gerador, isto é, a pessoa vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação (CTN, art. 128). Não uma vinculação pessoal e direta, pois em assim sendo configurada está a condição de contribuinte. Mas é indispensável uma relação, uma vinculação, com o fato gerador para que alguém seja considerado responsável, vale dizer, sujeito passivo indireto.

A sujeição passiva indireta costuma, ainda, ser classificada pela doutrina em duas outras modalidades. A lei poderá indicar um responsável tributário para figurar no polo passivo da obrigação tributária por meio de substituição ou transferência. Na substituição, o responsável tributário será indicado pelo legislador desde o momento da definição da hipótese de incidência. Xerez (2003, p. 35) afirma que “nessa modalidade de sujeição passiva indireta, a lei, ignorando a pessoa que poderia ocupar o polo passivo da obrigação tributária na condição de contribuinte, indica pessoa distinta para ser o sujeito passivo da obrigação na qualidade de responsável”. Por sua vez, na transferência, apesar de haver a figura do contribuinte e este não ser ignorado, o legislador indicará o responsável tributário, que sozinho ou ao lado do contribuinte, terá o dever de pagar o tributo “tendo em vista eventos posteriores ao surgimento da obrigação tributária”, conforme ensinamento de Machado (2006, p. 162).

3.3 Contribuinte de fato X contribuinte de direito: legitimidade ativa ad causam e o fenômeno da repercussão tributária

Um tema deveras relevante, alvo de discussões doutrinárias e jurisprudenciais, é o de saber quem tem legitimidade ativa para ingressar com a ação de restituição de tributos, especialmente quando se trata dos tributos considerados indiretos.

O artigo 165 do Código Tributário Nacional enuncia que o pedido de restituição cabe ao “sujeito passivo, independentemente de prévio protesto”. Conforme analisado anteriormente, o artigo 121 do CTN prevê que o sujeito passivo, pessoa obrigada ao pagamento do tributo, tanto pode ser o contribuinte quanto o responsável tributário. Entretanto, muitas vezes, a identificação de quem realmente pagou o tributo, seja este considerado direto ou indireto, envolve uma maior complexidade, que será o objeto de estudo do presente tópico.

Com relação aos chamados “tributos indiretos”, o artigo 166 do CTN dispõe regras específicas, que, na prática, dificultam bastante a pretensão de ver restituído o tributo pago indevidamente, como será verificado no capítulo seguinte. Nos termos desse artigo, “a restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la”.

O primeiro ponto que merece atenção é compreender o que o legislador quis dizer com “tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro”. Sacha Calmon (2008, p. 816), esclarece que o artigo 166 do CTN

está se referindo a tributos que, pela sua constituição jurídica, são feitos para obrigatoriamente repercutir, casos do IPI e do ICMS, entre nós, idealizados para serem transferidos ao consumidor final. A natureza a que se refere o artigo é jurídica. A transferência é juridicamente possibilitada. A abrangência do art. 166, portanto, é limitada, e não ampla.

 O renomado doutrinador (2008, p. 815) enfatiza, ainda, a complexidade da “teoria da translação do ônus fiscal, bem estudada em seu aspecto econômico na Ciência das Finanças”, e ensina que “os financistas são unânimes na assertiva de que todos os tributos incidentes sobre as organizações econômicas, inclusive o imposto de renda e os patrimoniais, são trasladáveis mediante o mecanismo dos preços e dos contratos”. E conclui que, dependendo das condições de mercado, como, por exemplo, a concorrência, os custos fiscais podem ser absorvidos, em vez de repassados. Nesse caso, um tributo tipicamente indireto atuaria com as características de um típico tributo direto. 

No mesmo sentido, Machado Segundo (2010, p. 419) exemplifica:

Note-se que, mesmo entre os tributos, não há uma “espécie” cujo ônus possa ser repassado a terceiros, e outra em que isso não seja possível. Impostos considerados “indiretos”, como o ICMS e o IPI, podem eventualmente ser economicamente suportados apenas pelo vendedor, e não pelo comprador da mercadoria correspondente. Por outro lado, imposto como o IPTU, ou o Imposto de Renda, usualmente considerados “diretos”, são não raro repercutidos, a exemplo do que ocorre entre o médico autônomo e seu paciente (o médico “embute” o IRPF em seus honorários), e o locador e o locatário de um imóvel (o locador “transfere” o ônus do IPTU ao locatário).

Calmon (2008, p. 815-816) leciona que “existem dois tipos de translação ou, se preferir, de repercussão dos ônus fiscais, ou seja, dos encargos financeiros que os tributos representam”. São eles: repercussão jurídica e repercussão econômica.

Conforme ensinamento de Machado Segundo (2010, p. 420) a repercussão jurídica “ocorre quando normas jurídicas elegem como sujeito passivo pessoa distinta daquela que realiza o fato tributável, signo presuntivo de capacidade contributiva, e outorgam a esse sujeito passivo meios jurídicos de reter ou reaver da pessoa que realizou esse fato o tributo pago”, ao passo que ocorre repercussão econômica “quando o fato tributável (...) é realizado pelo próprio sujeito passivo, e inexiste instrumento jurídico que lhe outorgue o direito subjetivo de exigir de terceiro o tributo pago, sendo o seu “ressarcimento” feito de forma difusa, na negociação de valores de contratos que celebrar”. Paulo Roberto de Oliveira Lima (2001, p. 311) acrescenta que todos os tributos, independentemente de sua natureza, estão sujeitos à repercussão econômica.

Sacha Calmon (2008, p. 817) conclui que “tributos que repercutem economicamente, mas não são, pela sua natureza, construídos juridicamente para repercutir, estão livres da exigência do art. 166 do CTN”, portanto, a expressão “tributos que comportem, por sua natureza, transferência do encargo financeiro”, contida no referido artigo deverá ser interpretada como “tributos dotados de repercussão jurídica”.

Outro tema importante a ser analisado preliminarmente ao da legitimidade para pleitear a restituição do indébito tributário, e que está conectado ao fenômeno da repercussão, é a existência da figura do contribuinte de direito e do contribuinte de fato. Em linhas gerais, Carlos Valder do Nascimento (1997, p. 441) define simplificadamente:

O contribuinte de jure é o responsável pelo recolhimento da Fazenda Pública. O contribuinte de fato, segundo Gaze Assen Tufaile, “é o consumidor final que suporta o ônus e a quem o contribuinte de jure transfere o encargo, expressa ou implicitamente, na composição do preço da mercadoria”.

Porém, uma observação deve ser feita: nem sempre o contribuinte de fato coincide com o consumidor final. Nesse sentido, Tiziane Machado (2001, p. 426) escreveu:

É falsa a ideia de que sempre o consumidor final é o contribuinte de fato. Numa cadeia produtiva, são realizadas várias operações de industrialização e comercialização de um bem até chegar à pessoa situada na etapa final da circulação econômica. (...) Não necessariamente o encargo financeiro haverá de ser transferido para a etapa subsequente. Por razões diversas, como, por exemplo, a livre concorrência, as leis de mercado etc., o industrial ou o intermediário atacadista ou mesmo o varejista poderá deixar de repassar o custo financeiro do imposto incidente na operação em que seja contribuinte legal.

O contribuinte de direito corresponde a um dos tipos de sujeito passivo da obrigação tributária, juntamente com o responsável, conforme visto no artigo 121 do CTN, constituindo, portanto, um dos elementos da relação jurídico-tributária. Já o contribuinte de fato é aquele que, na maioria das vezes, suporta o ônus financeiro do tributo (MACHADO, 2006). Conclui-se que o contribuinte de fato, mesmo arcando com o pagamento do tributo, não faz parte dessa relação.

