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Bem de família & o direito falimentar - mitigação da proteção do bem de família

Bem de família & o direito falimentar - mitigação da proteção do bem de família

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A proteção emprestada ao bem de família somente prevalecerá quando o seu beneficiário não tenha concorrido direta ou indiretamente para a prática de atos em fraude ou dos crimes previstos na Lei de Falências.

Resumo: Trata-se de tema importante para o Direito de Família e o Direito Concursal, em particular para o Direito Falimentar brasileiro, eis que, no exercício da empresa, na hipótese de declaração de falência do empresário individual ou do administrador ou sócio com responsabilidade ilimitada, ou, ainda, do sócio com responsabilidade limitada, porém diante da prática de atos em fraude, desvio de finalidade ou abuso da personalidade jurídica, como, também, da prática dos crimes previstos nos art. 168 a 178, da Lei de Quebras, o bem de família, antes protegido pela Lei nº 8.009/1990, cederá espaço à sua constrição judicial mediante ato de arrecadação pelo Juízo Universal da Falência, com aplicação direta, excepcionalmente, da Disregard Doctrine, alienando-se o bem no curso da administração da falência (realização do ativo) para solução do passivo (pagamento aos credores).

Palavras-chave: Bem de família e o Direito Falimentar – Mitigação à proteção do bem de família no processo falimentar – Falência de empresário – Prática de ato em fraude ou de crime previsto na Lei de Recuperações e de Falências – Arrecadação do bem de família e a sua venda para pagamento aos credores.

 

Sumário: 1. Introdução. 2. Linhas gerais do Direito de Empresa. 3. Linhas gerais do Direito Falimentar. 4. Da apuração de responsabilidade do falido. 4.1. Dos efeitos do art. 81, da Lei de Falências. 4.2. Dos efeitos do art. 82, da Lei de Falências. 5. Da arrecadação de bens do falido e da mitigação da proteção e alcance do bem de família. 5.1. Do § 4º, do art. 108, da Lei de Quebras. 6. Conclusões.


1. Introdução

O presente artigo localiza-se no Direito de Família, com conexão direta no Direito de Empresa e no Direito Falimentar. A tradicional ideia de abrigo da família mediante a impenhorabilidade do chamado bem de família, como previsto na Lei 8.009/1990,[1] cederá espaço ao rompimento dessa blindagem na hipótese de falência do empresário individual ou sócio/acionista de sociedade empresária, quando verificado no exercício da empresa a ocorrência de ato em fraude, desvio de finalidade ou prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 168 a 178, da Lei de Quebras.[2]

O tema – proteção ao bem de família - guarda relação com o Direito Falimentar, porque se o empresário individual ou sócio/acionista de sociedade empresária, quando declarado falido, terá apurada a sua responsabilidade nos termos dos arts. 81 e 82, da Lei de Falências.

Decretada a quebra, como efeito material da decisão, ter-se-á à arrecadação de bens do falido, empresário individual ou sócio com responsabilidade ilimitada e da sociedade empresária, formando-se, assim, a massa falida individual e a massa falida social, respectivamente, para posterior alienação do ativo visando à solução do passivo.

Na trilha da impenhorabilidade, o bem de família, em princípio, goza de proteção e não deverá ser arrecadado. Contudo, a depender dos atos praticados pelo falido no exercício da empresa ter-se-á a mitigação do bem de família, rompendo-se com a tradicional proteção para autorizar a arrecadação e alienação do referido bem em favor dos credores na massa falida.

Na abordagem do tema será necessário analisar, de forma sistematizada, os arts. 81, 82 e 108, § 4º, da Lei de Quebras, além dos arts. 1º e 3º, da Lei nº 8.009/1990, para se concluir, ao final, mediante harmoniosa interpretação pela viabilidade da arrecadação e alienação do bem de família, na hipótese de declaração de falência do empresário individual ou sócio de sociedade empresária quando verificado ocorrência de ato em fraude ou prática de crime previsto na Lei nº 11.101/2005.


2. Linhas Gerais do Direito de Empresa

O Código Civil brasileiro, de 2002, incorporou a Teoria da Empresa, do Direito Italiano, para indicar o tripé de sustentação do novo Direito Empresarial, a saber: a) o empresário ou sociedade empresária; b) a empresa; c) o estabelecimento.

Copiando o Código Civil italiano, de 1942, o Código Civil brasileiro inseriu o conceito econômico de empresa no art. 966, caput, ao afirmar que é a atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, que será exercida pelo empresário. A empresa não é titular de direitos, mas mera atividade organizada, cuja organização será levada a efeito por seu titular: o empresário ou a sociedade empresária, essa representada por seus sócios, acionistas ou administradores, responsáveis por emprestar espírito à ficta pessoa jurídica e respectiva atividade econômica.

No desenvolvimento da empresa o empreendedor poderá empreender isolado ou coletivamente: a primeira forma, na modalidade firma individual; enquanto que na segunda, abaixo ou dentro da sociedade empresária, constituída, no Brasil, com, no mínimo, 02 (duas) pessoas naturais ou jurídicas, salvo se tratar de companhia constituída sob o regime jurídico de subsidiária integral.

Nesta abordagem, interessa-nos, especificamente, o empreendedor isolado na prática da empresa, que denominamos de empresário individual, cujo conceito se extrai do referido art. 966, do Código Civil, sendo aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços ou o sócio, acionista ou administrador. O titular da empresa é quem empreende (empresário ou sociedade empresária) no exercício da atividade econômica (empresa) em determinado local ou lugar formado pelo complexo ou conjunto de bens organizados (estabelecimento).

 Para o desenvolvimento da empresa, o empresário ou sociedade empresária deve, antes de iniciá-la, realizar o registro da atividade econômica mediante o arquivamento de sua inscrição ou de seus atos constitutivos no Registro do Comércio, no Registro Público de Empresas Mercantis, ou seja, na Junta Comercial do Estado da Federação de sua sede social.[3]

O empresário ou sociedade empresária, no exercício da empresa, poderá lograr êxito ou ser mal sucedido. A atividade de empreendedorismo se, por um lado, apresenta-se glamourosa e lucrativa; de outro, implica riscos de variadas ordens, dentre eles, o mais grave - a declaração da falência – porque a quebra significa o fim da empresa, a lacração do estabelecimento, a inabilitação empresarial, a apuração de responsabilidade e a arrecadação de bens sociais e pessoais do empreendedor, empresário individual ou sócio com responsabilidade ilimitada, com a formação de massas falidas.

 


 

3. Linhas Gerais do Direito Falimentar

O Direito Concursal brasileiro, por opção legislativa, embora sem justificativa científica, encontra-se fragmentado. Há, na atualidade, 03 (três) regimes jurídicos distintos, apesar de correlatos, a saber:

? a) o sistema comum – que abriga, de modo geral, os agentes econômicos, empresário individual ou sociedade empresária, a saber: a.1) empreendedor individual, com faturamento anual até R$ 36.000,00; a.2) microempresa, com faturamento anual até R$ 240.000,00; a.3) empresa de pequeno porte, com faturamento de R$ 241.000,00 a 2.400.000,00; a.4) média empresa, com faturamento de R$ 2.401.000,00 a R$ 240.000.000,00; a.5) grande empresa, com faturamento superior a R$ 300.000.000,00 ou ativo superior a R$ 240.000.000,00;

? b) o sistema especial – que abriga os empreendedores sujeitos aos regimes de intervenção e liquidação extrajudicial e falência, de acordo com a natureza do objeto da empresa, a saber: b.1) instituição financeira privada ou pública; b.2) corretora e distribuidora de títulos e valores mobiliários; b.3) securitizadora de créditos; b.4) seguradora; b.5) previdência complementar; b.6) assistência médica; b.7) consórcio; b.8) cooperativa; b.9) outras companhias reguladas pelo Poder Público;

? c) o sistema da insolvência civil aplicável, a saber: c.1) às pessoas naturais; c.2) às sociedades simples.

O sistema indicado na letra a acima é regulado pela Lei de Recuperações e de Falências (LRF) – Lei nº 11.101/2005. O previsto na letra b é regulado por legislação especial, de acordo com o objeto de cada atividade econômica. O indicado na letra c é regulado pelo Código de Processo Civil, no Livro II – Processo de Execução – na execução sob o rito da quantia certa contra devedor insolvente.

Regra comum entre os sistemas é a impontualidade ou o inadimplemento de obrigação líquida constante de título executivo judicial ou extrajudicial, situação que caracteriza, em tese, a ocorrência do estado de insolvabilidade, portanto, de falência, ou quando diante da impossibilidade material de solver obrigações, o ativo do devedor se apresentar menor do que o seu passivo (A < P = Resultado Negativo [R(-)]), o que indica estado de insolvência.

Embora se possa presumir o estado  pré-falimentar ou de insolvabilidade do devedor tanto na falência quanto na insolvência a incidência de seus efeitos exige prévia declaração judicial. Sem decisão declaratória de falência não há que se falar em falido; sem decisão declaratória de insolvência não há que se falar em insolvente.

A crise econômico-financeira do devedor, empresário individual ou sociedade empresária, em regime de recuperação extrajudicial ou judicial, quando não administrada oportuna e corretamente poderá chegar à convolação da recuperação em falência, com a aplicação dos efeitos materiais decorrentes da quebra. O mesmo ocorrerá em relação à decisão declaratória da falência em pedido autônomo, quer com fundamento na impontualidade, quer com fundamento em atos de falência (condutas caracterizadoras de estado pré-falimentar).

A decisão de quebra implica vários efeitos materiais na vida do falido e na vida dos seus credores:

? a) na vida do falido: a.1) paralisação da empresa; a.2) lacração do estabelecimento; a.3) afastamento dos sócios e administradores; a.4) inabilitação empresarial; a.5) apuração de responsabilidade; a.6) arrecadação e indisponibilidade de bens; a.7) resolução dos contratos unilaterais; a.8) afetação das obrigações do falido; a.9) realização do ativo etc;

? b) na vida dos credores: b.1) instauração de concurso de credores; b.2) verificação de créditos: a) habilitação de créditos; b.3) impugnação de créditos; b.4) reserva de créditos; b.5) resolução de contratos unilaterais; b.6) afetação das obrigações; b.7) classificação de créditos; b.8) solução do passivo etc.

Dos efeitos apontados acima, destacamos, para o presente trabalho, apenas 03 (três), sendo eles: a) apuração de responsabilidade; b) arrecadação e indisponibilidade de bens; c) alienação de bens (realização do ativo) e solução do passivo.


4. Da Apuração de Responsabilidade do Falido

 A decisão que declarar a falência, obrigatoriamente, indicará o regime jurídico do falido e os nomes dos que forem ao tempo da quebra seus administradores, de modo que se apurem as responsabilidades.

4.1. Dos efeitos do art. 81, da Lei de Falências

Informa o art. 81, caput, da Lei de Quebras, que: A decisão que decreta a falência da sociedade com sócios ilimitadamente responsáveis também acarreta a falência destes, que ficam sujeitos aos mesmos efeitos jurídicos produzidos em relação à sociedade falida.[4] O sócio nunca faliu; a falência é da pessoa jurídica, da sociedade empresária, enquanto que os efeitos da quebra permeiam a vida do empreendedor. Quem pode falir é o titular da atividade econômica.

