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Considerações sobre a doutrina do dolus generalis e dos desvios causais

Considerações sobre a doutrina do dolus generalis e dos desvios causais

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Investiga-se o problema do dolo geral sob três aspectos: apresentar as diferentes visões sobre o tema; expor objeções às soluções baseadas no plano do autor e, finalmente, oferecer uma solução situada no âmbito da imputação objetiva.

1.  Plano de Investigação

O instituto do dolus generalis é debatido desde longa data pela doutrina jurídico-penal. Para KRUG, “o dolus generalis é dirigido diretamente à lesão, embora não a uma lesão determinada, mas apenas ao conceito geral de lesão, que compreende a lesão fatal em si mesma”[1], asseverando que, sob certa perspectiva, o dolo geral também é eventual, uma vez que se dirige ao evento principal apenas de modo mediato e indeterminado[2].

A denominação dolus generalis popularizou-se ao longo dos anos como uma solução para uma série de hipóteses bastante assemelhadas e que se desdobram em dois atos: em um primeiro momento ou ato, o autor, de modo equivocado, acredita ter consumado o crime que pretendia cometer. Em verdade, contudo, não logrou realizá-lo. Em um segundo ato, o autor, em erro, pratica conduta destinada a encobrir o primeiro ato. A título exemplificativo, poder-se-ia aduzir o caso do agente que pretende matar alguém com uma arma de fogo. O autor atira e a vítima cai, desmaiada. O tiro não foi fatal. Pode ter sido em uma região não letal ou pode não ter atingido o ofendido, que desmaiou de susto. Convencido de que a vítima já está morta, o autor do crime a enterra, e ela morre asfixiada em razão do soterramento. Consoante compendia OFENBRÜGGEN, em seu “Casuistik des Criminalrechts”, é possível vislumbrar casos dessa estirpe na jurisprudência alemã já em 1795 e em 1819. Consoante repositório jurisprudencial, em 15 de dezembro de 1795 houve um caso em que os peritos atestam que a morte de determinada vítima resultara da concorrência de dois fatores: em primeiro lugar uma grave concussão causada por golpes na cabeça da vítima, gerando acumulação e congestão do sangue na cabeça. No entanto, segundo a análise dos peritos as mencionadas feridas na cabeça não foram absolutamente letais (An und für sich seien die am Kopfe befindlichen Wunden nicht absolute lethal gewesen), uma vez que um estrangulamento posterior se mostrou como causa suficiente (hinlängliche Ursache) para o evento morte[3].

 A despeito de continuar a ser mencionada em muitos manuais, conforme se verá, a doutrina do dolo geral foi, hoje, substituída pela ideia de desvios causais relevantes ou irrelevantes. A rigor, as hipóteses fáticas que envolvem o objeto de perquirição comportam soluções distintas: parte da doutrina vê um homicídio consumado; outro setor enxerga uma tentativa de homicídio, possivelmente em concurso com um homicídio culposo. Além dessas duas principais posições, existem também outras análises peculiares. O presente trabalho busca analisar as diversas nuanças dos problemas, ainda que não de forma exaustiva, mas descartará uma solução com base no plano do autor, pelos motivos que manifestará em tópico ulterior.


2. Dolo geral e desvios causais

A doutrina do dolo geral resolve a questão de modo a estender o dolo de homicídio do primeiro ao segundo ato.  Nas palavras de KÜHL:

O conceito ‘dolus generalis designa uma constelação especial, sem a qual ele (o conceito) mesmo já indica a resposta (cometimento doloso e consumado do delito por causa da existência de um ‘dolus generalis’). (...) O BGH e a opinião majoritária que lhe segue sustentam um evento de dois atos para um homicídio doloso consumado no sentido do § 212, apesar de o autor ter iniciado a verdadeira ação de homicídio sem o dolo de matar. O fundamento é refinado: a ação decisiva é a primeira ação iniciada com dolo de matar; sem essa ação não haveria a segunda ação letal. A primeira ação é, assim, mediatamente causal para a morte; que essa primeira ação foi, por meio da segunda ação, apenas um efeito imediato, deve ser tido como um desvio não essencial do curso causal real que o autor representou. Figurativamente falando, o autor fez de si mesmo, inconscientemente, uma ferramenta para alcançar o resultado.[4]

A rigor, a doutrina do dolo geral, embora ainda mencionada em manuais, tornou-se ultrapassada, uma vez que, como assevera Juarez Cirino dos Santos, “a ausência de dolo (de homicídio) no segundo fato não é suprível pela extensão do dolo de homicídio do primeiro fato”[5]. A própria nomenclatura “dolus generalis” é hoje considerada inexata[6].O argumento hodierno para a manutenção da resposta do homicídio consumado repousa nos chamados desvios causais essenciais ou não essenciais[7]. Se o desvio causal é relevante, isto significa que não haverá uma imputação por homicídio consumado. A relevância ou irrelevância do curso causal é, contudo, um assunto ainda controvertido. A rigor, poder-se-ia apontar dois grupos principais de solução: a) os que defendem a existência de um homicídio consumado e b) os que defendem a existência de uma tentativa de homicídio em concurso com um homicídio culposo. Não obstante esta divisão preliminar existem fundamentações distintas e bastante específicas conforme o critério adotado para aferir a relevância do desvio do curso causal.

Eis a posição de WELZEL sobre o tema:

O problema consiste em saber se duas ações diferentes existem com dois diferentes dolos; portanto, um homicídio doloso, que apenas alcança a fase de tentativa, e subsequentemente a ocultação da vítima supostamente morta, na qual se põe, quando muito, um homicídio culposo. Ou saber se um evento homogêneo (homicídio secreto) existe, o qual também é ainda abrangido na segunda parte pelo dolo de homicídio. A última consideração está mais próxima do correto: a ocultação da vítima é apenas um ato parcial dependente da ação total dirigida pelo homicídio secreto: portanto, homicídio doloso[8]. (tradução livre do autor)

ROXIN, por seu turno, rejeita as opiniões que enxergam uma tentativa de homicídio, invariavelmente, como solução do problema. Isto porque rejeita, igualmente, a ideia de que o dolo precisa estar presente durante todo o fato. Ao revés, segundo o celebrado penalista, o dolo só precisa estar presente “no instante em que o sujeito larga de mão o curso causal”[9]. Assevera este autor que “no caso do dolus generalis imputa-se ao autor a morte da vítima como consequência adequada de sua primeira ação abrangida pelo dolo de matar; e isso também é suficiente para a imputação do dolo enquanto o resultado continuar a ser representado como realização do plano do autor”[10].