O artigo 165 do Código Tributário Nacional é claro ao enunciar que o direito à restituição do tributo pago indevidamente caberá tão-somente ao sujeito passivo. E, com relação aos tributos que repercutem juridicamente, o artigo 166 do CTN traz que será feita a restituição “a quem prove haver assumido referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la”. É exatamente nesse ponto que se encontra o maior obstáculo à restituição de tributos considerados indiretos, conforme será detalhadamente analisado no capítulo seguinte. Por enquanto basta compreender o ensinamento de Machado Segundo (2011, p. 36), que, didaticamente, assevera:

Quando o contribuinte de fato formula qualquer pretensão, relativamente ao tributo que lhe é economicamente repassado, o primeiro argumento levantado pela Fazenda, em sede de contestação, é a ilegitimidade ativa do contribuinte “de fato”. Afinal, diz-se, ele não tem nenhuma relação jurídica com o Estado, sendo a repercussão, por ele sofrida, meramente econômica.

Machado Segundo (2011, p. 36-37) relata que, inicialmente, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça era no sentido de que o contribuinte de fato também seria parte legítima para pleitear a repetição do tributo pago indevidamente. Porém, quando da consolidação desse entendimento em sede de recursos repetitivos, o STJ, de modo inesperado, o modificou radicalmente, e, com isso, o contribuinte de fato deixou de ter legitimidade ativa ad causam nas ações de restituição do indébito tributário, conforme se depreende da leitura do Recurso Especial nº 903.394/AL:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. IPI. RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO. DISTRIBUIDORAS DE BEBIDAS. CONTRIBUINTES DE FATO. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. SUJEIÇÃO PASSIVA APENAS DOS FABRICANTES (CONTRIBUINTES DE DIREITO). RELEVÂNCIA DA REPERCUSSÃO ECONÔMICA DO TRIBUTO APENAS PARA FINS DE CONDICIONAMENTO DO EXERCÍCIO DO DIREITO SUBJETIVO DO CONTRIBUINTE DE JURE À RESTITUIÇÃO (ARTIGO 166, DO CTN). LITISPENDÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282 E 356/STF. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. APLICAÇÃO.

1. O "contribuinte de fato" (in casu, distribuidora de bebida) não detém legitimidade ativa ad causam para pleitear a restituição do indébito relativo ao IPI incidente sobre os descontos incondicionais, recolhido pelo "contribuinte de direito" (fabricante de bebida), por não integrar a relação jurídica tributária pertinente.

(...)

7. À luz da própria interpretação histórica do artigo 166, do CTN, dessume-se que somente o contribuinte de direito tem legitimidade para integrar o polo ativo da ação judicial que objetiva a restituição do "tributo indireto" indevidamente recolhido (Gilberto Ulhôa Canto, "Repetição de Indébito", in Caderno de Pesquisas Tributárias, nº 8, p. 2-5, São Paulo, Resenha Tributária, 1983; e Marcelo Fortes de Cerqueira, in "Curso de Especialização em Direito Tributário - Estudos Analíticos em Homenagem a Paulo de Barros Carvalho", Coordenação de Eurico Marcos Diniz de Santi, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2007, págs. 390/393).

8. É que, na hipótese em que a repercussão econômica decorre da natureza da exação, "o terceiro que suporta com o ônus econômico do tributo não participa da relação jurídica tributária, razão suficiente para que se verifique a impossibilidade desse terceiro vir a integrar a relação consubstanciada na prerrogativa da repetição do indébito, não tendo, portanto, legitimidade processual" (Paulo de Barros Carvalho, in "Direito Tributário - Linguagem e Método", 2ª ed., São Paulo, 2008, Ed. Noeses, pág. 583).

(...)

13. Mutatis mutandis, é certo que: "(...) 2. A caracterização do chamado contribuinte de fato presta-se unicamente para impor uma condição à repetição de indébito pleiteada pelo contribuinte de direito, que repassa o ônus financeiro do tributo cujo fato gerador tenha realizado (art. 166 do CTN), mas não concede legitimidade ad causam para os consumidores ingressarem em juízo com vistas a discutir determinada relação jurídica da qual não façam parte. 3. Os contribuintes da exação são aqueles que colocam o produto em circulação ou prestam o serviço, concretizando, assim, a hipótese de incidência legalmente prevista. 4. Nos termos da Constituição e da LC 86/97, o consumo não é fato gerador do ICMS. 5. Declarada a ilegitimidade ativa dos consumidores para pleitear a repetição do ICMS." (RMS 24.532/AM, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 26.08.2008, DJe 25.09.2008)

14. Consequentemente, revela-se escorreito o entendimento exarado pelo acórdão regional no sentido de que "as empresas distribuidoras de bebidas, que se apresentam como contribuintes de fato do IPI, não detém legitimidade ativa para postular em juízo o creditamento relativo ao IPI pago pelos fabricantes, haja vista que somente os produtores industriais, como contribuintes de direito do imposto, possuem legitimidade ativa".

15. Recurso especial desprovido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008.

(REsp 903.394/AL, STJ, Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 24/06/2009).

Ives Gandra (apud Machado Segundo, 2011), em suas sábias palavras, assevera de modo pertinente que o contribuinte de fato, além de não encontrar arrimo no artigo 121 do CTN, “seria um ‘contribuinte castrado’, já que, teoricamente, seria o titular do direito, mas não o poderia exercer diretamente. Vale dizer, seria um contribuinte capaz de impedir a restituição do indébito, mas não um contribuinte capaz de repetir”.

Verifica-se, portanto que, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, apenas o contribuinte de direito tem legitimidade ativa ad causam para pleitear a restituição de tributos pagos indevidamente, uma vez que integra o polo passivo da relação jurídico-tributária.


4 rePETIÇÃO DE TRIBUTOS INDEVIDOS E ANÁLISE DA VIABILIDADE DA RESTITUIÇÃO DOS CHAMADOS “TRIBUTOS INDIRETOS”

4.1 Análise das hipóteses apresentadas no artigo 165 do Código Tributário Nacional

O artigo 165, caput, do Código Tributário Nacional enuncia que “o sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento”, conforme explanado anteriormente. O caput do referido artigo faz, ainda a ressalva de que “a perda ou destruição da estampilha, ou o erro no pagamento por esta modalidade, não dão direito a restituição, salvo nos casos expressamente previstos na legislação tributária, ou naquelas em que o erro seja imputável à autoridade administrativa”. Entretanto, atualmente, essa observação perdeu um pouco sua importância, uma vez que não são mais efetuados pagamentos com uso de estampilha. O dispositivo segue com os incisos que elencam as hipóteses de restituição dos tributos pagos indevidamente.

O inciso I do artigo 165 do CTN trata do caso em que houver “cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido”. Luciano Amaro (2009, p. 422) enfatiza que, independentemente de ter havido cobrança por parte do sujeito ativo ou de ter o sujeito passivo pago espontaneamente, a restituição é cabível quando houver pagamento indevido, pois, em síntese “o que, em qualquer situação, é necessário é o pagamento, sendo indiferente que tenha sido efetuado porque houve cobrança ou porque alguém, sem nenhuma ação do Fisco, procedeu ao recolhimento indevido a título de tributo”.