Por tradição, o ordenamento jurídico brasileiro não confunde a pessoa natural do sócio com a pessoa jurídica da sociedade. É por isso que o Código Civil, de 1916, no art. 18, caput, parágrafo único, contemplava a autonomia patrimonial e a autonomia da personalidade jurídica do sócio em relação à pessoa jurídica, e, agora, repetida no Código Civil, de 2002, no art. 45, quando indica que começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro. Tratando especificamente das sociedades, empresária ou simples, o art. 985, do Código Civil, assim reza: A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150).

Decorrência da constituição regular e do arquivamento dos atos constitutivos da pessoa jurídica é a aquisição, de forma autônoma, da personalidade jurídica em relação aos seus sócios. A aquisição da personalidade jurídica implica autonomia patrimonial e creditícia. Assim, não se confunde o patrimônio da sociedade com o patrimônio pessoal dos seus sócios, ainda que estes respondam solidária e ilimitadamente.

Os efeitos decorrentes da quebra alcançam os sócios com responsabilidade ilimitada. Embora juridicamente impossível no Direito Concursal brasileiro a decretação da falência de pessoa natural, o legislador falimentar, excepcionalmente, dada a necessidade de apuração de responsabilidade, aponta que a decretação da falência da pessoa jurídica também acarreta a falência do empresário ou sócio da sociedade empresária, quando portador da responsabilidade ilimitada.

O correto é apenas reconhecer que os efeitos da quebra alcançam os sócios com responsabilidade solidária e ilimitada, atingindo-se, assim, os patrimônios particulares, de modo que respondam, subsidiariamente, pelo pagamento dos credores sociais na falência.

Em verdade, o legislador pretendeu com a equiparação do estado falimentar dos sócios à sociedade falida avançar sobre os bens pessoais e particulares daqueles que deverão responder e garantir o pagamento dos credores, por conta da responsabilidade ilimitada.

4.2. Dos efeitos do art. 82, da Lei de Falências

Na trilha da responsabilidade dos sócios, o art. 82, caput, da Lei de Falências aponta: A responsabilidade pessoal dos sócios de responsabilidade limitada, dos controladores e dos administradores da sociedade falida, estabelecida nas respectivas leis, será apurada no próprio juízo da falência, independentemente da realização do ativo e da prova da sua insuficiência para cobrir o passivo, observado o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil.[5]

O caput, do art. 82, da Lei de Quebras, cuidou da responsabilidade pessoal dos sócios com responsabilidade limitada e dos controladores e administradores da sociedade falida.

Classicamente, temos sócios com responsabilidade limitada, nas sociedades de pessoas sujeitas aos efeitos da Lei de Recuperações e de Falências, nos regimes jurídicos societários: a) sociedade em conta de participação – sócio participante ou oculto;[6] b) sociedade em comandita simples – sócio comanditário;[7] c) sociedade limitada – em princípio, todos os sócios.[8] Nessa trilha, a sociedade limitada bem representa a ideia exposta no caput, do art. 82, quando afirma: a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.

Nas sociedades de capitais ou por ações, compreendendo-se aqui a sociedade anônima, todos os acionistas, em princípio, têm responsabilidade limitada;[9], [10] e na sociedade em comandita – os acionistas que não emprestam nomes à firma social ou denominação ou não exerçam administração ou comando, em princípio, também têm responsabilidade limitada,[11], [12] obrigando-se cada sócio ou acionista pelo preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas, salvo a configuração e prova inequívoca de atos em fraude.

Tem-se, portanto, que o sócio ou acionista, com responsabilidade limitada, responde limitadamente ao valor do investimento realizado, quer nas sociedades de pessoas, com a integralização das quotas, quer nas sociedades de capitais, com a subscrição ou aquisição das ações.

É certo, no entanto, que nas hipóteses de abuso da personalidade jurídica, desvio de finalidade, violação à lei ou ao contrato ou estatuto social, bem assim nos casos excesso de mandato ou dissolução irregular da sociedade a responsabilidade, antes limitada, transformar-se-á em ilimitada, passando o sócio ou acionista, o controlador, o administrador, o conselheiro, o diretor ou gerente a responder pessoalmente, alcançando-se, assim, o seu patrimônio particular mediante a aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica ou Teoria da Penetração prevista no art. 50, do Código Civil, que aponta: Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

A teoria da desconsideração desconsidera, momentaneamente, não a pessoa jurídica ou a sociedade, mas a personalidade jurídica, a autonomia patrimonial, para atingir o patrimônio pessoal do sócio ou administrador. Afasta-se episodicamente a autonomia patrimonial para alcançar o patrimônio particular do sócio ou acionista. Também é conhecida por teoria da penetração, pois se afasta a blindagem ou proteção legal ou levanta-se o véu da personalidade jurídica para penetrar no patrimônio pessoal dos sócios, administradores ou controladores.

A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica ou penetração requer prova inequívoca da prática de ato em fraude. Essa é orientação da Teoria Pura ou Maior originária da Disregard Doctrine. Para aplicação dos efeitos da mencionada teoria, em situação pontual, é necessária prévia apuração da prática de atos em abuso ou fraude, a saber:

? a) abuso da personalidade jurídica;

? b) desvio de finalidade;

? c) violação à lei;

? d) violação ao contrato ou estatuto social;

? e) excesso de mandato ou poder;

? f) má gestão ou gestão temerária;

? g) dissolução irregular da sociedade;

? h) prática de crimes com reflexos no exercício da empresa.

Nessa senda, caminhou bem o legislador falimentar ao indicar a necessidade de propositura de ação de responsabilização dos sócios ou acionistas, com responsabilidade limitada. A apuração da responsabilidade dar-se-á através de ação própria, ação de conhecimento, oportunizando-se ao réu a garantia constitucional do prévio e devido processo legal, com a ampla defesa e os recursos inerentes, sob pena de manifesta ilegalidade.

Nesse diapasão, o art. 82, da Lei de Quebras, indicou o Juízo Universal da Falência como o competente para conhecer, processar e decidir a referida demanda - ação de apuração de responsabilidade, que deverá ser processada pelo rito ordinário, o mais amplo autorizado pelo sistema processual brasileiro.[13]

No curso da administração da falência, a apuração de responsabilidade, em procedimento próprio, será manejada independentemente da realização do ativo e da prova de insuficiência deste para a solução do passivo. Não importa se o ativo é suficiente ou não para pagar os credores, tampouco se já realizado ou não o ativo. A ação de conhecimento para apuração de responsabilidade do sócio ou acionista, do controlador ou do administrador da sociedade falida será manejada, se necessário, pela massa falida, representada pelo administrador judicial.

O § 1º, do art. 82, da mencionada lei, aponta o prazo prescricional para o exercício da pretensão. O prazo é de 2 (dois) anos para a propositura da ação de responsabilidade civil, contados da data do trânsito em julgado da sentença de encerramento da falência. Não nos parece correta a indicação do início do prazo prescricional a partir do trânsito em julgado da sentença de encerramento da falência. Se há sentença de encerramento é porque, obrigatoriamente, o ativo já foi realizado, inclusive com o pagamento dos credores, segundo a força econômica da massa. Se o legislador afirmou que a propositura da ação independe da realização do ativo e da sua expressão econômica, então, seria razoável que o prazo prescricional tivesse início com a decisão que decreta a falência, e não com a sentença de encerramento.  

Tratando-se de prazo prescricional aplicam-se às causas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição, como estabelecidas nos arts. 197 a 204, do Código Civil.

O § 2º, do art. 82, autoriza o juiz, de ofício, ou a requerimento dos interessados, a determinar a indisponibilidade de bens particulares dos réus, em quantidade compatível com o dano provocado. A indisponibilidade prevalecerá até o julgamento dos pedidos formulados na ação de responsabilização. O mencionado dispositivo legal se orientou pelo art. 36, da Lei nº 6.024/1974, ao cuidar da responsabilidade dos acionistas controladores e administradores de instituições financeiras.

Lá, no regime especial, como aqui, no regime geral da insolvência mercantil, há possibilidade jurídico-processual de imediata indisponibilidade dos bens particulares do réu, sem prejuízo da instauração de inquérito policial, sendo certo que a constrição subsistirá até apuração final da responsabilidade, ou seja, até o trânsito em julgado da futura sentença condenatória.[14]

Apesar do § 2º, do art. 82, indicar que a indisponibilidade dos bens poderá ser pleiteada pelos interessados ou deferida, de ofício, pelo juiz, cabe esclarecer que a legitimidade ativa ad processum para a propositura da ação de responsabilização é exclusiva da massa falida, representada pelo administrador judicial. Os interessados a que se refere o mencionado dispositivo legal compreendem: a) a massa falida, titular da legitimidade ativa; b) os credores, independentemente da classificação e do valor do crédito, podendo ser um, alguns ou todos, de modo facultativo.

Os credores, em querendo, poderão participar da lide, porém na condição de assistentes da massa falida. Têm eles, credores, naturalmente, interesse jurídico que o pedido declaratório, constitutivo (ou constitutivo negativo) ou condenatório seja julgado procedente, favorável a uma das partes, no caso, em favor da massa falida, por conta da recomposição dos prejuízos, situação econômica que contribuirá diretamente para a solução do passivo, com o consequente recebimento do crédito. A assistência é simples, podendo os credores auxiliar a massa falida no curso da lide.[15]

Discordamos do deferimento da indisponibilidade patrimonial pelo juiz, de ofício. Essa autorização afigurar-se-ia abuso de autoridade, se não estivesse prevista na lei. A boa técnica processual deve e deverá prevalecer, qual seja: o juiz atua no processo mediante provocação da jurisdição. E mais: é necessário provar, de forma inequívoca, a ocorrência de vício ou a prática de atos em fraude, antes da decretação da indisponibilidade de bens diante da violência que o deferimento da medida representa ao patrimônio do réu. A indisponibilidade exige cautela e obediência ao princípio do devido processo legal, devendo, em princípio, ser promovida a ação de conhecimento, em procedimento próprio.[16]

Se há risco de perecimento, de desvio ou de extravio de bens, a razoabilidade indica que a massa falida, autora do pedido, não só poderá, mas deverá requerer a indisponibilidade, o que poderá ocorrer a qualquer momento, previamente ou no curso de ação de responsabilidade, em sede de ação cautelar inominada preparatória ou incidental,[17] ou, ainda, de seqüestro[18] ou de arresto,[19] conforme a hipótese.

É viável, também, orientado pelo princípio da economia processual, que o pedido de indisponibilidade seja requerido em regime de tutela antecipada na ação de responsabilidade desde que presentes os pressupostos autorizadores da sua concessão.[20]

O deferimento da tutela antecipada poderá ocorrer, no todo ou em parte, sendo certo, no entanto, que para o cumprimento da decisão que concedê-la, seja total ou parcial, deverá ocorrer prestação de caução real ou fidejussória, quando a decisão importar levantamento de dinheiro ou a prática de atos que impliquem alienação ou possam causar graves danos ao réu, eis que se trata de execução provisória,[21] em sede de cumprimento de sentença.

A motivação para o requerimento e o consequente deferimento da indisponibilidade é o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação em que no curso da lide possa ocorrer o extravio ou transferência irregular de bens ou, ainda, a dilapidação patrimonial, tudo visando prejudicar a massa falida e os credores.

