Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/26916
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Da perda da titularidade de uma marca face à caracterização do instituto da caducidade

Da perda da titularidade de uma marca face à caracterização do instituto da caducidade

Publicado em . Elaborado em .

A caducidade de registro de marca deve ser requerida por terceiro de boa-fé, representante da sociedade fiscalizadora, que terá de provar o interesse em ter aquela marca para si. Trata-se de medida sancionatória que protege a sociedade, que não deve ser ludibriada com o aparecimento de marcas falsas.

“Liberdade é o direito de fazer tudo que a lei permite”

Barão de Montesquieu

Resumo: O trabalho tem como foco a perda da titularidade de uma marca em face da caracterização do instituto da caducidade. Ao tratarmos de marcas, vem-nos de imediato à mente a lembrança de grandes empresas dos mais variados ramos de produtos ou serviços. O Estado confere ao criador a titularidade da sua marca, ou seja, ele passará a ter o direito de propriedade sobre a mesma. Como consequência dessa titularidade, advém o direito de explorá-la em caráter exclusivo, podendo usar-se de meios administrativos e judiciais para defender-se do uso indevido ou não autorizado de sua marca por parte da desleal concorrência. O Estado preza para que a propriedade de uma marca fique sempre nas mãos de um só titular. Entretanto, apesar dessa intenção estatal, existe a possibilidade de tal fato não ocorrer, culminando na perda da titularidade. Apresentamos, então, o instituto da Caducidade, foco prior de nosso trabalho. Abordaremos também a sua prática, prevista na nova lei que regula a propriedade industrial no Brasil (Lei nº 9.276 de 14 de maio de 1996), e concluímos que o instituto da caducidade é verdadeiramente pouco utilizado no Brasil devido a um desconhecimento de grande parte da sociedade.

Palavras-chave: Propriedade Industrial. Marcas. Extinção da titularidade. Caducidade.

Sumário: INTRODUÇÃO.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ACERCA DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL.1.1 Breves noções acerca da propriedade.  1.1.1 Da propriedade industrial.1.2 Dos bens..1.2.1 Dos bens móveis e imóveis.1.3 Evolução histórica da propriedade industrial em âmbito global. 1.4 Evolução histórica da propriedade industrial no Brasil.1.5 Dos objetos abrangidos pela propriedade industrial.1.5.1 Da patente.1.5.2 Da marca.1.5.3 Do desenho industrial..1.5.4 Repressão à falsa indicação geográfica..1.5.5 Repressão à falsa concorrência desleal...1.6 Convenções e acordos internacionais relativos à propriedade intelectual..1.6.1 A Convenção de Paris..1.6.2 O TRIPs..1.6.3 O Acordo de Madrid...1.7 Direito Autoral e Direito Industrial....2. DAS MARCAS....2.1 Compreensão ao longo dos momentos históricos da humanidade...2.2 Do conceito de marcas...2.3 Da classificação das marcas...2.3.1 Marcas quanto à sua natureza..2.3.1.1 Marca de produto ou serviço..2.3.1.2 Marca de certificação.2.3.1.3 Marca coletiva..2.3.2 Marcas quanto à sua forma.2.3.2.1 Marca nominativa..2.3.2.2 Marca figurativa..2.3.2.3 Marca mista...2.3.2.4 Marca tridimensional.2.3.3. Situações excepcionais...2.3.3.1 Marcas de alto renome...2.3.3.2 Marcas notoriamente conhecidas.2.4 Das funções das marcas.2.5 Das razões legitimadoras da propriedade industrial..2.5.1 Da razão social legitimadora do registro de uma marca.3. DO INSTITUTO DA CADUCIDADE.3.1 Da titularidade de uma marca..3.1.1 Dos sistemas de reconhecimento do direito de propriedade..3.2 Dos princípios norteadores da proteção de uma marca..3.3 Do pedido de registro de uma marca.3.3.1 Dos requisitos necessários para o pedido..3.3.2 Do processo administrativo de obtenção da titularidade...3.4 Da perda da titularidade de uma marca.3.5 Do instituto da caducidade.CONCLUSÃO.REFERÊNCIAS. APÊNDICE.


INTRODUÇÃO

O mundo hoje vive em constante crescimento e modificação. Com os avanços tecnológicos, principalmente na área dos transportes e da informática, diminuíram-se as distâncias, o que acabou por facilitar as relações comerciais.

Atualmente, é fácil e rápido adquirir produtos de empresas localizadas em continentes distantes com segurança e comodidade. Devido a essa globalização constante, algumas empresas foram se destacando no mercado e aumentando seus investimentos ao redor do planeta. Essa conquista foi possível principalmente pela força de sua marca.

Ao tratarmos de marcas, imediatamente nos vem à mente a lembrança de grandes empresas dos mais variados ramos de produtos ou serviços, sejam eles no âmbito dos produtos esportivos (Nike), vestimentas (Tommy Hilfiger), automobilísticos (BMW), de bebidas – sejam elas alcoólicas ou não – (Antarctica; Coca Cola), de entretenimento (TV Globo), de eletrodomésticos (Brastemp), de informática (Microsoft), entre outros.

Entretanto, essa procura por sinais identificadores nos remete à Antiguidade humana, quando, desde os tempos dos homens das cavernas, os símbolos já eram usados como forma de identificação, sendo, no entanto, usados basicamente para identificação de propriedade, como, por exemplo, na marcação do rebanho.

Posteriormente, chegamos à Grécia Antiga, onde havia grande disseminação na arte dos trabalhos em cerâmica, e esses sinais eram usados como identificação do trabalho de cada artista, assim como também no Império Romano, quanto à autoria de trabalhos literários e científicos, além da China, no caso de suas famosíssimas porcelanas.

A marca é vista como fator fundamental de comercialização, haja vista que, para o proprietário, ela age como um meio de fidelização de uma clientela e, para os consumidores, a orientação para a compra de um produto ou serviço confiável.

Ocorre que, por muitas vezes, por ser tão forte e consolidada no mercado, essa marca acaba se tornando sinônimo de seu próprio produto. Vejamos, por exemplo, a esponja de aço Bombril. O poder que essa marca exerce sobre a sociedade consumidora é tão forte, que, ao irmos ao supermercado, não procuramos por esponjas de aço, e sim por Bombril; o mesmo acontece com os sabões em pó, pois procuramos por Omo; também no caso do leite condensado, procuramos por Leite Moça, entre outros exemplos.

Todavia, devido a motivos alheios à vontade de seu dono, essa marca pode deixar de ser explorada, caindo no esquecimento do público. Um dos motivos que gera essa perda de titularidade é a ocorrência do instituto da caducidade, que se caracteriza basicamente pelo não uso ou uso indevido da marca por parte de seu titular, possibilitando que alguém (terceiro interessado) venha a adquiri-la e comece a explorá-la de maneira correta.

Devido à pouca proteção oferecida legislação brasileira às marcas, essa baseia-se basicamente nos princípios da territorialidade e da especialidade. De acordo com o primeiro princípio, todo registro de uma marca deve obedecer à legislação do país onde essa proteção está sendo pleiteada. Já o segundo princípio nos fala que, para que seja concedida essa proteção, o possível titular (depositante) deverá especificar qual o tipo de produto ou serviço ao qual a marca será destinada.

A justificativa para este trabalho baseia-se no interesse Estatal de fazer com que uma marca continue sempre nas mãos do dono original, pois, diferentemente do que ocorre com as patentes, em que o Estado deseja que aquela tecnologia chegue à população o mais rápido possível e com menos custos, por isso limitando a titularidade ao criador, aqui, nas marcas, o Estado cumpre sua função social de fiscalizador da ordem, pois, mantendo a marca nas mãos de um só dono, evita que a sociedade venha a ser ludibriada por marcas falsas ou copiadas.

Como objetivo geral, mostraremos a história das marcas em âmbito mundial e nacional, bem com estudaremos como chegar a ser dono de uma marca, quais os princípios que regem o direito das marcas no ordenamento jurídico brasileiro e como perdê-la. Para isso, apresentaremos a análise da possibilidade da perda ou extinção da titularidade de uma marca, através da caracterização do instituto da caducidade.

 Como objetivos específicos, temos: avaliar elementos que poderão viabilizar o reconhecimento da titularidade de uma marca; identificar a partir de qual momento se caracteriza o aparecimento da caducidade; e analisar se o citado instituto é realmente pouco conhecido devido a um desconhecimento da sociedade ou em virtude de desinteresse por parte dos empresários e do Estado.

Quanto aos aspectos metodológicos, no que diz respeito à tipologia da pesquisa, as hipóteses foram investigadas por meio de pesquisa bibliográfica. Quanto à utilização dos resultados, a pesquisa é pura, tendo por finalidade ampliar o campo de conhecimento do pesquisador para uma nova adoção de posição. Segundo a abordagem, é qualitativa, na medida em que se aprofunda na compreensão doutrinária e jurisprudencial do tema em estudo. Quanto aos objetivos, a pesquisa é descritiva, pois busca demonstrar, descrever, explicar, classificar, esclarecer e interpretar o fenômeno observado, e exploratória, já que objetiva aprimorar as ideias por meio de informações sobre o tema em foco.

O trabalho é composto de 03 (três) partes, juntamente com uma conclusão, dispostos da seguinte forma:

No primeiro capítulo, apresentaremos a origem do termo “propriedade”, assim como o desenvolvimento da Propriedade Intelectual e sua aplicação no sistema jurídico brasileiro. Faremos, ainda, uma breve explanação sobre os objetos abrangidos pela propriedade industrial e como se dá a estruturação operacional do Direito Industrial, bem como acerca da evolução histórica da proteção à Propriedade Industrial através, principalmente, das convenções e acordos internacionais relativos à propriedade intelectual e dos Princípios a ela relacionados, culminando com a diferença entre direito autoral e industrial.

O segundo capítulo tratará da evolução histórica das marcas e sua entrada no ordenamento jurídico brasileiro, bem como da classificação das marcas quanto à natureza, à forma e aos casos excepcionais de marcas. Trataremos também de suas funções e das razões legitimadoras da propriedade industrial.

No terceiro capítulo, abordaremos os princípios norteadores da proteção de uma marca, explicaremos como se dá o pedido de registro de uma marca, através de todo o seu processo administrativo e, por fim, como se dá a perda da titularidade de uma marca, tratando mais especificamente do instituto da caducidade, alvo principal de nossa pesquisa monográfica, recurso esse ainda pouco utilizado no Brasil devido a sua falta de conhecimento pela sociedade.


1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ACERCA DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL

Iremos buscar, neste capítulo, explicar as origens da propriedade, juntamente com a diferenciação de bens corpóreos e incorpóreos, para, em seguida, tratar da Propriedade Intelectual, como esta progrediu na sociedade e quais direitos se desenvolveram a partir dela.

Posteriormente, passaremos a analisar da evolução da Propriedade Industrial no âmbito global e brasileiro, citando as legislações, acordos e tratados pertinentes ao assunto, assim como os possíveis Princípios que poderão ser aplicados na solução de conflitos e no estudo dessa Propriedade.

Por último, trataremos das semelhanças e diferenças entre os Direitos Industrial e Autoral, os quais são ramificações da Propriedade Intelectual, apresentando definições deveras relevantes para o item referente ao objeto de aplicação e estruturação operacional do Direito Industrial.

1.1 Breves noções acerca da propriedade

O ser humano é dotado de inteligência, justamente por isso sempre encontrou meios de melhorar a sua vida, tornando-a mais simples. Através de inúmeras descobertas e criações, como a fabricação de armas para caça e recipientes de barro para guardar alimentos e instrumentos, o homem foi evoluindo gradativamente.

Desde que veio ao mundo, o ser humano sempre procurou meios de facilitar a condução da sua vida. Na pré-história, o homem já utilizava a sua inteligência para criar bens que suprissem sua necessidade. Nesse período, a natureza era a matéria-prima, daí as roupas, que eram feitas com peles de animais e as armas com diferentes materiais: madeira, osso, pedra lascada, pedra polida e metal.

Durante o Período Paleolítico, o homem começou a confeccionar seus primeiros instrumentos através de pedaços de madeira, osso e pedra lascada, formando os antigos machados e facas que usou para caçar em climas extremamente frios. Porém, foram a descoberta e o controle do fogo as maiores realizações humana desse período, de tal maneira que o uso das primeiras ferramentas e o domínio do fogo possibilitaram a esse homem vencer dois grandes inimigos – o frio e a fome.

Durante o Neolítico, destaca-se o uso de grandes toras rolantes, que representam o início rudimentar do emprego da roda, uma das mais extraordinárias invenções humanas. Já a Idade dos Metais caracterizou-se pelo desenvolvimento e difusão do processo de fundição de metais, como o cobre, o bronze, e o ferro.

Como não existia a noção de posse privada dentro de uma tribo, os primeiros seres humanos, que eram nômades, dividam tudo que encontravam em suas viagens entre si, o que ia desde os adereços usados em suas vestimentas até a alimentação.

Contudo, estas mesmas tribos passaram a se proliferar cada vez mais, gerando novas tribos (ou comunidades), que se multiplicaram no decorrer do tempo. Foi preciso então delimitar o que pertencia a cada uma delas. Marcar seus pertences, utilizando principalmente de sinais que os identificassem e os diferenciassem dos demais, foi a forma mais adequada e fácil que o homem encontrou para distinguir suas posses.

O período exato da história que nos remonta ao nascimento desses sinais identificadores, conhecidos como marcas, é incerto e ainda gera discussão fervorosa no entendimento doutrinário. Duas são as correntes que se destacam: aqueles doutrinadores que datam o início do aparecimento dessas marcas na Antiguidade e aqueles que defendem que as mesmas só vieram a existir na Idade Média. 87216903

Aqueles que defendem seu aparecimento na Antiguidade, como Douglas Gabriel Domingues (1980, p.03), justificam que desde a Roma Antiga as marcas já eram usadas como forma de identificação de rebanhos e gado. Contudo, pode-se afirmar que durante esse período não havia mensuração econômica, pois não se buscava conquistar clientes, e sim apenas distinguir suas posses das demais.

Pensamento contrário vem de autores como Remo Franceschelli e João da Gama Cerqueira, que entendiam que as marcas só começaram a existir a partir do momento que possuíam um valor mercantil. Cerqueira, citada por Maitê Moro (2003, p. 26), é enfático ao dizer: “É, pois, na Idade Media que as marcas vão encontrar sua origem com o caráter de propriedade, que ainda hoje conservam e com finalidade mais aproximada da função econômica que as caracteriza na época contemporânea”.

Alheio a essa discussão doutrinária, percebemos que, a partir de determinado momento, o homem sentiu necessidade de identificar o que era seu, passando a pensar mais em como tiraria proveito econômico daquilo que lhe pertencia. Com o passar dos tempos, percebeu que teria que criar algum meio que identificasse quais eram seus pertences. Nasceram, assim, as marcas.

1.1.1 Da propriedade industrial

Todo homem possui em maior ou menor grau um potencial criativo. Atualmente, percebemos a evolução da sociedade em termos tecnológicos e econômicos. Isto tem sido fruto da criação humana, que, diariamente, está inventando coisas ou melhorando as que já existem.

Inicialmente, a criação é de um só tipo, seja ela uma ideia abstrata, uma invenção ou uma obra artística, “o que se protege é o fruto dessa atividade, quando esta resulta numa obra intelectual, ou seja, uma forma com unidade suficiente para ser reconhecida como ela mesma” (SILVEIRA, 1998, p. 14).

A Propriedade Intelectual surgiu ao mesmo tempo em que o homem sentiu necessidade de proteger as suas criações, fossem elas artísticas, científicas ou literárias. Ao direito dessas pessoas de terem protegidos os seus bens imateriais, chama-se Direito Intelectual.

Neste contexto, é que começaram as primeiras proteções, haja vista, na Antiguidade, serem passíveis de proteção apenas os emblemas e brasões. Logo em seguida, “durante a segunda metade do século XV, é que se iniciou a proteção contra as imitações indevidas das obras dos autores de obras literárias que não queriam que estas fossem copiadas ou reproduzidas sem a autorização deles”. (DI BLASI, 2005, p. 01).

Explica Gabriel Di Blasi (2005, p. 29) que “A propriedade intelectual volta-se para o estudo das concepções inerentes aos bens incorpóreos que, de modo geral, podem ser enquadrados nas categorias: artísticas, técnicas e científicas”.

É importante que analisemos o conceito de propriedade intelectual sob a ótica jurídica, pois ela é o ramo do direito que visa tutelar a relação dos autores ou inventores com os bens resultantes de sua atividade inventiva. Apesar de existir legislação específica, a Lei da Propriedade Intelectual, em havendo lacunas, ela será norteada pelo Código Civil.

Nos dizeres de Walter Brasil Mujalli (1997, p.20), a propriedade intelectual: “[...] corresponde ao produto do pensamento e da inteligência humana, que também tornou-se, com o passar dos tempos, objeto da propriedade industrial.”

Observamos que o autor nos revela que a propriedade intelectual estuda o pensamento inicial do inventor, ou seja, em que ele pensou quando foi realizar a sua invenção. Já a Enciclopédia Britânica Barsa (1990, v. 13, p. 46) traz um conceito mais abrangente acerca do tema em análise:

O direito de propriedade industrial compreende o conjunto dos institutos jurídicos destinados a garantir os direitos do autor no campo da inteligência humana aplicada à indústria; e assegurara a lealdade da concorrência. [...] O direito de propriedade industrial tem dois institutos básicos: as invenções, que resultam da criação e os sinais distintivos, que resultam de ocupação.

