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Aspectos relevantes do histórico do Tribunal do Júri

Aspectos relevantes do histórico do Tribunal do Júri

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SUMÁRIO: 1.INTRODUÇÃO; 2.ORIGEM DO INSTITUTO; 3.CONSELHO DOS ANCIÃOS; 4.GRÉCIA; 5.ROMA, 5.1.Os Períodos Procedimentais ,5.2.Questiones; 6.TRIBUNAIS POPULARES EM OUTROS POVOS; 7.DIREITO COMPARADO, 7.1.Inglaterra, 7.2.América do Norte, 7.3.França; 8.CRIAÇÃO DO JÚRI E A CONSTITUIÇÃO DO IMPÉRIO; 9.JÚRI NO CÓDIGO DE PROCESSO CRIMINAL DE 1832; 10.JÚRI NA CONSTITUIÇÃO DE 1891; 11.CONSTITUIÇÃO DE 1934, CARTA DE 1937 E DECRETO-LEI N 167, DE 1938; 12.JÚRI NA CONSTITUIÇÃO DE 1946; 13.LEI Nº 263, DE 23 DE FEVEREIRO DE 1948; 14.CONSTITUIÇÃO DO BRASIL DE 24 DE FEVEREIRO DE 1967 E EMENDA DE 17 DE OUTUBRO DE 1969; 15. CONSIDERAÇÕES FINAIS; 16. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS; 18.NOTAS


1.INTRODUÇÃO

Este artigo é resultado do primeiro capítulo da Monografia de conclusão da Gradução da autora, e trata de tema de grande importância para o universo jurídico, uma vez que a instituição do Júri representa um órgão especial da justiça comum, e como tal possui regras próprias, as quais precisam ser interpretadas de acordo com os princípios da instituição. Isso se dá, principalmente, em razão da longa história do Júri, o qual vem recebendo novas informações no decorrer dos séculos. Portanto, precisa-se sopesar essas inúmeras mudanças que o mundo sofreu e o quanto a instituição de julgamento popular foi capaz de acompanhá-las.

Desta forma, pretende-se proporcionar ao indivíduo interessado em conhecer melhor o histórico do Tribunal do Júri, um trabalho científico acessível e amplo a respeito, que possa lhe oferecer uma visão imparcial de como funciona a instituição, e de tudo o que ela evoluiu no decorrer dos tempos.

O Tribunal Popular vem se manifestando desde os tempos de Moisés, passando por todas as transformações sociais, até os dias atuais. Apesar de se ter consciência da impossibilidade de se falar de todas as passagens históricas envolvendo o Júri, espera-se que o conteúdo abordado seja suficiente para que o leitor adquira uma visão satisfatória sobre o assunto.


2. ORIGEM DO INSTITUTO

O Júri é uma instituição de origem incerta, mas sem dúvida muito antiga e debatida, cujo formato vem sendo moldado desde os povos primitivos: chineses, indús e judeus ou hebreus[1].

Estudiosos, como o professor Pinto da Rocha, defendem a origem mosaica do instituto, surgida entre os judeus do Egito que, sob a orientação de Moisés, relatam a história das idades antigas através do grande livro, o Pentateucho:

As leis de Moysés, ainda que subordinando o magistrado ao sacerdote, foram, na antiguidade oriental, as primeiras que interessaram os cidadãos nos julgamentos dos tribunais. Na velha legislação hebraica encontramos nós o fundamento e a origem da instituição do Júri, o seu princípios básico. Na tradição oral, como nas leis escritas do povo hebreu, se encontram o princípio fundamental da instituição, os seus característicos e a sua processualística[2].

Moysés deu ao julgamento pelos pares, através do Conselho dos Anciãos, uma característica teocrática, uma vez que a decisão se dava em nome de Deus, provocando o repudio de outros doutrinadores, como Ruy Barbosa, a essa teoria o qual menciona que "há quem vislumbre, na ceia do Senhor, um conselho de jurados"[3].

Aqui, todavia, aceita-se a origem mosaica do Júri, seguindo-se, assim, o estudo de sua evolução.


3. CONSELHO DOS ANCIÃOS

O Conselho tinha suas regras definidas, as quais foram descritas no Pentateucho, que funcionava à sombra de árvores. A pena a ser fixada não possuía limites pré-fixados.

O julgamento hebraico exigia ampla publicidade dos debates, relativa liberdade do acusado para defender-se, garantia contra o perigo de falsas testemunhas e necessidade de duas testemunhas, no mínimo, para a condenação. Outra característica importante era a proibição de que o acusado que se encontrasse detido até definitivo julgamento sofresse interrogatório oculto e, além disso, só eram aceitas recusações motivadas[4].

Os tribunais eram subdivididos em três, em ordem hierárquica crescente, o ordinário, o pequeno Conselho dos Anciãos e o grande Conselho d’Israel.

O Tribunal ordinário era formado por três membros, sendo que cada parte designava um deles e estes escolhiam o terceiro. Das decisões por eles proferidas cabia recurso para o pequeno Conselho dos Anciãos, e destas outras para o grande Conselho d’Israel[5].


4. GRÉCIA

Na Grécia o sistema de tribunais era subdividido em dois importantes órgãos, a Heliéia e o Areópago.

A Heliéia era o principal colégio de Atenas, formada por quinhentos membros sorteados entre os cidadãos que tivessem no mínimo trinta anos, uma conduta ilibada e que não fossem devedores do Erário. As reuniões davam-se em praça pública, sendo presididas pelo archote, a quem cabia decidir pela declaração da culpa de um cidadão. Já, ao Areópago, cabia unicamente o julgamento de homicídios premeditados e sacrilégios[6].

Nestes tribunais o voto não era secreto e, tampouco, admitiam-se recusações[7].

Nádia de Araújo e Ricardo R. Almeida, defendendo que a origem do Júri encontra-se na cultura grega, mencionam:

Na Atenas clássica, duas instituições judiciárias velam pela restauração da paz social: o Areópago e a Heliéia. Ambas apresentam pontos em comum com o Júri. O Areópago, encarregado de julgar os crimes de sangue, era guiado pela prudência de um senso comum jurídico. Seus integrantes, antigos arcontes, seguiam apenas os ditames de sua consciência. A Heliéia, por sua vez, era um Tribunal Popular, integrado por um número significativo de heliastas (de 201 a 2.501), todos cidadãos optimo jure, que também julgavam, após ouvir a defesa do réu, segundo sua íntima convicção. Parecem elementos bastantes para identificar aqui os contornos mínimos, o princípio ao qual a idéia de justiça popular historicamente se remeteria[8]. (1996 RT 15:200 – 201/202).