ROXIN recorda, ainda, que à luz da teoria do plano do autor, a decisão pelo delito consumado ou pela tentativa depende de um ponto crucial: “se a decisão da segunda ação foi tomada desde o início ou somente no desfecho do primeiro ato”[11]. Destarte, “apenas quando a vontade de eliminação da vítima só foi tomada depois do suposto homicídio, haverá, segundo esta teoria, um homicídio tentado em concurso com um homicídio culposo”[12]. Assim, em geral, consoante informa ROXIN, atua-se com dolo direto, isto é, o autor já planeja o primeiro e segundo atos, de modo que o desvio causal será irrelevante, sendo o autor punido pelo delito consumado. Solução diversa haveria, apenas, no caso de o autor agir com dolo eventual, sem a decisão predeterminada da ocultação posterior[13].

Apesar disso, ROXIN, acertadamente, assevera que tais “princípios da experiência são refutáveis no caso concreto, e, por isso, conduz ao erro deixar o critério nas mãos do ponto temporal da decisão de eliminação do cadáver; pois nem a previsibilidade do segundo ato depende, em geral, de se o primeiro ato já estava planejado, nem o segundo ato se representa meramente como realização do perigo criado por meio do primeiro ato quando ele estava planejado desde o início”[14].

Em resposta às considerações de ROXIN, é digna de nota a contribuição de SANCINETTI, para quem o argumento meramente intuitivo em favor do homicídio consumado não pode vingar. Assevera o autor que “a resposta não pode repousar no fato de que a intuição mais difundida considera isto necessário: uma moral da sorte é uma moral repreensível”, de modo que “quando nenhum argumento se pronuncia a favor, a intuição tem de se retirar da argumentação”[15].JAKOBS assinala que “não se trata de um caso de erro quando o autor consoante um já suposto resultado – por causa de grande certeza -, mais uma vez, dolosamente, interfere sobre a vítima”[16]. A rigor, segundo o jurista alemão, “o resultado não é dolosamente imputável quando o risco do primeiro ato for substituído por um novo risco criado através do segundo ato: o risco dolosamente criado não se realiza, e o risco realizado será criado de forma não dolosa”[17].Recusa ainda este autor a solução baseada no concurso real entre tentativa e delito culposo, uma vez que esta resposta ignora a circunstância de que o risco do segundo ato traduz mera modificação ou suplementação, sem deslocar o risco do primeiro ato.[18]  Conforme a opinião de ZAFFARONI, é preciso “sempre estabelecer-se a essencialidade ou não essencialidade da discórdia do sucedido a respeito do planejado conforme o plano concreto do fato, ou seja, segundo o grau de concreção do dolo no plano. As únicas concreções do plano não relevantes para determinar a essencialidade da disparidade do acontecido no mundo são as que tenham por objeto obter a impunidade do fato, porque sua inclusão importaria uma invariável garantia de benignidade, no caso de fracasso parcial de seu plano criminal”[19].

2.1A teoria da relevância dos desvios causas com base no critério do plano do autor à luz do ordenamento brasileiro.

No que tange à aplicação das teses acerca dos desvios causais com base no plano do autor, reputo que tais contribuições são incompatíveis não só com o vigente ordenamento jurídico-penal brasileiro, bem como equivocadas segundo uma dogmática bem fundada.

Em primeiro lugar, o Código Penal brasileiro não faz nenhuma menção ao plano do autor. O código penal alemão, ao revés, adota expressamente o plano do autor como critério para definir o início da execução. Trata-se da chamada teoria objetiva individual. O plano do autor está claro na redação, pois o legislador faz menção à representação do autor, a saber: “Tenta um fato punível quem, segundo sua representação do fato, se posiciona imediatamente para realização do tipo (Eine Straftat versucht, wer nach seiner Vorstellung von der Tat zur Verwirklichung des Tatbestandes unmittelbar ansetzt)”[20]. Juarez Cirino dos Santos reforça esta clara menção ao dizer que a teoria objetiva individual “exprime o conceito legal de tentativa do Código Penal alemão” e que tal teoria apresenta duas dimensões, dentre as quais “a dimensão subjetiva da estrutura do conceito de tentativa constituída pela representação do fato (ou plano do autor)”[21].

De modo oposto, a redação do código brasileiro adota uma teoria objetiva da tentativa, sem qualquer carga de subjetivismo, o que torna a adoção do argumento com base no plano do autor, desde logo, incompatível sob um ponto de vista jurídico-positivo.Tampouco historicamente a adoção do plano do autor releva para a definição legal de tentativa[22]. Ressalve-se, contudo, a mudança de paradigmas caso o projeto Sarney para um novo Código Penal seja aprovado sem alterações quanto ao instituto da tentativa[23].

Ainda que se busque forçar uma interpretação subjetiva para a redação do art. 14, II do CP, segundo a qual o crime resta tentado “quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente”, as repercussões seriam inaceitáveis. Pois, neste caso, ter-se-ia de punir, por exemplo, o agressor que invade a casa de sua vítima durante a madrugada e lhe desfere dezenas de facadas, sem saber que, a rigor, a vítima já estava morta horas atrás em função de um infarto do miocárdio. Tal solução é refratária à inteligência do art. 17, CP[24].

Frise-se, porém, que, conforme já adiantado, o anteprojeto Sarney para um novo código penal adota uma subjetivização do início da execução, semelhante ao disposto no código penal alemão, o que permitiria uma interpretação diferente. Apesar disto, o anteprojeto repete a redação do atual art. 17, CP, o que gera uma incongruência: a aferição do começo da tentativa por meio de um critério que salienta o plano do autor e, por outro lado, a aferição do crime impossível por meio da atual perspectiva objetivista.