Dando continuidade à análise desse inciso, no tocante ao trecho que menciona “tributo indevido ou maior do que o devido”, Amaro (2009, p. 423) tece críticas à redação que o legislador deu ao dispositivo:

Ora, o que se repete não é “o tributo maior do que o devido”, mas somente a parte que exceda o valor devido, pois tal parte configura “tributo indevido”. Portanto, o que se pode repetir é sempre “tributo indevido”, inexistindo a alternativa prevista no dispositivo, nos termos em que ali está referida.

Luciano Amaro (2009, p. 423) considera desnecessária, também, a colocação simultânea das expressões “da legislação tributária aplicável” e “da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido”, uma vez que o legislador teria, nas duas alternativas, feito a mesma afirmação, apenas com pontos de vista distintos. Além disso, o autor reprova a qualificação dada ao fato gerador no final do inciso I, que usa a expressão “fato gerador efetivamente ocorrido”, conforme se verifica na seguinte análise:

Com efeito, o problema é sempre de subsunção: ou existe um fato que corresponda à hipótese de incidência, em face do que se efetuou corretamente o pagamento de tributo, ou tal fato inexiste (ou existe um fato, mas sem as características previstas na lei, o que dá na mesma), e, nessa circunstância, não se dá a subsunção, não há obrigação tributária, e o pagamento é indevido. Ademais, é imprópria a adjetivação dada pelo Código, ao se referir o fato gerador efetivamente ocorrido, pois o que na realidade poderá estar presente é um fato não gerador. Ou um fato gerador de tributo de valor menor do que o recolhido, o que, mais uma vez, se resolve na questão da subsunção do fato à norma. Aliás, também não é feliz a referência à legislação aplicável; o indébito pode ocorrer da errônea subsunção à legislação (ou seja, da aplicação de legislação inaplicável).

Carlos Valder do Nascimento (1997, p. 439) aborda a hipótese do inciso I do artigo 165 do CTN com foco na ocorrência de erros de direito e de fato. Para o referido autor, “a norma prevê, em primeiro plano, a restituição do indébito tributário decorrente de erro de direito”. Dessa forma, o dispositivo em análise trata da existência de ilegalidade, tendo em vista que “o tributo não guarda compatibilidade com a legislação pertinente, é inconstitucional sua cobrança, por isso que o contribuinte deve receber o que indevidamente foi recolhido”. Com o intuito de esclarecer ainda mais o assunto, o doutrinador orienta:

Segundo Plácido e Silva, em seu Vocabulário Jurídico, erro de direito “refere-se ao fato de alguém enganar-se a respeito da existência da regra jurídica, própria ao ato praticado, ou interpreta-la equivocadamente para aplicá-la falsamente ao ato a ser executado. O erro de direito, assim, não somente pode implicar o engano oriundo da falsa ideia, como pode consistir na ignorância da regra jurídica ou de sua exata interpretação, para ser aplicado ao fato concreto o ato a ser cumprido”.

Ricardo Lobo Torres (apud Nascimento, 1997) ressalta que, embora a restituição seja devida pelo fato de o pagamento não ter sido efetuado com base no princípio da legalidade, “a ação visa precipuamente restituir o contribuinte à sua anterior capacidade contributiva e não ao mero controle da legalidade formal dos atos da Administração”, uma vez que, injustamente, o contribuinte, ao arcar com o ônus do tributo indevido, sofreu redução patrimonial.

Carlos Valder do Nascimento (1997, p. 439) aponta, também, a caracterização da hipótese de erro de fato presente no inciso I do artigo 165 do CTN, “porque a situação de fato configurada na lei, pensada pelo contribuinte, não enseja o nascimento da obrigação tributária”, e apresenta uma definição do que seja erro de fato:

Marcos Cláudio Acquaviva ensina que o erro de fato é o “engano a respeito de uma circunstância material, e pode ser acidental ou essencial. Acidental é o erro quando incide sobre peculiaridade secundária do objeto, não sendo, pois, o motivo determinante do contrato. O erro essencial, também chamado substancial, enseja a nulidade do ato, pois ataca a substância ou essência deste, tendo sido seu próprio causador”.

Por sua vez, o inciso II do artigo 165 do CTN refere-se à hipótese de “erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento”. Preliminarmente, faz-se necessário esclarecer que, embora no texto oficial conste o termo “edificação”, sabe-se que o correto seria “identificação”, tendo havido, portanto, um equívoco (AMARO, 2009). O mesmo autor, ao comentar esse inciso, salienta que “se o valor recolhido foi maior do que o devido, ou se nada era devido, o indébito é restituível, independentemente de se demonstrar que houve erro de conta, ou de elaboração de documento, ou de leitura da lei”, julgando, portanto, prescindível a colocação de todos esses quesitos no inciso.

Nascimento (1997, p. 440) acrescenta que “o inciso II trata da restituição do indébito tributário com supedâneo em equívocos de natureza estritamente material”. O próprio inciso exemplifica algumas situações que configuram erro material, e, portanto, não carece de maiores cuidados ou esclarecimentos.

Por fim, o inciso III do artigo 165 do CTN aponta a situação de “reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória”. Para Amaro (2009, p. 423), o presente inciso é tão redundante quanto os dois primeiros, e defende que “a decisão que posteriormente modifique uma decisão anterior (em razão da qual fora feito o pagamento) estará precisamente declarando que o pagamento efetuado foi indevido (por algum motivo jurídico)”. Com base nesse pensamento, o inciso III do artigo 165 do CTN não representaria uma “hipótese autônoma que enseje a restituição”.

Valder do Nascimento (1997, p. 440) ressalta que “cuida o inciso III de decisão condenatória proferida pelo Poder Judiciário, nas hipóteses processuais de iniciativa dos sujeitos ativo e passivo da relação jurídico obrigacional”, e traz como exemplos “as ações de execução fiscal ou declaratórias de inexistência da dívida”.

Com relação a esse inciso, Hugo de Brito Machado (2006, p. 217) esclarece que “diz respeito aos casos em que o sujeito passivo pagou em face de decisão condenatória. Questionou e perdeu. Diante da decisão que o condenou ao pagamento, pagou. Mas continuou questionando e finalmente conseguiu o desfazimento daquela decisão”. O autor ressalta ainda que, embora o inciso faça menção a “reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória, (...) para efeitos práticos não importa a distinção entre esses diversos modos de desfazimento da decisão, pois conduzem ao mesmo resultado, que é o de ensejar a restituição do indébito”, e diferencia, didaticamente, cada expressão:

Há reforma quando o desfazimento se dá por decisão de órgão superior, com exame de mérito; anulação, quando apenas por vício formal; revogação, quando o próprio órgão prolator da decisão a modifica, em face de recurso que admita retratação; e, finalmente, há rescisão quando a decisão já havia transitada em julgado e é desfeita mediante ação rescisória.

4.2 Tributo indevido pode ser considerado tributo?

 A resposta a essa indagação é alvo de divergências doutrinárias. Luciano Amaro (2009, p. 424), por exemplo, entende que “em rigor, é inadequada a atribuição desta ou daquela natureza ao valor recolhido, pois, se se trata de indébito, aquilo que se recolheu não foi tributo, nem direto nem indireto”. Para o referido doutrinador, “o direito à restituição deriva do fato do pagamento indevido, independentemente da análise que se possa fazer acerca das características do tributo a cujo título (indevidamente) tenha sido feito o recolhimento”. Sob essa ótica, não haveria tributo indevido, mas apenas um valor recolhido indevidamente a título de tributo.

No mesmo sentido, Paulo Roberto de Oliveira Lima (2001, p. 318) argumenta:

Ora, se se trata de tributo indevido, não se pode falar em extinção do crédito tributário, pois que jamais houve crédito tributário. Também não se pode falar em lançamento e suas espécies, posto que de lançamento somente se cuidaria em existindo efetivamente tributo, e não é este o caso. O equívoco de se considerar o pagamento indevido como tributo é tão injustificado e gritante quanto comum.