5. ROMA

5.1. Os Períodos Procedimentais

Foram três os períodos em que se desenvolveu o processo penal romano, quais sejam, o processo comicial, o acusatório e o da cognitio extra ordinem.

O primeiro período se subdividiu em duas partes, inicialmente o procedimento inquisitório, que era fundado na cognição do órgão perseguidor e caracterizado pela total ausência de formalidades, onde a coerção era usada sem que houvesse limites. Após, veio o procedimento da inquisitio, onde a coletividade era o órgão judicante, decidindo pelos próprios interesses ou instituindo e elegendo agentes estatais para tanto.

No período acusatório surgiram as quaestiones perpetuae e a acusatio, onde não havia um acusador particular.

Por terceiro e último, temos o período da cognitio extra ordinem, quando, sobre os tribunais especiais das quaestiones, prevaleceram os órgãos jurisdicionais constituídos pelo príncipe, e voltou a imperar, com o retorno da cognição espontânea, o procedimento penal ex officio[9].

5.2. Questiones

Para Rogério Láurea Tucci, não se podia cogitar, até a época do direito clássico, quando do surgimento das quaestiones, da implantação de um verdadeiro sistema penal, que, por mais rudimentar que seja, não poderia desconhecer um de seus mais importantes regramentos, ou, princípio da legalidade.

Assim, é no sistema acusatório, com o surgimento das quaestiones perpetuae, que se visualiza mais nitidamente os traços da instituição do Júri como hoje a conhecemos.

A quaestio foi criada pela Lex Calpurnia, de 149 a.C[10]. E era como uma comissão de inquérito, ou um conselho de julgamento, com a finalidade de investigar e julgar funcionários do Estado que tivessem prejudicado um provinciano.

Muitas outras quaestios se seguiram, todas com a mesma finalidade política e com característica de temporárias, até que elas foram se tornando permanentes, as quaestiones perpetuae, dando início à jurisdição penal em Roma.

A quaestio era presidida por um praetor, que a reunia e formava sorteando os cidadãos, dirigindo os debates, mantendo a ordem nas sessões, apurando os votos e pronunciando o veredictum. O jurado ou membro deveria ter a idade mínima de trinta anos, ser de livre nascimento e não ter sofrido qualquer punição[11].

Os jurados eram sorteados através de listas oficiais que continham cerca de mil nomes, todos colocados em uma urna, sendo possível a recusa de indivíduos, tanto por parte da acusação como da defesa. Os escolhidos deveriam estar presentes a todo o procedimento e, ao final, votar pela condenação, absolvição ou, ainda, por um alargamento da instrução.

No sistema romano, qualquer cidadão poderia exercer o direito de acusação, com exceção dos incapazes e dos indignos que, segundo a explicação de Rogério Láurea Tucci:

Eram consideradas incapazes as mulheres, que somente podiam acusar em caso de ofensa aos seus parentes próximos. Também o eram os filiifamilias, que só podiam postular com o consentimento do paterfamilias,e os libertos, os quais, entretanto, em situações especiais, eram admitidos a acusar (até mesmo o patrono, quando se tratasse de crime de lesa-majestade). Indignas eram aquelas pessoas reprováveis, às quais se cominara a infâmia[12].

O acusador deveria oferecer o libelo apontando o crime imputado e a lei violada pelo acusado. Em sendo mais de um acusador, o presidente deveria escolher o mais idôneo ou o mais interessado, permanecendo os demais como subscritores[13]. O titular da acusação era, ainda, obrigado a permanecer no pólo ativo do processo até o final, não podendo dispor desse direito, por ter assumido o papel de representante do interesse do povo.

Posteriormente, o acusado tinha seu nome publicado numa tábua, da qual só saia quando fosse absolvido, enquanto que o libelo permanecia no erário público. A citação representava a abertura do prazo de um ano para a apresentação, caso contrário haveria o confisco de bens do acusado.

Cabia ao acusador a investigação necessária para comprovar a acusação, e o acusado tinha o direito de acompanhar toda a sua atividade, ou, até mesmo, indicar um preposto para controlá-la[14].

Havia um tempo para discussão, onde cada parte tinha o direito de se manifestar, inclusive com direito à réplica. Em seguida vinham as provas, as quais compreendiam a forma documental, testemunhal e os demais meios de prova. Posteriormente, cumprido o rito estabelecido, o quaesitor proclamava o resultado do julgamento, o qual poderia ser a absolvição, a condenação, ou o alargamento da instrução.

Se a decisão fosse condenatória, a aplicação da pena era automática, uma vez que a mesma já vinha determinada na lex que instituíra a quaestio[15]. E em se tratando de pena absolutória era instaurado novo processo, agora contra o acusador, que deveria responder pelos seus atos.

Muito ainda poderia ser dito a respeito das leis romanas, fontes douradas do direito atual, e para demonstrar tamanha importância, transcrevemos o resumo de uma análise comparativa formulada por Rogério Lauria Tucci, das quaestiones em relação ao Tribunal do Júri brasileiro:

E mais, ainda, com a verificação de que, no Tribunal do Júri, em nosso país, apesar de tanto tempo decorrido, age-se mui aproximadamente, da mesma maneira, como estamos demonstrando, neste breve ensaio, e a saber:

a)idêntica forma de recrutamento (cidadãos de notória idoneidade, cujos nomes constam de lista anualmente confeccionada pelo juiz-presidente);

b)mesma denominação dos componentes do órgão judicante popular – jurados;

c)formação deste mediante sorteio;

d)recusa de certo número de sorteados, sem necessidade de qualquer motivação;

e)juramento dos jurados;

f)método de votação (embora realizada secretamente), com respostas simples e objetivas – sim ou não;

g)decisão tomada por maioria de votos;

h)soberania do veredicto;

i)peculiaridades da atuação do juiz-presidente; e

j)até pouco tempo atrás, indispensabilidade de comparecimento do acusado, para realização do julgamento[16].