A invenção é a criação da inteligência na resolução de um problema técnico. Não se confunde com a descoberta, em que a coisa já existe na natureza.

De acordo com a Convenção da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), a propriedade intelectual é:

a soma dos direitos relativos às obras literárias, artísticas e científicas, às interpretações dos artistas intérpretes e às execuções dos artistas executantes, aos fonogramas e às emissões de radiodifusão, às invenções em todos os domínios da atividade humana, às descobertas científicas, aos desenhos e modelos industriais, às marcas industriais, comerciais e de serviço, bem como às firmas comerciais e denominações comerciais, à proteção contra a concorrência desleal e todos os outros direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios industrial, científico, literário e artístico. (WIKIPÉDIA, 2010, on-line)

A criação artística e a técnica são frutos da criação humana. A primeira corresponde a bens relacionados à cultura, como livros, músicas, esculturas, pinturas entre outras, enquanto que a segunda refere-se a outro tipo de bens, desta vez, corpóreos, que foram criados através de um processo industrial. Já a criação científica não é passível de apropriação, pois se trata de uma descoberta, ou seja, é algo que já existia na natureza e que um homem, no alto de sua capacidade intelectual, descobriu, levando-a ao conhecimento público.

O Brasil, apesar de ter sido partícipe originário dos mais importantes acordos internacionais relacionados à propriedade industrial (que serão estudados no tópico 1.6 deste capítulo), teve uma compreensão e aplicação do direito industrial muito tardia em relação aos países europeus. É só pegarmos como exemplo a Grécia e a Roma antiga, que, desde a Antiguidade, já tinham noção dos direitos de seus intelectuais sobre suas criações.

No ano de 1623, o rei inglês sanciona o Statute of Monopolies (Estatuto dos Monopólios), criado pelo Parlamento Britânico. Esta lei, que vigorou na Inglaterra por quase dois séculos, influenciou consideravelmente o desenvolvimento do direito da propriedade industrial norte-americano (DI BLASI, 2005, p. 03).

Em maio de 1787, representantes de estados americanos reuniram-se para elaborar a Constituição dos Estados Unidos. Meses depois, em setembro, foi aprovada uma proposta de cláusula referente à proteção dos direitos de autores e inventores, sendo inserida no texto constitucional americano.

No Brasil, a primeira lei referente à propriedade industrial foi a Lei nº 5.772 de 21/12/1971, muito tardia em relação a algumas leis dos países mais importantes do mundo.

Para efeito de comparação, temos que, nos EUA, a primeira lei sobre o assunto data de maio de 1790; na França, foi em 1791; na Suíça, remonta ao ano de 1890; na Áustria, 1810; na Rússia, 1812; na Prússia, em 1815; na Bélgica e na Holanda, simultaneamente, em 1817; na Espanha, 1820; na Bavária (Alemanha), 1825; na Sardenha (Itália), 1826; no Vaticano, em 1833; na Suécia, 1834; Portugal foi em 1837 e na Saxônia (Alemanha), em 1843 (DI BLASI, 2005, p. 05).

Data do séc. XVIII a primeira referência a um direito concedido pelo Estado Brasileiro para um inventor. Gabriel Di Blasi (2005, p. 05) nos traz essa informação: “No Brasil a primeira notícia relativa à outorga de privilégios remonta ao ano de 1752 quando, pelo prazo de 10 anos, foi concedido um monopólio para a exploração de ‘uma máquina para descascar arroz’ ao seu inventor, proibindo a sua utilização por outros produtores”.

Pela ausência de muitas formalidades para sua transmissão e por não possuir uma existência formal, é a propriedade intelectual classificada como bem imaterial móvel. A Lei n.º 9.279, de 14 de maio de 1996, que regula os direitos e obrigações relativos à propriedade industrial,  em seu artigo 5º, define que, para efeitos legais, os direitos da propriedade industrial são bens móveis.

Segundo Newton Silveira (1998, p. 14), o direito sobre a propriedade os bens imateriais somente passou a ter sentido e maior necessidade quando o homem criou um meio capaz de reproduzir em larga escala as obras intelectuais:

Somente, porém, com o surgimento da imprensa de Guttemberg e seu desenvolvimento, permitindo a difusão de idéias pela multiplicação de exemplares, e os primórdios da Revolução Industrial (que alguns autores fazem remontar na Inglaterra, França e Estados alemães ao século XVI), implicando a passagem das formas de produção artesanal para a industrial por meio da máquina, é que a humanidade passou a perceber que aquilo que foi criado pelo inventor ou escritor não se exauria no materialmente executado, era algo além deste, era uma forma, que podia ser reproduzida e multiplicada, e que podia representar riqueza.

Antes dos bens imateriais receberem proteção legal, foram muitos os artistas que, reconhecendo o seu trabalho intelectual para a criação da obra e sabendo da inexistência de proteção, criaram formas de autoproteção, que consistiam na utilização de códigos para evitar que suas obras fossem plagiadas. O maior ícone dessa prática foi Leonardo da Vinci, grande contribuidor do desenvolvimento artístico, técnico e científico mundial, que era mestre nesse tipo de codificação visando proteger suas obras.

1.2 Dos bens

Ressaltamos que os direitos patrimoniais estão relacionados aos bens corpóreos e aos incorpóreos, sabendo-se que, segundo a definição de Silvio Rodrigues (2002, p. 115), bens “são aquelas coisas que, sendo úteis aos homens, provocam a sua cupidez e, por conseguinte, são objeto de apropriação privada”. No mesmo sentido, Carlos Roberto Gonçalves (2006, p. 239) aduz que bens “são coisas materiais, concretas, úteis aos homens e de expressão econômica, suscetíveis de apropriação, bem como as de existência imaterial economicamente apreciáveis”.

Os Romanos foram os primeiros a classificarem seus bens. Eles eram diferenciados de acordo com a sua materialidade, sendo considerados bens corpóreos ou materiais e incorpóreos ou imateriais, ou seja, tendo em vista seu aspecto de possuírem ou não materialidade física. Nesse sentido, Sílvio de Salvo Venosa (2002, v. 01, p. 305) aduz:

Bens corpóreos são aqueles que nossos sentidos podem perceber: um automóvel, um animal, um livro. Os bens incorpóreos não têm existência tangível. São direitos das pessoas sobre as coisas, sobre o produto de seu intelecto, ou em relação a outra pessoa, com valor econômico: direitos autorais, créditos, invenções.

Logo, podemos entender como bem material aquilo que é palpável, maleável, que se vê, enquanto o bem imaterial é aquele que não se pode pegar, classificado como abstrato, não é concreto, todavia também é passível de apropriação.

Entretanto, é necessário que se saiba que nem tudo existente no mundo é passível de propriedade, haja vista sua abundância na natureza, deixando assim de ser considerado um bem econômico, pois “só se configura bem econômico aquele que, sendo útil ao homem, existe em quantidade limitada no Universo.” (RODRIGUES, 2002, p. 115).

O entendimento trazido por Silvio Rodrigues é o de que o homem não poderá ser proprietário de coisas que existem abundantemente no Universo, tais como o ar atmosférico, a areia da praia e a luz solar ou lunar, haja vista não poderem ser armazenados e não gerarem lucros a quem as possua.

Nesse mesmo diapasão, Gabriel Di Blasi (2005, p. 27) afirma que a Propriedade Intelectual trata-se do direito que está relacionado às criações intelectuais, sendo estas consideradas como bens incorpóreos móveis e que, mesmo não possuindo materialidade física, são objeto de direito de propriedade, sendo, portanto, passíveis de apropriação.

No tocante a isso, o doutrinador, seguindo o mesmo raciocínio lógico de Silvio Rodrigues, afirma que as criações intelectuais, consideradas como bens incorpóreos móveis, podem ser objeto de apropriação, todavia, para que lhe seja concedida essa propriedade, faz-se necessário observar se aquela criação já não existe, haja vista que a proteção não atinge invenções que já são existentes na sociedade.

1.2.1 Dos bens móveis e imóveis

A diferenciação entre bens móveis e imóveis se dá na medida em que os móveis são bens que, pela sua própria essência, se movimentam, como, por exemplo, uma cadeira, um computador, entre outros, além de sua aquisição não exigir formalidades, sendo, por isso, comuns no dia-a-dia, pois sua propriedade é transferida pela simples tradição.

Já os imóveis são aqueles que exigem uma série de formalidades, pois sua transferência só é perfeita quando da transferência no cartório de registro de imóveis. Podem ser dados em garantia através de hipoteca e são impossíveis de ser transportados, excetuando-se as previsões legais.

1.3 Evolução histórica da propriedade industrial em âmbito global

Após anos e anos de evolução, além de dominar o fogo o homem passou a também dominar a água e conhecer melhor a natureza e seus semelhantes. E foi nesta mesma natureza que o homem começou a dar seus primeiros passos em descobertas e criações que vieram a facilitar sua sobrevivência, como, por exemplo, modelando argila e construindo recipientes para guardar alguns alimentos e objetos.

Em seguida foi descobrindo a pedra de sílex, assim como diz Walter Brasil Mujalli (1997, p.19): “lascando-os com outras pedras, com os quais, confeccionou os seus primeiros instrumentos de proteção contra os animais, e outros, que lhe propiciavam a sua defesa e sobrevivência, como seus arpões, lanças, machados, arcos, flechas e anzóis”.

Na Antiguidade, as invenções, as criações artísticas e as descobertas não gozavam de qualquer tipo proteção legal, haja vista a impossibilidade de se proteger um bem imaterial como o fogo ou a água, que não faziam parte do patrimônio material do homem. As exceções eram alguns emblemas e brasões reais que eram imitados.

Pior situação enfrentavam os artistas, como escritores e pintores, que não possuíam nenhum tipo de proteção para suas obras, sendo essas muitas vezes copiadas sem autorização ou até mesmo ciência de seus criadores. A saída utilizada por tais artistas era codificar suas obras com caracteres enigmáticos, e o maior exemplo de uso desse recurso emblemático foi Leonardo Da Vinci.

Contudo, com o passar dos anos, o homem, ao sentir a necessidade de proteger o seu patrimônio, passou a criar métodos de proteção dos seus bens, fossem eles materiais ou imateriais. Os primeiros sinais de proteção à propriedade intelectual somente foram surgir em meados do século XV, Gabriel Di Blasi (2005, p. 01) assim nos explica:

Na segunda metade do século XV, tem-se conhecimento dos primeiros casos de proteção, oficialmente concedida a autores de obras literárias. Com o surgimento dos processos mecânicos primitivos de impressão gráfica, possibilitando a impressão de grande número de exemplares, os escritores daquela época foram impelidos a reivindicar, junto às autoridades locais, os direitos oficiais de autoria a fim de resguardar suas obras das reproduções indevidas.

Cronologicamente mais recente, temos os indígenas, exemplos de como aproveitar a natureza para criar bens para a sua sobrevivência, como no caso dos medicamentos, em que até hoje a medicina se utiliza desses conhecimentos, daí a origem da medicina natural.

1.4 Evolução histórica da propriedade industrial no Brasil

No Brasil, a Propriedade Industrial ganhou destaque desde 1971 com o desenvolvimento do processo industrial e das relações comerciais do País com outras nações. Di Blasi (2005, p. 5), em sua obra doutrinária, alude à primeira notícia a respeito da outorga de privilégios sobre um invento criado por brasileiro:

No Brasil, a primeira notícia relativa à outorga de privilégios remonta ao ano de 1752 quando, pelo prazo de 10 anos, foi concedido um monopólio para exploração de “uma máquina para descascar arroz” ao seu inventor, proibindo a sua utilização por outros produtores.

Conforme a transcrição acima, percebemos que essa concessão do monopólio para a exploração de “uma máquina para descascar arroz” veio a desencadear uma série de legislações que viriam a proteger os proprietários das invenções industriais, acarretando, na sociedade, o espírito da evolução.

Dessa forma, surge a primeira providência em caráter oficial no campo da propriedade industrial, que objetivava estimular o progresso nacional nas áreas da indústria e do comércio. O Alvará do Príncipe Regente de 28 de abril de 1809 assim decidiu, e Gabriel Di Blasi (2005, p.6) o transcreveu:

O objetivo deste Alvará é de promover a felicidade pública dos meus vassalos e ficam estabelecidos com esse desígnio princípios liberais para a prosperidade do Estado do Brasil, especialmente necessários para fomentar a agricultura, animar o comércio, adiantar a navegação e aumentar a povoação [...] Ordeno que todas as pessoas que estiverem neste caso apresentem o plano de seu novo invento à Real Junta do Comércio e que, reconhecendo a verdade do fundamento dele, lhes conceda o privilégio exclusivo de 14 anos, ficando obrigados a publicá-lo para que no fim deste prazo toda a Nação goze do fruto desta invenção. 

A Constituição Imperial de 1824 e as legislações ulteriores mantiveram a proteção dada pelo Alvará de 1809, mas com modificações, de forma a harmonizá-la com os interesses concernentes a cada época e com os acordos assinados com outras nações. Nos dizeres de Luiz Pimentel (1994, p. 121), “a Constituição Imperial de 1824, no seu artigo 179, XVI, manteve a proteção aos inventores, seguindo a mesma ordem estabelecida pelo Alvará de 1809”.

Nesta Constituição, entre as garantias dos direitos dos cidadãos, pela primeira vez foi feita menção ao privilégio exclusivo e temporário para os “proprietários” das invenções. Contudo, ainda não se cogitava sobre as marcas, nem outras garantias e prerrogativas industriais na citada Constituição.

A Constituição de 1891, em seu artigo 72, §§25 e 27, renovou a garantia da propriedade dos inventos, na declaração de direitos dos cidadãos, acrescentando apenas a propriedade das marcas de fábrica. Esse foi o primeiro passo relativo à inclusão das marcas no nosso ordenamento, pois a inclusão desse instituto trouxe uma maior abrangência, no que diz respeito à questão de quais objetos da Propriedade Industrial seriam tratados pelas Constituições brasileiras, havendo uma integração das marcas nesse sentido. 

A Constituição Brasileira de 1934 seguiu a Constituição de 1891, somente estendendo as garantias ao nome comercial. Entretanto, a Constituição de 1937 não fez em nenhum momento menção aos direitos dos inventores, à propriedade das marcas e ao uso do nome comercial.

O primeiro Código de Propriedade Industrial, que foi instituído pela Lei nº. 5.772, de 21 de dezembro de 1971, vedava a proteção industrial a determinadas áreas, entre elas a farmacêutica. O artigo 9º as referida lei trazia que

Art. 9° Não são privilegiáveis:

[...]

c) as substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos, de qualquer espécie, bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação;

Com isso, a indústria farmacêutica brasileira começou a bater recordes de lucro cada vez maiores, enquanto que as indústrias farmacêuticas estrangeiras buscavam ganhar o nosso mercado, pressionando o Brasil para que este concedesse patentes na área. Em função disso, o Brasil sofreu muitas pressões, principalmente americanas, para ampliar o rol de produtos passíveis de proteção patentearia.

Os Estados Unidos fizeram muita pressão e até impuseram embargos econômicos a produtos brasileiros, até que, depois de muitas discussões sobre o tema e vários projetos de lei, em 14 de maio de 1996, foi sancionada a Lei nº. 9.279, que é a atual Lei das Patentes.

Em relação à matéria constitucional, a Constituição Federal em seu artigo 5º, XXVII a XXIX, assegura aos autores dos bens imateriais passíveis de propriedade todos os seus direitos.

Na seara infraconstitucional, foram promulgadas e regulamentadas ainda diversas leis, tais como: Decreto nº 635, de 21 de agosto de 1992; o Decreto nº 1.355, de 30 de dezembro de 1994; a própria Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996; o Decreto nº 2.553, de 16 de abril de 1998; o Decreto nº 3.201, de 6 de outubro de 1999; a Lei 10.196, de 14 de fevereiro de 2001; a Lei nº 10.603, de 17 de dezembro de 2002 e o Decreto nº 4.830, de 4 de setembro de 2003.

Segundo Kleber Cavalcanti Stéfano (ano X, nº 223, p. 38), “o Brasil foi o quarto país no mundo a tomar a iniciativa de utilizar mecanismos de proteção aos interesses e direitos de seus inventores”. Com isso, o Brasil passou a disputar com outros países o direito à proteção pelos seus bens industriais.

Destarte, podemos concluir que, ao longo dos anos, várias legislações surgiram com o desiderato de assegurar aos proprietários dos bens industriais os seus direitos, juntamente com a devida proteção diante do seu direito de propriedade.

1.5 Dos objetos abrangidos pela propriedade industrial

Os direitos e deveres relativos à propriedade industrial estão elencados e são regidos pela Lei 9.279/1996. O artigo 2º prevê que a propriedade industrial pode ser exercitada por meio da patente de invenção e de modelo de utilidade; do registro da marca; do registro do desenho industrial; da repressão às falsas indicações geográficas e da repressão à concorrência desleal.

1.5.1 Da patente

Entende-se por patente o direito concedido pelo Estado àquele que inventou (patente de invenção) ou proporcionou uma melhora num objeto já existente (patente de modelo de utilidade) – seja ele patenteado ou não, pois o objeto da patente de modelo de utilidade é a proteção do melhoramento e não do objeto em si que sofreu o aperfeiçoamento – sabendo-se que esse direito será exercido por tempo determinado.