Não obstante tal incompatibilidade legal, caso ainda se queira decidir a relevância do desvio causal com base na representação ou no plano do autor, a resposta que opta tão somente pelo homicídio consumado, no caso citado no início deste escrito, não é coerente. Em primeiro lugar, se o importante é verificar o plano do autor, então seria coerente puni-lo pelo homicídio consumado e pela ocultação de cadáver. E por quê? Se o plano do autor era matar e depois ocultar o cadáver, muito embora a morte não tenha acontecido no primeiro ato, o autor a representa como certa e, posteriormente, dá prosseguimento ao resto de seu plano. Logo, se o plano do autor é o critério eleito para resolver a questão, só é coerente imputar ao autor os crimes de homicídio e de ocultação de cadáver. Eleger o plano do autor como critério para a solução deste grupo de problemas significa dizer que o intérprete deverá, sob pena de uma solução ad hoc, considerar somente o plano da representação do autor, isto é, aquilo que é representado como real pelo autor é o que deve valer para fins de imputação. A decisão pela imputação do homicídio doloso consumado no caso de dolo direto, isto é, de a decisão acerca da ocultação já estar tomada não percebe uma incongruência: ao mesmo tempo que se deseja tomar como critério para o homicídio algo que está na representação ou plano do autor (a prévia decisão pela ocultação), toma-se o segundo ato ou parte do fato à luz da realidade (o enterro da vítima enquanto ela ainda está viva). Por que esta posição toma, em princípio, por critério algo subjetivo e, depois, apoia-se numa base objetiva, não é algo que tenha sido explicado com coerência pelos defensores desta resposta.As incongruências não cessam neste ponto, contudo. Como segunda objeção, poder-se-ia indagar: por que tomar como critério para afirmar a irrelevância do desvio causal algo que, a rigor, é por si só impunível? O fato de o autor já ter ou não se decidido pela ocultação não apresenta nenhuma pertinência em relação à imputação do resultado. O que o autor planeja ou representa é um mero desvalor subjetivo da conduta. Além disto, sob a perspectiva da vítima e da lesão do bem jurídico, não há qualquer diferença relevante entre a agressão ter sido perpetrada com dolo direto ou eventual.  Constata-se, destarte, que a aplicação coerente do critério do plano do autor exige que o intérprete não se afaste deste plano quando da análise dos fatos. Mais do que isto, impõe que se considere a parcela de realidade representada pelo autor quando da prática dos fatos. A resposta coerente à luz dessas considerações só poderia levar à punição por homicídio consumado em concurso com a ocultação de cadáver. Ademais, é preciso salientar que mesmo se abandonássemos o plano do autor como critério para imputar ou não o homicídio consumado nesta hipótese, o segundo ato seria impunível, uma vez que se a vítima não estava morta, mas viva, impossível será o crime de ocultação de cadáver. Ainda que levássemos o argumento ao extremo e admitíssemos que não se trata de tentativa inidônea, tampouco seria punível a conduta, uma vez que não existe ocultação de cadáver a título de culpa. A depender do grau de verossimilhança da suposta morte, também não haveria de se falar em crime culposo.

A afirmativa segundo a qual deverá existir um homicídio consumado se o autor, já de antemão, planejava ocultar o corpo de uma maneira específica, não convence. Isto porque essa estratégia só passa a ser penalmente relevante no momento em que ela é levada a cabo. Contudo, no momento em que ela é levada a cabo, na realidade, não existe cadáver, mas alguém, isto é, um ser vivente. Ademais, para corroborar o já dito, o intérprete não pode seccionar o plano do autor e contentar-se com o fato de que o autor queria matar de qualquer modo e, de fato, a morte ocorreu. Ao fazer isto, o intérprete foge, deliberadamente ou não, do próprio critério eleito: se é imperiosa a vinculação ao plano do autor, igualmente imperioso é guiar-se totalmente de acordo com este plano, e isso inclui o modo e etapas de execução deste à luz da parcela dos acontecimentos representada pelo autor como sendo real. Por isto, conforme parece a este trabalho, com respeito às opiniões divergentes, o critério do plano do autor deveria levar à punição por homicídio doloso e ocultação de cadáver em concurso material.

Uma terceira objeção concerne ao conceito de dolo. Com as devidas vênias à opinião de ROXIN no sentido de que o dolo não precisa acompanhar todo o fato, isto parece equivocado. O dolo não se liga apenas à ação de execução do delito, mas também ao modo de execução e ao resultado. Deve, ainda, estar presente durante toda evolução do fato típico, englobando os elementos do tipo. Tal é demonstrado em vários pontos da dogmática penal. A presença do dolo quanto ao modo de execução é relevante, por exemplo, para a determinação da continuidade delitiva; releva, igualmente, para aferição da tentativa inidônea, uma vez que a eleição de um modo de execução absolutamente inidôneo não ensejará conduta típica. Também a presença do dolo ao longo da execução se faz importante no instituto da desistência voluntária. Na distinção entre dolo eventual e culpa consciente, por outro lado, o conhecimento e vontade dirigidos ao resultado são de imprescindível verificação. Para a configuração do dolo eventual é preciso não apenas a vontade de realizar uma ação perigosa ao bem jurídico, como também a assunção ou conformação do risco de um resultado superveniente representado como possível ou provável.

Indubitavelmente, a solução que ignora a ausência de dolo na segunda parte do fenômeno e opta pelo homicídio consumado sempre, seja em razão da aplicação da tese do dolo geral, seja em razão do plano do autor (como critério à determinação da irrelevância do curso causal) aumentam o horizonte de imputação de modo a violar frontalmente a proposição segundo a qual o dolo deve abranger toda a extensão da ação. Isto porque não se pode imputar deliberada e inadvertidamente tudo o que ocorre depois da ação pelo mero fato de que, afinal, o plano do autor era matar a vítima e isso aconteceu. Tal significa imputar um fato com base apenas na causação, ignorando, conforme será visto ulteriormente, critérios essenciais de imputação do resultado, dispensando ao autor a mera condição de objeto causador do evento, ainda que de maneira cega e divorciada do dolo naquele instante[25].