6. TRIBUNAIS POPULARES EM OUTROS POVOS

O povo germânico também adotou a votação por julgamento popular, através dos tribunais Wehmicos, que existiram na Westphalia, nos séculos XIV e XV[17].

Arthur Pinto da Rocha esclarece:

Embora tais tribunais retratassem a rebeldia do direito germânico às instituições romanas e cristãs, revelavam, claramente, a tendência dos povos germânicos para a popularização dos juízos.

Eles eram, contudo, secretos, e desconhecidos os juízes (homens livres que exerciam grande influência e "dominavam todas as classes com poderes ilimitados"), em número de cem, e que atuavam sob o comando de um Príncipe, designado para determinado cantão para administrar a justiça[18].

Também os francos constituíram um Tribunal Popular, o qual recebia a denominação de Mall, sendo formado de cidadãos livres e homens hábeis, os rachimburgos, cujo comparecimento era obrigatório, sob pena de multa. Havia, ainda, uma classe especial de julgadores criada por Carlos Magno, os scabinos, que tinham jurisdição permanente com a função de ajustar os julgados e coibir os excessos[19].

No feudalismo se desenvolveu o julgamento pelos pares, o qual trazia uma idéia de classes, de maneira que os senhores eram julgados pelos senhores, e os vassalos pelos vassalos. Assim começou a ordem judiciária moderna, cujo característico distintivo é e ter feito da administração da justiça, uma profissão distinta, a obrigação especial e exclusiva de uma ordem de cidadãos[20].

Em geral, o mesmo procedimento foi seguido pelos teutões e dinamarqueses, variando apenas na forma de execução das penas. Os normandos também adotaram esse modelo de julgamento e, como colonizadores, foram os responsáveis pela implantação do instituto na Inglaterra, onde o mesmo largamente se desenvolveu.


7. DIREITO COMPARADO

7.1. Inglaterra

Na Inglaterra o Júri recebeu seus liames definitivos, perdendo a aparência teocrática e tornando-se um ato realizado em nome do povo. Foi tamanha a importância dada por este povo à instituição, que a mesma se espalhou pela Europa e pela América.

Em princípio, o Júri inglês era formado por pessoas que, ao mesmo tempo, testemunhavam e julgavam, formando um só Júri de acusação e julgamento. Mais tarde, a partir do século XVII, as duas fases passaram a ser distintas, adotando-se o sigilo do julgamento, e consolidando-se o número de doze jurados[21].

Interessante verificar que os elementos que fundamentaram o Júri inglês, quais sejam, a natureza popular do Tribunal, a sua composição por sorteio, o juramento para o exercício do mandato e o julgamento do cidadão pelos seus pares concidadãos[22], de alguma forma, já haviam se manifestado nas civilizações antigas.

7.2. América do Norte

O Júri se consolidou na América do Norte no século XVII, antes mesmo que ali se constituísse uma nação independente, tornando-se um padrão comum e abrangendo o julgamento geral de todas as causas.

Ruy Barbosa acentua:

Antes de passar das Ilhas Britânicas ao continente, a velha inspiração do gênio legista dos anglo-saxônicos estabelecera a sua segunda pátria no solo americano. O Júri foi uma das instituições mais antigas das colônias inglesas na América do Norte. A patente dada, em 1629, aos colonos de Plymouth, os pais da América atual, assegurava-lhes entre "as livres liberdades do livre povo inglês" (the free liberty of de free-born peuple of England... Story: Comment I, pág. 33), santificadas quase na mesma linguagem da Magna Carta quatro séculos antes, o julgamento pelo Júri[23].

E quando se separaram da mãe pátria, segundo, ainda, Ruy Barbosa, um dos agravos trovejados pelo Congresso Continental aos ouvidos do mundo, como afronta suficiente para justificar a revolta, foi o de que o governo de Jorge III os privara, em muitos casos, do benefício do Júri.

Ainda, embora a organização do Júri não seja idêntica nos diferentes Estados americanos, os seus lineamentos mostram-se básicos, com todas as formalidades revestidas de publicidade, em regime de plena oralidade, por sua vez dotada de contraditoriedade real[24].

7.3. França

No ano de 1789, a Revolução Francesa, baseada em idéias iluministas, refletiu também sobre a organização judiciária, tanto que pouco tempo depois, em trinta de abril de 1790, foi baixado Decreto consagrando o Júri criminal como instituição judiciária.

Portanto, assim como a França havia assimilado o modelo das colônias inglesas para formulação da declaração dos direitos humanos, da mesma forma assimilou o Tribunal do Júri, concedendo-lhe, contudo, caráter especialmente político.

Os votos do eleitor e do jurado eram os símbolos da soberania exercidos pelo cidadão francês, sendo que o primeiro era um direito, enquanto que o segundo constituía-se em o brigação.

Eram características do julgamento popular na França, entre outras:

- matéria criminal;

- Publicidade dos debates;

- O cidadão deveria ser eleitor para alistar-se como jurado;

- Quem não se inscrevesse na lista de jurados estaria impedido de concorrer a qualquer função pública, pelo prazo de dois anos;

- O processo penal passou a ser formado por três fases: a) instrução preparatória; b) Júri de acusação, formado por oito membros, sorteados de uma lista de trinta cidadãos; e c) debates e Júri de julgamento, formado por doze membros, sorteados de uma lista de duzentos cidadãos, com direito de recusa de vinte, pelas partes, isto é, tanto pelo acusador como pelo acusado[25].

- Proclamação individual do voto, sem necessidade de justificativa.

- Para condenação fazia-se necessária a votação da maioria, ou seja, nove votos de um total de doze jurados. Ao contrário do sistema inglês, onde a condenação dependia da totalidade dos votos.

Arthur Pinta da Rocha tece comentários bastante interessantes acerca das alterações trazidas pelo sistema francês, assegurando que o mesmo alterou:

profundamente a instituição do Júri a fim de poder adapta-la às circunstâncias em que se encontrava entre a tradição histórica, secular, que tinha raízes profundas na sociedade e a aspiração liberal que fazia da velha e arcaica processualística mosaica, ateniense, romana, bárbara, feudal e inglesa um ideal inteiramente novo, inseparável da liberdade[26].