A Lei 9.279/96 traz essa possibilidade de concessão do registro da patente, do qual emana o direito de exclusividade. Este direito consiste em proporcionar ao titular de uma patente concedida pelo Estado a exploração exclusiva do objeto criado, podendo ser feito pessoalmente ou por meio de terceiros, desde que com a sua ciência e autorização.

A mesma Lei, em seu artigo 9º, prevê a patenteabilidade do modelo de utilidade como “[...] o objeto de uso prático, ou parte deste, suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou disposição, envolvendo ato inventivo, que resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação”. Corroborando com esse conceito Di Blasi (2005, p. 48) traz:

O modelo de utilidade é entendido como toda forma nova conferida – envolvendo esforço intelectual criativo que não tenha sido obtido de maneira comum ou óbvia (ato inventivo, ou seja, atividade inventiva em menor grau) – a um objeto de uso prático, ou parte dele suscetível de aplicação industrial, desde que, com isto, se proporcione um aumento de sua capacidade de utilização.

Já a patente de invenção diz respeito à invenção propriamente dita, ou seja, a criação de um objeto ainda desconhecido e que respeite os requisitos de patenteabilidade, quais sejam: novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.

A invenção ou o modelo de utilidade são considerados novos quando não compreendidos no estado da técnica. Assim, apresentamos a “definição do Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes que considera nova a invenção que na data do correspondente depósito do pedido de patente, não se encontra compreendida pelo estado da técnica.” (DI BLASI, 2005, p. 214)

Considera-se estado da técnica “tudo aquilo tornado acessível ao público antes da data de depósito do pedido de patente, por descrição escrita ou oral, por uso ou qualquer outro meio, no Brasil ou no exterior”, de acordo com o artigo 11 §1º da Lei 9.279/96. Vale ressaltarmos que para que se configure esse estado da técnica não é necessário que a sociedade em geral tenha tido conhecimento, bastam algumas pessoas.

O requisito da atividade inventiva está ligado a um requisito auferido por técnicos, que avaliarão se foi necessário um esforço inventivo para a criação, não podendo decorrer de forma evidente ou óbvia do estado da técnica, estando esta definição disposta nos artigos 13 e 14 da Lei 9.279/96.

Já a aplicação industrial, terceiro requisito a ser analisado, relaciona-se à capacidade que tem o invento de ser produzido em larga escala. Ou seja, o Estado não concede patentes que não tenham como fim uma produção industrial em massa. Define esta exigência o artigo 15 da Lei 9.279/96.

Para ilustrar, tem-se que o freio é uma invenção (patente de invenção), posteriormente um inventor aperfeiçoou esse freio, criando o sistema ABS, que evita que haja o travamento dos pneus no momento da frenagem. Dessa forma, houve um melhoramento de uma invenção, ou seja, um modelo de utilidade.

1.5.2 Da marca

A marca pode ser conceituada como sendo a identificação de um determinado produto ou serviço frente a outros no mesmo gênero ou ramo de atividade, visando garantir ao titular da marca a fidelização de uma clientela, e protegê-lo, pois este sempre está atrás da loja ou do fabricante que mais lhe transmitir credibilidade. Denis Borges Barbosa (2003, p. 801) assim formula um conceito sobre as marcas:

A marca, ao designar um produto, mercadorias ou serviço, serve para em princípio pra identificar a sua origem; mas, usada como propaganda, além de poder também identificar a origem, deve primordialmente incitar ao consumo, ou valorizar a atividade empresarial do titular.

A Lei nº. 9279/96 define a marca como qualquer símbolo que seja distinguível, contanto que não expressamente proibido por lei. Entretanto, a referida lei, ao contrário da antiga Lei nº. 5.772, de 21 de dezembro de 1971, não traz em seu bojo exemplos de marcas que poderão ser registradas, fato esse que ampliou o número de espécies de marca registráveis, entre elas a marca tridimensional.

Como vimos, a marca tem como um dos objetivos fidelizar uma clientela. Desta forma, a marca possui valor econômico, sendo parte integrante do patrimônio incorpóreo do seu titular, seja ele pessoa física ou jurídica, sendo que, muitas vezes, principalmente quando a marca atinge um nível muito elevado de confiabilidade, o patrimônio corpóreo de uma empresa tem valor inferior ao de sua própria marca.

A importância dada à marca pelo consumidor pode ser de tal dimensão que pode acarretar uma confusão entre a marca e o produto, ou seja, em determinados casos, a marca e o produto se confundem. Gabriel Di Blasi (2005, p. 331) aborda o tema da seguinte maneira:

[...] o sinal nominal ou figurativo aplicado em um bem material passou a assumir uma importância tão grande na sua comercialização que, em casos extremos, converteu-se em sinônimo do produto: Gillete, como lâmina de barbear; Xérox, como fotocópia; Bombril, como palha de aço etc.

As marcas classificam-se como sendo de produtos ou serviços; de certificação e coletivas, podendo apresentar-se na sociedade de forma excepcional, como marca de alto renome e marca notoriamente conhecida. Cada uma dessas marcas será, detalhadamente, estudada no próximo capítulo.

formada por uma unidimensionalnal- uinte maneira:o podem se confundir.mir um import No que diz respeito ao registro da marca, isso se fará, assim como na patente, perante o INPI, contudo, dentre as principais peculiaridades desse instituto, está a de que possuirá um prazo da vigência de 10 anos, enquanto a patente de invenção vigora por 20 anos, sendo que a marca pode ter a sua vigência infinitamente renovada.

1.5.3 Do desenho industrial

Mundialmente conhecido por design, o desenho industrial é toda forma geométrica criada ou estampa desenvolvida a fim de obter uma aplicação industrial. Fogem deste conceito as esculturas e pinturas, que se trata de obras artísticas, não sendo consideradas, portanto, como desenhos industriais, fazendo parte da propriedade autoral. Tal se deve ao fato de que aquelas são consideradas construções artesanais, e os desenhos industriais exigem obrigatoriamente uma aplicabilidade industrial.

A Lei nº. 9.279/96 traz em seu artigo 95 o conceito de desenho industrial como sendo “[..] a forma plástica ornamental de um objeto ou o conjunto ornamental de linhas e cores que possa ser aplicado a um produto, proporcionando resultado visual novo e original na sua configuração externa e que possa servir de tipo de fabricação industrial”.

O desenho industrial é uma inovação da Lei nº. 9.279/96, posto que as antigas legislações o consideravam como espécie de patente, sendo exigido para o registro do desenho industrial o mesmo processamento da patente, o que ocasionava prejuízo, pois esse processo pode durar mais de 10 anos e o desenho industrial apresentar identificação com a época em que foi desenvolvido, perdendo sua finalidade devido ao tempo. Corroborando com esse entendimento, Maria Beatriz Afflalo Brandão (1993, on-line), antes da nova lei, já assim dizia:

Há tendências que consideram a atividade do design subordinada a modismos. Mas isso resulta de uma avaliação superficial da questão. O design, como qualquer representação humana do ato de criar é contextual – baseia-se em referências sócias, antropológicas, econômicas e tecnológicas do seu tempo de criação. Pode, no entanto, pela excelência da concepção, tornar-se atemporal como tantos exemplos que já atravessam mais de meio século de produção e uso.

A estratégia de proteger o design dos produtos através do registro é sem dúvida adequada. A característica contextual do design dos objetos necessita de um mecanismo ágil de proteção; impossível no caso das patentes.

Dessa forma, com a criação do instituto do desenho industrial, houve uma considerável aceleração do processamento do pedido e, assim como ocorre com as marcas, sendo concedido o pedido de registro do desenho industrial, este vigorará por 10 anos, podendo ser prorrogado, porém até no máximo três vezes, por um período de 05 anos cada.

1.5.4 Repressão à falsa indicação geográfica

Indicações geográficas são as indicações relativas à procedência de certos produtos e serviços, como também as denominações de sua origem, as quais relacionam a existência de produtos e serviços ao meio geográfico em que se encontram. Tais indicações de procedência e denominações de origem estão elencadas nos artigos 177 e 178 da Lei 9.279/96:

Art.177 Considera-se indicação de procedência o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu território, que se tenha tornado conhecido como centro de extração, produção ou fabricação de determinado produto ou de prestação de determinado serviço.

Art.178 Considera-se denominação de origem o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu território, que designe produto ou serviço cujas qualidades ou características se devam exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico, incluídos fatores naturais e humanos.

Para que uma indicação geográfica possa ser registrada, é necessário analisar os requisitos de qualidade dos produtos e serviços, sabendo-se que a falsa indicação geográfica acarreta crime, com previsão nos artigos 192 a 194 da Lei 9.279/96.

1.5.5 Repressão à falsa concorrência desleal

A concorrência desleal configura a forma desonesta de divulgar um bem imaterial daquele que se aproveita da existência de um bem já devidamente protegido por lei e registrado. Portanto, a concorrência desleal é um crime e não um direito garantido por lei, pois o que se garante ao proprietário do direito industrial é a repressão a essa concorrência.

Assim como na Lei anterior, a Lei 9.297 tratou de elencar os crimes de concorrência desleal, perfazendo um total de 12 (doze) crimes, previstos no artigo 195, que acarretam como pena: detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano ou multa.

Diante dos possíveis crimes que podem ser cometidos a partir da concorrência desleal, não somente a lei infraconstitucional proibiu essa forma de concorrência, como também a Constituição Federal, que, em seu artigo 170, admite a livre concorrência, desde que seja de forma leal, não ferindo os direitos alheios. Além deste, o art. 173, §4º, proíbe expressamente a concorrência desleal:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

[...]

§ 4º - A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.

1.6 Convenções e acordos internacionais relativos à propriedade intelectual

Desde o período da Revolução Industrial, que marcou um período de forte ebulição no setor industrial, já havia uma preocupação e uma necessidade em criar acordos internacionais que uniformizassem as propriedades industriais ao redor do mundo.

Vários acordos bilaterais foram assinados entre os Estados visando a esse objetivo. Esses acordos culminaram na assinatura da Convenção da União de Paris, em 1883. Entretanto, ademais surgiram vários outros, entre eles, destacaremos também o TRIPs e o Acordo de Madrid.

1.6.1 A Convenção de Paris

Foi o primeiro acordo internacional relativo à propriedade intelectual. Realizado em 1883 em Paris, na França, durante o período da Revolução Industrial, em que grandes invenções, como a máquina a vapor, foram criadas e um substancial aumento da produção industrial foi detectado.

A Convenção de Paris é um conjunto de princípios e normas gerais sobre a propriedade industrial, bem como, entre outros objetivos, a criação e organização de um escritório internacional, que ficaria responsável por realizar os registros internacionais.

Inicialmente com a adesão de 13 países, entre eles o Brasil, o objetivo primordial da Convenção era materializar (através da assinatura de acordos) um compromisso entre os países signatários para regulamentar o exercício da propriedade industrial. Corroborando com essa explanação, Gabriel Di Blasi (2005, p. 248).

A Convenção da União de Paris deu origem ao hoje denominado Sistema Internacional da Propriedade Industrial, e foi a primeira tentativa de uma harmonização internacional dos diferentes sistemas jurídicos nacionais relativos à propriedade industrial.

Posteriormente, a Convenção de Paris veio a sofrer sete revisões, quais sejam: Madri (1890), Bruxela (1900), Washington (1911), Haia (1925), Londres (1934), Lisboa (1958) e Estocolmo (1967). Conta atualmente com 173 (cento e setenta e três) países signatários. Entretanto, mesmo sendo um dos quatorze países signatários originais, o Brasil só passou a aplicar o texto da Convenção na íntegra a partir do Decreto nº 635, de 21 de Agosto de 1992.

Essas revisões existiam porque, desde o seu texto inicial, a Convenção previa em seu art. 14 que fossem celebradas conferências periódicas de revisão, a fim de modificar e introduzir no texto original instrumentos destinados a aperfeiçoar o sistema da união à luz da experiência obtida em sua aplicação prática. O último processo de revisão iniciou-se em 1980, em Genebra, Suíça, porém até agora não foi concluído, muito devido ao fato de cada País sobrepor seu interesse particular ao interesse coletivo.

Alguns países ainda não aderiram à Convenção, pois não reconhecem os direitos emanados da propriedade industrial, o que, infelizmente, constitui um mercado aberto de propaganda às atividades prejudiciais ao modelo de economia globalizada.

A Convenção de Paris foi elaborada de modo a permitir um certo grau de flexibilidade às legislações nacionais, desde que fossem respeitados alguns princípios fundamentais, que são ou seriam (na teoria) de observância obrigatória pelos países signatários. Corroborando com essa explanação, Gabriel Di Blasi (2005, p. 248) nos afirma que: “a Convenção de Paris tem como objetivo a internacionalização de determinados princípios, a serem adotados por seus países-membros que, paralelamente, disciplinam o sistema de propriedade industrial em suas legislações nacionais”.

Como já anteriormente dito, a Convenção de Paris é um conjunto de princípios que visa à uniformização dos registros industriais feitos ao redor do mundo. O Princípio-diretriz da Convenção é o Princípio do tratamento nacional. Ele diz que cada Estado signatário deve conceder aos inventores de outros Estados signatários da Convenção a mesma proteção ou tratamento que concede a seus próprios criadores nacionais. Já o Princípio da interdependência de direitos determina que o registro de marca realizado em um determinado país signatário seja considerado independente de outras marcas registradas em outros países da Convenção.

O Princípio do Direito de prioridade ou da Prioridade Unionista diz que, ao se conseguir o registro de uma marca em um país signatário, o criador tem um período de seis meses para reivindicar o direito de prioridade para realizar um pedido de registro em outro país da União se desejar. Nos dizeres de Gabriel Di Blasi (2005, p. 337), “durante o prazo, a prioridade não será invalidada por um pedido de registro de marca dotada de idênticas ou similares características”. O Princípio da Soberania das nações (Territorialidade) disserta sobre a liberdade que cada Estado tem para organizar seu próprio ordenamento quanto à propriedade industrial, apesar de a finalidade da Convenção ser a internacionalização e unicidade do tratamento dado às marcas. O art. 6º da Convenção diz que “as condições de depósito e de registro de marcas de fábrica ou de comércio serão determinadas em cada país da União pela respectiva legislação nacional”.

Para finalizar, temos o Princípio da repressão ao uso indevido das marcas, o qual diz que os Estados-Membros são obrigados a assegurar uma proteção efetiva a qualquer nacional de país da União contra o uso indevido ou não autorizado de suas marcas, evitando que possa vir a ocorrer erro por parte do consumidor ludibriado.

1.6.2 O TRIPs

O Acordo Sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio, ou simplesmente TRIPs, foi resultante da união de cerca de 130 países que assumiram o compromisso de estabelecer em suas legislações normas e garantias mínimas relacionadas aos direitos estabelecidos na Convenção de Paris.

O sítio oficial do INPI, Instituto Nacional da Propriedade Industrial (2010, on-line), destaca-nos a necessidade de proteção internacional que devia ser dada às propriedades industriais, culminando na criação do TRIPs:

Nas últimas décadas do século XX, o destaque dado pela política comercial à proteção da propriedade intelectual como núcleo do desenvolvimento econômico foi decorrente do processo de globalização da própria economia e dos avanços tecnológicos. A produção industrial foi se modificando para setores vinculados à pesquisa e criatividade, tornando-as uma filosofia empresarial e um fator determinante de êxito na competição mundial. Como consequência, a circulação de mercadoria propiciou a pirataria, aumentando as tensões entre os países industrializados e os emergentes, onde o sistema de propriedade intelectual era menos desenvolvidos ou mesmo inexistentes, posto que os direitos de propriedade intelectual eram um elemento de competitividade. Revelou-se a íntima relação entre o comércio internacional e os direitos de propriedade intelectual. Era necessária uma adequada e eficaz proteção jurídica. Surge, assim o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (ADPIC - TRIPS).

O TRIPs surgiu para substituir o já existente sistema da Organização Mundial da Propriedade Industrial (OMPI) que, entre outras finalidades, previa viabilizar a execução dos princípios previstos na Convenção de Paris e criar um centro de mediação e arbitragem que tinha como fim dirimir conflitos que viessem a existir. Corroborando com isso, Gabriel Di Blasi (2005, p. 250) nos afirma que: “o TRIPs teve de suprir o sistema de proteção da OMPI e estabelecer um vínculo definitivo entre os direitos da propriedade intelectual e o comércio internacional, conforme previsto no preâmbulo do Acordo”.

Com os crescentes interesses individuais de cada Estado se sobrepondo aos interesses coletivos, foi necessário criar um mecanismo de controle forte. Portanto, o TRIPs tem como diferenciais em relação aos demais acordos internacionais a previsão de aplicação de sanções comerciais aos Estados infratores de seus artigos e a revisão periódica de seu texto, objetivando seu aperfeiçoamento e maior abrangência de aplicação (DI BLASI, 2005, p. 251).

O Acordo trata dos direitos de autor e também de marcas, indicações geográficas, desenhos industriais, patentes, topografias de circuitos integrados, proteção do segredo de negócio e controle da concorrência desleal. É integrante do conjunto de acordos assinados em 1994 que, entre outros fins, criou a Organização Mundial do Comércio.

