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ICMS nas operações de importação.

O cálculo por dentro e a EC n° 33/01

ICMS nas operações de importação. O cálculo por dentro e a EC n° 33/01

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Sumário: 1. Colocação do tema. 2. A disciplina nacional anterior à EC nº 33/01. 3. O Posicionamento dos Estados de Minas Gerais e São Paulo. 4. Causas e efeitos da EC nº 33/01. 5. Das práticas reiteradas das autoridades fazendárias. 6. Conclusões


1. Colocação do tema

Desde o Sistema Tributário inaugurado pela Constituição Federal de 1967, da qual o Decreto-lei n. 406/68 extraiu seu fundamento de validade, insurge-se a doutrina contra a inclusão do ICMS em sua própria base de cálculo.

E plena razão assiste aos defensores dessa inconstitucionalidade, porquanto a "base imponível" do ICMS, ao lume dos contornos estabelecidos pela própria Carta Política, limita-se ao "valor da operação", ao preço praticado pelo vendedor das mercadorias ou prestador dos serviços de transporte e comunicação encampados pela competência estadual.

Nesse sentido, o Prof. AIRES BARRETO[1] assevera:

"O arsenal de opções de que dispõe o legislador ordinário para a escolha da base de cálculo, conquanto vasto, não é ilimitado. Cumpre-lhe erigir o critério dimensível consentâneo com o arquétipo desenhado pela Excelsa Lei. Essa adequação é dela mesma extraível, antes e independentemente da existência da norma legal criadora do tributo. As várias possibilidades de que dispõe o legislador ordinário para adoção da base de cálculo já se contém na Constituição."

Criticando duramente o instituto do "cálculo por dentro", fixado pela legislação complementar do ICMS, o insigne tributarista ROQUE ANTONIO CARRAZZA[2], assim manifestou-se:

"Destarte – como será melhor demonstrado –, o montante de ICMS não pode integrar sua própria base de cálculo, sob pena de desnaturar-se o tributo e, o que é pior, de se infringirem maus tratos ao estatuto do contribuinte, constitucionalmente traçado.

"Na verdade, não é possível inserir, na base de cálculo do ICMS a sua própria incidência (cálculo por dentro), ensejando a cobrança de imposto sobre o imposto."

Em que pese a consistência dos argumentos acima, e ainda, a sapiência de seus defensores, o Supremo Tribunal Federal (STF), apreciando a questão, decidiu pela constitucionalidade do "cálculo por dentro" do ICMS, não acolhendo as alegações de afronta aos princípios da capacidade contributiva, estrita legalidade e não-cumulatividade, dentre outros (RE nº 212.209, rel. Ministro Marco Aurélio, redação para acórdão Ministro Nelson Jobim, 23 de junho/99).

Recentemente foi promulgada a Emenda Constitucional (EC) nº 33/01, que incorporou significativas alterações no Sistema Tributário Nacional, em especial no âmbito do ICMS.

Inserindo a alínea i ao inciso XII, § 2º do artigo 155, a Emenda conferiu à lei complementar "fixar a base de cálculo, de modo que o montante do imposto a integre, também na importação do exterior de bem, mercadoria ou serviço". (grifamos)

Com vistas à manifestação do STF e ao dispositivo acrescentado, surge a polêmica questão:

O ICMS integrará sua própria base de cálculo, nas operações de importação, somente a partir da edição de lei complementar reguladora da ‘novel’ alínea i, ou o ordenamento até então vigente já admitia tal exigência por parte dos Estados?

Em outras palavras, antes da EC nº 33/01, já havia embasamento legal/constitucional à exigência do "cálculo por dentro" do ICMS nas importações?

Sobre esse ponto nebuloso passaremos a discorrer.


2. A disciplina nacional anterior à EC nº 33/01

A Constituição Federal de 1988 (CF/88), na seção que trata dos "princípios gerais" do sistema tributário, determinou:

"Art. 146 – Cabe à lei complementar:

(...)