8. CRIAÇÃO DO JÚRI E A CONSTITUIÇÃO DO IMPÉRIO

A criação do Júri no Brasil, com a Lei de 18 de junho de 1822, ocorreu com a finalidade específica de atender aos casos de crimes de imprensa, sendo que o mesmo era formado por Juízes de Fato, num total de vinte e quatro cidadãos bons, honrados, patriotas e inteligentes, os quais deveriam ser nomeados pelo Corregedor e Ouvidores do crime, e a requerimento do Procurador da Coroa e Fazenda, que atuava como o Promotor e o Fiscal dos delitos. Os réus podiam recusar dezesseis dos vinte e quatro nomeados, e só podiam apelar para a clemência real, pois só ao Príncipe cabia a alteração da sentença proferida pelo Júri[27].

José Frederico Marques, quanto a este momento histórico, acrescenta:

Coube ao Senado da Câmara do Rio de Janeiro, em vereação extraordinária de 4 de fevereiro de 1822, dirigir-se a Sua Alteza, o Príncipe Regente D. Pedro, solicitando a criação do juízo dos Jurados, para execução da Lei de Liberdade da Imprensa no Rio de Janeiro, aonde a criação do Juízo dos Jurados parece exeqüível sem conveniente, atenta a muita população de que se compõe, e as muitas luzes que já possui[28].

Mais tarde, na Constituição Política do Império, promulgada em 25 de março de 1824, ficou estatuído o seguinte:

Art. 151 – O Poder judicial é independente e será composto de juízes e jurados, os quais terão lugar assim no cível como no crime, nos casos e pelo modo que os Códigos determinarem.

Art. 152 – Os jurados pronunciam sobre o fato e os juízes aplicam a lei[29].


9. JÚRI NO CÓDIGO DE PROCESSO CRIMINAL DE 1832

O Código Criminal do Império deu à instituição do Júri uma abrangência exagerada, diretamente criticada por Cândido de Oliveira Filho:

Imitando as leis inglesas, norte-americanas e francesas, deu ao Júri atribuições amplíssimas, superiores ao grau de desenvolvimento da nação, que se constituía, esquecendo-se, assim, o legislador de que as instituições judiciárias, segundo observa Mittermaier, para que tenham bom êxito, também exigem cultura, terreno e clima apropriados[30].

Segundo o estabelecido neste Código, em cada distrito havia um juiz de paz, um escrivão, oficiais de Justiça e inspetores de quarteirão. Em cada termo encontrava-se um juiz municipal, um promotor público, um escrivão das execuções, oficiais de justiça e um Conselho de Jurados. No entanto, poderiam reunir-se dois ou mais termos para formação do Conselho, sendo que a cidade principal seria aquela que proporcionasse maior comodidade para a realização das reuniões.

A mudança foi significativa, pois, a partir daquele momento estavam extintas quase todas as formas de jurisdição ordinária, restando somente o Senado, o Supremo Tribunal de Justiça, as Relações, os juízes militares, que tinham competência unicamente para crimes militares, e os juízos eclesiásticos, para tratar de matéria espiritual. Havia, ainda, os juízes de paz, aos quais cabiam os julgamentos das contravenções às posturas municipais e os crimes a que não fosse imposta a pena de multa de até cem mil-réis, prisão, degredo, ou desterro até seis meses.

Todos os crimes restantes passavam à competência dos conselhos de jurados, sendo que o primeiro deles era o Júri de acusação, com vinte e três jurados, e o segundo era o Júri de sentença, formado por doze membros.

O conselho reunia-se sob a presidência de um Juiz de Direito, após o juiz de paz da cabeça do termo ter recebido os autos de corpo de delito e formação da culpa dos criminosos, também eram formulados por juízes de paz.

Estavam aptos a serem jurados todos os eleitores com probidade e bom senso, com exceção apenas dos senadores, deputados, conselheiros e ministros de Estado, bispos, magistrados, oficiais de justiça, juízes eclesiásticos, vigários, presidentes, secretários dos governos das províncias, comandantes das armas e dos corpos de primeira linha.

O funcionamento das listas de jurados é detalhado por José Frederico Marques:

"A lista dos cidadãos aptos para serem jurados era feita, em cada distrito, por uma junta, composta do juiz de paz, do pároco e do presidente da câmara municipal, ou, na falta deste, de um vereador, ou de "um homem bom", nomeado por aqueles. A lista devia ser afixada à porta da paróquia, ou publicada na imprensa onde a houvesse, remetendo-se uma cópia às câmaras municipais e ficando outra em poder do juiz, para revisão a ser procedida no dia primeiro de janeiro de cada ano, pelo mesmo processo. Na revisão, seriam incluídas as pessoas omitidas e as que tivessem adquirido a qualidade de eleitor, eliminando-se os falecidos, os que tivessem perdido a qualidade de eleitor e os que tivessem mudado do distrito.

Das listas parciais recebidas dos distritos, as câmaras municipais, os juízes de paz e os párocos formavam uma lista geral, excluindo "os que notoriamente" não gozassem de conceito público, por falta de inteligência, integridade e bons costumes", lançando-se o nome dos escolhidos em um livro próprio e nas portas da câmara municipal, por ordem alfabética. Os interessados podiam reclamar, por terem sido inscritos ou omitidos na lista, sendo do dever das câmaras corrigi-la, eliminando ou inscrevendo seus nomes". Quinze dias depois da publicação da lista, as câmaras municipais transcreviam o nome dos alistados em pequenas cédulas, de igual tamanho, que eram conferidas pelo promotor e lançadas em uma urna em público, enquanto o secretário da câmara lia os nomes contidos na lista. A urna era conservada na sala das sessões, depois de fechada com duas chaves diversas, ficando, uma, com o presidente da câmara e, a outra, com o promotor[31].

J. C. Mendes de Almeida descreve como se davam as atividades do Júri:

No dia do Júri de acusação, eram sorteados sessenta juízes de fato. O juiz de paz do distrito da sede apresentava os processos de todos os distritos do termo, remetidos pelos demais juízes de paz, e, preenchidas certas formalidades legais, o juiz de direito, dirigindo a sessão, encaminhava os jurados, com os autos, para a sala secreta, onde procediam a confirmação ou revogação das pronúncias e impronúncias.