Ademais, “a consciência elementar do dolo deve ser atual, efetiva”[26]. No momento do segundo ato, não existe dolo de homicídio, pois o autor já representa a vítima como sendo morta, isto é, como um cadáver. O dolo deste segundo ato só pode ser um dolo de ocultar um cadáver. No entanto, como (ainda) não existe qualquer dispositivo na legislação penal brasileira que obrigue o aplicador do direito a adotar um critério baseado no plano do autor, não há tampouco como punir o autor por ocultação de cadáver, visto que cadáver, na realidade, não havia. Logo, partindo-se de um critério concretista ou realista, com adeptos de peso na doutrina, a resposta mais adequada seria a punição do autor por tentativa de homicídio em concurso com um homicídio culposo, se for o caso deste último.

Veja-se, por exemplo, KÜHL:

Apesar do refinamento do fundamento, a adoção de um delito doloso consumado não convence plenamente. O autor, por meio do primeiro ato, não realiza seu dolo de matar, isto é, ele está preso na tentativa (§§ 212, 22, 23). No caso da segunda ação, ele se encontrava em um erro sobre as circunstâncias de fato, porque ele pensava ter um cadáver em frente de si (= Não conhecimento a respeito do requerido objeto de ação ‘homem’), de modo que a ele, por meio da segunda ação, a morte causada na melhor das hipóteses pode ser atribuída como homicídio culposo (§ 16 I 2: § 222)[27]. (tradução livre do autor)

Como quarta objeção, resta sempre presente a imensa dificuldade de se demonstrar (provar, e não simplesmente presumir) o conteúdo do plano do autor no que diz respeito à atuação deste com dolo direto ou eventual. Em muitos casos, tal não será possível. Neste particular, é relevante o trabalho de KHADER[28], que de forma pontual indica o quão intrincada é a questão da prova do dolo e como este aspecto tem sido menosprezado, uma vez que, a rigor, pretende-se chegar à ‘prova’ do dolo por meio de presunções mais ou menos elaboradas. Tais posturas, porém, não só possuem a inconveniência de confundir alegações ou presunções com demonstração, mas também a de procurar ‘provar’ o subjetivo por meio de circunstâncias externas, não raro, facilmente manipuláveis e arbitrariamente interpretadas. Afora isto, tais presunções são incompatíveis com a aplicação do favor rei em sua manifestação mais conhecida como ‘in dúbio pro reo’. Não se pretende, com isto, nesta sede, emitir juízos definitivos acerca da dificílima questão da prova do dolo. Apenas se pretende apontar mais uma das dificuldades da solução criticada nesta sede. Como quinta objeção, a ser melhor desenvolvida em tópico ulterior, é de se ressaltar que a imputação da tentativa ou do crime consumado é uma questão de imputação objetiva do resultado. A definição pelo dolo direto ou eventual é matéria de imputação subjetiva que, a rigor, não releva para a afirmação ou não do resultado como obra imputável ao autor.


3.Próprio entendimento

3.1.As premissas

Segundo defende este escrito, a solução deste tipo de problema deve partir de algumas premissas:

3.1.1 Rejeição do plano do autor como critério referencial.

É preciso considerar a realidade dos fatos, isto é, orientar-se de acordo com uma visão concreta e objetiva. Em primeiro lugar, porque o subjetivismo do critério jungido ao plano do autor teria, se levado a cabo de forma coerente, necessariamente, repercussões desastrosas no aumento do âmbito da punibilidade em outras temáticas, como a do crime impossível. Em segundo lugar, derivar uma solução subjetivista do atual ordenamento jurídico-penal demandaria um artificial esforço interpretativo, uma vez que o ordenamento não faz menções explícitas acerca de eventual referencial subjetivo no âmbito da tentativa ou do crime impossível. Pelo contrário, o referencial tende a ser objetivo, nada obstante possíveis opiniões divergentes.Em terceiro lugar, é de se abandonar o referencial do plano do autor porque o Direito Penal deve estar ligado à realidade, sob pena de retirar-se do réu a possibilidade de refutação empírica do fato[29] que lhe é imputado e, também, para evitar perplexidades, não raro, geradas pelo puro normativismo.Em quarto lugar, a prova do plano do autor é algo deveras complexo, permitindo, não raro, presunções indevidas por parte do Judiciário. Além disto, o referencial do plano do autor, caso adotado, faz a resposta penal depender do subjetivismo do autor, em última instância. Não se deve punir a intenção, mas sim o fato concreto.

3.1.2        O dolo, sua presença ao longo de toda a execução do tipo de delito e o conceito de conduta para fins penais.

É preciso considerar que o dolo deve estar presente durante todo o desdobramento da conduta, sua execução, bem como deve visar ao resultado pretendido. Mais do que isto, é preciso considerar que o dolo só existe enquanto relacionado a um tipo penal específico como corolário de um conceito dogmático-penal de conduta. Conforme defende este trabalho, conduta é toda atividade (operação), impulsionada pela vontade, de determinação seletiva realizada por um sujeito, atividade esta consistente na atualização de uma possibilidade no mundo da vida. Tal atualização de possibilidades exprime uma determinação seletiva, que não só encerra certo valor ou desvalor, mas também encerra um resultado verificável. A noção de resultado aqui quer significar, justamente, uma determinação seletiva operada pelo sujeito no mundo da vida, determinação esta que deve corresponder a algum tipo penal específico.Consoante restará claro em linhas posteriores, a conduta penalmente relevante deve estar ligada a um tipo penal específico, que exprime um determinado resultado. Não é possível falar em uma espécie de dolo geral apenas levando-se em conta uma intenção primeira do agente que pode, afinal, sequer ter se consumado no plano dos fatos. O sujeito que atira na vítima e, na suposição de que esta já morreu, arremessa seu corpo de um penhasco, não pratica uma única conduta, mas, a rigor, duas condutas[30]. O dolo da segunda conduta ou segunda parte do fenômeno já não é mais um dolo de matar. Isto, contudo, conforme se verá, não releva tanto para afirmar o homicídio consumado ou a tentativa.