A indisponibilidade há que ser compatível com a potencialidade do dano causado à massa falida. Há que se ponderar, ao tempo do deferimento da indisponibilidade, a equivalência econômica com o dano experimentado, evitando-se, tanto quanto possível, exageros ou excessos, daí por que defendemos a prévia comprovação do dano ou da potencialidade do risco, de modo a afastar desmandos ou abusos, mormente no caso de concessão da indisponibilidade, de ofício, pelo juiz.

A ação de responsabilização prevista no art. 82, da Lei de Quebras, não necessariamente deverá ser promovida. Absolutamente dispensável é ou será o manejo da mencionada demanda, se os sócios ou acionistas, controladores ou administradores, ao tempo do seu ajuizamento, já estiverem condenados, com sentença penal transitada em julgado, por quaisquer dos crimes previstos nos arts. 168 a 178, da Lei de Recuperações e de Falências. A dispensabilidade da ação ocorrerá independentemente da sentença penal condenatória motivar os efeitos materiais apontados nos incisos I a III, do art. 181, porque a sentença penal condenatória, regra geral, faz coisa julgada no Direito Civil e no Direito Mercantil.[22], [23]

É absolutamente desnecessária a propositura da ação de responsabilização, pois os efeitos decorrentes da condenação penal, por qualquer dos crimes previstos na Lei de Quebras, com a incorporação do fenômeno da coisa julgada, por si sós, autorizam à conclusão da ocorrência da prática de ato com vício ou em fraude, antes ou após a decretação da falência, o que permitirá, excepcionalmente, a incidência, de modo equivalente, dos efeitos decorrentes da desconsideração da personalidade jurídica.

Aplica-se a mencionada teoria de forma direta e imediata aos bens particulares ou pessoais dos sócios, controladores ou administradores, na condição de infratores,[24] devendo o administrador judicial, em observância aos seus deveres, iniciar o cumprimento da sentença penal condenatória perante o Juízo Universal da Falência,[25], [26] procedendo-se, naquilo que interessa – a efetividade da indisponibilidade e arrecadação dos bens dos condenados, com a sua alienação e ressarcimento dos prejuízos experimentados pela massa falida. O mesmo critério, orientação e efeitos aplicam-se aos sócios com responsabilidade ilimitada.

Em relação ao empresário individual, a Disregard Doctrine é direta, eis que não existe separação patrimonial de parcelas do patrimônio social (da empresa) do patrimônio pessoal. O empresário individual exerce empresa com patrimônio único, com todos os seus bens, sem qualquer distinção ou autonomia patrimonial. Há em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 5.805/2005,[27] que visa instituir o empresário individual com responsabilidade limitada, com a separação de parcela patrimonial específica para o desenvolvimento da atividade econômica. Porém, enquanto não é aprovado, o empresário individual submete todo o seu patrimônio à sorte do empreendedorismo, alcançando-se, na hipótese de atos em fraude, desvio de finalidade ou prática de crime previsto na lei, o bem de família, inclusive.

Somente nessa hipótese, como ressalvado, é que reconhecemos ser dispensável o manejo da ação de responsabilização, com a aplicação direta e imediata dos efeitos relativos à constrição patrimonial dos sócios, controladores ou administradores condenados, com a aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica.

A propósito do tema em comentário, vale registrar que há em tramitação na Câmara dos Deputados 02 (dois) Projetos de Lei, a saber: a) PL nº 3.401/2008; b) PL 4.298/2008. Ambos os projetos buscam regular a utilização do instituto da desconsideração da personalidade jurídica.[28] Em sendo aprovados, certamente, contribuirão para o aperfeiçoamento do manejo do valioso instituto, evitando-se desmandos e abusos na sua aplicação.

A utilização correta do instituto há muito é reclamada e exigida por aqui, porque, no Brasil, infelizmente, a mencionada teoria se banalizou e vem sendo aplicada à moda brasileira, sem critério e ao sabor das emoções, causando insegurança jurídica e terror aos jurisdicionados, sem atendimento ao pressuposto clássico – que exige prova inequívoca da prática de ato em fraude.

O Código de Defesa do Consumidor, lamentavelmente, nesse particular, contribuiu para a utilização errônea do instituto e de sua banalização nos tribunais, por conta da péssima redação de seu artigo 28 e respectivo § 5º, que apresentam típicas feições de bebê de Rosemary, isto é, disforme, confuso, genérico e equivocado, inclusive com aplicação dos efeitos nefastos da teoria pelo juiz, de ofício, sob o pálio de várias abordagens, a um só tempo, inclusive, por incrível que pareça, até nos casos de insolvência e de falência do fornecedor, adentrando e usurpando competência exclusiva do juízo falimentar.

De forma despreocupada e visando proteger o consumidor, o legislador consumerista, sem critério científico, no § 5º, do art. 28, afirma: (...). A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração,[29] afastando-se, dessa forma, dos limites orientadores da Teoria Pura ou Maior e da indicação prevista no art. 50, do Código Civil.[30]

O Projeto de Lei nº 3.401/2008 visa regular a aplicação do instituto, evitando os desmandos judiciais que vem sendo praticados. O PL nº 4.298/2008 tramita em apenso. O art. 3º, do PL nº 3.401/2008, indica, ainda que tardiamente, que o juiz, antes de decretar a responsabilidade dos sócios ou administradores deverá estabelecer o contraditório, assegurando às partes o prévio exercício da ampla defesa, devendo o pedido ser processado como incidente instaurado em autos apartados, com a devida citação dos réus e comunicação ao Cartório Distribuidor.

Em regra, o juiz não poderá decretar, de ofício, a desconsideração da personalidade jurídica, devendo, nos casos expressamente em lei, antes de decretar os efeitos da teoria, ouvir o Ministério Público.


5. Da arrecadação de bens do falido e da mitigação da proteção e alcance do bem de família

Como decorrência da decretação da falência e, particularmente, da responsabilidade apurada em relação ao empresário individual ou sócio da sociedade empresária falida, os bens pessoais deverão ser arrecadados visando à solução do passivo. Nesse caminho, o art. 108, da Lei de Quebras, prevê: Ato contínuo à assinatura do termo de compromisso, o administrador judicial efetuará a arrecadação dos bens e documentos e a avaliação dos bens, separadamente ou em bloco, no local em que se encontrem, requerendo ao juiz, para esses fins, as medidas necessárias.[31]

O administrador judicial tão logo firme o termo de compromisso deverá praticar o ato mais importante dentro da administração da falência, qual seja: a arrecadação de bens. Afirmamos ser a arrecadação o ato mais importante do ponto de vista econômico. É a força econômica da massa falida que acenará aos credores a viabilidade de recebimento do crédito habilitado, dentro da execução coletiva, que é a falência.

A arrecadação deverá ser realizada o mais rápido possível para evitar depredação, dilapidação, esvaziamento, ocultação e extravio de bens. Não raro, infere-se da experiência forense que o falido, no desespero que lhe toma os sentidos, em momento de grave crise econômico-financeira e psicológico-emocional, oculta, desvia, extravia ou se apropria de bens visando garantir o seu sustento, deleite ou ostentação, sem se dar conta de que o ato, além de prejudicar os credores constituirá crime previsto no art. 173, da Lei de Quebras.

É por isso que o administrador judicial deve, urgentemente, arrecadar tudo, absolutamente tudo que tenha expressão econômica e que esteja dentro e fora do estabelecimento do falido, não interessando, nesse momento, a real propriedade dos bens, porquanto aquele que sofrer os efeitos de indevida constrição, por ato de arrecadação, poderá promover contra a massa falida, de acordo com a natureza da relação jurídica, a medida própria, a exemplo de pedido restituição, reintegração de posse, busca e apreensão ou embargos de terceiros, além de ação indenizatória.

A arrecadação recairá não só sobre todos os bens móveis e imóveis do falido, mas dos intangíveis da empresa, como aponta o art. 75, podendo, conforme o caso, se operar a arrecadação de: a) patentes; b) desenhos industriais; c) marcas de produtos, de serviços ou de certificações; d) nome empresarial; e) títulos de estabelecimento; f) direitos; g) contratos etc. Também deverão ser arrecadados documentos, papéis e livros contábeis, comerciais e fiscais.

Como a finalidade da arrecadação, dentre outras, é preservar os bens e documentos, inclusive mantendo-os sob custódia no interesse da massa falida, o administrador judicial deverá arrecadar todos os documentos, papéis e livros, de natureza estritamente mercantil, contábil e fiscal, inclusive porque o falido, dentre outros, tem o dever de: entregar, sem demora, todos os bens, livros, papéis e documentos ao administrador judicial, indicando-lhe, para serem arrecadados, os bens que porventura tenha em poder de terceiros, como aponta o art. 104, inciso V, da Lei de Falências.

O administrador judicial somente não poderá arrecadar documentos e papéis pessoais do falido, sob pena de cometer crime de violação de sigilo de correspondência. A inviolabilidade de correspondência é direito sagrado previsto no art. 5º, inciso XII, da Carta Federal: é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. No mais, tem o administrador judicial a obrigação de arrecadar, sob pena de responder civil e criminalmente por eventuais prejuízos causados à massa falida.

Ao tempo da arrecadação, se possível, o administrador também deverá avaliar os bens. A avaliação deverá ser feita em bloco, ou seja, o conjunto de bens da mesma natureza, quando for o caso, e separadamente. Na realização do ativo, a massa poderá alienar em bloco ou separadamente os bens arrecadados, daí a importância da dupla avaliação, quando a hipótese comportar.

No entanto, se no ato da arrecadação não for possível a avaliação, o administrador deverá posteriormente avaliá-los e, tratando-se de bens diferenciados, como ocorre, por exemplo, com títulos negociados em bolsa de valores, de mercadorias e outros, ou, ainda, equipamentos, máquinas, aeronaves, embarcações etc deverá ser feita por especialistas, por avaliadores ou corretores especializados, segundo as características ou especificidades do bem arrecadado, obedecidas as regras de mercado.

A arrecadação deverá ser feita no local onde se encontram os bens, devendo, para tanto, o juiz deferir as providências próprias. O administrador judicial não terá, em princípio, dificuldade para arrecadar os bens localizados na comarca do Juízo da Falência. Todavia, a dificuldade residirá quando o falido possuir bens, inclusive de raiz, fora do Juízo da Quebra. Situações como tais exigirão do administrador requerimentos de expedição de cartas precatórias para o cumprimento de diligências nos Juízos Deprecados, da situação dos bens.

Nos Juízos Deprecados ocorrerão os atos de arrecadação, de avaliação e de alienação, devendo o preço de venda orientar-se pelo valor do mercado local. Diligências também serão necessárias, quando for o caso, para a expedição e cumprimento de cartas rogatórias, para o imediato bloqueio de depósitos em conta corrente e aplicações financeiras no exterior. Ajudará sobremaneira, neste caso, se o Brasil tiver Tratado de Cooperação Técnica em Matéria de Direito Comercial e Processual com o país da situação desses bens.

É importante dizer que, embora a Lei de Falências tenha silenciado a respeito, a arrecadação realizada pelo administrador poderá ser economicamente insignificante, pífia, sem relevância material. Se os bens arrecadados não revelarem expressão econômica, a massa falida estará prejudicada, indicando-se, de logo, aos credores a impossibilidade de recebimento dos créditos, o que se constituirá frustração. É por isso que reconhecemos na arrecadação, na administração da falência, o ato processual mais importante, porque o pagamento dos credores depende diretamente da força econômica da massa, portanto, da constrição judicial denominada de arrecadação.