Constituíam, assim, os jurados, o conselho de acusação. Só depois de sua decisão, podiam os réus ser acusados perante o conselho de sentença. Formavam este segundo Júri doze jurados tirados à sorte: à medida que o nome do sorteado fosse sendo lido pelo juiz de direito, podiam acusador e acusado ou acusados fazer recusações imotivadas, em número de doze, fora os impedidos[32].

No entanto, a excessiva liberalidade conferida pelo Código de Processo Criminal não poderia durar por muito tempo, o que levou o próprio senador Alves Branco, autor do Código, a propor uma reforma parcial da legislação, em setembro de 1835, principalmente no que se referia ao Júri e aos juízes de paz. Finalmente, em trinta e um de janeiro de 1842, veio do Regulamento nº 120, trazendo sérias alterações no Júri, bem como na organização judiciária nacional.

Pelo Regulamento foram criados os cargos de chefe de Polícia, ocupado por um desembargador ou um juiz de direito, e delegados e subdelegados distritais, que poderiam ser quaisquer juízes ou cidadãos. Essas autoridades receberam as funções outrora atribuídas aos juízes de paz, somando à função policial também a judiciária.

Quanto aos juízes municipais, estes eram nomeados pelo Imperador, que os escolhia entre os bacharéis em Direito com um ano de prática, pelo menos, para exercerem a função por um período de quatro anos, podendo ser removidos. A eles competia o julgamento do contrabando, quando não houvesse flagrante. Quando necessário, os juízes municipais eram substituídos por algum dos seis cidadãos notáveis escolhidos, ou pelo governo da Corte ou pelos presidentes das províncias, também por quatro anos, com essa finalidade.

O Júri de acusação foi extinto, passando para a competência dos juízes municipais, ou das autoridades policiais, desde que com a confirmação daqueles, a formação da culpa e a sentença de pronúncia.

Os delegados de polícia organizavam a lista de jurados e remetiam para os juízes de direito, o qual, juntamente com o promotor e o presidente da câmara municipal, formavam uma junta que conhecia das reclamações e fazia a lista geral de jurados. Os nomes eram depositados na urna que, agora, deveria ser fechada com três chaves diferentes, ficando cada uma com um membro da junta[33].

O juiz de direito era o responsável pela convocação do Júri, comunicando ao municipal. Qualquer um deles poderia presidir o sorteio dos quarenta e oito jurados, mas somente ao juiz de direito cabia a aplicação da pena, em conformidade com as decisões dos jurados.

Foi mantida, pela Lei nº 261, de três de dezembro de 1841, a apelação de ofício, feita pelo juiz de direito perante a Relação, órgão correspondente aos nossos atuais Tribunais de Justiça. O recurso acontecia sempre que o juiz entendesse que a decisão fora contrária à evidência das provas, caso em que era ordenada a realização de novo Júri, onde não se repetiam os juizes e nem os jurados.

Essa mesma lei, em seu art. 66, extinguiu a exigência de unanimidade de votos feita pelo Código de Processo Criminal para a aplicação da pena de morte, determinando que a decisão do Júri fosse tomada por duas terças partes dos votos, sendo as demais decisões sobre as questões propostas tomadas pela maioria absoluta, e no caso de empate, adotada a opinião mais favorável ao acusado[34].

Posteriormente, com a reforma processual de 1871, foram novamente extintos os cargos de chefe de polícia, delegado e subdelegado para a formação de culpa e pronúncia nos crimes comuns. Permaneceu apenas o chefe de polícia, nos casos de crime extremamente grave, ou quando no crime estivesse envolvida alguma pessoa que pudesse prejudicar a ação da Justiça com sua influência. As pronúncias passaram, então, para a competência dos juízes de direito, nas comarcas especiais, e dos juízes municipais, nas comarcas gerais[35].

Em 1872, com o Decreto nº 4.992, de 3 de janeiro, cada sessão do Júri passou a ser presidida pelo desembargador da Relação do distrito, designado pelo presidente segundo a ordem de antiguidade.

O Júri foi mantido com a Proclamação da República, em quinze de novembro de 1890, advindo a promulgação do Decreto nº 848, de 11 de outubro de 1890, o qual criou a Justiça Federal, bem como o Júri Federal, composto de doze jurados, sorteados entre trinta e seis cidadãos do corpo de jurados estadual da comarca.

A competência deste Tribunal é resumida por J. C. Mendes de Almeida:

A Lei federal de 221, de 20 de novembro de 1894, tornou o corpo de jurados federais menos dependente do corpo de jurados estaduais da comarca (art. 11, da Lei nº 221; e a Lei federal nº 515, de 3 de novembro de 1898 excluiu da competência do Júri o julgamento dos crimes de moeda falsa, contrabando, peculato, falsificação de estampilhas, selos adesivos, vales postais e cupons de juros dos títulos de dívida pública da União, atribuindo-o ao juiz de secção. Finalmente, todas essas reformas foram consolidadas pelo Decreto federal nº 3.084, de 5 de novembro de 1898, que constituiu, durante muitos anos, o Código de processo Civil e Criminal da justiça federal. Enumeram-se, então, todos os casos de competência do Júri.

Mais tarde, o Decreto nº 4.780, de 27 de dezembro de 1923, proclamou a incompetência do Tribunal Popular para julgamento de peculatos, falsidade, instauração clandestina de aparelhos, transmissores e interceptadores, de radiotelegrafia ou de radiotelefonia, transmissão ou interceptação de radiocomunicações oficiais, violação do sigilo de correspondência, desacato e desobediência, testemunho falso, prevaricação, resistência, tirada de presos do poder da Justiça, falta de exação no cumprimento do dever, irregularidade de comportamento; peita, concussão, estelionato, furto, dano e incêndio, quando afetos ao conhecimento da justiça federal, por serem praticados contra o patrimônio da nação, interessarem, mediata ou imediatamente, à administração ou fazenda da união (art. 40 e $ 1º). Sobraram para o Júri os crimes que alei não houvesse retirado ou retirasse de sua competência[36].


10. JÚRI NA CONSTITUIÇÃO DE 1891

Após varias discussões, quando da promulgação da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891, foi aprovada a emenda que dava ao art. 72, § 31, o texto "é mantida a instituição do Júri"[37].