3.2.3. Âmbito da imputação objetiva

É preciso examinar se o primeiro ato do agressor é, por si só, idôneo a levar a vítima à morte, ainda que com uma sobrevida rarefeita, na esteira do que apregoa Schroeder, como se verá.Consoante exposto no fim do último tópico, a imputação ou não do resultado nesses casos é algo a ser definido no âmbito de uma imputação objetiva, e não subjetiva. Trata-se de perquirir, destarte, os pressupostos do processo de imputação.

3.3              Casos de estudo

Para melhor visualização da solução proposta, vejamos alguns casos:

Caso I: “A”, com intuito de matar “B”, puxa o gatilho de seu revólver. O projétil, contudo, (i) sequer atinge a vítima, que desmaia de susto, apresentando sinais aparentes de morte, ou (ii) o projétil até atinge a vítima, mas em lugar não letal (por exemplo, o ombro ou a perna). A vítima, porém, com o impacto do tiro e a dor, desmaia, apresentando os mesmos sinais aparentes de morte. Tanto na primeira variação como na segunda, o autor dos disparos se convence da morte e procede à ocultação, enterrando a vítima, afogando-a ou mesmo arremessando-a de uma ribanceira.

O primeiro ato consiste claramente em uma tentativa de homicídio. O segundo ato é uma espécie bem peculiar de erro de tipo, que dá azo, no caso, a uma imputação por homicídio culposo, caso se considere que o erro na apreciação dos sinais de vida fosse vencível, ou mesmo a nenhuma imputação, se se considerar que o erro na apreciação dos sinais de vida fosse absolutamente invencível. No caso de restar um erro vencível, é ainda preciso verificar se o resultado era previsível ou não de acordo com a ação executada pelo agressor de acordo com um juízo baseado na experiência. O juízo de previsibilidade não pode ser orientado conforme o que o autor representava ou não como previsível, mas à luz de um juízo baseado na experiência e no estádio atual do conhecimento disponível. Ademais, apesar de poder soar estranho de início, há claramente a não observância de um dever legal de não ofender bens alheios que, em geral, a doutrina chama de inobservância de dever de cuidado, mas que, a rigor, deve ser entendida como não observância de um dever mais amplo de causar dano a terceiros. Quem pratica um crime doloso contra terceiros também age em desrespeito a este dever legal de evitar ofensas a terceiros. Apenas o faz de modo deliberado e intencional.

Caso II: Consideremos o mesmo exemplo acima, mas com a diferença de que o autor atira duas vezes, atingindo o crânio e o peito da vítima. Consideremos, ainda, que ao ser enterrada a vítima ainda estertorava, mas fatalmente morreria caso o agressor esperasse mais alguns parcos minutos ou mesmo segundos antes de proceder à ocultação. Neste caso em específico, haverá um homicídio doloso, pois o primeiro ato do agressor já é idôneo a provocar o resultado pretendido (a morte). Esta parece ser a posição de Schroeder: “Se a vítima já estava ferida mortalmente, então a aceleração da morte por meio do enterro ou imersão não pode excluir o dolo; tenha sido o primeiro ato, ao revés, não concretamente idôneo a gerar o resultado, então falta o dolo no fato”[31].

Naturalmente, em boa medida existe uma questão de prova neste ponto. No entanto, caso se confirme que os projéteis atravessaram o crânio e o coração da vítima, é correto dizer que o meio escolhido e concretizado pelo autor é objetivamente idôneo à consecução do resultado morte. Noutras palavras, o curso causal posto em marcha imaginado e concretizado pelo autor é objetivamente adequado, bem como pode ser imputado ao autor como obra (dolosa) sua. O autor pôs em marcha atuação suficiente para gerar o resultado visado logo no primeiro ato. Neste caso, responderá o autor por homicídio doloso consumado e ocultação de cadáver.

Caso III: Consideremos que o intento seja o mesmo dos exemplos acima, com a presente peculiaridade: o autor atira na vítima, mas os ferimentos não são, contudo, letais. A vítima ainda tem sobrevida razoável; poderá ser salva caso tenha auxílio médico. Não é o caso que ela vá morrer em alguns minutos. O autor põe a vítima em seu carro. Ele crê que ela esteja morta, mas ela está apenas desmaiada e ferida. O autor dirige o automóvel para um lago profundo, uma ribanceira ou para outro local ermo. No meio do caminho, porém, há colisão por culpa de um caminhão em alta velocidade na contramão. A vítima morre pelo traumatismo.

Neste caso, há claramente uma tentativa de homicídio, apenas. Não se pode imputar a morte ao autor. Poder-se-ia imputar a morte, contudo, caso o acidente estivesse no âmbito de uma atuação culposa do agressor. Tal daria azo à responsabilidade por tentativa de homicídio em concurso com homicídio culposo.


4. Considerações finais

Postas todas essas considerações, resta evidenciado que o problema das hipóteses fáticas tratadas é menos a solução do que o critério para se chegar a uma resposta. As soluções baseadas no plano do autor, no caráter direto ou eventual do dolo para afirmar a relevância do desvio do curso causal ou construídas a partir da doutrina do ‘dolo geral’ são, em verdade, um ranço de uma postura subjetivista da concepção do injusto penal. A rigor, a hipótese é um problema situado no âmbito do tipo objetivo.