Por outro lado, Hugo de Brito Machado (2001, p. 20-21), em defesa de que tributo indevido é, realmente, tributo, assevera:

O argumento segundo o qual o pagamento de tributo indevido deve ser tratado inteiramente fora da relação tributária é inconsistente. Na verdade, quem paga tributo indevido está pagando tributo, embora indevido. É que somente a análise da relação tributária pode permitir a definição do que é devido, e do que é indevido, a título de tributo. O ser indevido, portanto, não afasta a qualificação tributária exatamente porque só em face da relação tributária se pode afirmar sua existência, vale dizer, a existência do indébito tributário. (...) O pagamento feito a título de tributo, ainda que seja indevido não perde a natureza tributária, posto que somente em face da lei tributária é que se pode afirmar ser o mesmo indevido. Da mesma forma que o ser jurídico não quer dizer ser lícito, o ser tributário não quer dizer ser conforme a lei tributária. O ilícito é jurídico porque o ser lícito, ou ilícito, é uma qualidade inerente àquilo que é jurídico. É uma qualidade atribuída pelo Direito. Do mesmo modo, ser o tributo devido, ou indevido, é qualidade inerente àquilo que é tributo. É uma qualidade atribuída pelo Direito Tributário.

Em consonância com o entendimento de que tributo indevido possui natureza tributária, Paulo de Barros Carvalho (2012, p. 534-535) preceitua:

A importância recolhida a título de tributo pode ser indevida, tanto por exceder ao montante da dívida real quanto por inexistir dever jurídico de índole tributária. Surge, então, a controvertida figura do tributo indevido, que muitos entendem não ser verdadeiramente tributo, correspondendo a mera prestação de fato. Não pensamos assim. As quantias exigidas pelo Estado, no exercício de sua função impositiva, ou espontaneamente pagas pelo administrado, na convicção de solver um débito fiscal, tem a fisionomia própria das entidades tributárias, encaixando-se bem na definição do art. 3º do Código Tributário Nacional. A contingência de virem a ser devolvidas pelo Poder Público não as descaracteriza como tributo e para isso é que existem os sucessivos controles de legalidade que a Administração exerce e dos quais também participa o sujeito passivo, tomando a iniciativa ao supor descabido o que lhe foi cobrado, ou postulando a devolução daquilo que pagara indebitamente. Não sendo suficiente o procedimento administrativo que para esse fim se instale, terá o interessado acesso ao Poder Judiciário, onde poderá deduzir, com os recursos inerentes ao processo judicial, todos os argumentos e provas que deem substância aos seus direitos.

Machado Segundo (2010, p. 418) também defende a natureza tributária do tributo indevido, e destaca uma importante lição de Pontes de Miranda, ao afirmar que, embora o tributo indevido ingresse nulamente no mundo jurídico e, devido a esse “vício verificado na juridicização do suporte fático” seja dele retirado, a natureza do tributo indevido não se altera, uma vez que apenas sua validade resta prejudicada, e não sua existência.

Xerez (2003, p. 72) ressalta que, realizando uma interpretação sistemática das normas previstas no Código Tributário Nacional e relacionadas à restituição do indébito, verifica-se claramente que o legislador também considerou que o tributo indevido é tributo, e não apenas na denominação, mas em sua própria natureza. O artigo 165 do CTN, que introduz o tema, ao dispor que “o sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade de seu pagamento”, utiliza o termo “tributo”, e não a expressão “quantia paga a título de tributo”.

Dando continuidade ao raciocínio de Xerez (2003, p. 72-73), tem-se que o artigo 166 do CTN corrobora o entendimento de que tributo indevido é tributo, ao enunciar que “a restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido referido encargo, ou no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la”. Dois motivos embasam essa conclusão: 1) o dispositivo faz menção à “restituição de tributos”; e 2) trata da “sujeição ativa da obrigação de repetição do tributo indevido dotado de repercussão jurídica”. Se o tributo indevido não fosse tributo, não haveria motivo para dar importância à repercussão do ônus tributário. Do mesmo modo, o artigo 167 do CTN refere-se a “restituição total ou parcial do tributo”.

Xerez (2003, p. 73) destaca que a evidência mais explícita de que o legislador conferiu ao tributo indevido a natureza tributária encontra-se no inciso I do artigo 168 do CTN. Essa observação se deve ao fato de que o referido dispositivo trata da hipótese em que o direito de pleitear a restituição finda com o decurso de 5 (cinco) anos contados a partir “da data da extinção do crédito tributário”. Por se referir a “crédito tributário”, constata-se que, realmente, o tributo indevido tem natureza de tributo. Conforme ensinamento de Machado (2001, p. 20-21):

Fala-se de extinção do crédito tributário, posto que assim está escrito, literalmente, no art. 168 do CTN. E com razão. (...) Como tudo que acontece no mundo jurídico, também o lançamento pode ser feito devida, ou indevidamente. E mesmo sendo feito indevidamente, ele constitui o crédito tributário, que é entidade formal, distinta da obrigação tributária, esta sim somente existente se e quando ocorre o fato gerador respectivo.

Portanto, o tributo indevido está sujeito ao “lançamento enquanto ato formal de constituição do crédito tributário”. Se o tributo indevido não fosse tributo, finaliza Xerez (2003, p. 73-74), “não haveria o que se falar na respectiva ‘extinção do crédito tributário’, conforme o faz o mencionado art. 168 do CTN”.

Conforme verificado, o Código Tributário Nacional, nos artigos referentes à restituição do indébito, deixa claro que tributo indevido tem natureza de tributo, ressaltando, nas palavras de Xerez (2003, p. 74), “características dos tributos indevidos que são próprias de tributo, tais como a possibilidade de repercussão jurídica do ônus do tributo ou a constituição de crédito tributário”. Isso revela a incongruência do entendimento daqueles que, embora reconheçam a validade desses artigos, negam a natureza jurídica de tributo ao tributo indevido.

Segundo Xerez (2003, p. 74), os defensores de que tributo indevido não é tributo utilizam, em geral, dois argumentos: 1) reconhecer natureza tributária ao tributo indevido seria uma violação ao princípio da legalidade; e 2) por não ser receita pública, tributo indevido não poderia ser tributo.

Com relação ao primeiro argumento, Xerez (2003, p. 74-75) tece a seguinte explicação preliminar:

Aqueles que afirmam que o tributo indevido não é tributo em face do princípio da legalidade tributária, incorrem no erro de colocar como característica ínsita ao tributo ser objeto da prestação de uma relação jurídico-tributária válida, ou seja, de uma obrigação tributária. O tributo, seja ele devido ou indevido, corresponde a objeto da prestação de uma relação jurídico-tributária. Referida relação pode ser válida ou inválida conforme se constitua em conformidade ou não com o ordenamento jurídico. Se tal relação for válida, corresponderá a uma obrigação tributária, sendo o tributo devido. Caso contrário, ou seja, se a relação jurídico-tributária for inválida, o tributo será indevido.

E conclui afirmando que “em face do referido princípio constitucional, o tributo instituído por norma jurídica que não corresponda a lei em sentido estrito será um tributo indevido, por não corresponder ao objeto de uma relação jurídico-tributária válida, mas nem por isso, deixará de ser tributo”.