O Júri foi, portanto, mantido, e com sua soberania[38].

Em que pesem as muitas assertivas acerca da forma que teria a instituição, em acórdão de sete de outubro de 1899, o Supremo Tribunal Federal dispôs:

"São características do Tribunal do Júri: I – quanto a composição dos jurados, a) composta de cidadãos qualificados periodicamente por autoridades designadas pela lei, tirados de todas as classes sociais, tendo as qualidades legais previamente estabelecidas para as funções de juiz de fato, com recurso de admissão e inadmissão na respectiva lista, e b) o conselho de julgamento, composto de certo numero de juizes, escolhidos a sorte, de entre o corpo dos jurados, em numero tríplice ou quádruplo, com antecedência sorteados para servirem em certa sessão, previamente marcada por quem a tiver de presidir, e depurados pela aceitação ou recusação das partes, limitadas as recusações a um numero tal que por elas não seja esgotada a urna dos jurados convocados para a sessão; II – quanto ao funcionamento, a) incomunicabilidade dos jurados com pessoas estranhas ao Conselho, para evitar sugestões alheias, b) alegações e provas da acusação e defesa produzidas publicamente perante ele, c) atribuição de julgarem estes jurados segundo sua consciência, e d) irresponsabilidade do voto emitido contra ou a favor do réu"[39].


11. CONSTITUIÇÃO DE 1934, CARTA DE 1937 E DECRETO-LEI N 167, DE 1938

Importante inovação adveio da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934, com a retirada do antigo texto referente ao Júri das declarações de direitos e garantias individuais, passando para a parte destinada ao Poder Judiciário, no art. 72, dizendo: "É mantida a instituição do Júri, com a organização e as atribuições que lhe der a lei"[40].

Pouco mais adiante, com a Constituição de 1937, que não se referia ao Júri, houve opiniões controvertidas no sentido de extingui-la face ao silencio da Carta. Contudo, logo foi promulgada a primeira lei nacional de processo penal do Brasil republicano, o Decreto-lei n 167, em cinco de janeiro de 1938, instituindo e regulando a instituição[41].

As alterações foram bastante significativas, uma vez que foi extinta a soberania dos veredictos de forma que, havendo injustiça na decisão, por divergência com as provas existentes nos autos ou produzidas em plenário, era aceita a apelação de mérito. Ainda, caso fosse dado provimento à apelação, o próprio Tribunal era quem deveria aplicar a pena justa ou absolver o réu, segundo os artigos 92, b e 96, do Decreto-lei 167, respectivamente.

Os resultados alcançados com as modificações foram gratificantes, houve diminuição da criminalidade e dos abusos cometidos no Tribunal do Júri e, apesar das inúmeras críticas sofridas pelo novo regulamento, muitos também foram os que elogiaram aquilo que entendiam como um grande avanço na legislação processual penal brasileira.

Em tempo, apesar de as mudanças introduzidas pelo Decreto-Lei nº 167 coincidirem com o período ditatorial, não há correspondência entre ambos, sendo que a limitação aos poderes do Júri, que coadunaram perfeitamente com o modelo brasileiro onde predominavam as provas escritas nos autos sobre o espetáculo no Tribunal, foram menos arbitrárias do que a concessão de indultos absurdos, abrindo as prisões para delinqüentes perigosos[42].


12. JÚRI NA CONSTITUIÇÃO DE 1946

Com a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946, veio a restauração da soberania do Júri, inspirada pela democracia exibida na participação do povo no processo criminal. Surge, então, o art. 141, § 28[43], onde o termo soberania não deve ser confundido com abuso de decidir contra a própria evidência dos autos, condenando ou absolvendo arbitrariamente.

Ao legislador ordinário restou a incumbência de regulamentar e estruturar juridicamente a instituição, devendo obedecer, contudo, a algumas limitações. Quanto ao funcionamento, ficou vedado o cerceamento de defesa ou o estabelecimento de julgamentos descobertos.

No que se refere à organização, o conselho deveria ser formado por um número ímpar de jurados, no mínimo três, contrariando o número par tradicionalmente utilizado, em especial a formação com doze membros.

Finalmente, as últimas limitações impostas foram quanto à competência mínima, sendo definido que, racione materiae, os crimes dolosos contra a vida eram exclusivamente julgados pelo Júri, e que não caberia a quaisquer outros órgãos judiciários reformá-los. Portanto, sendo respeitadas as características aludidas, outras matérias poderiam ser inseridas no âmbito de competências do Júri.

Assim, só seria denominado de Tribunal do Júri o órgão julgador que obedecesse rigorosamente os traços definidos pela constituição de 1946, nas disposições do art. 141, § 28. Caso contrário, estaria configurada uma inconstitucionalidade, uma vez que não era permitida à lei ordinária a criação de tribunais ou juízes não antevistos pela justiça penal dentro da Carta Magna[44].

Como o art. 101, II, "c", da Constituição de 18 de setembro de 1946[45], dava ao Supremo Tribunal competência para julgar em recurso ordinário os crimes políticos, não poderia haver decisão soberana dos órgãos inferiores em relação a estes crimes; e como o Júri não soberano a Constituição não previa, existia um obstáculo de ordem constitucional impedindo que se estendesse aos jurados o julgamento dos crimes políticos.


13. LEI Nº 263, DE 23 DE FEVEREIRO DE 1948

A Lei nº 263, de vinte e três de fevereiro de 1948, resultou do Projeto de Lei apresentado em três de outubro de 1946 por Olavo Oliveira, senador e professor de Direito no Estado do Ceará. Dos doze artigos contidos no Projeto, apenas o art. 3º, que versava sobre a contrariedade ao libelo, não encontrou acolhida na Lei[46].

A referida legislação deu nova redação a vários artigos do Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1.941, ou seja, o nosso Código de Processo Penal que vige até os dias atuais.

Ficou definida, pelo art. 2º e 3º da Lei nº 263, a competência do Júri Popular, tanto em razão da matéria, como pela conexão ou continência, respectivamente, dando redação final aos arts. 74 e 78 da Carta Processual Penal.