A afirmação do delito consumado exige a concorrência do que a doutrina chama de desvalores da conduta e do resultado. A tentativa punível, conforme já salientamos noutro escrito[32], exige a afirmação do desvalor subjetivo e objetivo da conduta. O desvalor subjetivo da conduta do delito doloso consiste, basicamente, no dolo. Dolo é a vontade consciente atualizada no mundo dos fatos e juridicamente qualificada pela dirigibilidade à correspondência idônea com os elementos de um tipo objetivo específico.O desvalor objetivo da conduta, seja do crime doloso ou culposo é o mesmo: a idoneidade da conduta voluntária para, consoante um juízo de lesividade ex ante, baseado nos conhecimentos científicos disponíveis e na experiência, gerar um desvalor de resultado, consistente na ratificação do potencial lesivo afirmado ex ante e na lesão ao bem jurídico. Neste ponto, é ainda necessário um esclarecimento acerca das condições deste juízo. Ora, se o agressor atira no coração e no crânio da vítima, ainda que esta ainda ensaie as últimas respirações quando é enterrada pelo autor (o qual crê que a vítima já está morta), haverá um homicídio doloso consumado, desde que, é claro, a vítima venha efetivamente a morrer depois de enterrada. Ainda que o soterramento e as partículas sólidas que penetram em suas vias aéreas abreviem os segundos ou parcos minutos que lhe restavam, este ‘desvio causal’ é irrelevante. E por quê? Não por ocasião do teor direto ou eventual do dolo, mas porque a execução dos tiros já foi idônea a gerar um desvalor de resultado, isto é, a pôr em marcha um processo natural irreversível. Isto, porém, nada tem que ver com o plano do autor. A execução desta conduta, por si só, já é idônea a gerar um desvalor do resultado, por mais que a vítima tenha sido enterrada ainda viva.

Por outro lado, se o autor do crime acerta um tiro em uma região não letal, mas a vítima cai e desmaia, apresentando até sinais verossímeis de morte aparente, e o autor procede à ocultação e, por conta do ato de enterrar a vítima, esta morre de asfixia, e não do tiro, então há claramente uma tentativa de homicídio doloso em concurso com o crime de homicídio culposo.

Fora os casos em que o resultado morte é uma questão de parcos minutos ou segundos antes de a vítima ser descartada, tal vontade consciente atualizada não logra correspondência total aos elementos objetivos do tipo específico de homicídio. Falta o resultado morte. A atuação fica presa à fase da tentativa, justamente porque a execução não foi idônea o suficiente para gerar a morte. Tampouco o segundo momento, em que a vítima ainda com vida é enterrada e morre por asfixia pode gerar uma punição por homicídio doloso. Afirma-se o dolo quando há correspondência entre a vontade do autor, fruto de sua representação da realidade, e a hipótese abstrata contida no tipo penal específico. Se o autor representa um cadáver onde há, em verdade, uma pessoa, esta correspondência inexiste. Este segundo ato, resguardadas as proporções, equivale ao exemplo do sujeito que, por odiar muito uma pessoa que, a seus olhos, já é um cadáver, atira inúmeras vezes contra o corpo desta. Em sua representação, o autor apenas descarrega os projéteis de sua pistola, por raiva, em um determinado corpo, cujas circunstâncias indicam ser um cadáver. Em verdade, contudo, o agente determina a morte da pessoa, que ainda vivia quando dos tiros. Se esta pessoa estendida no chão estiver repleta de feridas, sem pulso detectável e com outros sinais de morte aparente, não se poderá punir o agente por homicídio doloso, e tampouco culposo, se toda a situação for bastante verossímil, o autor dos disparos contra o que este imaginava ser um cadáver. Neste ponto vale o mesmo para o grupo de casos aqui desenvolvidos.

Destarte, o grupo de casos investigados, ainda que de modo não exaustivo, revela que soluções distintas podem e devem ter vez de acordo com as circunstâncias apresentadas. O presente estudo defende, à guisa de síntese, a importância da verificação: a) da idoneidade da execução atualizada pelo primeiro ato para que se possa apontar um homicídio consumado doloso ou a mera tentativa, a depender da idoneidade desde uma perspectiva objetiva da atuação para gerar o resultado típico, enquanto condição suficiente, independente de um ato ulterior; b) caso o primeiro ato não seja idôneo nos termos acima aduzidos, haverá, invariavelmente, ao menos, uma tentativa de homicídio, a qual pode ou não vir ao lado de um homicídio culposo, a depender da satisfação dos requisitos da própria estrutura típica culposa.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Notas

[1] KRUG, Otto August. Ueber dolus und culpa und insbesondere über Begriff der unbestimmten Absicht. Leipzig: Tauchnitz, 1854, p. 43. Trecho no original: “Der dolus generalis ist zwar direct auf Verletzung gerichtet, aber nicht auf eine bestimmte, sondern nur auf den allgemeinen Begriff der Verletzung, der die tödliche Verletzung mit in sich begreift”.

[2] Ibidem., p. 49: “ Eventuell ist der d.generalis, wie wir bereits bemerkt haben, in dem Sinne, dass er, jedoch nur mittelbar und unbestimmt, in omnen eventum gerichtet ist”.

[3] OFENBRÜGGER, Eduard. Casuistik des Criminalrechts. Schaffhaufen: Hureter´schen Buchhandlung, 1854, p. 40: “17. Tödtung. Dolus Generalis. Am 15. December 1795 zeigte der (...) Der Thäter wurde bald ermittelt, den der Jäger Gottfried Klein deponierte daß (…) Aus dem genau beschriebenen Befunde urtheilten die Obducenten, daß der Tod des Denati auf eine doppelte Weise erfolgt sei: einmal ware durch die Schläge am Kopfe eine heftige Gehirnerschütterung bewirkt, durch jene Erschütterung vielleicht schon bewirkte Anhäufung und Stockung des Blutes in den Gesäßen des Kopfes noch vermehrt, die dadurch gehemmte Lebenskraft vollends erstickt, und so Apoplerie und Tod verursacht worden. An und für sich seien die am Kopfe befindlichen Wunden nicht absolute lethal gewesen; indessen glauben die Obducenten, daß das Urtheil über die anderweitige Tödtlichkeit derselben in diesem Falle nichts nützen könne, da die nach beigebrachten Wunden sogleich verübte Strangulation alles Accidentalle aufhebe, und allein als hinlängliche Ursache des Todes angesehen werden könne”.