No Brasil, entrou em vigor em 1º de janeiro de 1995, já com eficácia plena. Entretanto, com a criação da Lei 9.279 em 1996, alguns pontos entraram em conflito com o que está expresso no TRIPs, como exemplo, a indicação geográfica. No art. 23, I do acordo estabelece que: “cada membro proverá os meios legais para que as partes interessadas possam evitar a utilização de uma indicação geográfica [...]”, entretanto, o art. 193 da Lei 9.279 acusa como crime a não indicação do local de procedência do produto:

Art. 193. Usar, em produto, recipiente, invólucro, cinta, rótulo, fatura, circular, cartaz ou em outro meio de divulgação ou propaganda, termos retificativos, tais como "tipo", ‘espécie’, ‘gênero’, ‘sistema’, ‘semelhante’, ‘sucedâneo’, ‘idêntico’, ou equivalente, não ressalvando a verdadeira procedência do produto.

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa.

Quando há ocorrência dessa contradição entre a lei brasileira e o acordo TRIPs, de acordo com Gabriel Di Blasi (2005, p. 338), a decisão será do judiciário:

Isso evidencia uma contradição, pois o TRIPs proíbe expressamente tal procedimento e a lei brasileira o permite em condições determinadas – entre elas, ressalvar a verdadeira procedência do produto. É importante citar que sempre que houver conflito envolvendo marca, referente aos acordos, convenções e à Lei 9.279, caberá ao judiciário definir que norma deve ser aplicada.

1.6.3 O Acordo de Madrid

Este acordo, assinado em 14 de abril de 1891, tem como principal objetivo o registro internacional de marcas, que está disposto no texto da Convenção de Paris, através do Decreto nº 75.572, de 08 de abril de 1975, que Congresso Nacional Brasileiro aprovou e o Presidente da República promulgou a Convenção de Paris para proteção da Propriedade Industrial, revisão de Estocolmo, 1967:

Art. 1

(1) Os países a que se aplica a presente Convenção constituem-se em União para a proteção da propriedade industrial.

(2) A proteção da propriedade industrial tem por objeto as patentes de invenção, os modelos de utilidade, os desenhos ou modelos industriais, as marcas de serviço, o nome comercial e as indicações de procedência ou denominações de origem, bem como a repressão da concorrência desleal.

O Acordo estabelece que os Estados-Membros da União poderão celebrar acordos particulares sobre propriedade industrial entre si, desde que não indo de encontro com o que foi disposto na Convenção.

Em outras palavras, o registro de marcas realizado nos termos do acordo deve ser realizado na Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), em sua repartição internacional, que tem como sua sede a cidade de Genebra, na Suíça. Organização esta que foi criada a partir de um convênio firmado em 14 de julho de 1967, em Estocolmo, Suécia. Todavia, mesmo com essa data da assinatura, a Organização já era prevista dentro do acordo firmado na Convenção de Paris, que em um de seus dispositivos trazia a criação de uma junta administrativa intergovernamental, visando estimular a proteção da Propriedade Intelectual em todo o mundo mediante a cooperação entre os Estados.

Esses registros feitos serão então considerados internacionais, pois têm validade em todos os países-membros do Acordo. Gabriel Di Blasi (2005, p. 339) nos informa quem poderá realizar esse registro internacional:

Para usufruir de suas prerrogativas, o requerente do registro internacional tem de ser nacional de um dos países-membros, ou tem de estar domiciliado ou, ainda, deve possuir um estabelecimento industrial ou comercial efetivo e real num dos países-membros. Primeiramente, tem de registrar a marca na repartição nacional do seu país e em seguida solicitar, por intermédio dessa repartição, o registro internacional.

O Acordo de Madrid passou por sete revisões, sendo elas: Bruxelas (1900), Washington (1911), Haia (1925), Londres (1934), Nice (1957), Estocolmo (1967) e a última em Genebra (1979). No Brasil, o Acordo foi aprovado pelo Decreto nº 5.685 em 1929, entretanto, foi revogado pelo Decreto nº 196, de 1934, pois a classe produtora manifestou-se contrariamente à manutenção desse registro e de acordo com pesquisas realizadas em órgãos técnicos, vez que a sua continuidade prejudicaria interesses nacionais.

1.7 Direito autoral e direito industrial

A linha que separa o Direito Autoral do Direito Industrial é tênue, já que os dois possuem características bem similares, por serem incorpóreos, entretanto, basta verificar qual o desiderato do objeto abrangido por cada um para distingui-los.   

Em outras palavras, as duas espécies de direito intelectual se diferenciam em relação à sua finalidade. O Direito Industrial, como o próprio nome já diz, tem como finalidade a aplicação industrial, seja na indústria, no comércio ou na prestação de serviços; já o Direito Autoral está mais intrínseco à utilização cultural. Nesse diapasão, Sílvio Venosa (2005, v. 5, p. 633) aborda o tema:

Há, no entanto, que se distinguirem duas espécies de criação intelectual. Uma destinada à estética, às artes, à ciência, à educação e à elevação cultural da coletividade. Outra destinada a fins utilitaristas, técnicos e de produção. Daí a definição de duas disciplinas distintas: o Direito do Autor e Direito da Propriedade Industrial. Embora com substrato comum, esses dois direitos possuem regulamentação diversa, porque diversas são as suas finalidades, ainda que por vezes interpenetrem-se.

O Direito autoral é aquele que cuida da proteção a criações artísticas, ou seja, a propriedade de letras de músicas, livros, quadros, esculturas, pinturas, entre outras. Já o direito industrial é aquele que abrange a criação de bens passíveis de serem aplicados no desenvolvimento econômico. O sítio Wikipédia (2010, on-line) também nos fornece uma definição acerca do Direito Autoral, qual seja:

são as denominações utilizadas em referência ao rol de direitos aos autores de suas obras intelectuais que pode ser literárias, artísticas ou científicas. Neste rol encontram-se dispostos direitos de diferentes naturezas. A doutrina jurídica clássica coube por dividir estes direitos entre os chamados direitos morais que são os direitos de natureza pessoal e os direitos patrimoniais (direitos de natureza patrimonial).

De acordo com o entendimento de Walter Brasil Mujalli (1997, p. 21), o Direito Autoral existe para “proteger o esforço empregado pelo homem ao exercer a sua criatividade, ao exteriorizar o poder do seu intelecto, através de obras artísticas, literárias e científicas”.

Esse é o direito que protege o autor de um livro, que o publica de acordo com as normas legais, tendo este o direito de não ter a sua obra copiada ou imitada por quem não tenha a sua autorização, assim como também no caso de obras artísticas, como pinturas e esculturas, composições e melodias musicais, peças teatrais, telenovelas ou filmes cinematográficos, os quais são protegidos por lei específica, que garante aos proprietários dessas obras a proteção contra aqueles que queiram se utilizar de forma errônea da propriedade alheia.

Nesse sentido, a Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, modificou, atualizou e consolidou a legislação sobre direitos autorais, trazendo em seu bojo a definição de autor, os aspectos relativos ao registro das obras intelectuais e os seus direitos. Ou seja, a predita lei trata com clareza e objetividade os direitos e deveres inerentes ao proprietário da obra intelectual stricto sensu.

Todavia, Mujalli (1997, p. 21) assevera-nos que “a lei protege não a ideia do autor, mas sim a sua realização através de atos materiais em sua forma definida”. Então, o que o autor quis dizer é que o proprietário de uma ideia só vai poder protegê-la legalmente quando esta tornar-se matéria, ou seja, algo palpável, existente no mundo fático.

Segundo Gabriel Di Blasi (2005, p. 28), a propriedade industrial é o ramo do Direito Intelectual que protege as criações aplicáveis ao setor industrial, entre eles, as invenções, modelos de utilidade, marcas, desenhos industriais, indicações geográfica, entre outros. Sendo que, para que as criações tenham proteção, é necessário que sejam respeitados os requisitos legais.

Tanto o direito autoral quanto o industrial conferem proteção da criação ao seu titular, assim como o direito de explorar econômica e exclusivamente o bem. Todavia, cada uma possui regulamentação e legislação própria: a lei que trata do direito industrial é a Lei n.º 9.279, de 14 de maio de 1996, e a que regula o Direito Autoral é a Lei n.º 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.

Dessa maneira, percebemos que, apesar de possuírem objetos semelhantes, os direitos autorais e industriais possuem uma aplicação diversa, sendo muito importante distinguir os seus objetos para que possa ser aplicada a legislação adequada.


2 DAS MARCAS

Procuraremos abordar neste capítulo mais especificamente o tema marcas, abordando sua evolução até a atualidade, seu valor econômico para a empresa, juntamente com seu conceito.

Posteriormente, passaremos a explanar sobre a classificação das marcas de acordo com sua natureza e forma, como também as duas situações excepcionais que envolvem a classificação marcaria, finalizando com a explicação das razões legitimadoras da propriedade industrial.

2.1 Compreensão ao longo dos momentos históricos da humanidade.

A procura por esses sinais identificadores nos remete à Antiguidade humana, quando, desde os tempos dos homens das cavernas, os símbolos já eram usados como forma de identificação. Entretanto, nesse tempo tais símbolos eram usados basicamente para identificação de propriedade, como, por exemplo, na marcação de rebanhos.

Mas foi somente com os Saxões que surgiu o termo marca. A designação anglo-saxônica brand tem a sua origem no antigo escandinavo brandr. O seu significado era literalmente associado ao ato de queimar, e foi nesse contexto que os Saxões adotaram esse termo (Instituto Dannemann, 2005, p. 203). As cabeças e peças de gado eram “marcadas” com o objetivo essencial de identificar a propriedade e posse de bens materiais, permitindo aos criadores de gado distinguir as suas rezes, uma vantagem que valorizava os criadores mais conhecidos pela qualidade do seu gado, que começavam a ter a sua marca mais reconhecida e, consequentemente, mais procurada nas trocas comerciais. 

Posteriormente, chegamos à Grécia Antiga, onde havia grande disseminação na arte dos trabalhos em cerâmica, assim como também no Império Romano, quanto à autoria de trabalhos literários e científicos, em que esses sinais eram usados como identificação do trabalho de cada artista. Já na China, no caso de suas famosíssimas porcelanas, o uso das marcas era feito com o desiderato de identificar qual Imperador reinava naquele momento.

A Idade Média trouxe consigo o surgimento das corporações de ofício, em que cada corporação tinha sua marca pré-determinada, normalmente imposta por ordem real, com a função de atestar a conformidade dos produtos em relação a padrões pré-estabelecidos em lei. Como exemplo dessas imposições, temos uma lei inglesa publicada no ano de 1266, que exigia a todos os padeiros colocarem sua marca específica em todo pão que vendiam, com a finalidade de identificar aqueles que maliciosamente tentassem vender pão com um peso inferior ao que a lei permitia.

Todavia, é essencialmente a partir do século XIX, com a Revolução Industrial, que a utilização das marcas torna-se mundialmente difundida, passando a ser interpretada como fator básico de comercialização de um produto ou serviço prestado. Quanto a esse assunto, Gabriel Di Blasi (2005, p. 331) diz:

No entanto, somente no século XIX foram estabelecidas as primeiras legislações específicas sobre o assunto.

O uso de sinais e marcas em bens materiais foi, pouco a pouco, sendo disseminado pelas nações, em todas as partes do mundo, passando a marca a ser interpretada como o fator básico para a comercialização de um produto. Assim, o sinal nominal ou figurativo aplicado em um bem material passou a assumir uma importância tão grande na sua comercialização que, em casos extremos, converteu-se em sinônimo do próprio produto: Gillete, como lâmina de barbear; Xerox, como fotocópia; Bombril, como palha de aço etc.

É válido também dizer que, na Antiguidade, a marca era vista apenas como a representação externa de um determinado produto, sem fazer nenhum tipo de referência às suas propriedades geométricas, físicas ou químicas. Distinto do que ocorre desde a década de 90, em que um produto pode ser marcado de qualquer forma que o diferencie dos outros.

Por fim, temos que a importância dada às marcas foi evoluindo conforme novas realidades e tecnologias foram surgiram. Atualmente, diferente do que ocorria em tempos anteriores, a marca não serve somente como forma de diferenciação de produtos ou serviços, e sim, em alguns casos, é o maior patrimônio de uma empresa.

Quando a isso, aborda Maitê Cecília Moro (2003, p. 26) que: “Verifica-se, então, uma evolução da função da “marca”, que na Idade Média se referia ao produtor, indicava o estabelecimento da produção ou venda do artigo, para uma marca que, nos dias atuais, faz referência ao próprio produto”.

Na noção que é adotada por grande parte da doutrina industrial, as marcas se destinam a individualizar os produtos e artigos aos quais se referem, diferenciando-os de outros idênticos. Nesse sentido, Marie-Angèle Pérot-Morel, citada por Maitê Moro (2003, p. 26), aduz que: “Nos tempos modernos a marca é antes de tudo o símbolo de um produto e a força de seu poder de evocação lhe confere uma importância econômica de primeiro plano”.

Em outras palavras, as marcas, além de símbolos diferenciadores, representam, em alguns casos, um valor econômico essencial para seu dono.

2.2 Do conceito de marcas

A complexidade de se conceituar marca está relacionada com as diferentes perspectivas em que esta pode ser abordada e com a diversidade de públicos relacionados, existindo por isso uma gama muito extensa de definições possíveis.

A própria Lei 9.279, de 14 de maio de 1996, em seu art. 123, inciso I, considera marca de produto ou serviço como sendo: “aquela usada para distinguir produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa”. Corroborando com o que está estabelecido em lei, Gabriel Di Blasi (2005, p. 332) assim conceitua: “marca é um sinal que permite distinguir produtos industriais, artigos comerciais e serviços profissionais de outros do mesmo gênero, de mesma atividade, semelhantes ou afins, de origem diversa”.

Já em 1960, a Associação Americana de Marketing (AMA) criou um dos conceitos mais aceitos sobre definição de marcas, qual seja: “um nome distinto e /ou símbolo, destinado a identificar os bens ou serviços de um vendedor ou grupo de vendedores, no sentido de diferenciar esses bens ou serviços da concorrência”.

Portanto, o que observamos é uma falta de unicidade conceitual. Existiam idealistas que defendiam as marcas como sendo extensões do produto, entretanto, o que se observou com o passar dos anos foi que marca e produto são elementos díspares, levando em conta que o produto seria aquilo que a empresa fabrica e a marca, aquilo que a empresa vende.

2.3 Da classificação das marcas

Atualmente, as marcas podem ser classificadas quanto à sua natureza; quanto à sua forma de apresentação; e, ainda, em duas situações, aparecer de forma excepcional, atendendo a determinadas condições. Os arts. 123, 125 e 126 da lei 9.279 disciplinam, respectivamente, sobre as marcas quanto à natureza e às duas situações excepcionais, enquanto que a diferenciação quanto à forma se deu através da doutrina, objetivando um melhor entendimento por parte dos estudiosos do Direito Industrial.

2.3.1 Marcas quanto à sua natureza

As marcas são divididas, segundo sua natureza, em marcas de produto ou serviço, marcas coletivas e marcas de certificação, e estão dispostas no art. 123 da Lei nº 9.279/1996:

Art. 123. Para os efeitos desta Lei, considera-se:

I - marca de produto ou serviço: aquela usada para distinguir produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa;

II - marca de certificação: aquela usada para atestar a conformidade de um produto ou serviço com determinadas normas ou especificações técnicas, notadamente quanto à qualidade, natureza, material utilizado e metodologia empregada; e

III - marca coletiva: aquela usada para identificar produtos ou serviços provindos de membros de uma determinada entidade.

2.3.1.1 Marca de produto ou serviço

É aquela usada para distinguir produtos ou serviços de outros idênticos, semelhantes ou afins, de origens diversas. São as marcas mais conhecidas entre os consumidores, as mais comuns, como o Omo, a Coca-Cola, Gillete, Nike, Bayer, entre outras.

Nos dizeres de Denis Borges Barbosa, citado por Clarissa Bueno Wandscheer (2004, on-line), a marca de produto ou serviço: “é o sinal distintivo, visualmente perceptível, destinado a distinguir produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, originário de atividade empresarial diversa”.

A lei antiga, nº 5.772/1971, trazia uma distinção diferente das marcas. Maitê Moro (2003, p. 33) nos indica quais eram os tipos de marcas presentes na antiga lei, revogada pela nova lei 9.279/96: “Para efeitos daquela lei, diferenciavam-se as marcas de indústria, as de comércio, as de serviço e, por fim, as marcas genéricas”.

A marca de indústria era usada pelo fabricante com o objetivo de diferenciar o seu produto de outros semelhantes. Do mesmo jeito, eram as marcas de comércio e serviço, enquanto que, no primeiro caso, quem as usava como forma de distinção eram os comerciantes; e no segundo caso, a pessoa, entidade ou empresa que prestasse o determinado serviço. Entretanto, essa classificação foi extinta pela nova Lei, como nos explica Moro (2003, p. 34): “Logo, na mais recente legislação brasileira, com relação às espécies, cabe ressaltar que se deixou de diferenciar marca de indústria da marca de comércio, passando a denominá-las somente marca de produto”.

Todavia, por fim, as marcas de serviço não sofreram alteração na nova lei, e foram acrescentadas dois novos tipos de marcas, quais sejam: a marca de certificação e a coletiva, que serão apresentadas mais adiante em nossa pesquisa.

2.3.1.2 Marca de certificação

Usada para atestar se um produto ou serviço está em conformidade com as normas determinadas ou especificações técnicas, principalmente quanto à qualidade, natureza, material utilizado e metodologia empregada. Como exemplos, temos o INMETRO e o ISO.