Também houve inovação com o art. 5º da Lei, o qual descreve o procedimento de quesitação dos jurados a respeito das circunstâncias agravantes e atenuantes, modificando o art. 484 do Código de Processo Penal. Já o art. 7º da lei prevê a nulidade por deficiência dos quesitos ou das respostas, e contradição entre elas[47]

De relevante importância, porém, foi o art. 8º da Lei, que deu nova redação ao art. 593, III, "d", do Código de Processo Penal, inserindo a apelação limitada, que visava controlar, através das jurisdições superiores, para garantir o princípio da soberania das decisões do Júri, os veredictos populares.


14. CONSTITUIÇÃO DO BRASIL DE 24 DE FEVEREIRO DE 1967 E EMENDA DE 17 DE OUTUBRO DE 1969

A Constituição do Brasil de 1967, em seu art. 150, § 18, manteve o Júri no capítulo dos direitos e garantias individuais, dispondo: "São mantidas a instituição e a soberania do Júri, que terá competência no julgamento dos crimes dolosos contra a vida"[48].

Da mesma forma, a Emenda Constitucional de 1969, manteve o Júri, todavia, omitiu referência a sua soberania. O art. 153, § 18, previa: "é mantida a instituição do Júri, que terá competência no julgamento dos crimes dolosos contra a vida"[49].

Diante desse fato, muitos alegaram que estava suprimida a soberania dos veredictos, mas vários julgados entenderam que não se compreende a instituição do Júri sem ser soberana, e que o disposto na Emenda Constitucional não é auto-aplicável, carecendo de regulamentação[50].

Como não houve qualquer regulamentação posterior do Tribunal do Júri, o mesmo continuou com a mesma organização definida pelo Código de Processo Penal.

Por fim, a Lei nº 5.941, de 22 de novembro de 1973, alterou em alguns pontos o Código de Processo Penal, estabelecendo a possibilidade de o réu pronunciado, se primário e de bons antecedentes, continuar em liberdade, o que foi disposto no art. 408, § 2º, além da redução do tempo para os debates para duas horas e meia hora, para a réplica e a tréplica, consecutivamente[51].

Em 05 de outubro de 1988, foi promulgada a vigente Constituição da República Federativa do Brasil, a qual será compulsada detalhadamente em artigo futuro, sendo que, no contexto da monografia acadêmica, foi objeto do segundo capítulo.


15. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os Tribunais Populares tem sua origem já na Era Mosaica, quando tinham como sua maior característica a referência teocrática, uma vez que o julgamento se dava pelo Conselho dos Anciãos, formado por doze pares, inspirado nos Apóstolos de Cristo.

Contudo, é no Direito romano, com as quaestiones perpetuae, que se pode visualizar mais nitidamente os traços da instituição do Júri como hoje a conhecemos. A primeira quaestio, foi criada em 149 a.C., e tratava-se de uma comissão de julgamento, a qual foi seguida por muitas outras, que acabaram por se tornarem perpétuas, dando início à jurisdição penal em Roma.

No Brasil, a referência ao Júri se faz presente desde a primeira Constituição Política do Império, em 1824, quando ele apenas atuava nos crimes de imprensa, seguindo durante todo nossa história constitucional até a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.


16. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARBOSA, Rui. O júri sob todos os aspectos. Org. Roberto Lyra Filho e Mário César da Silva. Rio de Janeiro: Editora Nacional de Direito, 1950. 133p.

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Martins Fontes, 1996. 139p.

CAMPANHOLO, Adriano; CAMPANHOLO, Hilton Lobo. Constituições do Brasil. São Paulo: Atlas, 1994. 828p.

GOMES, Abelardo da Silva. O Julgamento pelo Júri – em face de sua origem, evolução histórica e da formação jurídico política da nação brasileira. 1953. 82 f. Dissertação para concurso à cadeira de Direito Judiciário Penal - Faculdade de Direito de Santa Catarina. Florianópolis.

LYRA, Roberto. O júri sob todos os aspectos. Rio de Janeiro: Editora Nacional de Direito, 1950. 133p.

MARREY, Adriano; FRANCO, Alberto Silva; STOCO, Rui. Teoria e Prática do Júri – Doutrina – Roteiros práticos – Questionários – Jurisprudência. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. 1008p.

PORTO, Hermínio Alberto Marques. Júri – procedimentos e aspectos do julgamento. 8 ed. São Paulo: Malheiros, 1996. 318p.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 12. ed. 4 vol. Rio de Janeiro: Forense, 1996.

TORNAGHI, Hélio Bastos. Instituições de processo penal. v. 2. São Paulo: Saraiva, 1989. 520p.

TUCCI, Rogério Lauria. Tribunal do Júri: origem evolução, características e perspectivas. In:________. (coord.) Tribunal do Júri – Estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999. p. 11-97.


17.NOTAS

1.Cf. GOMES, Abelardo da Silva. O Julgamento pelo Júri – em face de sua origem, evolução histórica e da formação jurídico política da nação brasileira. 1953. Dissertação para concurso à cadeira de Direito Judiciário Penal - Faculdade de Direito de Santa Catarina. Florianópolis. f. 10.

2.ROCHA, Arthur Pinto da. O Júri e a sua evolução. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro e Maurílio, 1919. Apud: GOMES, Abelardo da Silva. O Julgamento pelo Júri – em face de sua origem, evolução histórica e da formação jurídico política da nação brasileira. p. 11.

3.BARBOSA, Rui. O Júri sob todos os aspectos. Org. Roberto Lyra Filho e Mário César da Silva. Rio de Janeiro: Editora Nacional de Direito, 1950. p. 50.

4.Cf. GOMES, Abelardo da Silva. O Julgamento pelo Júri – em face de sua origem, evolução histórica e da formação jurídico política da nação brasileira, f. 18-19.

5.Cf. GOMES, Abelardo da Silva. O Julgamento pelo Júri – em face de sua origem, evolução histórica e da formação jurídico política da nação brasileira, f. 19.

6.Cf. GOMES, Abelardo da Silva. O Julgamento pelo Júri – em face de sua origem, evolução histórica e da formação jurídico política da nação brasileira, f. 21.

7.Por recusações entenda-se a recusa das partes aos jurados.