Já a respeito do segundo argumento, Xerez (2003, p. 75) afirma que, “de fato, o tributo indevido não pode ser considerado como ingresso definitivo de recursos nos cofres públicos tendo em vista que o seu pagamento gera o dever de repetição dos valores indevidamente arrecadados”, e, portanto, não consiste em receita pública. Entretanto, não é pelo fato de ser restituível que o tributo deixará de ser tributo. O próprio artigo 3º do CTN, que dispõe sobre a definição de tributo, não traz como característica essencial do tributo que ele seja receita pública. Além disso, o artigo 4º, II, do CTN enuncia que, salvo as exceções constitucionais, a destinação legal do produto da arrecadação dos tributos é irrelevante para qualificar a “natureza jurídica específica do tributo”. Por fim, Xerez (2003, p. 75) exemplifica de modo a não restarem dúvidas: “Aliás, o empréstimo compulsório, uma das espécies tributárias previstas constitucionalmente, tem por uma de suas características ser restituível ao contribuinte”, demonstrando que não há incompatibilidade entre o fato de ser restituível e o de ser tributo.

4.3 A aparente contradição entre as Súmulas 71 e 546 do Supremo Tribunal Federal

De acordo com a análise histórica e o ensinamento de Machado Segundo (2011, p. 25), em época anterior à edição do Código Tributário Nacional (Lei 5.172, de 1966), o entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal era no sentido de que não deveria haver restituição de tributos indiretos. Em dezembro de 1963, esse posicionamento foi cristalizado na Súmula 71 do STF, que dispõe: “embora pago indevidamente, não cabe restituição de tributo indireto”. O referido autor explica, ainda, que o teor dessa Súmula “parte da premissa de que o tributo indireto representa ônus sempre repassado do contribuinte ‘de direito’ ao consumidor final (contribuinte ‘de fato’)”, e, por esse motivo, possibilitar a restituição do tributo pago indevidamente resultaria em enriquecimento sem causa do contribuinte de direito, já que este não sofreu o prejuízo cuja reparação seria pleiteada na ação de restituição.

Conforme já explanado no capítulo referente aos princípios que embasam o direito à restituição do indébito, Machado Segundo (2011, p. 25) menciona que, à época da edição da Súmula 71 do STF, havia o entendimento de que, em virtude de o Estado atuar com interesse na coletividade, seria preferível o locupletamento sem causa da Fazenda Pública ao do contribuinte de direito. No mesmo sentido, Mörschbächer (2001, p. 254) aduz que “a Suprema Corte, ao criar o verbete número 71 de sua Súmula (...), parece ter orientado a jurisprudência (...) segundo a tese da Fazenda Nacional, para negar, ao contribuinte ex lege, em qualquer situação, a restituição de tributos indevidos classificados como indiretos”.

Machado Segundo (2011, p. 26) menciona o estudo detalhado feito por Brandão Machado com o intuito de identificar a origem, no âmbito das decisões proferidas pela Corte Suprema, do argumento favorável ao enriquecimento sem causa do Estado. Verificou-se que, já no ano de 1900, esse argumento foi apresentado pela Fazenda, porém, rejeitado pelo STF. Poucos anos depois, em 1905, devido a “forte influência do direito privado à época, e do ainda primitivo estágio em que se encontrava o estudo do Direito Público e do Direito Tributário”, a ideia de que o locupletamento sem causa da Fazenda era aceitável foi acolhida pelo Supremo Tribunal Federal. Para Machado Segundo (2011, p. 26), “a questão (...) não é de empobrecimento ou não do contribuinte de direito, mas de se permitir a subsistência de uma tributação incompatível com o ordenamento jurídico, notadamente com as disposições constitucionais que limitam o poder de tributar”.

Após o pontual acolhimento em 1905, como destaca Machado Segundo (2011, p. 26), o STF voltou a defender o posicionamento de antes, ou seja, de que “a possível transferência econômica do ônus do tributo não é razão para se indeferir a sua restituição ao contribuinte, quando pago indevidamente”. Novamente, houve a alternância do entendimento a partir da década de 1950, quando “o argumento da ‘repercussão’ dos tributos indiretos como causa para sua não restituição voltou a ser acolhido”. A respeito de toda essa mudança de entendimento no STF, Brandão Machado (apud Machado Segundo, 2011) orienta que se deve a dois fatores:

De um lado, a insistência com que a Fazenda Pública, no puro interesse da arrecadação, defendeu e ainda defende a tese, que ela mesma criou, da irrepetibilidade do imposto indireto, porque repercutível, tese que se elaborou já no fim do século passado [século XIX], com apoio nas ideias correntes nos tratados de Ciência das Finanças; e, de outro lado, a falta de qualquer literatura de direito tributário ou mesmo financeiro, omissão evidentemente imputável à falta de uma cadeira da matéria no currículo universitário, forçando o autodidatismo do jurista a orientar o seu preparo segundo os institutos e conceitos do direito privado, de permeio com noções tomadas à Ciência das Finanças e Economia Política.

Neviani (1983, p. 39) caracteriza o enunciado da Súmula 71 do STF como “genérico e seco”, e afirma que seu conteúdo foi responsável por inúmeros erros judiciários, “chegando muitos processos a serem trancados até mesmo em primeira instância pelo simples fato de o imposto, indevidamente pago e devidamente repetendo, ser daqueles considerados indiretos”. O autor tece, merecidamente, severa crítica à referida Súmula:

O exame atento de uma série de julgados indica que a Súmula foi invocada a torto e a direito, muitas vezes até mesmo sem se atentar para as provas dos autos. Muitas vezes, apenas em nome dela, a Súmula, já se negou justiça a contribuintes diligentes e repetentes de tributos considerados indiretos, apenas porque o tributo a título do qual o pagamento indevido fora feito foi considerado indireto. Como se fosse estigma indelével: se o contribuinte tiver pago indevidamente um tributo considerado indireto, azar o dele, que pagou. Quem mandou pagar? Nada de restituição. O Estado que se farte de arrecadar tributos indevidos, desde que indiretos, que o seu atentado à ordem constitucional ficará certamente impune e sem consequencia, porque, afinal, o rótulo “indireto” desses tributos confere ao Estado abusado imunidade contra o princípio constitucional da estrita legalidade dos tributos.

Amaral Junior (2006, p. 130), em memória jurisprudencial, afirma que o Ministro Aliomar Baleeiro, “em diversos julgados, ao aplicar a Súmula n. 71 do STF, (...) manifestou desconforto em relação à regra da não-repetição de tributo indireto”. No RE 45.977 ES, julgado em 27 de setembro de 1966, o Relator, Ministro Aliomar Baleeiro registrou:

Mas não se pode negar a nocividade do ponto de vista ético e pragmático duma interpretação que encoraja o Estado mantenedor do direito a praticar, sistematicamente, inconstitucionalidades e ilegalidades na certeza de que não será obrigado a restituir o proveito da turpitude de seus agentes e órgãos. Nada pode haver de mais contrário ao progresso do Direito e à realização da idéia-força da Justiça.

Neviani (1983, p. 43) ressalta que “as súmulas foram instituídas para tornar mais expedito o andamento dos feitos na Corte Suprema e para evitar que muitos casos lá fossem ter. Sem dúvida, mas nada disso se legitima se for à custa da Justiça”. Sendo assim, a existência da súmula não tem o propósito de proibir que a Suprema Corte examine os casos com profundidade.