5.1. Do § 4º, do art. 108, da Lei de Quebras

O § 4º, do art. 108, aponta os bens que estão fora da arrecadação. Indica que os bens absolutamente impenhoráveis não poderão ser arrecadados. Não estão sujeitos aos efeitos da arrecadação, regra geral, os bens considerados impenhoráveis ou inalienáveis, como sucede nos casos de bem de família regularmente instituído,[32], [33] além daqueles gravados com cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade.[34] Igualmente não serão arrecadados os bens dotais,[35] os reservados ou particulares do cônjuge, parafernais e excluídos da comunhão[36] e os bens dos filhos do falido.[37]

No mais, o art. 649, do Código de Processo Civil, apresenta o rol dos bens absolutamente impenhoráveis, na ação de execução, sendo eles: I – os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução; II – os móveis, pertences e utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida; III - os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor; IV – os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3º deste artigo; V – os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão; VI – o seguro de vida; VII – os materiais necessários para obras em andamento, salvo se estas forem penhoradas; VIII – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família; IX – os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social; X – até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a quantia depositada em caderneta de poupança; XI – os recursos públicos do fundo partidário recebidos, nos termos da lei, por partido político.[38] Os bens impenhoráveis indicados no art. 649, do Código de Processo Civil, por extensão, também, não são arrecadados na falência

Quanto ao bem de família é importante registrar nossa posição. A Lei de Quebras não tratou do assunto, de modo específico. Porém defendemos a arrecadação do bem de família, nas hipóteses: a) de convolação da recuperação em falência; b) de falência direta do empresário ou de sociedade empresária; c) de intervenção e liquidação extrajudicial; d) de administração temporária convertida em liquidação extrajudicial; e) de decretação de falência de instituição financeira e outras companhias sob o regime concursal especial. A regra prevista na Lei nº 8.009/1990[39] – que instituiu a impenhorabilidade do bem de família não tem aplicabilidade nos regimes jurídicos aqui apontados, como passamos a defender.

A Lei nº 8.009/1990 e o Código Civil não prevalecem no Direito Concursal brasileiro diante da especialização da Lei de Quebras ou da Lei de Intervenção e Liquidação Extrajudicial de Instituições Financeiras e Sociedades Assemelhadas. Nos regimes jurídicos indicados prevalece o interesse coletivo; eles têm natureza publicista; prevalece à proteção da coletividade de credores, mormente nas hipóteses de captação de recursos de poupança e outras aplicações cuja segurança dos mercados financeiro e de capitais depende diretamente da estabilidade das operações realizadas com os investidores.

Não é razoável que os investidores, credores, sofram prejuízos, por conta de administrações temerárias ou fraudulentas, enquanto que os administradores gozem de proteção e blindagem em relação aos seus bens pessoais, no firme conceito de impenhorabilidade ou não arrecadação de bens de família. O bem de família, para gozar de absoluta proteção e afastar a mitigação necessita ser constituído e preservado se e quando os atos praticados não indicarem fraude ou desvio de finalidade!

A impenhorabilidade do bem de família, quando regularmente constituído, tem alcance exclusivamente na execução comum, na ação de execução, como indicam os arts. 1º e 3º, da Lei nº 8.009/1990. Porém, no concurso de credores, dentro do processo falimentar ou da liquidação extrajudicial, cujos credores, coletivamente, disputam os bens arrecadados pela massa falida do empresário individual ou da massa falida pessoal dos sócios com responsabilidade ilimitada ou dos sócios com responsabilidade limitada, após condenação penal por crime definido na Lei de Quebras ou procedência do pedido contido na ação de responsabilidade civil prevista no art. 82, ter-se-á a incidência da desconsideração da personalidade jurídica.[40]

Jamais prevalecerá o bem de família em situações tais, daí por que, embora sujeito às críticas, defendemos abertamente a arrecadação do bem de família nos processos de falência e de liquidação extrajudicial, rompendo-se, assim, com a blindagem criada pela Lei nº 8.009/1990.

Fundamentos jurídicos e legais para o rompimento da blindagem criada em favor do bem de família pela Lei nº 8.009/1990 temos em abundância:

? a) os arts. 1º e 3º, caput, são específicos ao processo de execução comum;

? b) os arts. 4º, § 1º e 5º bem apontam a finalidade do bem de família e sua limitação;

? c) o art. 1.711, do Código Civil, limita o bem de família ao valor de 1/3 (um terço) do patrimônio líquido ao tempo de sua constituição;

? d) a proteção ao bem de família não é absoluta; a sua proteção admite mitigação;

? e) a Lei de Recuperações e de Falências é especial em relação ao Código Civil e a Lei nº 8.009/1990;

? f) a proteção absoluta do bem de família não pode prevalecer para beneficiar o devedor em detrimento da coletividade de credores;

? g) a falência, por sua própria natureza, poderá indicar a:

? 1) prática de atos em fraude;

? 2) prática de atos em violação à lei ou ao contrato social;

? 3) prática de atos com desvio de finalidade;

? 4) prática de atos que configuram crime definidos na LRF;

? h) nada poderá superar ou suplantar o ato em fraude no ordenamento jurídico nacional;

? i) o ato em fraude é nulo; o ato em fraude jamais se converterá em legal;

? j) não pode o devedor, falido, valer-se da suposta blindagem legal para a prática de atos que impliquem confusão patrimonial, desvio de finalidade ou abuso da personalidade jurídica.[41] Portanto, diante de tais fundamentos, induvidosamente, somos favoráveis à arrecadação do bem de família nos processos de falência e de liquidação extrajudicial, ou seja, nos típicos casos de concurso de credores.

É impensável beneficiar o falido, o devedor liquidando ou seus sócios, acionistas ou administradores em detrimento da coletividade de credores na falência ou na liquidação extrajudicial. Garantir-lhes a blindagem patrimonial mediante a prevalência do instituto do bem de família, impedindo-se a arrecadação de tal bem nos processos de falência ou de liquidação extrajudicial é chancelar o benefício fraudulento; é parabenizar o devedor caloteiro, patife ou indecente; é beneficiar exclusivamente o devedor em detrimento dos credores. Não vemos como possa prevalecer o bem de família diante do concurso de credores, nos processos coletivos de falência ou de liquidação extrajudicial.

A propósito, vale registrar que o Código de Processo Civil, quando da reforma do Livro II – Processo de Execução (Projeto de Lei na Câmara dos Deputados nº 4.497/2004) – que mereceu aprovação no Congresso e transformado na Lei nº 11.382/2006 – que alterou e criou exclusivamente o Processo de Execução de Título Executivo Extrajudicial, quando enviado ao Poder Executivo para sanção, por gestões políticas, o parágrafo único, do art. 650, na redação aprovada, restou, indevidamente, vetado.

O referido parágrafo único autorizava, no processo de execução, a penhora do bem de família, quando afirmara: Art. 650. Podem ser penhorados, à falta de outros bens, os frutos e rendimentos dos bens inalienáveis, salvo se destinados à satisfação de prestação alimentícia. Parágrafo único. Também pode ser penhorado o imóvel considerado bem de família, se de valor superior a mil salários mínimos, caso em que, apurado o valor em dinheiro, a quantia até aquele limite será entregue ao devedor, sob cláusula de impenhorabilidade.

Como já dito antes e agora reafirmado, em Ciência Jurídica, tudo é impermanente, como também é a própria vida. Dessa forma, o bem de família, já ao tempo do Projeto de Lei nº 4.497/2004, fora mitigado para admitir o seu alcance e penhora, nos próprios autos da ação de execução, limitando-se o seu valor ao teto máximo, à época, a 1.000 (mil) salários mínimos.

Ainda sobre o tema, a Câmara dos Deputados quando aprovou a Lei nº 11.382, tentou avançar sobre o assunto, porém não foi adiante por razões supostamente escusas.[42], [43]

Salvo as exceções pontuais já indicadas, vale registrar que na falência a arrecadação compreende e compreenderá todos os bens do falido, inclusive o bem de família, além de ações e direitos e demais bens intangíveis, tanto os existentes à época da decretação da quebra quanto os que forem eventualmente adquiridos no curso da administração da quebra, ou, ainda, no curso da falência continuada ou funcionamento provisório, regra essa que já estava prevista no art. 39, do revogado Decreto-Lei nº 7.661/1945, em consonância com a responsabilidade patrimonial contida no art. 591, do Código de Processo Civil que assevera: O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei.


6. Conclusões

Concluindo, cabe dizer que a proteção emprestada ao bem de família pela Lei nº 8.009/1990 somente prevalecerá se e quando constituído com regularidade e quando o seu beneficiário, devedor ou falido não tenha concorrido direta ou indiretamente para a prática de atos em fraude ou dos crimes previstos na Lei de Quebras.

Contudo, na hipótese de decretação da falência do empresário individual ou do sócio/acionista ou administrador da sociedade empresária e verificado no exercício da empresa a ocorrência de ato em fraude, abuso da personalidade jurídica, desvio de finalidade ou a prática de quaisquer dos crimes previstos nos arts. 168 a 178, da Lei de Recuperações e de Falências, a proteção ao bem de família será mitigada e cederá espaço à arrecadação e indisponibilidade no processo falimentar em favor dos credores da massa falida.

Arrecadado o bem de família, nas condições aqui apontadas, ter-se-á a sua indisponibilidade pelo falido e consequente alienação pela massa falida por uma das formas realização do ativo apontadas no art. 140, da Lei de Quebras, para solução do passivo.


Notas

[1] BRASIL - Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990 - Dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família.

[2] BRASIL – Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005 – Dispõe sobre a recuperação e a falência do empresário e da sociedade empresária.

[3] BRASIL - Lei nº 8.934, de 18 de novembro de 1994 – Dispõe sobre o registro público de empresas mercantis e atividades afins.

[4] BRASIL - Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005 – Dispõe sobre a recuperação judicial e a falência do empresário e da sociedade empresária.

(...).

Art. 81. A decisão que decreta a falência da sociedade com sócios ilimitadamente responsáveis também acarreta a falência destes, que ficam sujeitos aos mesmos efeitos jurídicos produzidos em relação à sociedade falida e, por isso, deverão ser citados para apresentar contestação, se assim o desejarem.

§ 1º. O disposto no caput deste artigo aplica-se ao sócio que tenha se retirado voluntariamente ou que tenha sido excluído da sociedade, há menos de 2 (dois) anos, quanto às dívidas existentes na data do arquivamento da alteração do contrato, no caso de não terem sido solvidas até a data da decretação da falência.

§ 2º. As sociedades falidas serão representadas na falência por seus administradores ou liquidantes, os quais terão os mesmos direitos e, sob as mesmas penas, ficarão sujeitos às obrigações que cabem ao falido.

[5] BRASIL - Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005 – Dispõe sobre a recuperação e falência do empresário e da sociedade empresária.

(...).

Art. 82. A responsabilidade pessoal dos sócios de responsabilidade limitada, dos controladores e dos administradores da sociedade falida, estabelecida nas respectivas leis, será apurada no próprio juízo da falência, independentemente da realização do ativo e da prova da sua insuficiência para cobrir o passivo, observado o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil.5[5]

§ 1º. Prescreverá em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da sentença de encerramento da falência, a ação de responsabilização prevista no caput deste artigo.