[4] KÜHL, Kristian. Strafrecht. Allgemeiner Teil. 5 ed. Auflage. München: Franz Vahlen, 2005, p. 368 -369. Trecho traduzido: “Der Begriff ,,dolus generalis” bezeichnet eine spezielle Konstellation, ohne das er selbst schon die Lösung (vollendetes vorsätzliches Begehungsdelikt wegen des Vorliegens eines ,,dolus generalis”) vorzeichnet. Der BGH und die ihm folgende h.M. halten das zweiaktige Geschehen für eine vollendete vorsätzliche Tötung i.S. des § 212 , obwohl der Täter die eigentliche Tötungshandlung ohne Tötungsvorsatz begangen hat. Die Begründung ist ,,raffiniert”: die entscheidende Handlung sei die mit Tötungsvorsatz begangene erste Handlung; ohne diese Handlung wäre es zur zweiten todbringenden Handlung gar nicht gekommen. Die erste Handlung ist damit mittelbar ursächlich für den Tod geworden ;dass dieser erst durch die zweite Handlung unmittelbar bewirkt  wurde, soll eine unwesentliche Abweichung des wirklichen Kausalverlaufs von dem Ablauf sein, den sich der Täter vorgestellt hat. Bildlich gesprochen habe sich der Täter selbst unbewusst zum Werkzeug der Erfolgsherbeiführung gemacht“.

[5] SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal. Parte Geral. Curitiba;ICPC: Lumen Juris, 2006, p. 159.

[6] Veja-se Roxin: “ Mit dem – unzutreffenden – Begriff des ,,dolus generalis”...” (“Com o – incorreto – conceito de dolus generalis...”). V. ROXIN, Claus. Strafrecht . Allgemeiner Teil. Band I .4. Auflage. München: Beck, 2006, p. 522.

[7] Assim assevera Roxin, indicando que esta também é a atual opinião da jurisprudência alemã. Cf. ROXIN, Claus. Strafrecht. Allgemeiner Teil. Band I. 4.Auflage. München: Beck, 2006, p. 522: “Die neuere Rspr. Kommt stattdessen zur Bejahung einer vollendeten Tötung, indem sie eine unwesentliche Kausalabweichung annimmt”.

[8] WELZEL, Hans. Das deutsche Strafrecht: eine systematische Darstellung. 5. Auflage. Bonn: De Gruyter, 1956, p. 60. Trecho original: “Das Problem besteht darin, ob zwei verschiedene Handlungen vorliegen mit zwei verschiedenen Vorsätzen, also eine vorsätzliche Tötung, die nur bis zum Versuch gelangt, und anschließend das Verbergen des vermeintlich toten Opfers, worin höchstens eine fahrlässige Tötung steckt. Oder ob ein einheitliches Handlungsgeschehen (heimliche Tötung) vorliegt, das auch im zweiten Teil noch von dem Mordvorsatz mitumspannt wird. Letzteres liegt näher: das Verbergen des Opfers ist nur ein unselbständiger Teilakt der auf heimliche Tötung gerichteten Gesamthandlung: daher vorsätzliche Tötung”.

[9] ROXIN, Claus. Op.cit., p. 524.

[10] ROXIN, Claus. Op.cit., p. 524. Trecho original: “Beim dolus generalis wird dem Täter der Tod des Opfers als adäquate Folge seiner vom Tötungsvorsatz umfassten Ersthandlung zugerechnet; und das genügt auch für die Zurechnung zum Vorsatz, sofern sich der Erfolg noch als Verwirklichung des Täterplans darstellt”.

[11] Ibidem, p. 525:

[12] Ibidem, p. 525. Trecho original: “Nur wenn der Wille zur Beseitigung des Opfers erst nach der vermeintlichen Tötung gefasst wird, liegt nach dieser Lehre Tötungsversuch in Realkonkurrenz mit fahrlässiger Tötung vor”.

[13] Ibidem., p. 525.

[14] Ibidem., p. 525. Trecho no original: “ Aber beide Ehrafhrungssätze sind im Einzelfall widerlegbar, und dann führt es in die Irre, wenn man auf den Zeitpunkt des Entschlusseszur Leichenbeseitigung abstellt; den weder hängt die Vorhersehbarkeit des Zweitaktes generell davon ab, ob er schon beim Erstakt geplant war, noch stellt sich der Zweiakt lediglich dann als Verwirklichung der durch den Erstakt geschaffenen Gefahr dar, wenn er von vornherein geplant war”.

[15] SANCINETTI, Marcelo A..  ,,Dolus generalis” und ,,strafrechtliche Glück”. In: Festschrift für Claus Roxin zum 70. Geburtstag am 15.Mai 2001. Berlin;New York: de Gruyter, 2001, p. 364: “Die Antwort kann nicht in der Tatsache liegen, daß die weitestverbreitete Intuition dies für notwendig hält: Eine Glücksmoral ist eine verwerfliche Moral”. “Wenn kein Argument für sie spricht, hat die Intuition der Argumentation zu weichen”.

[16] JAKOBS, G. Strafrecht Allgemeiner Teil...p. 301: “Nicht um einen Irrtumsfall handelt es sich, wenn der Täter nach einem schon vermuteten Erfolg nochmals – etwa größerer Sicherheit wegen – mit Vorsatz auf das Opfer einwirkt”.

[17] Ibidem, p. 302: “Der Erfolg ist aber nicht als vorsätzlich zurechenbar, wenn das Risiko des ersten Akts von einem durch den zweiten Akt gesetzten neuen Risiko verdrängt wird: Das vorsätzlich gesetzte Risiko verwirklicht sich nicht, und das verwirklichte Risiko wird unvorsätzlich gesetzt”.

[18] Ibidem., p.302-303: “Soweit dahin entschieden wird, es liege stets nur Versuch vor, bei Vermeidbarkeit des zweiten Akts real Konkurrierend mit Fahrlässigkeit, so wird verkannt, daß das Risiko des zweiten Akts bloß modifizierend oder ergänzend hinzukommen mag, ohne das Risiko des ersten Akts zu verdrängen”.

[19] ZAFFARONI, E.R. Derecho Penal. Parte General. Buenos Aires: ediar, 2001, p. 538: “siempre debe establecerse la esencialidad o inesencialidad de la discordia de lo sucedido respecto de lo planeado conforme al plan concreto del hecho, o sea según el grado de concreción del dolo en el plan. Las únicas concreciones del plan no relevantes para determinar la esencialidad de la disparidad de lo acontecido en el mundo son las que tengan por objeto obtener la impunidad del hecho, porque su inclusión importaría un invariable seguro de benignidad, en caso de fracaso parcial de su plan criminal”.