III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

A-definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; (…)"

A Lei Complementar nº 87/96, suportada pelos princípios gerais (artigo 146) e específicos (artigo 155, XII) estatuídos pela Constituição Federal, dispôs:

"Art. 13 – A base de cálculo do imposto é :

(…)

V - na hipótese do inciso IX do art. 12[3], a soma das seguintes parcelas:

a) o valor da mercadoria ou bem constante dos documentos de importação, observado o disposto no art. 14[4]; b) imposto de importação;

c) imposto sobre produtos industrializados;

d) imposto sobre operações de câmbio;

e) quaisquer despesas aduaneiras.

(…)

§ 1º - Integra a base de cálculo do imposto:

I – o montante do próprio imposto, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle; (…)"

A inclusão do ICMS em sua própria base de cálculo, como visto acima, foi tratada pelo legislador complementar como regra geral, aplicável a todas as hipóteses de incidência do imposto.

Com efeito, o "cálculo por dentro" foi disciplinado no parágrafo primeiro, após as disposições acerca da base de cálculo ‘primária’ de cada situação abstrata sobre a qual incide o ICMS.

A Lei Complementar nº 95/98, regulando a estrutura dos textos legislativos federais, ratifica esse nosso entendimento sobre a submissão e caráter suplementar do parágrafo perante o caput do artigo:

"Art. 11. As disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, observadas, para esse propósito, as seguintes normas:

(…)

III - para a obtenção de ordem lógica:

(…)

c) expressar por meio dos parágrafos os aspectos complementares à norma enunciada no caput do artigo e as exceções à regra por este estabelecida; (…)" (grifamos)

Enfim, as importações são operações de circulação de mercadorias que ensejam a cobrança do ICMS do mesmo modo que as atividades mercantis, de serviços de transporte e comunicações, estando, por conseguinte, sujeita a idênticas regras de composição da base de cálculo.

A legislação, do modo em que estruturada, não fez qualquer distinção entre as importações e as demais atividades submetidas ao campo de tributação do ICMS, todas subsumidas às mesmas diretrizes acerca da mensuração do imposto.


3. O Posicionamento dos Estados de Minas Gerais e São Paulo

Na conformidade da Lei Maior, aos Estados-membro foi outorgada autonomia para instituir o ICMS em seus respectivos territórios.

Sendo impraticável, nesta oportunidade, abordarmos o ponto de vista das 27 Unidades da Federação sobre o assunto, comentaremos as posições aparentemente antagônicas externadas pelos Estados de Minas Gerais e São Paulo.

O fisco mineiro, através de seu órgão consultivo, exarou o seguinte entendimento (Respostas à Consulta nº s 31 e 32/2001):

"EMENTA: IMPORTAÇÃO – BASE DE CÁLCULO DO ICMS - Por determinação da Lei Complementar nº 87/96, como de resto também da legislação anterior, o valor do imposto integra a base de cálculo, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle."

No Estado de Minas Gerais, portanto, desde a criação do ICMS em 1989, o valor do imposto integra sua própria base de cálculo também nas importações, conquanto suportado em expressa disposição da legislação nacional (artigo 14 do Convênio ICMS nº 66/88 e artigo 13, § 1º , I da Lei Complementar nº 87/96).

A Fazenda paulista silenciou a respeito, e desconhecemos quaisquer exigências formais de inclusão do ICMS em sua própria base de cálculo nas operações de importação.