§ 2º. O juiz poderá, de ofício ou mediante requerimento das partes interessadas, ordenar a indisponibilidade de bens particulares dos réus, em quantidade compatível com o dano provocado, até o julgamento da ação de responsabilização.

[6] Código Civil:

Art. 991. Na sociedade em conta de participação, a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos resultados correspondentes.

Parágrafo único. Obriga-se perante terceiro tão-somente o sócio ostensivo; e, exclusivamente perante este, o sócio participante, nos termos do contrato social.

(...).

Art. 994. A contribuição do sócio participante constitui, com a do sócio ostensivo, patrimônio especial, objeto da conta de participação relativa aos negócios sociais.

§ 1º. A especialização patrimonial somente produz efeitos em relação aos sócios.

§ 2º. A falência do sócio ostensivo acarreta a dissolução da sociedade e a liquidação da respectiva conta, cujo saldo constituirá crédito quirografário.

§ 3º. Falindo o sócio participante, o contrato social fica sujeito às normas que regulam os efeitos da falência nos contratos bilaterais do falido.

[7] Código Civil:

Art. 1.045. Na sociedade em comandita simples tomam parte sócios de duas categorias: os comanditados, pessoas físicas, responsáveis solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais; e os comanditários, obrigados somente pelo valor de sua quota.

Parágrafo único. O contrato deve discriminar os comanditados e os comanditários.

(...).

Art. 1.047. Sem prejuízo de participar das deliberações da sociedade e de lhe fiscalizar as operações, não pode o comanditário praticar qualquer ato de gestão, nem ter o nome na firma social, sob pena de ficar sujeito às responsabilidades de sócio comanditado.

[8] Código Civil:

Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.

[9] Código Civil:

Art. 1.088. Na sociedade anônima ou companhia, o capital divide-se em ações, obrigando-se cada sócio ou acionista somente pelo preço de emissão das ações que subscrever ou adquirir.

[10] BRASIL – Lei nº 6.024, de 15 de dezembro de 1976 – Dispõe sobe as sociedades por ações:

Art. 1º. A companhia ou sociedade anônima terá o capital dividido em ações, e a responsabilidade dos sócios ou acionistas será limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas.

[11] Código Civil:

Art. 1.090. A sociedade em comandita por ações tem o capital dividido em ações, regendo-se pelas normas relativas à sociedade anônima, sem prejuízo das modificações constantes deste Capítulo, e opera sob firma ou denominação.

Art. 1.091. Somente o acionista tem qualidade para administrar a sociedade e, como diretor, responde subsidiária e ilimitadamente pelas obrigações da sociedade.

[12] BRASIL – Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 – Dispõe sobre as sociedades por ações:

(...).

Art. 280. A sociedade em comandita por ações terá o capital dividido em ações e reger-se-á pelas normas relativas às companhias ou sociedades anônimas, sem prejuízo das modificações constantes deste Capítulo.

(...).

Art. 282. Apenas o sócio ou acionista tem qualidade para administrar ou gerir a sociedade e, como diretor ou gerente, responder subsidiária, mas ilimitada e solidariamente, pelas obrigações da sociedade.

(...).

[13] Código de Processo Civil:

Art. 271. Aplica-se a todas as causas o procedimento comum, salvo disposição em contrário deste Código ou de lei especial.

Art. 272. O procedimento comum é ordinário ou sumário.

Parágrafo único. O procedimento especial e o procedimento sumário regem-se pelas disposições que lhe são próprias, aplicando-se-lhes, subsidiariamente, as disposições gerais do procedimento ordinário.

(...).

Art. 274. O procedimento ordinário reger-se-á segundo as disposições dos Livros I e II deste Código.

[14] BRASIL - Lei nº 6.024, de 13 de março de 1974 – Dispõe sobre a intervenção e a liquidação extrajudicial de instituição financeira:

(...).

Art. 36. Os administradores das instituições financeiras em intervenção, em liquidação extrajudicial ou em falência, ficarão com todos os seus bens indisponíveis, não podendo, por qualquer forma, direta ou indireta, aliená-los ou onerá-los, até apuração e liquidação final de suas responsabilidades.

§ 1º. A indisponibilidade prevista neste artigo decorre do ato que decretar a intervenção, a liquidação extrajudicial ou a falência, e atinge a todos aqueles que tenham estado no exercício das funções nos 12 (doze) meses anteriores ao mesmo ato.

§ 2º. Por proposta do Banco Central do Brasil, aprovada pelo Conselho Monetário Nacional, a indisponibilidade prevista neste artigo poderá ser estendida:

a) aos bens de gerentes, conselheiros fiscais e aos de todos aqueles que, até o limite da responsabilidade estimada de cada um, tenham concorrido, nos últimos 12 (doze) meses, para a decretação da intervenção ou da liquidação extrajudicial;

b) aos bens de pessoas que, nos últimos 12 (doze) meses, os tenham a qualquer título, adquirido de administradores da instituição, ou das pessoas referidas na alínea anterior, desde que haja seguros elementos de convicção de que se trata de simulada transferência com o fim de evitar os efeitos desta Lei.

§ 3º. Não se incluem nas disposições deste artigo os bens considerados inalienáveis ou impenhoráveis pela legislação em vigor.

§ 4º. Não são igualmente atingidos pela indisponibilidade os bens objeto de contrato de alienação, de promessa de compra e venda, de cessão ou promessa de cessão de direitos, desde que os respectivos instrumentos tenham sido levados ao competente registro público, anteriormente à data da decretação da intervenção, da liquidação extrajudicial ou da falência.

(...).

Art. 41. Decretada a intervenção, a liquidação extrajudicial ou a falência de instituição financeira, o Banco Central do Brasil procederá a inquérito, a fim de apurar as causas que levaram a sociedade àquela situação e a responsabilidade de seus administradores e membros do Conselho Fiscal.

§ 1º. Para os efeitos deste artigo, decretada a falência, o escrivão do feito a comunicará, dentro em 24 horas (vinte e quatro) horas, ao Banco Central do Brasil.

§ 2º. O inquérito será aberto imediatamente à decretação da intervenção ou da liquidação extrajudicial, ou ao recebimento da comunicação da falência, e concluído dentro em 120 (cento e vinte) dias, prorrogáveis, se absolutamente necessário, por igual prazo.

§ 3º. No inquérito, o Banco Central do Brasil poderá:

a) examinar, quando e quantas vezes julgar necessário, a contabilidade, os arquivos, os documentos, os valores e mais elementos das instituições;

b) tomar depoimentos solicitando para isso, se necessário, o auxílio da polícia;

c) solicitar informações a qualquer autoridade ou repartição pública, ao juiz da falência, ao órgão do Ministério Público, ao síndico, ao liquidante ou ao interventor;

d) examinar, por pessoa que designar, os autos da falência e obter, mediante solicitação escrita, cópias ou certidões de peças desses autos;

e) examinar a contabilidade e os arquivos de terceiros com os quais a instituição financeira tiver negociado e no que entender com esses negócios, bem como a contabilidade e os arquivos dos ex-administradores, se comerciantes ou industriais sob firma individual, e as respectivas contas junto a outras instituições financeiras.

§ 4º. Os ex-administradores poderão acompanhar o inquérito, oferecer documentos e indicar diligências.

[15] Código de Processo Civil:

Art. 50. Pendendo uma causa entre duas ou mais pessoas, o terceiro, que tiver interesse jurídico em que a sentença seja favorável a uma delas, poderá intervir no processo para assisti-la.

Parágrafo único. A assistência tem lugar em qualquer dos tipos de procedimento e em todos os graus de jurisdição; mas o assistente recebe o processo no estado em que se encontra. 

[16] Tribunal de Justiça do Distrito Federal:

Apelação Cível nº 2000.01.1.042275-9 – Relator Desembargador Arnoldo Camanho – Julgamento: 20.08.2008. Dissolução Irregular de Sociedade – Responsabilidade do Sócio – Ação de Responsabilidade Solidária e Ilimitada – Sociedade por Cotas de Responsabilidade Limitada – Dissolução Irregular – Falência – Bens – Débitos – Terceiros – Desprovimento. 1 - Sendo a sociedade comercial dissolvida irregularmente, os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelo pagamento de todas as obrigações assumidas com terceiros, em nome da pessoa jurídica. 2 - A despeito de possuir personalidade e patrimônio distintos da sociedade por cotas de responsabilidade limitada, cujo quadro social integra o sócio-gerente que, agindo de forma ilegal, encerra as atividades da empresa em desconformidade com o legalmente exigido, torna-se solidariamente responsável pelas obrigações contraídas em nome da empresa, sem qualquer limitação, devendo seu patrimônio pessoal responder pela satisfação das obrigações sociais. 3 – A responsabilização do sócio-gerente de sociedade por cotas de responsabilidade limitada pelas obrigações sociais deve ser promovida em sede de ação cognitiva, sujeita ao procedimento comum ordinário, não dependendo nem estando condicionada a qualquer medida destinada ao afastamento da personalidade jurídica da empresa, pois o seu objeto já alcança a desconsideração do manto protetor derivado da personalidade jurídica e viabiliza o alcance dos bens particulares do sócio. (...).

[17] Código de Processo Civil:

Art. 796. O procedimento cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do processo principal e deste é sempre dependente.

Art. 797. Só em casos excepcionais, expressamente autorizados por lei, determinará o juiz medidas cautelares sem a audiência das partes.

Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.

[18] Código de Processo Civil:

Art. 822. O juiz, a requerimento da parte, pode decretar o seqüestro:

I – de bens móveis, semoventes ou imóveis, quando lhes for disputada a propriedade ou a posse, havendo fundado receio de rixas ou danificações;

II – dos frutos e rendimentos do imóvel reivindicando, se o réu, depois de condenado por sentença ainda sujeito a recurso, os dissipar;

III – dos bens do casal, nas ações de desquite e de anulação de casamento, se o cônjuge os estiver dilapidando;

IV – nos demais casos expressos em lei.

[19] Código de Processo Civil:

Art. 813. O arresto tem lugar:

I – quando o devedor sem domicílio certo intenta ausentar-se ou alienar os bens possui, ou deixa de pagar a obrigação no prazo estipulado;

II – quando o devedor, que tem domicílio:

a) se ausenta ou tenta ausentar-se furtivamente;

b) caindo em insolvência, aliena ou tenta alienar bens que possui; contrai ou tenta contrair dívidas extraordinárias; c) põe ou tenta pôr os seus bens em nome de terceiros; ou comete outro qualquer artifício fraudulento, a fim de frustrar a execução ou lesar credores;

III – quando o devedor, que possui bens de raiz, intenta aliená-los, hipotecá-los ou dá-los em anticrese, sem ficar com algum ou alguns, livres e desembargados, equivalentes às dívidas.

[20] Código de Processo Civil:

Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou

II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

(...).

[21] Código de Processo Civil:

Art. 475-O. A execução provisória da sentença far-se-á, no que couber, do mesmo modo que a definitiva, observadas as seguintes normas:

I – corre por iniciativa, conta e responsabilidade do exeqüente, que se obriga, se a sentença for reformada, a reparar os danos que o executado haja sofrido;

II – fica sem efeito, sobrevindo acórdão que modifique ou anule a sentença objeto da execução, restituindo-se as partes ao estado anterior e liquidados eventuais prejuízos nos mesmos autos, por arbitramento;

III – o levantamento de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem alienação de propriedade ou dos quais possa resultar grave dano ao executado dependem de caução suficiente e idônea, arbitrada de plano pelo juiz e prestados nos próprios autos.