O Ministro Aliomar Baleeiro, conforme enfatiza Neviani (1983, p. 43-44), teve grande destaque na “quebra do absolutismo da Súmula 71 do STF”, vencendo o “imobilismo formalista de alguns de seus pares”, ao perceber “um dos casos extremados em que a translação do ônus financeiro do imposto seria impossível”. No mesmo sentido, Amaral Junior (2006, p. 130) enuncia uma crítica feita por Baleeiro à jurisprudência do STF:

À falta de um conceito legal, que seria obrigatório ainda que oposto à evidência da realidade dos fatos, o Supremo Tribunal Federal inclina-se a conceitos econômico-financeiros baseados no fenômeno da incidência e da repercussão dos tributos indiretos, no pressuposto errôneo, data venia, de que, sempre, eles comportam transferência do ônus do contribuinte de iure para o contribuinte de facto. Então, haveria locupletamento indébito daquele às expensas deste, motivo pelo qual deveria ser recusada a repetição. É o suporte pretendidamente lógico da Súmula 71.

Foi devido a essa observação, como bem ressalta Machado Segundo (2011, p. 27), de que “em determinadas situações mesmo o tributo classificado como indireto não tem seu ônus transferido ao consumidor final (contribuinte de fato)”, que o Supremo Tribunal Federal, aperfeiçoando a Súmula 71, editou, em outubro de 1969, a Súmula 546, com os seguintes dizeres: “Cabe a restituição do tributo pago indevidamente, quando reconhecido por decisão, que o contribuinte de jure não recuperou do contribuinte de facto o quantum respectivo”.

Percebe-se que o conteúdo desta Súmula tem conteúdo similar ao do artigo 166 do CTN. Machado Segundo (2012, p. 232) esclarece, porém, que esse artigo é “posterior ao entendimento cristalizado nas aludidas súmulas, podendo-se dizer que é uma consequência delas”. E explica que, apesar de elas terem sido publicadas em momento posterior ao Código Tributário Nacional, “os julgados que deram origem à sua edição começaram a surgir pelo menos vinte anos antes”.

Ainda realçando a importância que teve Baleeiro na percepção das limitações impostas pela Súmula 71 do STF, Neviani (1983, p. 44) menciona:

Graças à competência e descortino do Ministro Aliomar Baleeiro, começaram a aparecer sinais de que a Súmula n. 71 deveria ser aplicada cum grano salis, isto é, fazendo distinções casuísticas de ter sido, ou não, possível a traslação do tributo repetendo, de ela ter factualmente ocorrido, ou não. Não que a jurisprudência se tenha inclinado ao exame aprofundado ou deliberado de todas as variáveis que, em todo caso, poderiam estar em jogo, mas, pelo menos, houve sinais de que seria no mínimo grosseiro aplicar-se a Súmula n. 71 em sua brutal singeleza.

A Súmula 71 do STF não foi cancelada, porém, não é mais aplicada. Na verdade, “seu conteúdo apenas foi ‘esclarecido’ pela Súmula 546”, conforme salientou Machado Segundo (2012, p. 232). Paulo de Barros Carvalho (2012, p. 536) afirma que ela está “ultrapassada, e a 546 guarda sintonia com o mandamento do art. 166”. Para Dejalma de Campos (2001, p. 117), a Súmula 71 foi aperfeiçoada pela Súmula 546, e, de fato, esta trouxe um quesito que, em tese, possibilita a restituição do tributo pago indevidamente.

Neviani (1983, p. 45-47), na mesma toada, afirma que “a Súmula n. 546 abrandou um pouco o rigor da antecedente”, que detinha “preconceituosa rigidez e kafkianos efeitos”, mas salienta que a nova Súmula não pode ser considerada “como solução perfeita ou desejável, mas apenas como uma abertura, uma indicação de luz no fim do túnel da traslação tributária por que a jurisprudência brasileira (...) enveredou em matéria de repetição de tributos indevidos”, e faz uma relevante observação:

Em que pesem os benefícios que a Súmula, como instituição, possa trazer à administração judiciária, não é possível deixar de considerar que o seu uso desprovido de um disciplinamento crítico envolve riscos enormes de imobilizar, submetendo- a indesejável obscurantismo, o Poder Judiciário, tirando-lhe uma das características mais importantes e essenciais, qual seja a da dinâmica da manifestação da Justiça, a capacidade de fazer do Direito algo vivo, para seres vivos, para uma sociedade de seres vivos e inteligentes. Fórmulas sintéticas como aquelas adotadas pelas súmulas podem ser muito cômodas e úteis. Mas podem tornar-se cômodas demais e constituir-se num desserviço à comunidade jurisdicionada, quando a súmula é aplicada sem o necessário disciplinamento crítico e sem a necessária abertura intelectual e disposição de examinar a fundo cada caso submetido ao crivo judiciário.

Vittorio Cassone (2001, p. 453) assevera que “o entendimento da Súmula 546 vem sendo mantido pelo STF, e pelo STJ também, embora por vezes a dificuldade consista em se saber se efetivamente ocorre o fenômeno da translação neste ou naquele tributo ou contribuição”.

A coexistência das duas Súmulas, uma negando e a outra permitindo a restituição do tributo indireto, embora possa parecer estranha, não é uma contradição, uma vez que as Súmulas foram editadas em épocas diferentes, e a Súmula 71 do STF, embora não tenha sido cancelada, não é mais aplicada. Aliás, esta Súmula teve grande importância para aflorar o espírito observador e analista de grandes juristas, como Baleeiro, culminando na edição da Súmula 546 do STF, que, embora ainda apresente limitações, já representa um avanço considerável no campo das discussões a respeito dos tributos indiretos.

4.4 Peculiaridades do artigo 166 do CTN – requisitos para a restituição dos tributos indiretos

O artigo 166 do Código Tributário Nacional trata especificamente da restituição dos tributos considerados indiretos, e assim dispõe: “A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la”.

Preliminarmente, é interessante saber qual a provável origem ou inspiração desse artigo. Neviani (1983, p. 228) questiona como é possível o artigo 166 do CTN sofrer tantas críticas e ter sua constitucionalidade posta em discussão se a Comissão que elaborou o Código Tributário Nacional era “composta de juristas da maior estatura técnica e moral, além de pessoas de outras profissões”. O autor relata que, ao realizar sua pesquisa na documentação com a qual trabalhou a referida Comissão, verificou que “a elaboração do artigo 166, da Lei n. 5.172/66, teria por inspiração básica o artigo 38 de um anteprojeto de código fiscal para a Argentina, elaborado em 1942, por Giuliani Fonrouge”.

Conforme explicação de Neviani (1983, p. 229), Fonrouge inspirou-se no “Revenue Act”, editado em 1936, nos Estados Unidos, segundo o qual, para as ações de repetição especificamente dos impostos criados pelo “Agricultural Adjustment Act”, deveria ser provado que o contribuinte “suportou o ônus financeiro do tributo e que não se havia compensado ou reembolsado dele, nem, direta ou indiretamente, havia trasladado tal ônus”. Essa regra, portanto, como bem observa Neviani (1983, p. 229-230), foi elaborada para ter sua aplicação “tão somente no estreito âmbito dos impostos criados pelo ‘Agricultural Adjustment Act’ americano e não para quaisquer outros impostos ou para todos os tributos”, e chega à conclusão de que “na origem, uma norma excepcional, criticável, mas essencialmente excepcional. Já Fonrouge, no seu anteprojeto, cometeu erro lógico ao tentar generalizar a aplicação dessa norma excepcional a todos os tributos, e acabou legislando pela exceção”.

Essa é a provável origem do artigo 166 do CTN, apontada por Neviani (1983, p. 230), e que “resultou distorcida porque ampliada para um campo de aplicação que o legislador do ‘Revenue Act’ jamais suspeitaria”, implicando em uma generalização equivocada.