Segundo o inciso II do art. 123 da Lei 9.279/1996, a marca de certificação é aquela usada para atestar a conformidade de um produto ou serviço com determinadas normas ou especificações técnicas, notadamente quanto à qualidade, natureza, material utilizado e metodologia empregada.

Esse tipo de marca pode ser registrado por qualquer pessoa, entretanto, ao se tornar titular de uma marca de certificação, essa mesma pessoa não poderá ser dona de uma marca que seja fiscalizada por aquela marca de certificação. Vamos exemplificar: uma pessoa A registra uma marca de certificação para padarias. Essa mesma pessoa A não poderá registrar uma marca de padaria, pois ela seria fiscalizada por aquela marca de certificação que é de sua propriedade também.

Moro (2003, p. 40) nos advoga que as marcas de certificação podem também serem consideradas como funções secundárias das marcas (posteriormente estudadas no tópico 2.4 deste capítulo):

Outra função a ser considerada é a indicação de qualidade, a qual traduz-se na atribuição, pelos consumidores, de uma certa qualidade aos produtos que portam uma determinada marca. De certa forma, esta função relaciona-se muito proximamente com a origem do produto. O produto diferenciado por uma determinada marca pressupõe que esta tenha uma determinada origem, da qual se espera uma determinada qualidade.

Portanto, a marca de certificação é um meio de informar à população que o objeto ou serviço fiscalizado se encontra dentro das normas ou padrões específicos. Na teoria, o INPI seria o responsável por fiscalizar as marcas que concede o registro, todavia, na prática, quem fica responsável por essas fiscalizações são as próprias marcas de certificação.

2.3.1.3 Marca coletiva

Usada para identificar produtos ou serviços provindos de membros de uma determinada entidade, corporação ou associação. Só quem tem o direito de pleitear o registro desse tipo de marca são entidades coletivas, como, por exemplo, a Associação dos Produtores de Vinho de Bento Gonçalves – Rio Grande do Sul. Cecília Moro (2003, p.33) nos diz que: “a marca coletiva identifica produto e serviços provindo de membros de uma entidade, a qual regulamentará sua utilização”.

Nesse momento, é necessário que façamos uma diferenciação entre as marcas coletivas e as indicações geográficas. Enquanto que nestas o direito subjetivo é coletivo, naquelas é individual. A fim de esclarecer melhor essa disparidade, Camila Serrano Giunchetti (2005, on-line) nos ensina:

Note-se que até mesmo a titularidade das marcas coletivas é individual, pois a pessoa jurídica registrante (associação, cooperativa, Governo, empresa etc.) é quem detém a exclusividade de uso, cessão e licença da marca. Em outras palavras, o registrante tem que autorizar (expressa ou implicitamente, no caso de uso de marcas de certificação do Governo) cada uma das pessoas credenciadas, a partir de critérios discricionários determinados pelo próprio registrante, a usar a marca coletiva. Os direitos oriundos das indicações geográficas, diferentemente das marcas coletivas, não são atribuíveis a uma pessoa física ou jurídica, e sim, a todos os membros da coletividade que lá produzem de acordo com os padrões reconhecidos e aceitos por todos.

Em suma, o titular de uma marca coletiva sempre será uma associação empresarial, uma entidade, sindical ou não, que congrega os empresários de determinado produto, de certa região, ou adeptos de uma específica ideologia (por exemplo, os empresários cristãos, os ecológicos etc.).

2.3.2 Marcas quanto à sua forma

Essas classificação diferencia as marcas quanto à forma de apresentação ao público, seja em relação aos produtos ou aos serviços. Baseia-se no estudo dos doutrinadores para fins didáticos, visto que essa classificação não está explícita na Lei 9.279/96.

2.3.2.1 Marca Nominativa

Aqui, é feito apenas o registro da palavra. Constitui-se por uma ou mais palavras no sentido amplo, compreendendo os neologismos e combinações de letras e/ou algarismos romanos e/ou arábicos, desde que os elementos não se apresentem sob forma fantasiosa. De acordo com Gabriel Di Blasi (2005, p. 357-358), é:

[...] aquela representada por inscrições convencionais no mundo ocidental, caracterizadas por letras latinas e algarismos arábicos ou romanos, os quais permitem a combinação de palavras, ou formem uma única palavra, capazes de serem lidas e enunciadas fluentemente, mesmo que formem nomes de fantasia (marcas de fantasia), isto é nomes ou palavras que não constem do vernáluco.

São exemplos os nomes Nike, Itambé, Microsoft, Adidas, entre outros.

2.3.2.2 Marca Figurativa

Aqui, é registrado apenas o símbolo da marca. É composta de desenho, imagem, figura, símbolo ou forma fantasiosa de letra e número, mas são apenas símbolos e/ou emblemas, sem nomes. Temos como exemplos o cavalo da Ferrari, a maçã mordida da marca Apple, o pinguim da Linux, o globo da Terra da marca Universal Pictures, entre outros.

2.3.2.3 Marca Mista

Registram-se o nome e o símbolo da marca. É a combinação de elementos nominativos e figurativos, ou aquela em que a grafia do elemento nominativo é apresentada de forma estilizada, como, por exemplo, a escrita de qualquer tipo de bebida alcoólica ou não como a Coca-Cola, Budweiser, Kaiser, entre outras.

2.3.2.4 Marca Tridimensional

Aqui, registra-se um formato que já se solidificou na sociedade. É constituída pela forma plástica de produto ou embalagem, cuja forma tenha capacidade distintiva em si e esteja dissociada de efeito técnico. A marca tridimensional foi uma inovação da Lei 9.279, e deve ser evitada a confusão com o desenho industrial.

A marca tridimensional já foi um desenho industrial, entretanto, a recíproca nem sempre acontece. Enquanto que o desenho industrial procura trazer uma forma (design) totalmente nova para a sociedade, a marca tridimensional busca uma forma de identificar o seu produto a determinada forma tridimensional. Outra diferença entre ambos é que o desenho industrial tem vigência determinada, enquanto que a marca tridimensional (3D) pode ser constantemente renovada.

Temos como exemplo de marcas tridimensionais as formas das canetas BIC, as garrafas pet de Coca-Cola, que são diferentes de todos os outros refrigerantes, entre outros.

2.3.3 Situações excepcionais

Além dos já citados tipos de marcas, temos outros dois que gozam de proteção especial da Lei 9.279. São elas as marcas de alto renome e as notoriamente conhecidas. Marcas essas que recebem esse tipo de proteção por serem conhecidas nacionalmente ou até extrapolarem as fronteiras nacionais, sendo reconhecidas internacionalmente.

2.3.3.1 Marcas de Alto Renome

O art. 125 da Lei 9.279 assevera que: “À marca registrada no Brasil considerada de alto renome será assegurada proteção especial, em todos os ramos de atividade”.

A doutrina específica nos traz diversos conceitos diferentes para marcas de alto renome. Entre eles, a de Maite Moro, (2003, p. 109) nos traz uma explicação bastante clara:

A marca de alto renome é aquela marca que é conhecida por consumidores pertencentes a diversos segmentos de mercados diferentes daquele mercado que corresponde aos produtos ou serviços protegidos por esta marca. Além desta característica, a marca de alto renome possui o goodwill, ou seja, esta marca ganhou um grande reconhecimento e goza de boa reputação perante os consumidores, pois estes reconhecem que os produtos ou serviços identificados pela marca são de excelente qualidade.

As marcas de alto renome (conhecidas antigamente por Marcas Notórias) são aquelas que possuem um grande prestígio em todo o Brasil. Portanto, em razão do seu alto conhecimento e de estarem registradas em pelo menos uma classe, possuem proteção em todas as classes de atividades, independentemente de registro nessas demais classes.

Ou seja, a esse tipo de marca será assegurado um proteção especial em todos os ramos de atividade, de modo que, mesmo estando registrada em uma única classe, ela passará a gozar de proteção em todas e quaisquer classes.

Há uma grande reclamação por parte dos doutrinadores, juristas e profissionais atuantes na área da propriedade industrial, que é o fato da legislação nacional não fazer nenhuma menção aos requisitos ou pressupostos necessários que uma marca deva ter para poder ser considerada de alto renome.

Justamente por isso, alguns doutrinadores entendem desarrazoada a inexistência desses pressupostos e defendem que a possibilidade de confusão e/ou prejuízo da imagem do sinal a ser protegido pela marca de alto renome deva ser pressuposto para esta proteção. A possibilidade de confusão ou associação é consequência do alto renome conquistado pela marca. Não verificada essa associação ou confusão, não se verifica a notoriedade desta marca.

Entretanto em 2004, o INPI aprovou a resolução nº 110/04, que regula a aplicação do art. 125 da Lei n. 9.279/96 e teve iniciada sua vigência no mês de fevereiro do mesmo ano, vindo assim como uma resposta aos anseios de todos profissionais da área de propriedade industrial. A resolução lista 13 (treze) critérios que devem ser avaliados na verificação do alto renome de uma marca (2010, on-line):

1) data do início do uso da marca no Brasil;

2) público usuário ou potencial usuário dos produtos ou serviços a que a marca se aplica;

3) fração do público usuário ou potencial usuário dos produtos ou serviços a que a marca se aplica, essencialmente pela sua tradição e qualificação no mercado, mediante pesquisa de opinião ou de mercado ou por qualquer outro meio hábil;

4) fração do público usuário de outros segmentos de mercado que, imediata e espontaneamente, identifica a marca com os produtos ou serviços a que ela se aplica, mediante pesquisa de opinião ou de mercado ou por qualquer outro meio hábil;

5) fração do público usuário de outros segmentos de mercado que, imediata e espontaneamente, identifica a marca essencialmente pela sua tradição e qualificação no mercado, mediante pesquisa de opinião ou de mercado ou por qualquer outro meio hábil;

6) meios de comercialização da marca no Brasil;

7) amplitude geográfica da comercialização efetiva da marca no Brasil e, eventualmente, no exterior;

8) extensão temporal do uso efetivo da marca no mercado nacional e, eventualmente, no mercado internacional;

9) meios de divulgação da marca no Brasil e, eventualmente, no exterior;

10) extensão temporal da divulgação efetiva da marca no Brasil e, eventualmente, no exterior;

11) valor investido pelo titular em publicidade/propaganda da marca na mídia brasileira nos últimos 3 (três) anos;

12) volume de vendas do produto ou a receita do serviço nos últimos 3 (três) anos;

13) valor econômico da marca no ativo patrimonial da empresa.

Vale ressaltar que somente será concedido o pedido de título de alto renome a uma marca quando está for alvo de oposição de terceiro. Ou seja, somente quando alguém for junto ao INPI requisitar aquela marca para si, o próprio dono da marca poderá alegar que aquele pedido não pode ser aceito, visto que sua marca é de alto renome. Quanto a esse assunto, Gabriel Di Blasi (2005, p. 361) assim diz:

O curioso é que a resolução não prevê a possibilidade de um titular de marca, com características de alto renome, requerer pura e simplesmente que seja declarado seu Alto renome. Somente na hipótese de um conflito com terceiros, quer em oposição, quer em nulidade, que o INPI reconhecerá o alto renome de uma determinada marca.

2.3.3.2 Marcas Notoriamente Conhecidas

Da mesma forma que as marcas de alto renome, as marcas notoriamente conhecidas gozam de proteção especial em todas as classes. A diferença entre elas é que as marcas notoriamente conhecidas já extrapolaram as fronteiras do país onde estão originalmente registradas e são conhecidas mundialmente. Elas estão positivadas no art. 126 da lei 9.279:

Art. 126. A marca notoriamente conhecida em seu ramo de atividade nos termos do art. 6º bis (I), da Convenção da União de Paris para Proteção da Propriedade Industrial, goza de proteção especial, independentemente de estar previamente depositada ou registrada no Brasil.

§ 1º A proteção de que trata este artigo aplica-se também às marcas de serviço.

§ 2º O INPI poderá indeferir de ofício pedido de registro de marca que reproduza ou imite, no todo ou em parte, marca notoriamente conhecida.

O direito à propriedade e uso exclusivo da marca, em regra, é ditado pelos princípios da territorialidade e da especialidade. Salvas as situações elencadas no art. 132 da Lei 9.279/96, os direitos do titular da marca restringem-se ao ramo de atividade para o qual a marca foi registrada, e a proteção encontra limitação geográfica no país em que tiver originalmente sido realizado o registro.

A notoriedade de uma marca é um fenômeno concedido a partir do expressivo conhecimento, sucesso e aceitação junto ao público consumidor, em virtude de uma variedade de critérios, tais como a antiguidade da marca, a força da publicidade, reputação, qualidade do produto e de seus empregados, volume de vendas, entre outros.

O valor econômico é o grande fator de disparidade dessas marcas, que as tornam mais vulneráveis à cobiça, à usurpação e a práticas maliciosas de concorrência desleal, razão por que necessitam de uma proteção especial, diferente daquela outorgada às marcas normais, que encontram-se limitadas pela ação dos dois princípios, da territorialidade e especialidade.

2.4 Das funções das marcas

Em relação às funções exercidas pelas marcas no ordenamento jurídico brasileiro, citam-se três funções. São elas: a econômica, a social e a de direito, na qual se encontra inclusa também a função punitiva.

A função econômica que a marca exerce em favor do titular da marca dá-se através da fidelização dos seus produtos e serviços por parte de uma clientela, tornando permanente e crescente a obtenção de lucros. Para confirmar o que fora exposto, Gabriel Di Blasi (2005, p. 30) demonstra que:

Nos países menos industrializados, os consumidores preferem as marcas dos países mais industrializados, isto acontece a partir da pressuposição de que estas marcas envolvam produtos de melhor qualidade e também os efeitos de maciça propaganda nos meios de comunicação que contribuem para a captação de clientela.

Sendo assim, os titulares (donos) das marcas, ao investirem na qualidade do produto e da prestação de serviço em matéria propagandista, visam a obter grandes lucros.

A função social da marca está relacionada ao público consumidor e a outras pessoas que, direta ou indiretamente, tenham ligação com a marca, pois, assim, a marca tem a finalidade de evitar que estas pessoas sejam induzidas a erro, passando a adquirir um produto ou serviço na confiança em que determinada marca venha a inspirar ou tenha prejuízos quando esta marca venha a ser registrada. Justamente demonstrando na lei a aplicação dessa função, o legislador tratou de proibir o registro de determinadas marcas que trouxessem qualquer espécie de prejuízo à sociedade como um todo, seja consumidor ou não de determinada marca, havendo a previsão legal no art. 124 da Lei 9.279/96, a conhecida Lei da Propriedade Industrial.

Finalmente, a marca apresenta a sua função de direito, aquela que gera segurança jurídica para aqueles que criam e precisam instrumentar suas atividades através da utilização de uma marca, considerando-se a função punitiva como uma espécie da função de direito, a qual é exercida em favor do titular da marca como uma arma de combate à concorrência desleal.

Gabriel Di Blasi (2005, p. 332-333) nos afirma que essa função “proporciona ao seu titular o direito através de medidas administrativas e judiciais, de agir contra o seu uso indevido, ou não-autorizado, por parte de concorrentes desleais”.

Assim, a marca atua na sociedade como forma de garantir os deveres e os direitos do seu titular, atua também na proteção ao consumidor e às pessoas que, possivelmente, venham a se relacionar com tal marca, e ainda promove o desenvolvimento do país quando há a obtenção de lucros por parte deste titular de uma marca.

Já podemos perceber então que a função essencial das marcas é distintiva, ou seja, uma marca é criada para poder distinguir um produto ou serviço daqueles semelhantes a ele.

Entretanto, veremos que essa não é a única função de uma marca. Ela possui outras funções, consideradas funções secundárias. Vale ressaltar que nem todas as marcas exercem essas funções secundárias, todavia, de acordo com entendimento de Maitê Moro (2003, p. 38): “nada impede que elas, se não estiverem ainda presentes, venham a ser desenvolvidas”.

Uma função hoje considerada secundária foi, durante períodos remotos da Idade Média, considerada a função principal das marcas, que era a Função de Indicação de Origem. Muito presente durante o período das Corporações de Ofício, tem como objetivo indicar o local em que o produto fora fabricado.

A Função de Indicação de Qualidade pode até se confundir com a função de indicação de origem, entretanto, essa função indica uma esperada qualidade proveniente de sua origem. Como exemplos, podemos citar os sanduíches da rede de fast-foods Mc Donald’s. Mesmo os sanduíches ou outros produtos da marca que são vendidos no Brasil passam por um rígido controle de qualidade realizado pela matriz norte-americana. Portanto, o que está em jogo é a qualidade passada pela marca decorrente de sua origem.

Temos também a Função Publicitária. Já diria a célere frase: “A publicidade é a alma do negócio”. E aqui essa máxima se encaixa perfeitamente, pois é através da propaganda que a sociedade consumidora tem conhecimento daquela marca. Além de criar uma clientela, lançando-a no mercado através dos mais variados meios de comunicação que existem atualmente, a publicidade também objetiva manter essa clientela.

Maitê Cecília Moro (2003, p. 44) nos ensina que: “Pode-se fazer uma relação entre a intensidade do uso da publicidade e o valor econômico da marca, segundo a qual quanto maior e melhor a utilização dos meios de publicidade, maior o poder evocativo e atrativo de uma marca e, por consequência, maior o valor econômico representado por essa marca”.

E como última função secundária, considerada por muitos estudiosos do direito industrial como a mais importante das funções secundárias, há a Função Econômica. Já foi explicado anteriormente em nossa pesquisa que atualmente o valor financeiro de uma marca pode ser maior do que o valor material da própria empresa. Isso é percebido com mais clareza quando falamos das marcas notórias.