[22] Código de Processo Penal:

Art. 63.  Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros.

Parágrafo único.  Transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art. 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido.

Art. 64.  Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, a ação para ressarcimento do dano poderá ser proposta no juízo cível, contra o autor do crime e, se for caso, contra o responsável civil.

Parágrafo único.  Intentada a ação penal, o juiz da ação civil poderá suspender o curso desta, até o julgamento definitivo daquela.

Art. 65.  Faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

Art. 66.  Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato.

Art. 67.  Não impedirão igualmente a propositura da ação civil:

I - o despacho de arquivamento do inquérito ou das peças de informação;

II - a decisão que julgar extinta a punibilidade;

III - a sentença absolutória que decidir que o fato imputado não constitui crime.

Art. 68.  Quando o titular do direito à reparação do dano for pobre (art. 32, §§ 1º e 2º), a execução da sentença condenatória (art. 63) ou a ação civil (art. 64) será promovida, a seu requerimento, pelo Ministério Público.

[23] Código Civil:

Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre que seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.

[24] Código Civil:

Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.

Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932.

[25] Código de Processo Civil:

Art. 475-N. São títulos executivos judiciais:

I – (...).

II – a sentença penal condenatória transitada em julgado;

III – (...).

[26] Código de Processo Civil:

Art. 475-P. O cumprimento da sentença efetuar-se-à perante:

I – os tribunais, nas causas de sua competência;

II – o juízo que processou a causa no primeiro grau de jurisdição;

III – o juízo cível competente, quando se tratar de sentença penal condenatória, de sentença arbitral ou de sentença estrangeira.

[27] Câmara dos Deputados:

Projeto de Lei nº 5.805, de 24 de agosto de 2005, de autoria do Deputado Antonio Carlos Mendes Thame (PSDB/SP) - Define pequeno empresário, institui o empresário individual de responsabilidade limitada e estabelece normas para o tratamento favorecido das microempresas e empresas de pequeno porte, nos termos dos arts. 170, IX, e 179 da Constituição Federal, e 970 e 1.179, § 2°, da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º. Esta lei define a expressão “pequeno empresário” para os fins de aplicação da legislação civil, institui a figura do “empresário individual de responsabilidade limitada” e estabelece normas para o tratamento favorecido das microempresas e empresas de pequeno porte, em atendimento ao disposto nos arts. 170, IX, e 179 da Constituição Federal.

Art. 2º. Para fins do disposto nos arts. 970 e 1.179 da Lei n°10.406, de 10 de janeiro de 2002, considera-se pequeno empresário a pessoa jurídica enquadrada na condição de microempresa cujo faturamento não seja superior ao limite previsto no art. 2°, I e § 3°, da Lei n° 9.841, de 5 de outubro de 1999.

Art. 3º. Fica criada a figura do empresário individual de responsabilidade limitada, enquadrado na forma do inciso II do art. 2º da Lei nº 9.841, de 5 de outubro de 1999, com responsabilidade patrimonial limitada ao montante do capital social, o que deverá ser anotado em sua inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis.

§ 1º. O empresário individual de responsabilidade limitada poderá ser constituído pela concentração de todas as quotas da sociedade empresária sob titularidade de apenas um sócio, por meio de procedimento de conversão, perante o Registro Público de Empresas Mercantis.

Art. 4º. As microempresas e as empresas de pequeno porte são desobrigadas da realização de reuniões e assembléias em qualquer das situações previstas na legislação civil, sendo suas decisões tomadas por deliberações simples de sócios cujas quotas representam, no mínimo, o primeiro número inteiro superior à metade do capital social, salvo disposição contratual em contrário.

Parágrafo único. Para a exclusão de sócio por justa causa, na hipótese em que um ou mais sócios ponham em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, sempre se exigirá reunião ou assembléia, na forma prevista no contrato social.

Art. 5º. Os empresários e as sociedades abrangidas por esta lei ficam dispensados da publicação de qualquer ato societário.

Art. 6º. As sociedades de que trata este lei poderão adotar firma ou denominação, integradas pela palavra final “Limitada” ou sua abreviatura “Ltda.” após as expressões “ME”, no caso de microempresa, ou “EPP”, no caso de empresa de pequeno porte, conforme o caso, sendo facultativa a inclusão do objeto da sociedade.

Art. 7º Publicada a presente lei:

I - no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios editarão as leis necessárias à adaptação ao aqui disposto, para assegurar o tratamento jurídico diferenciado, simplificado e favorecido às microempresas e às empresas de pequeno porte;

II - até que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios editem nova legislação, na forma do inciso anterior, ficam vigentes as atuais leis estaduais, distritais e municipais em favor das microempresas e das empresas de pequeno porte.

Art. 8º Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.

Justificativa: As microempresas e empresas de pequeno porte são agentes de inclusão econômica e social, e, segundo dados do IBGE, em 2002, eram responsáveis pela ocupação de 57,2% da população economicamente ativa no meio urbano, além de representarem 99,2% das empresas estabelecidas no país. Apenas com estas informações, já se percebe a grandeza do setor, que tem importante papel na mobilidade e estabilidade social. No Brasil, a participação desse seguimento no PIB situa-se em torno de 20%, diferentemente dos países desenvolvidos e com melhor distribuição de renda, onde há um equilíbrio de forças entre o pequeno negócio e as médias e grandes empresas. Analisando pelo lado da competitividade, concluímos que não existe uma relação de equilíbrio entre as grandes e as pequenas empresas, visto que estas se expõem, também, à concorrência predatória daquelas que operam na informalidade. A Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – o novo Código Civil -, não define o micro e pequeno empresário, estabelece que o empresário individual responde com seus bens pessoais pelas dívidas da empresa e impõe às ME’s e EPP’s o cumprimento da mesma burocracia exigida para as demais empresas, o que configura um fator que dificulta o crescimento dos pequenos negócios. O presente projeto de lei cria a figura do Empresário Individual de Responsabilidade Limitada, restringindo a sua obrigação perante terceiros ao valor do capital social, estabelece como serão aplicados os dispositivos do novo Código Civil que tratam do pequeno empresário, além de desobrigar as ME’s e EPP’s da realização de reuniões e assembléias, bem como da publicação de quaisquer atos societários. Diante do exposto, esperamos que a nossa iniciativa conte com o apoio dos ilustres pares do Congresso Nacional, para o seu aperfeiçoamento e aprovação.

[28] Congresso Nacional:

Projeto de Lei nº 3.401, de 24 de abril de 2008, de autoria do Deputado Bruno Araújo (PSDB/PE) - Disciplina o procedimento de declaração judicial de desconsideração da personalidade jurídica e dá outras providências. O PL nº 4.298/2008, de 03.07.2008, de autoria do Deputado Homero Pereira (PR/MT) tramita em apenso. Disponível em: <http://www.camara.gov.br>. Acesso em 29 de junho de 2009.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º. A desconsideração da personalidade jurídica para fins de estender obrigação da pessoa jurídica a seu membro, instituidor, sócio ou administrador obedecerá aos preceitos desta lei.

Parágrafo único: Aplica-se, também, o disposto nesta lei às decisões ou atos judiciais de quaisquer dos órgãos do Poder Judiciário que imputarem responsabilidade direta, em caráter solidário ou subsidiário a membros, instituidores, sócios ou administradores pelas obrigações da pessoa jurídica.

Art. 2º. A parte que postular a desconsideração da personalidade jurídica ou a responsabilidade pessoal de membros, instituidores, sócios ou administradores por obrigações da pessoa jurídica, indicará, necessária e objetivamente, em requerimento específico, quais os atos por eles praticados que ensejariam a respectiva responsabilização, na forma da lei específica, o mesmo devendo fazer o Ministério Público nos casos em que lhe couber intervir no processo.

Parágrafo único. O não atendimento das condições estabelecidas no caput ensejará o indeferimento liminar do pleito pelo juiz.

Art. 3º. Antes de decidir sobre a possibilidade de decretar a responsabilidade dos membros, instituidores, sócios ou administradores por obrigações da pessoa jurídica, o juiz estabelecerá o contraditório, assegurando-lhes o prévio exercício da ampla defesa.

§ 1º. O Juiz ao receber a petição, mandará instaurar o incidente, em autos apartados, comunicando ao distribuidor competente.

§ 2º. Os membros, instituidores, sócios ou administradores da pessoa jurídica serão citados ou, se já integravam a lide, serão intimados, para se defenderem no prazo de dez (10) dias, sendo-lhes facultada a produção de provas, após o que o juiz decidirá o incidente.

§ 3º. Sendo várias as pessoas físicas eventualmente atingidas, os autos permanecerão em cartório e o prazo de defesa para cada um deles contar-se-á a partir da respectiva citação, quando não figuravam na lide como partes, ou da intimação pessoal se já integravam a lide, sendo-lhes assegurado o direito de obter cópia reprográfica de todas as peças e documentos dos autos ou das que solicitar, e juntar novos documentos.

Art. 4º. O Juiz não poderá decretar de ofício a desconsideração da personalidade jurídica.

Art. 5º. O Juiz somente poderá decretar a desconsideração da personalidade jurídica ouvido o Ministério Público e nos casos expressamente previstos em lei, sendo vedada a sua aplicação por analogia ou interpretação extensiva.

§ 1º. O Juiz não poderá decretar a desconsideração da personalidade jurídica antes de facultar à pessoa jurídica, a oportunidade de satisfazer a obrigação, em dinheiro, ou indicar os meios pelos quais a execução possa ser assegurada.

§ 2º. A mera inexistência ou insuficiência de patrimônio para o pagamento de obrigações contraídas pela pessoa jurídica não autoriza a desconsideração da personalidade jurídica, quando ausentes os pressupostos legais.

Art. 6º. Os efeitos da decretação de desconsideração da personalidade jurídica não atingirão os bens particulares de membro, instituidor, sócio ou administrador que não tenha praticado ato abusivo da personalidade em detrimento dos credores da pessoa jurídica e em proveito próprio.

Art. 7º. Considera-se em fraude à execução a alienação ou oneração de bens pessoais de membros, instituidores, sócios ou administradores da pessoa jurídica, capaz de reduzi-los à insolvência, quando, ao tempo da alienação ou oneração, tenham sido eles citados ou intimados da pendência de decisão acerca do pedido de desconsideração da personalidade jurídica, ou de responsabilização pessoal por dívidas da pessoa jurídica.

Art. 8º. As disposições desta lei aplicam-se imediatamente a todos os processos em curso perante quaisquer dos órgãos do Poder Judiciário, em qualquer grau de jurisdição.