Ainda em relação à Comissão que elaborou o Código Tributário Nacional, Neviani (1983, p. 230-231) salienta que “estavam sendo preparados dois textos de Anteprojetos, que se complementariam: o referido anteprojeto e o Anteprojeto da Lei Orgânica do Processo Tributário, este último da lavra de Gilberto de Ulhôa Canto”. Por algum motivo, o anteprojeto de Ulhôa Canto “depois de enviado às autoridades que o solicitaram, perdeu-se nos escaninhos insondáveis das repartições e não chegou a ser enviado ao Congresso”. Em seu artigo 117, o tema da restituição estava tratado nos seguintes termos:

Art. 117 – É parte legítima para pleitear a repetição, o sujeito passivo da obrigação tributária ou o infrator que tiver pago penalidade, ainda que o efetivo encargo financeiro tenha sido transferido a outrem. Quem provar a transferência, disporá de ação regressiva contra o sujeito passivo reembolsado, ou poderá integrar a lide como assistente, e requerer ao juiz que a restituição lhe seja feita.

Neviani (1983, p. 232) argumenta que, provavelmente, em virtude da farta jurisprudência com entendimento contrário ao do supracitado artigo do Anteprojeto, e buscando uma “tentativa de conciliação de opiniões dentro da comissão elaboradora do Código Tributário Nacional, a matéria foi reformulada”, originando o texto que, atualmente, encontra-se disposto no artigo 166 do CTN, e, sabiamente, tece a seguinte crítica:

Ressalvada a autoridade científica do autor do Anteprojeto de lei adjetiva, que na sua primitiva redação optara por solução cientificamente defensável e justa porque não criava privilégio adicional para o erário, cumpre reconhecer que melhor fora manter as ideias do mencionado artigo 117 do anteprojeto. A emenda (o artigo 166 do CTN) deteriorou o bom soneto. Tenho para mim que o artigo 166 é uma distorção no excelente sistema jurídico-tributário inaugurado pelo CTN. A sua aplicação deu e dará margem a todo tipo de incertezas e de iniquidades, só fazendo diminuir ainda mais os casos de restituição concedida.

Feita essa abordagem histórica, o foco, a partir de agora, se concentra nos requisitos que o artigo 166 do CTN trouxe para restituição dos tributos indiretos: o contribuinte repetente do indébito deverá provar que suportou o encargo financeiro, ou, se o tiver repassado, que apresente autorização do terceiro que suportou o referido encargo, que, no caso, é o contribuinte de fato.

Machado Segundo (2012, p. 229) afirma que “é conhecido o obstáculo criado pela Fazenda Pública para a restituição de tributos indiretos”. O Fisco presume que o contribuinte de direito sempre repassa o ônus do tributo, embutindo o valor no preço da mercadoria. Entretanto, essa translação nem sempre ocorre. Ainda com base na alegação Fazendária, caso ocorra, indevidamente, pagamento de tributo, restituir o contribuinte resultaria em locupletamento sem causa, uma vez que este já teria reembolsado, no momento do repasse, o tributo pago. Dessa forma, mesmo que o tributo fosse reconhecidamente indevido, não poderia haver restituição. Ocorre que, nessa última situação, haveria enriquecimento sem causa do Fisco, o que, em respeito ao princípio da isonomia, não é aceitável.

Para Tarcísio Neviani (1983, p. 233-234), a prova de que não houve repasse do ônus do tributo “se esgota com a exibição do recibo ou comprovante de pagamento do tributo indevido”. Em crítica feita ao artigo 166 do CTN, o doutrinador defende que “a transferência do ônus financeiro a terceiro (...) não pode ser admitida como matéria de defesa do erário”, e explica:

Quem paga suporta, com exclusividade, o ônus financeiro do montante pago. Quem paga tributo indevido, obviamente lhe suporta o ônus financeiro, quer o contribuinte consiga, quer não consiga, transferir a terceiro o ônus econômico do tributo indevidamente pago. Por sua vez, a transferência deste ônus a terceiro é fato estranho à relação jurídico-tributária, e é fato não considerado pelo artigo 4 do Código Tributário Nacional como caracterizador da natureza jurídica do tributo.

Ao mesmo tempo, defende o autor que, se a Fazenda quiser se opor à restituição do indébito utilizando o argumento de que ocorreu a transferência do ônus econômico, que caiba a ela produzir essa prova, para que não haja “quebra de todos os princípios de justiça, a criação de novo e odioso privilégio para a Fazenda Pública que, devendo provar em sua defesa, pretende, absurdamente, que a prova seja feita por aquele a quem não aproveita”.

Na mesma toada, Machado Segundo (2012, p. 231) ressalta que “em princípio, o ônus de provar a ocorrência da repercussão, se pertinente a sua invocação, seria da Fazenda, e não do autor da ação, a teor do que didaticamente dispõe o art. 333, I, do CPC”. Em sua obra “Repetição do Tributo Indireto: incoerências e contradições”, Machado Segundo (2011, p. 35) orienta que “essa prova, difícil, poderia em tese ser feita por meio de perícia, que apure a ausência de influência do ônus tributário sobre a formação do preço”.

Com relação ao segundo requisito positivado no artigo 166 do CTN, nas palavras de Neviani (1983, p. 234), “abandona os pressupostos científicos do Direito Tributário quando exige que o repetente se faça autorizar pelo terceiro a quem o ônus financeiro do tributo teria sido transferido para repetir o indébito”. A crítica se deve ao fato de que se estaria inserindo, forçosamente, um estranho na relação jurídico-tributária, pois a restituição do tributo indevido ficaria na dependência da autorização concedida pelo terceiro. O autor induz à reflexão com o seguinte questionamento:

Se um contribuinte de imposto tido como indireto (cujo ônus, portanto, se presume, embora erroneamente, transferível a terceiro) deixa de pagar o tributo, a Fazenda Pública vai cobrar o que lhe é devido desse terceiro? É claro que não, pois ele não é contribuinte, e a lei não permite à Fazenda Pública cobrar tributo de quem não o deva. Mas, pela malfadada presumida translação, o ônus financeiro desse tributo não recairia sobre esse terceiro? Sim. Mas se, apesar disto, o terceiro não pode ser sujeito passivo do tributo e, portanto, não faz parte da relação jurídico-tributária, como, sem arranhar profundamente a sistemática do Direito Tributário, atribuir qualidade a esse terceiro para "autorizar" o contribuinte legal que pagou o indevido a repetir? Não há lógica nisto.

Deveras relevante também é a observação feita por Machado Segundo (2011, p. 35) quanto à segunda alternativa proposta pelo artigo 166 do CTN. O autor ressalta a dificuldade que o contribuinte de direito teria para conseguir dos contribuintes de fato a autorização para requerer a repetição do indébito tributário, pois “tendo em vista a impossibilidade de identificar e localizar número tão grande de consumidores, notadamente no caso de venda a consumidor final documentada por cupom fiscal simplificado, essa alternativa torna-se, na prática, inviável”.

Complementando, Neviani (1983, p. 89) analisa que, mesmo que fossem identificados os contribuintes de fato, também seria bastante difícil comprovar que foram eles quem, realmente, suportaram o ônus do tributo. Com isso, “instaura-se, pois, um círculo vicioso, de sorte que, a prevalecerem os critérios jurisprudenciais correntes, quase nunca o Erário será obrigado a restituir o que indevidamente recebeu e estarão legitimados todos e quaisquer abusos do poder tributante”.