Tanto é prova que essa função é de suma importância, que a própria lei 9.279/1996 fez expressa menção a essas marcas economicamente poderosas, quais sejam, as marcas de alto renome e as notoriamente conhecidas, elencadas respectivamente nos arts. 125 e 126 da lei.

2.5 Das razões legitimadoras da propriedade industrial

Para ser proprietário de uma marca, o inventor deve pedir autorização do Estado. No Brasil, o órgão competente para fornecer essas autorizações é o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).

A grande maioria das invenções é induzida por problemas sócio-econômicos, ou seja, o homem, ao tentar suprir as necessidades do seu dia a dia, acaba desenvolvendo a criação. Quando a nação desenvolve suas próprias tecnologias, ela praticamente elimina a necessidade de importar produtos a custos altíssimos e acaba também com a dependência.

Poder ser dono de uma marca é um direito que é oferecido pelo Estado, mediante um processo administrativo, que objetiva a exclusividade de explorar essa marca durante determinado período de tempo, em toda a extensão do território nacional.

E o Estado tem algumas razões para conceder essa titularidade para uma pessoa. Podemos destacar cinco: razões de direito, de economia, de desenvolvimento, técnicas e sociais.

As razões de direito se configuram quando o Estado, visando auxiliar o titular que consegue a titularidade de uma marca, colocou em seu ordenamento jurídico uma proteção específica para que ele se proteja contra plágios, concorrência desleal e outros crimes.

Di Blasi (2005, p. 54) enfatiza essa proteção ao dizer que: “Isso possibilita, portanto, que o inventor exerça seus direitos em juízo, com objetivo de cessar a contrafação e eventualmente, reaver possíveis prejuízos contra terceiros que, sem consentimento, estejam, por qualquer meio, explorando sua invenção”.

A razão econômica se caracteriza, pois quem investe tem a perspectiva de ter um retorno financeiro. É justo, para quem cria uma marca, lucrar com essa, visto que ela trouxe um benefício para a sociedade.

Entretanto, pode ser que o dono não possa continuar com a exploração da sua marca, então, para que possa haver a continuação dessa exploração, existem algumas modalidades de que o titular poderá se usar para cumprir essa razão, que encontram respaldo legal no art. 139 da lei 9.279: “o titular de registro ou o depositante de pedido de registro poderá celebrar contrato de licença para uso de marca, sem prejuízo de seu direito de exercer controle efetivo sobre as especificações natureza e qualidade dos respectivos produtos ou serviços”.

Ou seja, a lei foi cristalina ao falar que a licença não é dada apenas pelo titular. Aquele que ainda tem somente a expectativa de ser titular já poderá celebrar esse contrato.

Uma dessas modalidades de cessão de marcas é o chamado contrato de franquia, ou franchising, em que o titular de uma marca já consolidada no mercado, geralmente notória ou de alto renome, repassa o direito de explorar a sua marca à um terceiro, mediante um contrato entre as partes. Nos dizeres de Di Blasi (2005, p. 425), o contrato de franquia é: “um acordo formal em que o franqueador concede ao franqueado o direito de explorar marca ou patente, [...], marketing em associação à distribuição de produtos e serviços, em contrapartida ao pagamento de uma remuneração e por um determinado período”.

2.5.1Da razão social legitimadora do registro de uma marca

Em momento anterior, foram apresentadas as três funções exercidas pelas marcas no ordenamento jurídico brasileiro, quais sejam, a econômica, a social e a de direito. Dentre elas, encontra-se a função social da marca, que pode ser considerada a principal razão legitimadora do reconhecimento da titularidade da propriedade industrial pelo Estado.

Esta razão legitimadora dá-se porque a marca está, diretamente, relacionada ao público consumidor e a terceiros que estão envolvidos com a marca, como o vendedor do produto ou serviço, o próprio titular e aquele que ainda não consumiu o produto ou serviço, mas que de qualquer modo é alvo de sua publicidade.

É justamente por isso que a função social da marca é deveras relevante, haja vista o desiderato de proteger os interesses coletivos, assim como os individuais, garantidos na Constituição Federal, buscando sempre o bem-estar da coletividade. 

O registro de uma marca está previsto no ordenamento jurídico brasileiro, sob a ótica do requisito da novidade, isto é, para saber se existem outras marcas semelhantes, que precedem o pedido do registro. Com isso, a possibilidade de promover determinadas vinculações a outros ramos do direito é esquecida.

Com isso, a não vinculação do pedido de registro de uma marca a outros ramos do direito, como de fato acontece atualmente, significa deixar de lado a função social que legitima o reconhecimento da própria propriedade industrial, função essa que se revela como a principal dentre todas as razões legitimadoras.

Isto quer dizer que na legislação brasileira não há maiores exigências com relação ao registro de uma marca, bastando apenas pesquisar se houve casos anteriores iguais ou semelhantes em uma mesma classe e/ou afins de produtos ou serviços ao que se quer registrar e se a marca não estaria enquadrada dentre as proibições previstas pela lei da propriedade industrial.  

Como forma de exemplificar essa situação exposta, atualmente, no Brasil, determinados produtos que não têm a sua composição divulgada conseguem registrar sua marca, uma vez que não existem maiores exigências, se comparadas às solicitadas para o registro de uma patente. Essa situação pode, facilmente, ser visualizada a partir do exemplo da marca Coca-Cola, a qual possui sua marca registrada, entretanto, até hoje, não registrou o seu invento, isto é, não patenteou o seu produto.

Dessa forma, percebemos que a pessoa jurídica que explora a Coca-Cola optou pela caracterização do chamado segredo de indústria, o qual consiste em uma forma de evitar a publicidade da ideia obtida na comercialização de determinado produto ou serviço. Logo, o segredo de indústria é utilizado por alguns inventores com o intuito de manter em sigilo o seu invento, passando a explorá-lo sozinho, obtendo vantagens lucrativas em relação aos seus competidores no mercado.

Enquanto que no registro de uma patente há a exigência de um relatório descritivo para que o titular possa registrá-la, garantindo assim o seu direito de exploração por tempo limitado, no registro de uma marca não há essa exigência do relatório descritivo.

O que se questiona então é a ausência de dispositivos normativos que viabilizem a restrição ao registro de determinadas marcas que estejam prejudicando os consumidores, uma vez que este adquire o produto ou serviço com base na confiança que estes lhe passam. Poderia haver por parte do Estado outra exigência no que tange à questão do registro de uma marca, como a publicidade da composição dos produtos ou a forma de execução de serviços que envolvessem a integridade física e mental do consumidor, garantindo-lhe um consumo seguro.

Considerando que a base mais significativa da proteção aos bens da propriedade industrial caracteriza-se na defesa dos interesses da coletividade, seria comprometedor autorizar o registro de uma marca, através da qual será explorado um produto que sequer tem a sua composição divulgada.

Com isso, percebemos que o direito de exploração da marca pelo titular desta encontra-se garantido, podendo manter em sigilo a composição dos seus produtos, enquanto que ao público consumidor resta acreditar nas reduzidas informações que lhe são fornecidas nos rótulos dos produtos, sendo-lhe vedadas outras informações que possam lhe interessar.

A Constituição Federal do Brasil apresenta o direito intelectual como status de uma garantia constitucional fundamental, com assento no inciso XXIX, do art. 5º:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País.

Nesse sentido, corrobora Gabriel Di Blasi (2005, p. 57), pois percebe que o exercício do direito intelectual, e aí se inclui o direito industrial, não objetiva apenas uma finalidade, ele busca também um “meio de promover os valores sociais, cujo vértice central encontra-se na própria pessoa humana”. Esta busca em promover os valores sociais atua, principalmente, na garantia dos direitos tanto dos proprietários dos bens quanto dos consumidores, atingindo-se dessa forma um equilíbrio social, em que não haja prejuízo para ninguém e o País desenvolva-se tecnológica e economicamente.

O mesmo Di Blasi (2005, p. 53-60) faz estas explanações em relação às patentes, o que não impede sejam elas aplicadas às marcas, haja vista a atuação de ambas na Propriedade Industrial e o grau de importância que os dois bens industriais exercem na sociedade, permitindo, portanto, que sejam nelas, patentes e marcas, aplicadas determinadas normas.

Nesse sentido, a razão social relaciona-se diretamente com o interesse que a sociedade apresenta em relação à marca. Esse interesse da sociedade gera diversas implicações àqueles que estão direta ou indiretamente envolvidos com a marca, a qual será registrada.

Vale salientar que o ordenamento da propriedade industrial não é concedido objetivando exclusivamente o direito do particular, mas, ao contrário, busca-se, prioritariamente, salvaguardar os direitos da sociedade como um todo.


3 DO INSTITUTO DA CADUCIDADE

O presente capítulo abordará como é realizado o procedimento de registro de uma marca no Brasil, como também quem pode ser titular da mesma e quais são os requisitos imprescindíveis para que esse direito seja concedido pelo Estado.

Por fim, abordaremos como se dá a perda desse direito em todas as situações autorizativas, dando um enfoque mais detalhado à situação do instituto da Caducidade.

3.1 Da titularidade de uma marca

 Pelo que já foi explanado, resta de bom entendimento que, para tornar-se proprietário de uma marca no Brasil, é necessário passar por um processo administrativo e burocrático realizado através do Instituto nacional da Propriedade Industrial – INPI, pois assim está disposto no art. 129 da Lei 9.279/1996: “A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional [...]”.

Apesar de existirem tratados internacionais que propõem uma unicidade nas leis e procedimentos nos processos de admissão de marcas, cada país rege sua legislação da maneira que melhor lhe convier, dentro, é claro, do estabelecido no tratado ou convenção internacional de que o Estado fizer parte.

3.1.1 Dos sistemas de reconhecimento do direito de propriedade

Como já demonstrado, esse direito que o Estado dá ao titular de uma marca é concedido de diferentes formas ao redor do mundo. Podemos destacar três tipos de registros: o sistema declarativo, o atributivo e o misto (MORO, 2003, p. 53-54).

 Em uma primeira situação, que ocorre nos Estados Unidos, temos o chamado sistema declarativo, em que a marca é registrada pelo seu simples uso por parte de alguém. O registro serve apenas para formalizar o direito de uso da marca.

Em outros países como a França, é realizado todo um processo de registro formal, em que são analisados vários requisitos, como, por exemplo, o da novidade relativa, em que terá que ser comprovado, através do processo, que aquela marca que busca ser registrada é novidade no país em que tentará se registrar. É feita então uma busca pelo sistema do INPI, para saber se já há alguma similar existente dentro daquele ramo em que a nova marca pretende ser registrada. Esse sistema de registro mais formal é conhecido por sistema atributivo.

Por fim, há países que usam o chamado sistema misto, que, na teoria, possui traços característicos dos dois sistemas. Todavia, na prática, o que observamos é que só um tipo de sistema propriamente dito predomina.

No Brasil, observamos a predominância do sistema atributivo, entretanto, temos também casos de sistema declarativo, como no caso da prioridade que é dada para aquela pessoa que possui acordo firmado com o Brasil ou com organização internacional e que deseja registrar uma marca em algum desses países signatários do acordo.

Por exemplo, Espanha e Brasil possuem um acordo na área intelectual, então, se um espanhol que já possui uma marca registrada em seu país de origem quiser registrar no Brasil, bastará apenas, para que seja concedido registro no Brasil, que o uso dessa marca reste comprovado na Espanha. Maitê Moro (2003, p. 54) nos explica que: “tem-se aqui uma típica manifestação de um sistema declarativo, numa verdadeira conjugação com o sistema atributivo, na busca de uma disciplina mais justa”.

Podemos concluir, então, que o Brasil usa o sistema de registro de marcas misto, pois, via de regra, observamos que há todo um processo para deferir ou indeferir os pedidos de registro de marca, entretanto, temos também o caso da prioridade, típico do sistema declarativo.

3.2 Dos princípios norteadores da proteção de uma marca

Como já fora explanado no capítulo anterior, a proteção que a legislação brasileira confere às marcas é limitada. Baseia-se ela basicamente nos princípios da territorialidade e da especialidade.

O primeiro princípio, o da territorialidade inerente ao direito industrial, deriva do princípio-mor da territorialidade das leis. Segundo esse, as leis de determinado Estado somente serão aplicadas dentro de seu território. Maitê Moro (2003, p. 64), corroborando com esse conceito, nos ensina que “a propriedade de uma marca, conferida pelo registro da mesma, em um determinado país, produz efeitos somente em seu território”.

Em outras palavras, significa dizer que ao se registrar uma marca no Brasil, o titular da mesma só possuirá direitos regidos pela legislação marcária dentro do território nacional. De igual forma, aqueles que são titulares de uma marca no exterior e quiserem requerer sua proteção aqui no Brasil deverão valer-se da legislação brasileira.

Entretanto, uma vertente europeia não aceitava a aplicação do princípio da territorialidade. Moro (2003, p. 64) nos ensina em sua obra sobre os responsáveis por esse pensamento:

Em uma época pretendeu-se que a marca não obedecesse ao princípio da territorialidade, mas ao princípio da universalidade. Segundo Paul Roubier, foi Köhler quem desenvolveu a idéia da universalidade das marcas, considerando ser a única suscetível de satisfazer às exigências do mundo contemporâneo. Mas a idéia não vingou.

É bem verdade que este posicionamento, apesar de não ser acatado atualmente, durante um certo período de tempo fora visto com simpatia, principalmente pelos doutrinadores alemães e suíços. O princípio da especialidade trata a marca como um direito de personalidade, devendo com isso ser reconhecido em todo o mundo, independente de onde havia sido registrado. Em outras palavras, esse princípio prega a cooperação internacional no registro das marcas.

Buscando explicar o atual predomínio do princípio da territorialidade sobre o da especialidade no direito concernente ao registro de marcas, Gérard Dassas (apud MORO, 2003 p.64), nos indica vários fatores que justificam esse predomínio:

O Estado é o único competente para fazer respeitar sobre o seu território a ordem, por ele instaurada, e que deve ser observada por todos. Ao utilizar a lei nacional para reger o direito de marcas no seu território, se dá aos titulares de marcas, nacionais e estrangeiras, instalados em seu território, iguais condições de competitividade.

Gérard Dassas fala nas consequências negativas da adoção do princípio da universalidade citando os seguintes fatos: a) o direito de personalidade não pode ser cedido; b) qualquer que fosse a extensão de utilização da marca, sempre estaria dependente da situação legal no país de origem do registro; e c) a necessidade de se fazer, por se tratar de uma marca com proteção internacional, pesquisa de anterioridades em todos os países para se saber da disponibilidade da mesma.

Em resumo, não é que o princípio da territorialidade seja mais importante que o da universalidade, o que ocorre é que aquele é mais prático que este, principalmente quanto às anterioridades. Ademais, o processo burocrático seria bem maior se o princípio da universalidade fosse aplicado em nosso ordenamento jurídico.

Devemos perceber também que, em virtude do princípio da territorialidade, pode ser que aquela marca seja usada apenas em uma cidade pequena de um interior do Ceará, entretanto, ela estará protegida contra terceiros dentro de todo o território nacional. Corroborando com esse entendimento, Paul Roubier (apud MORO, 2003, p.64) nos ensina:

Dessa afirmação depreende-se que o caráter nacional da marca se dá pelo registro. O eu é bastante coerente, pois, se a marca é reconhecida tão somente pelo uso, sua proteção se daria nos locais onde a marca circulasse, o que não necessariamente representa todo o território nacional. Já no caso de existir um registro para todo o país essa questão de localização da utilização da marca desaparece, pois a marca é protegida em todo o território.

Como amparo legal, o art. 59 da revogada lei 5.772/71 dispunha: “será garantida no território nacional a propriedade da marca e seu uso exclusivo àquele que obtiver o registro de acordo com o presente Código [...]”. Por sua vez, reza o art. 192 da Lei 9.279/96 que: “a propriedade da marca adquire-se pelo registro, validamente expedido, conforme as disposições desta lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo território nacional”.

Por fim, temos que a única exceção ao princípio da territorialidade é o caso das marcas notoriamente conhecidas.

O outro princípio base é o da Especialidade. Ele determina que, para que uma marca consiga ser registrada no Brasil, o possível titular (depositante) deverá especificar qual o tipo de produto ou serviço ao qual a marca será destinada. Nos dizeres de Moro (2003, p. 67), “esta especificação fará com que, uma vez registrado o signo, dentro da ideia de anterioridade, não se possam aceitar registros de signos iguais ou semelhantes que se tentem registrar para o mesmo tipo de produto ou serviço”.

Esse princípio é responsável por delimitar a proteção conferida às marcas. Aurélio Wander Bastos (apud MORO, 2003, p. 68) nos explica que a Especialidade é:

Princípio pelo qual se assegura a proteção marcária para os produtos, mercadorias ou serviços correspondentes à atividade do titular. Corresponde à esfera dentro da qual se aplica a proteção conferida à marca. De acordo com esse princípio, o sinal registrado como marca terá amparo legal apenas para determinados produtos ou serviços, idênticos ou similares àquele a que se destina a proteção conferida, dentro de determinado segmento comercial ou industrial, e não todo o setor ou mercado. Nos casos dos produtos compreendidos em setores completamente diversos, como, por exemplo, alimentos e máquinas calculadoras, o titular da marca não poderá impedir que outro utilize o mesmo sinal ou denominação, podendo perfeitamente haver a coexistência de ambos os registros, já que não há risco de confusão.