[20] Tradução e trecho colhidos em SANTOS, Juarez Cirino dos. Op.cit., p. 382, n. 13.

[21] SANTOS, Juarez Cirino dos. Op.cit, p. 382.

[22] Veja-se a redação do Código Criminal de 1830: “2º A tentativa do crime, quando fôr manifestada por actos exteriores, e principio de execução, que não teve effeito por circumstancias independentes da vontade do delinquente.” Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-12-1830.htm (acesso em 21.04.2013). Por seu turno o Código de 1890, pontuava que: Art. 13. Haverá tentativa de crime sempre que, com intenção de commettel-o, executar alguém actos exteriores que, pela sua relação directa com o facto punivel, constituam começo de execução, e esta não tiver logar por circumstancias independentes da vontade do criminoso. Disponível em: http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=66049 (acesso em 21.04.2013)

[23] Disponível em: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=110444&tp=1 (acesso em 21.04.2013). Veja-se a redação do início de execução na tentativa: “Início da execução. Art. 24. Há o início da execução quando o autor realiza uma das condutas constitutivas do tipo ou, segundo seu plano delitivo, pratica atos imediatamente  anteriores à realização do tipo, que exponham a perigo o bem jurídico protegido”.

[24] Guilherme de Souza Nucci parece ensaiar posição no sentido de que o Código Penal de 1940 adota a teoria objetiva-individual: “A primeira teoria - objetivo-formal, abrangendo a da hostilidade ao bem jurídico - predominava no Brasil, por ser, em tese, mais segura na averiguação da tentativa. Entretanto, as duas últimas vêm crescendo na prática dos tribunais, especialmente porque, com o aumento da criminalidade, têm melhor servido à análise dos casos concretos, garantindo punição a quem está em vias de atacar o bem jurídico, sendo desnecessário aguardar que tal se realize, desde que se tenha prova efetiva disso. Exemplo sob a ótica das teorias: se alguém saca seu revólver, faz pontaria, pretendendo apertar o gatilho para matar outrem, somente seria ato executório o momento em que o primeiro tiro fosse disparado (sob o critério das teorias objetivo-formal e da hostilidade ao bem jurídico), tendo em vista que unicamente o disparo poderia atacar o bem jurídico (vida), retirando-o do seu estado de paz, ainda que errasse o alvo. Para as duas últimas teorias (objetivo-material e objetivo individual), poderia ser o agente detido no momento em que apontasse a arma, com nítida intenção de matar, antes de apertar o gatilho, pois seria o momento imediatamente anterior ao disparo, que poderia ser fatal, consumando o delito. Não se trata de punir a mera intenção do agente, pois esta estaria consubstanciada em atos claros e evidentes de seu propósito, consistindo o instante de apontar a arma um autêntico momento executório, colocando em risco o bem jurídico (vida). Parece-nos a teoria objetivo-individual a mais acertada”. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: Parte Geral e Parte Especial. 4 ed. São Paulo: RT, 2008, p. 314.

[25] Devo este argumento, integralmente, à observação acurada e pertinente do amigo Felipe Augusto Fonseca Viana.

[26] BITENCOURT, C.R. Tratado de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 210.; SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal. Parte Geral:Lumen Juris/ICPC, 2006, p. 134: “O conhecimento atual das circunstâncias de fato do tipo objetivo deve abranger os elementos presentes (a vítima, a coisa, o documento etc.) e futuros (o curso causal e o resultado) do tipo objetivo...”.

[27] KÜHL, Kristian. Op.cit., p. 369. Trecho original:  “Trotz der Raffinesse der Begründung überzeugt die Annahme eines vorsätzlichen Vollendungsdelikts nicht voll. Der Täter hat durch die erste Handlung seinen Tötungsvorsatz eben nicht verwirklicht , d.h. er ist im Versuch steckengeblieben (§§ 212, 22, 23). Bei der zweiten Handlung befand er sich in einem Tatumstandsirrtum, weil er meinte, eine Leiche vor sich zu haben (=Nichtkenntnis bezüglich des von § 212 geforderten  Tatobjekts, Mensch'), so dass ihm der durch die Zweithandlung bewirkte  Tod allenfalls als fahrlässige Tötung angelastet werden kann (§ 16 I 2: § 222)”.

[28] Conforme pontua a autora: “Ora, o Direito Penal fundamenta a punibilidade da maioria de seus crimes na constatação do dolo. Se, no entanto, tal constatação é comprovadamente uma presunção legal, ou, ainda, uma presunção do órgão julgador, que não tem qualquer base na realidade, a punibilidade deve ser imediatamente afastada”. Cf. KHADER, Eliana Maria. A prova do dolo. 2012, 159f. Dissertação de Mestrado – Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, p. 14.

[29] Sobre a necessidade de se preservar a possibilidade de refutação empírica do acusado no bojo do processo de imputação e lesão do bem jurídico, ver as observações curiais de: TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto Penal. Rio de Janeiro: Del Rey, 2003, p.220 et seq.

[30] E, neste sentido, divergimos de Alonso. Segundo esta autora há uma unidade de ação, “entendendo-se por tal a unidade de comportamento e execução do sujeito ativo”. V. ALONSO, Silvina Andrea. De qué hablamos cuando hablamos del Dolus generalis. Disponível em: http://www.terragnijurista.com.ar/doctrina/dequehablamos.htm

[31] Apud ROXIN, Claus. Op.cit., p. 526: “War also das Opfer bereits tödlich verletzt, so kann die Beschleunigung des Todes durch ein Vergraben oder Versenken den Vorsatz nicht ausschließen; war die Ersthandlung dagegen nicht konkret erfolgstauglich, so fehlt es in der Tat am Vorsatz”.

[32] REIS, M.A.S. O injusto e os elementos subjetivos de justificação. In: Discursos Sediciosos, ano 16, números 17/18. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p. 47 et seq. 


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REIS, Marco Antonio Santos. Considerações sobre a doutrina do dolus generalis e dos desvios causais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3901, 7 mar. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26854. Acesso em: 6 maio 2024.