8.ARAÚJO, Nádia de. ALMEIDA, Ricardo R. O Tribunal do Júri nos Estados Unidos – sua evolução histórica e algumas reflexões sobre o seu estão atual. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. p. 201/200. Apud: TUCCI, Rogério Lauria. Tribunal do Júri: origem evolução, características e perspectivas. In: ________. (coord.) Tribunal do Júri – Estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999. p. 13/14.

9.Cf. TUCCI, Rogério Lauria. Tribunal do Júri: origem evolução, características e perspectivas. In: ________. (coord.) Tribunal do Júri – Estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira, p. 13/14.

10.Cf. TUCCI, Rogério Lauria. Tribunal do Júri: origem evolução, características e perspectivas. In: ________. (coord.) Tribunal do Júri – Estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira, p. 17.

11.Cf. GOMES, Abelardo da Silva. O Julgamento pelo Júri – em face de sua origem, evolução histórica e da formação jurídico política da nação brasileira, f. 24.

12.TUCCI, Rogério Lauria. Tribunal do Júri: origem evolução, características e perspectivas. In: ________. (coord.) Tribunal do Júri – Estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira, p. 20.

13.Cf. TUCCI, Rogério Lauria. Tribunal do Júri: origem evolução, características e perspectivas. In: ________. (coord.) Tribunal do Júri – Estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira, p. 20.

14.Cf. TUCCI, Rogério Lauria. Tribunal do Júri: origem evolução, características e perspectivas. In: ________. (coord.) Tribunal do Júri – Estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira, p. 21.

15.Cf. GOMES, Abelardo da Silva. O Julgamento pelo Júri – em face de sua origem, evolução histórica e da formação jurídico política da nação brasileira, f. 25.

16.TUCCI, Rogério Lauria. Tribunal do Júri: origem evolução, características e perspectivas. In: ________. (coord.) Tribunal do Júri – Estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira, p. 24.

17.Cf. GOMES, Abelardo da Silva. O Julgamento pelo Júri – em face de sua origem, evolução histórica e da formação jurídico política da nação brasileira, f. 25.

18.ROCHA, Arthur Pinto da. Primeiro Júri Antigo. Dissertações (Direito Público). Org. Manoel Álvaro de Souza Sá Vianna, no Congresso Jurídico Americano, comemorativo do 4. Centenário do descobrimento do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1904, v. II. Apud: TUCCI, Rogério Lauria. Tribunal do Júri: origem evolução, características e perspectivas. In: ________. (coord.) Tribunal do Júri – Estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira, p. 25.

19.Cf. TUCCI, Rogério Lauria. Tribunal do Júri: origem evolução, características e perspectivas. In: ________. (coord.) Tribunal do Júri – Estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira, p. 26.

20.Cf. GOMES, Abelardo da Silva. O Julgamento pelo Júri – em face de sua origem, evolução histórica e da formação jurídico política da nação brasileira, f. 26.

21.Cf. TUCCI, Rogério Lauria. Tribunal do Júri: origem evolução, características e perspectivas. In: ________. (coord.) Tribunal do Júri – Estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira, p. 28.

22.Cf. TUCCI, Rogério Lauria. Tribunal do Júri: origem evolução, características e perspectivas. In: ________. (coord.) Tribunal do Júri – Estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira, p. 31.

23.BARBOSA, Rui. O Júri sob todos os aspectos, p. 28.

24.Cf. TUCCI, Rogério Lauria. Tribunal do Júri: origem evolução, características e perspectivas. In: ________. (coord.) Tribunal do Júri – Estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira, p. 29.

25.Cf. TUCCI, Rogério Lauria. Tribunal do Júri: origem evolução, características e perspectivas. In: ________. (coord.) Tribunal do Júri – Estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira, p. 30.

26.ROCHA, Arthur Pinto da. Primeiro Júri Antigo. Dissertações (Direito Público). Apud: TUCCI, Rogério Lauria. Tribunal do Júri: origem evolução, características e perspectivas. In: ________. (coord.) Tribunal do Júri – Estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira, p. 31.

27.NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Questões processuais penais controvertidas. 4. ed. São Paulo: Universitária de Direito Ltda., 1995. p. 293.

28.MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri. Campinas: Bookseller, 1997. p. 37-38.

29.CAMPANHOLE, Adriano; CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Constituições do Brasil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 773.

30.OLIVEIRA FILHO, Cândido de. A reforma do Júri, 1932, p. 9-10. Apud: MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri, p. 39.

31.MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri, p. 40-41.

32.ALMEIDA, J. Canuto Mendes de. Ação penal. 1938, p. 54. Apud: MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri, p. 41.

33.Cf. MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri, p. 42-44.

34.NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Questões processuais penais controvertidas. p. 294.

35.Cf. MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri, p. 44-45.

36.ALMEIDA, J. Canuto Mendes de. Ação Penal, p. 58-59. Apud: MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri, p. 46-47.

37.CAMPANHOLE, Adriano; CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Constituições do Brasil, p. 746.

38.NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Questões processuais penais controvertidas. p. 294

39.Acórdão de 07 de outubro de 1899. In: MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri, p. 49.

40.CAMPANHOLE, Adriano; CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Constituições do Brasil, p. 647.

41.NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Curso Completo de Processo Penal. 11. ed. rev. Paulo Lúcio Nogueira Filho. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 401.

42.Cf. MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri, p. 53-54.

43.CAMPANHOLE, Adriano; CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Constituições do Brasil, p. 455.

44.Cf. MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri, p. 57.

45.CAMPANHOLE, Adriano; CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Constituições do Brasil, p. 442.

46.Cf. MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri, p. 59.

47.Cf. MARQUES, José Frederico. A Instituição do Júri, p. 62.

48.CAMPANHOLE, Adriano; CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Constituições do Brasil, p. 375.

49.CAMPANHOLE, Adriano; CAMPANHOLE, Hilton Lobo. Constituições do Brasil, p. 260.

50.NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Questões processuais penais controvertidas. p. 295.

51.NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Questões processuais penais controvertidas. p. 295.



Informações sobre o texto

O texto foi parte de monografia jurídica apresentada como requisito parcial de conclusão do curso de Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORBA, Lise Anne de. Aspectos relevantes do histórico do Tribunal do Júri. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2695. Acesso em: 10 maio 2024.