Temos duas exceções ao princípio da especialidade. São elas: as marcas de alto renome (lembrar que as marcas notoriamente conhecidas são exceções ao princípio da territorialidade) e a situação de aproveitamento parasitário, que se caracteriza pela “conduta de um comerciante ou fabricante que, mesmo sem intenção de causar dano, tira ou procura tirar proveito da criação de uma obra artística, literária ou intelectual de terceiro, ou do renome alheio adquirido legitimamente, sem que haja identidade ou afinidade entre os produtos e os serviços das empresas, pressupondo uma relação de não concorrência”. (SILVA, 2009, on-line).

3.3 Do pedido de registro de uma marca

Buscaremos apresentar, de forma simples e sucinta, como se dá o procedimento administrativo do pedido da titularidade de uma marca.

Marca é o sinal distintivo inserido em produtos ou serviços com o desiderato de diferenciá-los uns dos outros. Como já dito anteriormente em nosso trabalho monográfico, o conceito de marca está previsto no art. 122 da Lei 9.279/96: “são suscetíveis de registro como marca os sinais distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais”.

3.3.1 Dos requisitos necessários para o pedido

Marcelo Taddei (ano X, nº 223, p. 28) nos apresenta, de forma genérica e sucinta, os requisitos exigidos pelo INPI para que uma marca seja registrada, quais sejam: a novidade relativa; a não-colidência com marca registrada ou marca notória; e o desimpedimento. Corroborando com esse pensamento, os tribunais pátrios já se manifestaram quanto ao assunto (BARBOSA, 2003, p. 874):

Tribunal regional federal da 2ª Região

Ementa – Propriedade industrial – viabilidade – provado ser a autora titular, em outros países, de marca de indiscutível notoriedade, deve ser admitida a viabilidade do registro no Brasil, principalmente quando o próprio titular da marca anterior, considerada impeditiva, reconhece a titularidade e não colidência,

APELAÇÃO CÍVEL. Processo 94.02.15118-4. PRIMEIRA TURMA. Data da decisão: 15/03/1995. DJ 25/04/1996 p. 26824. relator Para o Acórdão JUIZ ANDRE KOZLOWSKI. Relator – JUIZ CLELIO ERTHAL. Decisão – A Turma, por maioria, deu provimento ao recurso, vencido o relator. Lavrara o acórdão o Juiz Conv. ANDRE KOZLOWSKI.

Como primeiro requisito, exige-se a presença da novidade relativa, ou seja, a identificação dos produtos ou serviços diante dos seus concorrentes, sabendo-se que, para isso, não é necessário que a marca seja totalmente nova, bastando apenas que se diferencie das já existentes no país. Denis Borges Barbosa (2003, p. 807) assim nos ensina:

A novidade relativa constitui apenas o requisito de que a marca tem de se distinguir dos outros signos já apropriados por terceiros; ou mais precisamente, é a exigência de que o símbolo possa ser apropriado pelo titular, sem infringir direito de terceiros. A noção de novidade neste contexto, aliás, que resulta de uma contigüidade com o conceito análogo ao sistema de patentes, seria melhor designado como apropriabilidade. Ora, um complexo significativo é inapropriável por duas razões: ou já se encontra no domínio comum da língua ou já foi apropriado por terceiros. É quanto a esses últimos requisitos que se fala, mas propriamente, de novidade.

Em suma, para que seja registrada no Brasil, basta apenas que a marca não possua nenhuma outra semelhante dentro da mesma classe. Por exemplo, a classe 3 diz respeito às marcas que serão usadas em produtos para preparações para branquear e outras substâncias para uso em lavanderia. Não seria aceita então uma marca que copiasse a letra ou a figura da marca Omo, por exemplo.

O titular teria que provar que a sua marca é nova e única dentro daquele segmento que deseja registrar sua marca. Nesse sentido, nossos tribunais assim já decidiram (2007, on-line):

Resumo: Direito da Propriedade Industrial. Dualidade de Marcas. Princípio da Novidade Relativa. Relator(a): Desembargador Federal ANDRÉ FONTES. Julgamento: 05/04/2005. Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA ESPECIALIZADA. Publicação: DJU - Data: 23/04/2007 - Página::85

Ementa: DIREITO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL. DUALIDADE DE MARCAS. PRINCÍPIO DA NOVIDADE RELATIVA.

I - O direito à proteção marcária do termo MYOFER para classes distintas-produtos farmacêuticos e produtos veterinários -, o que usualmente é denominado de dualidade de marcas, fica condicionado à comprovação dos requisitos de registrabilidade, notadamente o da novidade relativa.

II - A existência do registro da insígnia em uma das classes (produtos farmacêuticos), titularizado pelo agravante, por si só, não autoriza a proteção pretendida. II-Recurso desprovido.

A não-colidência com uma marca notória ou de alto renome é demonstrada por Fábio Ulhoa Coelho (2006, p. 161). Devido a ela, não pode o criador querer registrar uma marca já existente, reproduzindo, imitando ou traduzindo uma marca que pertence à outra pessoa. Esse requisito visa combater a pirataria, prática ilícita cada vez mais notória mundialmente.

Neste momento, é bom que ressaltemos que a marca considerada de alto renome é aquela marca conhecida em todo o território nacional, como, por exemplo, a marca de material escolar Tilibra; enquanto que a marca notoriamente conhecida já extrapolou as fronteiras do seu país de criação original, sendo conhecida internacionalmente, como a Coca Cola.

Por último, temos o desimpedimento, que nada mais é do que as proibições legais elencadas pelo artigo 124 da Lei 9.279/96, que nos traz, explicitamente, quais são as marcas que não podem ser registradas.

Portanto, sendo atendidos os três requisitos acima explanados e também observando o regular processo administrativo pelo qual vai passar, em que há situações passíveis de arquivamento definitivo do pedido, o criador de uma marca poderá registrá-la.

3.3.2 Do processo administrativo de obtenção da titularidade

Dessa forma, não havendo nenhuma proibição legal relativa à marca que se quer registrar, o próximo passo trata da busca de anterioridades perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), primeiro passo a ser tomado quando se pretende registrar uma marca.

Todavia, conforme afirma Gabriel Di Blasi, (2005, p. 367), essa busca pelas anterioridades é uma faculdade conferida ao possível proprietário de uma marca:

É facultado àquele que pretende ver sua marca registrada proceder a uma busca de anterioridades junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Essa busca consiste em listagem de casos anteriores iguais ou semelhantes em uma mesma classe e/ou afins, para realização de uma pré-avaliação das chances ou possibilidades de a marca vir a ser registrada. Ou seja, se for encontrada alguma ou algumas marcas idênticas ou semelhantes àquela pretendida, o pedido de registro, a princípio, não deverá ser depositado no INPI.

De acordo com Newton Silveira (1998, p.29), “a função do registro é garantir o uso da marca, pois o registro sem uso é mero privilégio”. Em outras palavras, caso a marca que fora registrada não for explorada, a marca não atingirá o seu fito maior, que seria a distinção entre outras marcas preexistentes na sociedade.

Depois da análise dessa busca de anterioridades, procede-se ao depósito desse pedido realizado através de requerimento, o qual será protocolado no órgão competente, no caso, o INPI, em que constarão um número e a correspondente data do depósito. Em seguida, são apresentadas as etiquetas, se necessário for, juntamente com o comprovante de pagamento, retribuição governamental exigida para a concessão do registro.

De acordo com o artigo nº. 155 da Lei 9.279/96, basicamente são três os requisitos exigidos no momento do depósito, quais sejam: o requerimento, devidamente preenchido; as etiquetas, quando for o caso; e o comprovante de pagamento da retribuição relativa ao depósito, junto ao INPI.

Porém, em alguns casos excepcionais, como é o caso das marcas coletivas e de certificação, há também a exigência da apresentação do regulamento de utilização. Ou seja, para as marcas coletivas, esse regulamento dispõe sobre as condições e as proibições de uso da marca, enquanto que no caso das marcas de certificação exige-se a descrição minuciosa das condições de certificação, tais como as características do produto ou serviço objeto de certificação e as medidas de controle que serão adotadas pelo titular da marca, estando previstas estas exigências nos artigos 147 e 148 da Lei 9.279/96:

Art. 147. O pedido de registro de marca coletiva conterá regulamento de utilização, dispondo sobre condições e proibições de uso da marca.

Parágrafo único. O regulamento de utilização, quando não acompanhar o pedido, deverá ser protocolizado no prazo de 60 (sessenta) dias do depósito, sob pena de arquivamento definitivo do pedido.

Art. 148. O pedido de registro da marca de certificação conterá:

I - as características do produto ou serviço objeto de certificação; e

II - as medidas de controle que serão adotadas pelo titular.

Parágrafo único. A documentação prevista nos incisos I e II deste artigo, quando não acompanhar o pedido, deverá ser protocolizada no prazo de 60 (sessenta) dias, sob pena de arquivamento definitivo do pedido.

Apresenta ainda Di Blasi (2005, p. 369) que a finalidade básica do depósito é conceder ao pedido uma anterioridade, a partir da qual não podem ser concedidos registros para marcas dotadas de características similares. Isto quer dizer que o depósito do pedido de registro junto ao INPI é a garantia de que a marca primeiramente depositada terá preferência em relação à outra similar ou que venha a copiá-la.

Tal medida visa proteger os direitos do titular da marca, haja vista que pode haver pedidos de registro posteriores ao que foi postulado pelo titular e em havendo, no momento do depósito, a data e a hora em que foi realizado o pedido, esta seria uma possível garantia de registro para o titular.

Depositado o pedido de registro, passa-se para o exame preliminar. Estando devidamente instruído, será protocolizado. Todavia, se for detectado que o pedido não atende às exigências solicitadas, o depositante terá o prazo de 5 (cinco) dias para proceder às devidas correções. Caso estas não sejam realizadas no citado prazo, procede-se ao arquivamento.

Não havendo exigências ou tendo estas sido cumpridas, o depósito será considerado como efetuado na data da apresentação do pedido. É o que diz o artigo 157, parágrafo único da Lei 9.279/96: “Cumpridas as exigências, o depósito será considerado como efetuado na data da apresentação do pedido”.

Logo após o exame preliminar realizado no momento do depósito do pedido, este será publicado na Revista Nacional da Propriedade Industrial. A partir daí, poderá haver apresentação de oposições no prazo de 60 (sessenta) dias por parte daqueles terceiros que tenham algum interesse legítimo no registro daquela marca, baseados nas já estudadas razões de direito.

No §2º do artigo 158 da Lei 9.279/96, são elencadas as hipóteses em que não se conhecerá a oposição: “Não se conhecerá da oposição, nulidade administrativa ou de ação de nulidade se, fundamentada no inciso XXIII do art. 124 ou no art. 126, não se comprovar, no prazo de 60 (sessenta) dias após a interposição, o depósito do pedido de registro da marca na forma desta Lei”. Acrescenta-se a estas hipóteses o disposto no artigo 129, §1º da Lei 9.279/96:

Art. 129. A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional, observado quanto às marcas coletivas e de certificação o disposto nos arts. 147 e 148.

§ 1º Toda pessoa que, de boa fé, na data da prioridade ou depósito, usava no País, há pelo menos 6 (seis) meses, marca idêntica ou semelhante, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, terá direito de precedência ao registro.

Caso sejam atendidas todas as exigências preliminarmente elencadas, faz-se novamente outro exame, que agora analisa o mérito do pedido e apresentam-se novas exigências. Havendo o cumprimento dessas exigências, o INPI deferirá ou indeferirá ex officio o pedido de registro, diferentemente do que ocorre no processo do pedido de patentes, em que o depositante requer o exame, de acordo com o exposto no artigo 160 da Lei 9.279/96. Todavia, não sendo cumpridas essas novas exigências, será arquivado o pedido, e o titular da marca não poderá registrá-la.

Indeferido o pedido de registro, poderá o titular da marca recorrer da decisão no prazo de 60 (sessenta) dias, conforme dispõe o artigo 212 da Lei da Propriedade Industrial: “Salvo expressa disposição em contrário, das decisões de que trata esta Lei cabe recurso, que será interposto no prazo de 60 (sessenta) dias”. Por outro lado, caso haja procedência do pedido, o titular da marca efetuará o pagamento das retribuições correspondentes à expedição do certificado e este será emitido, atestando o registro da marca.

Concede-se ao titular da marca um prazo de 60 (sessenta) dias para efetuar o pagamento, prorrogando-se este prazo por mais de 30 (trinta) dias. Em não havendo o pagamento, o pedido será definitivamente arquivado, não havendo mais a possibilidade de se interpor recurso.

A concessão do certificado de registro só se concretizará na data da publicação do respectivo ato, segundo dispõe o artigo 163 da Lei 9.279/96. Já o artigo 133 da supracitada Lei esclarece qual o prazo de vigência do registro de uma marca, quando poderá ser feito pedido de prorrogação e quando não será concedido este pedido.

Art. 133. O registro da marca vigorará pelo prazo de 10 (dez) anos, contados da data da concessão do registro, prorrogável por períodos iguais e sucessivos.

§ 1º O pedido de prorrogação deverá ser formulado durante o último ano de vigência do registro, instruído com o comprovante do pagamento da respectiva retribuição.

§ 2º Se o pedido de prorrogação não tiver sido efetuado até o termo final da vigência do registro, o titular poderá fazê-lo nos 6 (seis) meses subseqüentes, mediante o pagamento de retribuição adicional.

§ 3º A prorrogação não será concedida se não atendido o disposto no art. 128.

Concluímos, então, que as marcas se apresentam na sociedade como meio para facilitar, aos seus proprietários, a comercialização e divulgação de seus produtos e serviços, os quais, muitas das vezes, tornam-se um símbolo das marcas que lhes representam.

3.4 Da perda da titularidade de uma marca

Da mesma forma que o Estado, através do INPI, concede a alguém a titularidade de uma marca, existem algumas situações em que a mesma poderá cessar. Para isso, o art. 142 da lei 9.279/96 elenca de que forma essa perda de direitos pode ocorrer:

Art. 142. O registro da marca extingue-se:

I – pela expiração do prazo de vigência;

II – pela renúncia, que poderá ser total ou parcial em relação aos produtos ou serviços assinalados pela marca;

III – pela caducidade;

IV – pela inobservância do disposto no art. 217.

Os incisos I e II trazem as hipóteses naturais de extinção, em que não depende nem do Estado, nem de terceiros para que o titular deixe de ser dono da marca. Todavia, quanto aos dois últimos incisos, trata-se de sanções administrativas, em que no inciso III há realmente a figura do terceiro interessado em ter aquela marca para si, e no inciso IV é o Estado agindo quando o titular não cumpre aquilo que está estipulado em lei.

O titular perde seu direito sobre a marca por expiração de prazo de vigência quando este prazo acaba e o dono, por qualquer motivo, decide não prorrogá-lo. O art. 133 da Lei 9.279/1996 assim assevera sobre a vigência:

Art. 133. O registro da marca vigorará pelo prazo de 10 (dez) anos, contados da data da concessão do registro, prorrogável por períodos iguais e sucessivos.

§ 1º O pedido de prorrogação deverá ser formulado durante o último ano de vigência do registro, instruído com o comprovante do pagamento da respectiva retribuição.

§ 2º Se o pedido de prorrogação não tiver sido efetuado até o termo final da vigência do registro, o titular poderá fazê-lo nos 6 (seis) meses subseqüentes, mediante o pagamento de retribuição adicional.

§ 3º A prorrogação não será concedida se não atendido o disposto no art. 128.

O art. 128, por sua vez, determina que “podem requerer registro de marca as pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou de direito privado”.

Assim como nas patentes, há um prazo de vigência para as marcas, entretanto, diferentemente do que ocorre naquele, o exercício da titularidade de uma marca pode ser eterno, basta, é claro, que o titular tenha interesse em manter-se dono da mesma e esteja realizando a sua função social. Ou seja, mesmo depois de passado o prazo inicial de vigência de uma marca, que, de acordo com o art. 133, é de 10 (dez) anos, o titular pode requer sua renovação, continuando assim como seu dono.

A renovação é feita, de acordo com o §1º do art. 133, no 10º (décimo) ano de vigência da marca, ou seja, o titular terá todo o décimo ano para solicitar a sua renovação. Além desse tempo, terá ainda mais seis meses (§2º). Entretanto, para renovar durante esses meses adicionais, somente mediante pagamento de retribuição anual. A renúncia poderá ser total ou parcial, nos dizeres de Irineu Strenger (2004, p.46):

Significa que, não havendo a correlação entre a marca e seu objeto, deixa de haver eficácia para a sua prevalência sem finalidade, o que acertadamente também acarreta extinção, embora nesse particular caiba indagar por que não pode subsistir a marca se existisse a garanti-la o direito de propriedade.

A renúncia, que pode ser pedida a qualquer momento durante o prazo de vigência, atinge o “respectivo titular ou seus sucessores” (DI BLASI, 2005, p. 374). Já nos casos de marcas coletivas, o art. 152 da Lei 9.276 é taxativo ao dizer que “só será admitida a renúncia ao registro de marca coletiva quando requerida nos termos do contrato social ou estatuto da própria entidade, ou, ainda, conforme o regulamento de utilização”.