Verifica-se, portanto, que, embora o contribuinte de direito tenha legitimidade para pleitear a restituição do indébito tributário, dificilmente obterá êxito, tendo em vista os óbices criados pela Fazenda Pública e endossados pela atual jurisprudência. Machado Segundo (2011, p. 35) evidenciando a incoerência com a qual é tratado o tema da repetição de tributos indiretos, examina, por sua vez, o tratamento conferido ao contribuinte de fato e questiona de forma esclarecedora e instigante:

Afinal, se o “de direito” não pode pleitear a restituição porque quem teria sofrido o ônus seria, na verdade, o contribuinte “de fato”, poderia este, em nome próprio, pleitear tal devolução? Ou, por outras palavras, se a repercussão do ônus financeiro tem relevância jurídica suficiente para suprimir direitos do contribuinte legalmente definido como tal, teria também para transferir esses direitos ao consumidor final, dito contribuinte de fato? Quando o contribuinte de fato formula qualquer pretensão, relativamente ao tributo que lhe é economicamente repassado, o primeiro argumento levantado pela Fazenda, em sede de contestação, é a ilegitimidade ativa do contribuinte de “fato”. Afinal, diz-se, ele não tem nenhuma relação jurídica com o Estado, sendo a repercussão, por ele sofrida, meramente econômica. (...) Ora, por que negar ao contribuinte “de fato” o direito à restituição, se a circunstância de ter sido ele que “na verdade” sofreu o ônus da cobrança indevida é o argumento para se negar essa restituição ao contribuinte “de direito”?

Por todos esses motivos, mais parece que a verdadeira intenção do artigo 166 do CTN é impedir a restituição dos tributos considerados indiretos. Neviani (1983, p. 236) salienta que esse artigo está “ab-rogando o princípio da legalidade dos tributos, porque permitirá ao fisco todo gênero de abusos, na certeza de que a repetição do indébito em matéria tributária rarissimamente funciona”, enfatizando que a prova a que se refere esse artigo é a de que o contribuinte suportou o ônus financeiro do tributo.

Ives Gandra (2001, p. 176) afirma que “o art. 166 é, portanto, um primor de inconstitucionalidade, de contradição, de má formulação legislativa, intrínseca e extrinsecamente, sendo dos poucos dispositivos que não honram o diploma de excepcionais qualidades em que estão inseridos, o Código Tributário Nacional”, sobretudo porque viola a garantia à tutela jurisdicional. Conforme o esclarecimento de Machado Segundo (2011, p. 40),

tem-se no art. 166 do CTN uma disposição de lei que exclui da apreciação do Judiciário, não raro irremediavelmente, inúmeras lesões ou ameaças a direito, servindo de enorme, e muitas vezes intransponível, embaraço para que contribuintes submetam ao Judiciário a análise a respeito da validade de pagamentos feitos a título de ICMS, IPI ou ISS. (...) Como observa Gilberto de Ulhôa Canto, “se à Fazenda, que pode, sem dúvida, recusar a restituição ao contribuinte econômico pelo fato de com ele não ter tido vínculo jurídico também se permitir recusar a devolução ao contribuinte de direito, com a alegação de que ele transferiu a terceiro o encargo financeiro, é certo que se perpetua a ilegalidade consistente no próprio pagamento indevido, o que não pode, evidentemente, ser o objetivo do intérprete e do aplicador da lei”.

Tarcísio Neviani (1983, p. 237-238), após tecer reiteradas críticas ao artigo 166 do CTN, defende sua substituição pelo já comentado artigo 117 do Anteprojeto, uma vez que, para o doutrinador, esse dispositivo “teria a enorme virtude de dissuadir a Fazenda Pública das frequentes práticas abusivas e coativas na exigência de tributos indevidos”.


5     CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora muitos doutrinadores abordem a classificação dos tributos em diretos e indiretos de maneira bastante simples, como se fosse uma lógica matemática, seguindo sempre um parâmetro, essa diferenciação merece alguns cuidados. Dependendo da situação, um mesmo tributo pode ser direto ou indireto. O fenômeno da repercussão econômica, no qual, para os tributos considerados indiretos, há o repasse do encargo para o contribuinte de fato, não deve ser visto como uma regra, uma vez que o contribuinte de direito pode ou não repassar o valor do tributo para o próximo da cadeia. No caso de não haver esse repasse, o tributo, mesmo tendo a natureza jurídica apta a promover o repasse, será, na classificação, direto. E o inverso poderá ocorrer, sem dificuldades, com os tributos que, naturalmente, são tidos como diretos. É necessário, portanto, observar cada caso de forma particular, pois não há um método seguro para, simplesmente, apontar determinados tributos e fazer essa classificação. Tudo dependerá das circunstâncias do caso concreto, afinal, o direito não pode ser uma Ciência Exata.             

Alguns doutrinadores defendem que, se o tributo deve ser instituído através de lei, o chamado “tributo indevido” não é, de fato, tributo, mas, tão-somente, uma quantia recolhida indevidamente como se tributo fosse, posto que não teve origem por meio de lei. Ocorre que esses valores pagos indevidamente, seja de forma espontânea ou a partir da cobrança realizada pelo Estado, não perdem sua natureza tributária, e, portanto, são tributos. Para que sejam reconhecidos como indevidos, os tributos precisam, antes de tudo, de existir. A partir de sua existência dentro do Direito Tributário é que sua validade poderá ser questionada. Sendo indevido, o tributo conterá vícios, e, portanto, não poderá produzir efeitos, sendo eliminado do âmbito jurídico.

A obrigação tributária tem, de um lado, o sujeito ativo, que é o Fisco, e, de outro, o sujeito passivo, que pode ser o contribuinte, caso tenha relação pessoal e direta com o fato gerador, ou o responsável tributário, quando a lei assim determinar. De acordo com o Código Tributário Nacional, a repetição do indébito só poderá ser pleiteada pelo sujeito passivo da relação jurídica. Em linhas gerais, sujeito passivo é aquele que tem o dever legal de pagar o tributo. Dessa forma, apenas o contribuinte de direito é sujeito passivo de uma relação jurídico-tributária, havendo, nesse caso, repercussão jurídica do tributo. Nos tributos considerados indiretos, a mera repercussão econômica do encargo tributário para o contribuinte de fato não garante a este o direito de requerer a restituição do indébito, uma vez que não integra a relação obrigacional tributária. É exatamente nesse ponto que se encontra a maior problemática que envolve o tema: o contribuinte de fato, salvo exceção, mesmo que suporte o ônus econômico do tributo, não poderá pleitear a restituição, já que nem faz parte da relação jurídica. Por outro lado, o contribuinte de direito só poderá ter restituído o tributo pago indevidamente, se provar que não o repassou para o contribuinte de fato ou, caso o tenha repassado, consiga autorização deste. Assim, quem tem legitimidade ativa ad causam é apenas o contribuinte de direito.

As condições acima expostas deixam claro que há muitas dificuldades para se obter êxito num pedido de restituição de tributos indiretos. Para o contribuinte de direito, na prática, provar que não houve repasse de tributo ou conseguir autorização de quem suportou o encargo econômico são duas opções praticamente impossíveis de serem atendidas. Já para o contribuinte de fato é ainda pior, porque, de modo geral, sequer há uma esperança de que ele possa integrar a relação jurídica. Melhor para a Fazenda Pública, que, devido a tanta falta de coerência no ordenamento jurídico brasileiro, enriquece às custas dos cidadãos que, por quaisquer motivos, podem recolher tributos indevidamente.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GADELHA, Maria Alice de Sousa. Análise sobre a viabilidade da restituição de tributos indiretos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3879, 13 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26705. Acesso em: 28 mar. 2024.