Art. 9º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICATIVA - O presente Projeto de Lei pretende resgatar iniciativa do falecido Deputado Ricardo Fiúza, que através do PL nº 2.426/03, hoje arquivado, propôs à Câmara dos Deputados que se viesse a instituir um procedimento judicial específico para desconsideração da personalidade jurídica, onde, independentemente da análise dos seus pressupostos materiais, estivesse sempre assegurado o prévio exercício do contraditório e a ampla defesa. Foi tomando por base esse texto original que as entidades integrantes do Plano Diretor do Mercado de Capitais, através de um grupo de trabalho especialmente constituído para essa finalidade, elaborou um anteprojeto que me foi encaminhado e integralmente acolhido, transformando-se no Projeto de Lei ora apresentado. O Código Civil Brasileiro em vigor, em seu art. 50, prevê expressamente a aplicação da chamada Disregard Doctrine, com a constrição de bens particulares de administradores e sócios, sempre que tiver havido uso abusivo da empresa, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial. Previsão semelhante também já havia trazido o Código do Consumidor (Lei nº 8.708, de 11.9.1990), em seu artigo 28, bem como a Lei nº 9.605/98, que regulamenta os crimes contra o meio ambiente. São medidas profícuas e absolutamente necessárias para coibir abusos praticados sob o manto protetivo da personalidade jurídica. Entretanto, a falta de um rito procedimental que assegure o exercício do contraditório, tem ocasionado uma aplicação desmesurada e inapropriada da Disregard Doctrine, sendo freqüente a sua utilização em hipóteses outras, como nos casos de mera responsabilidade subsidiária e de solidariedade, decisões muitas vezes reformadas pelos Tribunais Superiores, em prejuízo do próprio instituto. Daí porque a matéria está a exigir diploma processual próprio, em que se firmem as hipóteses em que a desconsideração da personalidade jurídica possa e deva ser decretada. Em suma, o presente Projeto de Lei, de natureza eminentemente adjetiva, pretende estabelecer regras processuais claras para aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, além de assegurar o prévio exercício do contraditório em hipóteses de responsabilidade pessoal de sócio por débito da pessoa jurídica. Ou seja, não se pretende aqui estabelecer pressupostos materiais ou mesmo limitar as hipóteses em que a desconsideração da personalidade jurídica pode ocorrer, mas, tão somente, instituir um rito procedimental, aplicável a toda e qualquer situação onde seja necessário “levantar o véu” da pessoa jurídica, de modo a trazer segurança e estabilidade às relações jurídicas empresariais. Finalmente, tratando-se de matéria exclusivamente de direito, mais precisamente de direito processual, sem qualquer abordagem de cunho material ou substantivo, é de todo conveniente e aconselhável que o presente Projeto seja submetido à deliberação terminativa da Comissão de Constituição e Justiça.

[29] Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990:

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

(...).

§ 5º. Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

[30] Código Civil:

Art. 50. Em caso de abuso de personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

[31] BRASIL – Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005 – Dispõe sobre a recuperação e a falência do empresário e da sociedade empresária.

(...).

Art. 108. Ato contínuo à assinatura do termo de compromisso, o administrador judicial efetuará a arrecadação dos bens e documentos e a avaliação dos bens, separadamente ou em bloco, no local em que se encontrem, requerendo ao juiz, para esses fins, as medidas necessárias.

§ 1º. Os bens arrecadados ficarão sob a guarda do administrador judicial ou de pessoa por ele escolhida, sob responsabilidade daquele, podendo o falido ou qualquer de seus representantes ser nomeado depositário dos bens.

§ 2º. O falido poderá acompanhar a arrecadação e a avaliação.

§ 3º. O produto dos bens penhorados ou por outra forma apreendidos entrará para a massa, cumprindo ao juiz deprecar, a requerimento do administrador judicial, às autoridades competentes, determinando sua entrega.

§ 4º. Não serão arrecadados os bens absolutamente impenhoráveis.

§ 5º. Ainda que haja avaliação em bloco, o bem objeto de garantia real será também avaliado separadamente, para os fins do § 1º do art. 83 desta Lei.

[32] Código Civil:

Art. 1.711. Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial.

Parágrafo único. O terceiro poderá igualmente instituir bem de família por testamento ou doação, dependendo a eficácia do ato da aceitação expressa de ambos os cônjuges beneficiados ou da entidade familiar beneficiada.

Art. 1.712. O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família.

(...).

Art. 1.714. O bem de família quer instituído pelos cônjuges ou por terceiro constitui-se pelo registro de seu título no Registro de Imóveis.

Art. 1.715. O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio.

Parágrafo único. No caso de execução pelas dívidas referidas neste artigo, o saldo existente será aplicado em outro prédio, como bem de família, ou em título da dívida pública, para sustento familiar, salvo se motivos relevantes aconselharem outra solução, a critério do juiz.

Art. 1.716. A isenção de que trata o artigo antecedente durará enquanto viver um dos cônjuges, ou, na falta destes, até que os filhos completem a maioridade.

Art. 1.717. O prédio e os valores mobiliários, constituídos como bem de família, não podem ter destino diverso do previsto no art. 1.712 ou serem alienados sem o consentimento dos interessados e seus representantes legais, ouvido o Ministério Público.

[33] BRASIL - Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 – Dispõe sobre os registros públicos:

(...).

Art. 260. A instituição do bem de família far-se-á por escritura pública, declarando o instituidor que determinado prédio se destina a domicílio de sua família e ficará isento de execução por dívida.

Art. 261. Para a inscrição do bem de família, o instituidor apresentará ao oficial do registro a escritura pública de instituição, para que mande publicá-la na imprensa local e, à falta, na Capital do Estado ou do Território.

Art. 262. Se não ocorrer razão para dúvida, o oficial fará a publicação, em forma de edital, do qual constará:

I – o resumo da escritura, nome, naturalidade e profissão do instituidor, data do instrumento e nome do tabelião que o fez, situação e característicos do prédio;

II – o aviso de que, se alguém se julgar prejudicado, deverá, dentro em trinta (30) dias, contados da data da publicação, reclamar contra a instituição, por escrito e perante o oficial.

Art. 263. Findo o prazo do n. II do artigo anterior, sem que tenha havido reclamação, o oficial transcreverá a escritura, integralmente, no livro n. 3 e fará a inscrição na competente matrícula, arquivando um exemplar do jornal em que a publicação houver sido feita e restituindo o instrumento ao apresentante, com a nota da inscrição.

[34] Código Civil:

Art. 1.848. Salvo se houver justa causa, declarada no testamento, não pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade, e de incomunicabilidade sobre os bens da legítima.

§ 1º. Não é permitido ao testador estabelecer a conversão dos bens da legítima em outros de espécie diversa.

§ 2º. Mediante autorização judicial e havendo justa causa, podem ser alienados os bens gravados, convertendo-se o produto em outros bens, que ficarão sub-rogados nos ônus dos primeiros.

(...).

Art. 1.911. A cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade.

Parágrafo único. No caso de desapropriação de bens clausulados, ou de sua alienação, por conveniência econômica do donatário ou do herdeiro, mediante autorização judicial, o produto da venda converter-se-á em outros bens, sobre os quais incidirão as restrições apostas aos primeiros.

[35] BRASIL – Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916 – Código Civil Brasileiro, de 1916:

(...).

Art. 278. É da essência do regime dotal descreverem-se e estimarem-se cada um de per si, na escritura antenupcial (art. 256), os bens, que constituem o dote, com expressa declaração de que a este regime ficam sujeitos.

(...).

Art. 280. O dote pode compreender, no todo, ou em parte, os bens presentes e futuros da mulher.

Parágrafo único. Os bens futuros, porém, só se consideram compreendidos no dote, quando, adquiridos por título gratuito, assim for declarado em cláusula expressa do pacto antenupcial.

(...).

Art. 283. É lícito estipular na escritura antenupcial a reversão do dote ao dotador, dissolvida a sociedade conjugal.

(...).

Art. 287. É permitido estipular no contrato dotal:

I – que a mulher receba, diretamente, para suas despesas particulares, uma determinada parte dos rendimentos dos bens dotais;

II – que, a par dos bens dotais, haja outros, submetidos a regimes diversos.

[36] Código Civil:

Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:

I – das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;

II – da pessoa maior de sessenta anos;

III – de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.

(...).

Art. 1.658. No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes.

Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:

I – os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;

II – os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;

III – as obrigações anteriores ao casamento;

IV – as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;

V – os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;

VI – os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;

VII – as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.

(...).

Art. 1.661. São incomunicáveis os bens cuja aquisição tiver por título uma causa anterior ao casamento.

(...).

Art. 1.665. A administração e a disposição dos bens constitutivos do patrimônio particular competem ao cônjuge proprietário, salvo convenção diversa em pacto antenupcial.

Art. 1.666. As dívidas, contraídas por qualquer dos cônjuges na administração de seus bens particulares e em benefício destes, não obrigam os bens comuns.

Art. 1.667. O regime da comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com as exceções do artigo seguinte.

Art. 1.668. São excluídos da comunhão:

I – os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar;

II – os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva;

III – as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum;

IV – as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade;

V – os bens referidos nos inciso V a VII do art. 1.659.

Art. 1.669. A incomunicabilidade dos bens enumerados no artigo antecedente não se estende aos frutos, quando se percebam ou vençam durante o casamento

[37] Código Civil:

Art. 1.689. O pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar:

I – são usufrutuários dos bens dos filhos;

II – têm a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade.

(...).

Art. 1.691. Não podem os pais alienar, ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse da prole, mediante prévia autorização do juiz.

Parágrafo único. Podem pleitear a declaração de nulidade dos atos previstos neste artigo:

I – os filhos;

II – os herdeiros;

III – o representante legal.

Art. 1.692. Sempre que no exercício do poder familiar colidir o interesse dos pais com o do filho, a requerimento deste ou do Ministério Público o juiz lhe dará curador especial.

Art. 1.693. Excluem-se do usufruto e da administração dos pais:

I – os bens adquiridos pelo filho havido fora do casamento, antes do reconhecimento;

II – os valores auferidos pelo filho maior de dezesseis anos, no exercício de atividade profissional e os bens com tais recursos adquiridos;

III – os bens deixados ou doados ao filho, sob a condição de não serem usufruídos, ou administrados, pelos pais;

IV – os bens que aos filhos couberem na herança, quando os pais forem excluídos da sucessão.

[38] BRASIL – Lei nº 11.694, de 12 de junho de 2008:

(...).

O inciso XI, do art. 649, do Código de Processo Civil, foi inserido em junho de 2008 através da Lei nº 11.694.

[39] BRASIL - Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990 – Dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família:

Art. 1º. O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta Lei.

Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.

Art. 2º. Excluem-se da impenhorabilidade os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos.

Parágrafo único. No caso de imóvel locado, a impenhorabilidade aplica-se aos bens móveis quitados que guarneçam a residência e que sejam de propriedade do locatário, observado o disposto neste artigo.

Art. 3º. A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

I – em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;

II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;

III – pelo credor de pensão alimentícia;

IV – para cobrança de imposto, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;

V – para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;

VI – por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens;

VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

Art. 4º. Não se beneficiará do disposto nesta Lei aquele que, sabendo-se insolvente, adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a residência familiar, desfazendo-se ou não da moradia antiga.

§ 1º. Neste caso poderá o juiz, na respectiva ação do credor, transferir a impenhorabilidade para a moradia familiar anterior, ou anular-lhe a venda, liberando a mais valiosa para execução ou concurso, conforme a hipótese.

§ 2º. Quando a residência familiar constituir-se em imóvel rural, a impenhorabilidade restringir-se-á à sede de moradia, com os respectivos bens móveis, e, nos casos do artigo 5º, inciso XXVI, da Constituição, à área limitada como pequena propriedade rural.