A perda da titularidade de uma marca também pode advir da não observância do disposto no art. 217, que traz em seu bojo o seguinte: “A pessoa domiciliada no exterior deverá constituir e manter procurador devidamente qualificado e domiciliado no País, com poderes para representá-la administrativa e judicialmente, inclusive para receber citações”. Ou seja, esse dispositivo atinge os titulares de marcas estrangeiras ou mesmo os nacionais residentes no exterior que têm interesse em defendê-la no território brasileiro.

Por fim, como quarta modalidade de perda do direito da titularidade de uma marca, temos o instituto da caducidade, que será estudado no tópico a seguir.

3.5 Do instituto da caducidade

O instituto da caducidade, como já anteriormente explanado, é uma das quatro modalidades de perda dos direitos da titularidade de uma marca. Este instituto, objeto principal desse estudo monográfico, encontra-se positivado no art. 143 da Lei 9.279/1996, e assim diz:

Art. 143 - Caducará o registro, a requerimento de qualquer pessoa com legítimo interesse se, decorridos 5 (cinco) anos da sua concessão, na data do requerimento:

I - o uso da marca não tiver sido iniciado no Brasil; ou

II - o uso da marca tiver sido interrompido por mais de 5 (cinco) anos consecutivos, ou se, no mesmo prazo, a marca tiver sido usada com modificação que implique alteração de seu caráter distintivo original, tal como constante do certificado de registro.

§ 1º Não ocorrerá caducidade se o titular justificar o desuso da marca por razões legítimas.

§ 2º O titular será intimado para se manifestar no prazo de 60 (sessenta) dias, cabendo-lhe o ônus de provar o uso da marca ou justificar seu desuso por razões legítimas.

A caducidade é o meio que um terceiro interessado tem para explorar uma marca que não foi utilizada ou teve o seu uso interrompido por 5 (cinco) anos consecutivos. Esse pedido se dá mediante processo específico junto ao INPI, cabendo o ônus da prova ao detentor da marca. Diferentemente do que ocorre na caducidade das patentes, aqui não é feito ex officio pelo INPI, e sim, por um terceiro interessado em explorar aquela determinada marca.

A nova lei aumentou o prazo para que seja caracterizado o uso ou não da marca. O prazo usado anteriormente era de 2 (dois) anos, tendo sido aumentado para 5 (cinco). Por sua vez, o Instituto Dannemann (2005, p. 288-289) caracteriza como positiva essa mudança:

O art. 143 alarga os prazos de que dispõe o titular para inicar o uso ou retomá-lo, se interrompido, fixando-os em cinco anos. Ao fazê-lo, ajusta-se à tendência internacional e adapta-se ao comando do art. 19 do TRIPS. De fato, os prazos que até então vigoravam, de dois anos, parecem-nos insuficientes para o lançamento ou relançamento de um sinal distintivo no mercado. A implementação do uso de um sinal distintivo pressupõe investimento expressivo, implicando inúmeros procedimentos que, em certas áreas, incluem a obtenção de licença junto ao órgão competente. Exigir que, registrada a marca, o titular, em apenas dois anos, a utilize efetivamente, é demandar, na maioria das vezes, esforço hercúleo. Bem agiu, portanto, o legislador em 1996.

Importante salientarmos que, para que seja caracterizada a caducidade de uma marca, é imprescindível que haja um terceiro de boa-fé interessado em ter aquela marca para si, caso contrário, o Estado, por sua vez, não agirá de ofício. Esclarecendo melhor, José Carlos Tinoco Soares (1988, p. 1179-1180) assim nos diz:

Necessário, portanto, se torna que o interessado ao requerer o pedido de caducidade do registro de uma marca tenha a obrigação de comprovar o seu legítimo interesse. Este poderá ser alicerçado pelo requerimento de pedido de registro de marca igual ou semelhante, para os mesmos produtos, mercadorias ou serviços e bem assim para os pertencentes a gênero de atividade afim. Em assim procedendo e objetivando a caducidade do registro que lhe é anterior e conflitante, terá a possibilidade de obter o de sua pretendida marca.

Entra em cena então a figura da sociedade vigilante. Quanto a isso, remonta-nos Gabriel Di Blasi (2005, p. 375): “o pedido da caducidade só poderá ser requerido por pessoa com legítimo interesse. O titular do registro será notificado, cabendo a este no prazo de 60 dias, a contar da data da notificação, provar o uso da marca [...]”. O Instituto Dannemann - IDS (2005, p. 290) também fala do assunto:

Manda a Lei nova que, para impulsionar o procedimento de caducidade, o requerente demonstre legitimidade de interesse. [...] Qualquer um pode postular perante o Estado, direito esse assegurado pela Carta Constitucional. [...] A extinção de título de propriedade sobre marca não pode servir a interesses não amparados na lei. A sua causa finalis é evitar que sinais distintivos inertes, que não desempenhem a sua real função, impeçam a ocupação de outros, que lhes sejam idênticos ou semelhantes, de boa-fé [...].

Por sua vez, o §1º do art. 143 nos assevera que a caducidade não será concedida se o titular justificar o desuso da marca por razões legítimas. Denis Borges Barbosa (2003, p. 893), nos demonstra que: “a sanção é evitada, porém, se o titular justificar o desuso da marca por razões legítimas, cabendo-lhe o ônus de provar o uso da marca ou justificar seu desuso”.

Esse é o momento em que o titular original terá o direito de provar que não estava usando a sua marca por motivos alheios a sua vontade, tendo, de acordo com o § 2º do mesmo artigo, até 60 (sessenta) dias para se manifestar, tendo o ônus de provar o porquê de a marca estar em desuso. Para conseguir essa prova, o titular usa muito a figura da força maior. Os tribunais pátrios já decidiram neste sentido (BARBOSA, 2003, p. 894):

Tribunal Regional Federal da 2ª Região

ADMINISTRATIVO – MARCA INDUSTRIAL – CADUCIDADE – MOTIVO DE FORÇA MAIOR. Comprovado que a empresa não utilizou, no Brasil, a marca de que é titular, em razão de proibição da importação dos produtos por ela assinalados, por força de Resolução da “CACEX”, configura-se o motivo de força maior previsto no art. 94 do Código de Propriedade Industrial, e assim, a omissão de uso da marca, dentro do período da proibição, ainda que dure mais de dois anos, não justifica a declaração de caducidade.

Recurso provido (DJ/Seção 2, de 07/05/1992, p. 159) (AC Nº 0200204/90, Pleno, Relator Desembargador Clélio Erthal, DJ 22/11/94).

No julgado acima, comprovamos que o titular demonstrou que realmente não estava podendo usar a sua marca devido a um fato superveniente totalmente alheio a sua vontade, desconfigurando totalmente a figura do instituto da caducidade.

Entretanto, há casos em que essa justificativa acabar por não ser aceita, como mostra o seguinte julgado do STJ (BARBOSA, 2003, p. 894):

COMERCIAL MARCA. CADUCIDADE. A não utilização da marca só impede a caducidade do respectivo registro, se resultar de força maior, absoluta; se o produto estrangeiro podia ser importado por meio da Zona Franca de Manaus, a força maior não era absoluta. Recurso especial não conhecido.

RESP 242032/RJ (1999/0114307-1). DJ: 23/04/2001 PG: 160 Min. ARI PARGENDLER (1104) 01/03/2001 T3 – TERCEIRA TURMA

Ou seja, a caducidade nos é apresentada não como um meio “destinado a garantir a apropriação indébita de marcas”, nos dizeres do mesmo Instituto, mas, sim, como forma de atender à função social da propriedade, exaustiva e permanentemente presente nos objetos de estudo do Direito Industrial.

 


CONCLUSÃO

O presente trabalho monográfico se faz necessário diante da observação de que o instituto da caducidade – uma das formas de perda da titularidade de uma marca – ainda se apresenta como desconhecido para significativa parcela da sociedade. Todavia, vivemos em uma sociedade exclusivamente voltada para a contratação e aquisição de marcas e não propriamente do serviço e do produto, com a análise dos elementos qualificativos destes. Desta forma, é imprescindível conhecer melhor os aspectos normativos que norteiam a utilização das marcas, e mais especificamente, o instituto da caducidade, quando este pode resultar num prejuízo potencial à sociedade.

O instituto da caducidade nada mais é do que uma das formas em que o titular de uma marca deixa de ser seu dono. Trata-se de uma medida sancionatória mesmo, pois o Estado, ao declarar a caducidade de uma marca, está buscando a proteção da sociedade que não deve ser ludibriada com devido o aparecimento de marcas falsas.

Para conseguir o registro, é necessário que o titular prove que está cumprindo a função social da sua marca, e isso ocorre no momento em que a marca do produto ou do serviço consegue se distinguir de outros semelhantes ou afins de origens diversas, evitando com que apareçam no mercado marcas falsas que acabariam por confundir a sociedade.

Tomamos por base um comparativo entre a perda da titularidade de uma patente e de uma marca. Enquanto que naquela há um interesse por parte do Estado de que a propriedade sobre uma invenção recaia em domínio público, podendo assim sua titularidade ser requisitada por qualquer terceiro interessado, aqui nas marcas o pensamento é inverso, pois a intenção estatal, quando cede a titularidade de uma marca a alguém, é que essa mesma marca permaneça nas mãos de seu dono pelo maior tempo possível.

Para tornar-se titular de uma marca, é necessário que o interessado passe por um processo administrativo, que tem como órgão estatal julgador o INPI, em que serão observados, entre outros, os elementos do pedido, o pagamento da retribuição relativa ao depósito, como também os requisitos necessários para se registrar uma marca. É justamente neste ponto onde reside a grande dificuldade em se registrar uma marca, pois mesmo valendo apenas a novidade relativa (basta ser novidade no Brasil), a marca tem que ser registrada em uma classe e uma ou mais subclasses. Isso acaba por diminuir muito as opções na hora do registro, o que por muitas vezes, acaba por dificultar o mesmo ou até mesmo impossibilitá-lo.

É válido lembrar que a propriedade sobre uma marca possui prazo de validade, estipulado pelo art. 133 da Lei 9.279 de 14 de maio de 1996, a Lei da Propriedade Industrial, que é de 10 (dez) anos contados a partir da data de sua concessão pelo INPI, órgão estatal responsável por conceder a titularidade de uma marca. Todavia, justamente devido ao interesse da marca permanecer sempre com o mesmo proprietário, esse prazo de vigência pode ser prorrogado por tempos iguais e sucessivos, o que acaba fazendo com que essa titularidade se perdure no tempo.

O pedido de caducidade de um registro de marca deve ser requerido por um terceiro de boa-fé, representante da sociedade fiscalizadora, que terá de provar seu interesse em ter aquela marca para si. Ou seja, mesmo tendo que esperar uma ação por parte da sociedade, não agindo de ofício, o Estado não mostra interesse em conceder a titularidade de uma marca para outra pessoa que não o proprietário original.

A iniciativa estatal é válida, entretanto ela encontra obstáculos a partir do momento em que esse mesmo Estado não consegue executar uma fiscalização sobre marcas que estão em desacordo com o que foi determinado pelo INPI e outras que copiam, por vezes até descaradamente, marcas já existentes e devidamente registradas, o que acaba por trazer danos à sociedade que fica sem saber em qual marca confiar. Somemos a isso ainda, o prejuízo que recai nas mãos do proprietário da marca verdadeira quando se depara com tal crime.

Então, a verdade é que é através da sociedade fiscalizadora, na maioria das vezes próprio  titular de uma marca copiada ou um terceiro que tem interesse em adquirir uma marca que está em desacordo com as normas, que o Estado toma conhecimento desses fatos. O que, infelizmente, não deveria ocorrer, pois, como já foi dito, é dever da administração pública prezar para que uma marca fique sempre com o mesmo dono, exatamente para evitar que a sociedade seja enganada.

Entretanto, a sentença que declara a caducidade de uma marca deverá ser negada no momento que o titular provar o uso da marca ou justificar seu desuso há menos de 5 (cinco) anos da data em que lhe foi concedido esse direito.

Portanto poderíamos nos perguntar se o instituto da caducidade, de importância ímpar no direito marcário, é realmente desconhecido pela sociedade de maneira geral ou trata-se de uma prática “abafada” pelo Estado, que preza pela continuidade da titularidade de uma marca.

A nosso ver, mesmo sabendo da dificuldade de comprovar que o titular da marca não faça uso da mesma ou use-a em desconformidade com o que foi concedido pelo INPI, o que gera um ônus de prova ainda maior para aqueles que buscam a titularidade de uma marca para si, a prática do instituto da caducidade é verdadeiramente pouco utilizada no Brasil devido a um desconhecimento de grande parte da sociedade.

O Estado, representado pelo INPI, como já reiteradas vezes mencionado, quer evitar que a sociedade consumidora seja ludibriada pela existência de marcas novas, por isso preza tanto para que a mesma marca esteja sempre com o mesmo dono. Em contrapartida, é nesse momento que deveria se manifestar a figura da sociedade fiscalizadora, que se valeria desse instituto legal para cumprir sua função social.

É bom deixar claro que, mesmo não requerendo de ofício a caducidade de um registro de uma marca, o Estado cumpre sua função social na medida em que aguarda a manifestação da sociedade, na pessoa do terceiro de boa-fé interessado, que fiscalizadora, detecta que aquela marca não está cumprindo com aquilo que foi acordado com o Estado no momento da concessão do registro.

Também não podemos esquecer que o terceiro, ao entrar com um pedido de caducidade de uma marca, deve valer-se de um mínimo de certeza, pois cabe a ele provar que aquela marca que ele está requerendo não está cumprindo com sua função social.


REFERÊNCIAS

BRANDÃO, Maria Beatriz Afflalo. Design não é ornamento. Revista da ABPI, Rio de Janeiro, ano II, n. 8, jul./out. 1993. Disponível em: < http://www.abpi.org.br/dvdficha26.asp>. Acesso em: 22 abr. 2010.

BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003.

BRASIL. Lei nº 9.279/96, de 14 de maio de 1996. Vade Mecum acadêmico de direito. 2. ed. São Paulo: Rideel, 2007.

_______. Lei nº. 5.772, de 21 de dezembro de 1971. Vade Mecum acadêmico de direito. 2. ed. São Paulo: Rideel, 2007.

_______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, Senado, 1988.

_______. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Marcas. Disponível em: <http://www.inpi.gov.br>. Acesso em: 10 fev. 2010.

_______. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Resolução nº 110/2004. Disponível em: <http://www6.inpi.gov.br/legislacao/resolucoes/re_110_2004.htm?tr4>. Acesso em 22 mar. 2010.

CARVALHO, Patrícia Luciane de. Propriedade Intelectual. Curitiba: Juruá, 2005. Disponível em:

<http://books.google.com.br/books?id=VZgyGl9Jyy8C&printsec=frontcover&source=gbs_v2_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false> Acesso em: 17 abr. 2010.

CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da propriedade industrial. São Paulo: RT, 1930. v. II.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 1.

DI BLASI, Gabriel. A propriedade industrial: os sistemas de marcas, patentes e desenhos industriais analisados a partir da Lei 9.279, de 14 de maio de 1996. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

DOMINGUES, Douglas Gabriel. Direito Industrial: Patentes. Rio de Janeiro: Forense, 1980

ENCICLOPÉDIA BARSA. Rio de Janeiro - São Paulo: Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações, 1990. v. 13.

ENCICLOPÉDIA Wikipédia. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Direito_autoral>. Acesso em: 14 mar. 2010.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 1.

INSTITUTO DANNEMANN SIEMSEN DE ESTUDOS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL - IDS. Comentários à lei da propriedade industrial. Rio de Janeiro, São Paulo, Recife: Renovar, 2005.

MUJALLI, Walter Brasil. A Propriedade Industrial - Nova Lei de Patentes. São Paulo: Editora de Direito, 1997.

MORO, Maite Cecilia Fabbri. Direito de marcas: abordagem das marcas notorias na lei 9.279/1996 e nos acordos internacionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 1.

SILVA, Josenei Carvalho da. Concorrência parasitária e aproveitamento parasitário. Disponível em: <http://www.administradores.com.br/informe-se/artigos/concorrencia-parasitaria-e-aproveitamento-parasitario/36396/> Acesso em: 20 maio 2010.

SILVEIRA, Newton. A Propriedade Intelectual e a Nova Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279, de 14 – 5 – 1996). São Paulo: Saraiva, 1998.

SOARES, José Carlos Tinoco. Tratado da propriedade industrial. São Paulo: Resenha Tributária, 1988. v. III.

STÉFANO, Kleber Cavalcanti. Compreensão histórica das Patentes. Consulex, Brasília, Ano X, nº 223, p. 36-39, abr. 2006.

STRENGER, Irineu. Marcas e Patentes-Verbetes/Jurisprudência. 2.ed. São Paulo: LTr, 2004.

TADDEI, Marcelo Gazzi. Marcas e Patentes. Os bens industriais no direito brasileiro. Consulex, Brasília, ano X, nº 223, p. 26-33, abr. 2006.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil – Parte geral. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002. v. 1.

________. Direito civil: reais. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. v. 5.

WANDSCHEER, Clarissa Bueno. Patentes & conhecimento tradicional. Curitiba: Juruá, 2004. Disponível em: <http://books.google.com.br/books?id=T3QYx9ONZu4C&pg=PA52&dq=marcas+de+produto+ou+servi%C3%A7o&cd=1#v=onepage&q=marcas%20de%20produto%20ou%20servi%C3%A7o&f=false> Acesso em: 11 maio 2010.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRITO, Thiago Barbosa. Da perda da titularidade de uma marca face à caracterização do instituto da caducidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3910, 16 mar. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26916. Acesso em: 28 mar. 2024.