Art. 5º. Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta Lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente.

Parágrafo único. Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na forma do artigo 70 do Código Civil (o art. 70 do Código Civil/1916 foi revogado pelo Código Civil, de 2002).

[40] Código Civil:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

[41] BRASIL - Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990 – Dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família:

Art. 1º. O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fi scal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta Lei.

Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assenta a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.

Art. 2º. Excluem-se da impenhorabilidade os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos.

Parágrafo único. No caso de imóvel locado, a impenhorabilidade aplica-se aos bens móveis quitados que guarneçam a residência e que sejam de propriedade do locatário, observado o disposto neste artigo.

Art. 3º. A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se:

I – em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;

II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;

III – pelo credor de pensão alimentícia;

IV – para cobrança de imposto, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;

V – para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;

VI – por ter sido adquirido com produto do crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens;

VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

[42] Câmara dos Deputados:

Projeto de Lei nº 4.497/2004 – Altera dispositivos da Lei nº 5.689, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, relativos ao Processo de Execução e a outros assuntos. Disponível em: <http://www.camara.gov.br>. Acesso em 30 de junho de 2009. O referido Projeto, após aprovado e sancionado, transformou-se na Lei nº 11.232, de 22.12.2005. Contudo, o seu conteúdo não foi aprovado na íntegra.

[43] Jornal Correio Braziliense, Caderno de Política, edição de 30 de março de 2008, p. 8:

AJUDA AO BANQUEIRO FALIDO. O caso, em particular, tratava, conforme matéria abaixo transcrita, que a mansão localizada no Bairro do Morumbi, em São Paulo, de propriedade do ex-banqueiro Cid Ferreira, ex-controlador do Banco Santos, liquidado extrajudicialmente pelo Banco Central do Brasil, avaliada em R$ 50 milhões de reais, não será alienada para o pagamento dos credores, por força do veto presidencial ao parágrafo único, do art. 650 do CPC, tudo por força de gestões políticas: A história que se contará a seguir tempera as altas rodas da República com ingredientes explosivos. Nela, misturam-se grandes somas de dinheiro, a mais fina arte universal, operações financeiras internacionais, leis, votos, prestígio pessoal, a figura respeitável do ex-presidente e senador, José Sarney (PMDB-AP), e outra, nem tanto, do banqueiro falido, Edemar Cid Ferreira. No meio de tudo, o Palácio do Planalto e todos os 594 congressistas brasileiros. A história é melhor entendida se contada começando-se pelo último capítulo. Ele ocorreu na manhã da quinta-feira passada, quando uma sessão do Congresso – em que deputados e senadores votam juntos – apreciou 19 vetos do presidente da República a trechos de leis aprovadas anteriormente. O item 18 da pauta referia-se a dois artigos do Projeto de Lei nº 4.497, mandado em novembro de 2004 pelo Planalto para alterar pontos do velho Código de Processo Civil. E o que tratavam tais trechos? Um deles, o que importa, autorizava a penhora de imóveis em processos de falência, mesmo em se tratando da casa onde mora o devedor – o chamado “bem de família”. A proposta era um avanço por motivo muito simples: para cobrir os buracos deixados pelo empresário falido, a Justiça só poderia confiscar bens de valor superior a mil salários mínimos. Ou seja, em números atuais, casas ou apartamentos avaliados abaixo de R$ 415 mil estavam protegidos, o que livrava toda a massa pobre e boa parte da classe média brasileira da possibilidade de ter a casa própria penhorada. Mesmo assim, a lei mandava a massa falida pagar os mil salários mínimos em dinheiro ao executado, quando seu “bem de família” fosse alienado. Não havia risco, portanto, de ninguém ficar no olho da rua. No máximo, o confisco resultaria em acomodações mais modestas para o devedor. O projeto chegou à Câmara em 2004 e foi aprovado definitivamente, sem alterações, no dia 16 de maio de 2006. Seguiu para o Senado três dias depois e recebeu aprovação, também sem mudanças substanciais, em 28 de novembro daquele ano. Em 5 de dezembro, o então presidente do Congresso, Renan Calheiros (PMDB-AL), remeteu a matéria para sanção presidencial. Por algum motivo, só naquele momento e não se sabe alertado por quem, Sarney tomou conhecimento do conteúdo do projeto, que ele próprio ajudara, com seu voto a aprovar. AJUDA AO BANQUEIRO FALIDO. Congresso confirma veto em artigo que protegia de confiscos só os imóveis avaliados abaixo dos R$ 415 mil. Com a decisão, Edemar Cid Ferreira acabou beneficiado e não terá a mansão de R$ 50 milhões alienada. Mão amiga. Naquele mesmo dia, o ex-presidente subiu à tribuna e desancou os pares. “Hoje, farei uma censura ao Senado”, anunciou. “Vi agora que nós votamos uma lei que altera o dispositivo da Lei nº 8009/90, de minha iniciativa como Presidente da República, que criou a impenhorabilidade da casa própria. E é uma aberração o que o Senado aprovou”, exclamou Sarney. Evocando o princípio do homestead norte-americano, ele defendeu a idéia de que a casa própria não pode jamais ser tomada para pagamento de dívidas do proprietário. Parece um discurso de interesse coletivo, mas havia um interesse particular. No dia seguinte ao discurso de Sarney, o então Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, telefonou ao senador e garantiu que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetaria o texto. O líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR), também procurou o ex-presidente com o mesmo recado. Hora depois, o Planalto enviou a Calheiros um ofício com a mensagem do veto. Sarney subiu à tribuna novamente. E agradeceu de público a deferência. Na mensagem ao Congresso, assinada pela subchefia para Assuntos Jurídicos da Casa Civil, o governo alega, quanto à impenhorabilidade, que a proposta “quebra a tradição surgida com a Lei nº 8.009, de 1990”. Mas não explica o inexplicável: a tradição não foi levada em conta quando o próprio Palácio do Planalto redigiu o projeto e o mandou ao parlamento, dois anos antes. Ou quando seu líder, o mesmo Romero Jucá que deu o recado a Sarney, relatou a matéria favoravelmente na reta final da tramitação no Senado. Luta judicial - Ao mesmo tempo em que o senador Sarney atuava no Congresso para derrubar as mudanças nas regras de penhora, o banqueiro falido Edemar Cid Ferreira, ex-dono do Banco Santos, travava uma luta na Justiça para impedir que sua mansão de R$ 50 milhões fosse alienada. Seu argumento central: trata-se de “bem de família”, portanto devidamente protegido do processo de falência, conforme reza a Lei nº 8.009, de 1990. Se a lei mudar, Cid Ferreira perde a casa. Os escombros do Banco Santos vêm sendo administrados por um executivo nomeado pelo juiz Caio Marcelo Mendes de Oliveira, da 2ª Vara de Falências de São Paulo. A instituição financeira estava sob intervenção do Banco Central desde 12 de novembro de 2004. Deu tombos milionários em empresas e fundos de pensão de empresas estatais. Quando quebrou, o Banco Santos não tinha como honrar uma bolada de R$ 1,8 bilhão devido na praça a 3 mil diferentes credores. Pelo menos R$ 700 milhões desse dinheiro, captado de forma suspeita nos meses e até dias anteriores à intervenção viraram pó. Decretada a falência, a Justiça passou a vender o que era possível do antigo patrimônio do banco para pagar dívidas. O juiz, Caio Marcelo, chegou a decretar a penhora da nababesca mansão de Cid Ferreira. Mas como o juiz Fautos de Sanctis, da 6ª Vara Federal de São Paulo, também determinara o seqüestro dos bens, a massa falida teve que ingressar com uma ação de conflito de competência no Superior Tribunal de Justiça – tramita sob o número CC nº 76.740, sob os cuidados do ministro Massami Uyeda. A mansão de Cid Ferreira é um espetáculo à parte. Amigo do ex-banqueiro, Sarney já esteve lá. Ela reluz mesmo estando encravada no bairro do Morumbi, onde moram os ricaços de São Paulo. Tem cinco andares, 4,1 mil m2 e ainda hoje abriga obras de arte refinadas – na época da intervenção, o então famoso mecenas brasileiro guardava um acervo pessoal avaliado em US$ 30 milhões. A casa está registrada em nome da Atalanta Participações, empresa paulista controlada pela Blueshell Inc, firma offshore sediada no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas. Não há dúvida de que Edemar é dono da Blueshell e, portanto, da mansão no Morumbi. Ele mesmo alega, nos autos do processo que o dinheiro remetido pela offshore para erguer a casa foi declarado no imposto de renda da esposa, Márcia, em 1996. O que é quase verdade. Porque o ajuste tributário da mulher informa a entrada de US$ 300 mil. E as contas bancárias da Blueshell contabilizam remessas de US$ 500 milhões, segundo informações do mercado financeiro. Sarney nega interferência Numa quinta-feira, véspera da intervenção sobre o Banco Santos, o então presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), recebeu para uma visita extra-agenda em seu gabinete parlamentar o amigo de longa data Edemar Cid Ferreira, que estava na cidade pressionando o Banco Central, para tentar salvar sua instituição financeira. No dia seguinte, por coincidência, fundos de aproximadamente R$ 1,8 milhão que o ex-presidente da República guardava no banco, transferidos para o Banco do Brasil e escaparam de ficar retidos na massa falida. À época, Sarney explicou que tomou conhecimento da situação crítica do Banco Santos por intermédio de seu assessor de imprensa, o jornalista Fernando César Mesquita. E que este, por seu lado, ouvira os rumores “no mercado”. Daí a decisão de sacar as economias do banco a tempo. O ex-presidente sempre negou que tenha recebido informações privilegiadas do amigão, Edemar Cid Ferreira, o dono do banco. Lobby - Ao Correio, por intermédio da assessoria de imprensa, Sarney também negou que tenha articulado a derrubada da lei que alterava a impenhorabilidade para socorrer Edemar Cid Ferreira em sua luta pela mansão do bairro Morumbi, em São Paulo. Nas palavras do próprio senador “isso era lobby dos bancos para tomar a casa dos pobres.” A lei, porém, preservava a casa dos pobres. Pelo menos daqueles pobres que morassem num imóvel que valesse menos de R$ 415 mil.


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  • Luiz Guerra

    Luiz Guerra

    Sócio Fundador & CEO do Guerra Advogados. Advogado sediado em Brasília, com atuação nos Tribunais Superiores. Parecerista. Embaixador Cultural da Rede Internacional de Advocacia de Excelência. Professor Titular e Decano de Direito Comercial da Faculdade de Direito/UNICEUB. Professor visitante em Universidades e Escolas Jurídicas no Brasil e no exterior. Jurista (autor de mais de 50 livros publicados no Brasil e no exterior). Articulista (autor de mais de 250 artigos publicados no Brasil e no exterior). Doutrinador (citado em doutrina e julgados). Palestrante & Conferencista em Seminários e Congressos Nacionais e Internacionais. Membro Benemérito do Instituto dos Advogados do Distrito Federal (ex-Presidente). Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros. Membro Efetivo do Instituto dos Advogados de São Paulo. Membro de Vários Institutos Culturais no Brasil e no exterior. Titular de comendas culturais e prêmios científicos nacionais e internacionais.

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GUERRA, Luiz. Bem de família & o direito falimentar - mitigação da proteção do bem de família. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3911, 17 mar. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26975. Acesso em: 26 abr. 2024.