Após o advento da EC nº 33/01, o fisco paulista fez publicar o Comunicado CAT nº 68, de 26 de dezembro/01 (DOE de 27 de dezembro/01), cujos trechos de interesse reproduzimos:

"O Coordenador da Administração Tributária, tendo em vista a edição das Leis ns. 10.991/01 e 11.001/01, ambas de 21 de dezembro de 2001 e considerando que a sua implementação no Regulamento do ICMS depende de decreto em fase de elaboração, esclarece que:

(…)

2. a partir de 1º de janeiro de 2002, com fundamento na Emenda Constitucional n.º 33, de 2001, ficam expressas na legislação paulista as seguintes disposições relacionadas com a tributação das importações:

(…)

2.4 o montante do imposto, inclusive na hipótese de importação, integra a sua própria base de cálculo, constituindo o destaque mera indicação para fins de controle. (…)" (grifos nossos)

Em leitura de relance o comunicado deixa transparecer que o fisco paulista ampliou a base de cálculo do ICMS desde 1º de janeiro/02, quando passou a exigir "imposto sobre imposto" também nas importações.

Mas atente-se para a sutileza do seu enunciado, ao dispor que "ficam expressas na legislação paulista" as disposições EC nº 33/01: o "ficar expresso" pode ser, conforme nosso léxico, substituído por "ficar explícito", e torna-se explícito aquilo que, de alguma forma, já estava implícito.

Vale dizer, o comunicado deixa dúvidas sobre o entendimento da Fazenda paulista: houve ampliação da base de cálculo do ICMS nas importações, a partir de 1º de janeiro/02, ou uma simples adaptação de texto com o fito de dirimir quaisquer dúvidas de que o imposto sempre compôs sua base também nas importações?

Em princípio optamos pela primeira das alternativas, de que o fisco paulista estendeu o "cálculo por dentro" às importações somente a partir de janeiro/02, mas não descartamos a segunda, de que venha a questionar os contribuintes que não recolheram "imposto sobre imposto" nas operações de importação praticadas dentro do prazo decadencial (últimos cinco anos).

Outro pormenor que fortalece a ambigüidade do comunicado é o fato da EC nº 33/01, no tocante à matéria em pauta, não consistir em norma auto-aplicável, carecendo, pois, de regulamentação por intermédio de lei complementar para então ser incorporada à legislação interna dos Estados.

A incorporação direta à legislação interna, pelo Estado de São Paulo, da regra atinente à inclusão do ICMS em sua própria base, também nas importações, demonstra que a Fazenda paulista entende que a EC nº 33/01, neste particular, já está regulamentada pela Lei Complementar nº 87/96.

Não vislumbramos outra justificativa para a eficácia prevista no Comunicado CAT nº 68/01.


4. Causas e efeitos da EC nº 33/01

Em face do nosso discurso até aqui, tornam-se naturais as indagações sobre os motivos e conseqüências da inserção da alínea i ao inciso XII, § 2º , artigo 155 da CF/88, pela EC nº 33/01, haja vista que, no ordenamento jurídico, todas as normas são dotadas de algum valor e significado.

A promulgação da Emenda, inclusive, é vista por muitos como autêntica inovação constitucional, ampliando os limites a que jungidos os legisladores complementar e ordinário para determinação da base imponível do ICMS.

Todo dispositivo legal decorre de uma necessidade social e repercute, de alguma forma, no comportamento daqueles aos quais foi dirigido.

A contrario sensu, é defeso ao intérprete esquivar-se de esclarecer o alcance de um dispositivo, classificando-o como inócuo, carente de qualquer fundamento e simplesmente ineficaz.

Como citamos inicialmente, grandes eram os questionamentos em torno da constitucionalidade da exigência, pelos Estados, do cômputo do ICMS em sua própria base de cálculo.

Com o fito de eliminar, de uma vez por todas, as dúvidas suscitadas – e, frise-se, sobrepujadas pela jurisprudência dominante do STF –, inclusive obstando novas insurgências por parte dos contribuintes, o Congresso Nacional entendeu por bem alterar as normas superiores do Sistema Tributário, assegurando, em âmbito constitucional, a cobrança do "ICMS sobre ICMS" cuja regularidade já havia sido declarada pela instância máxima do nosso judiciário.

Note-se aqui que a Emenda não se referiu, na comentada alínea I, apenas ao "ICMS sobre ICMS" nas importações, mas ao "cálculo por dentro" em geral, inclusive nessas operações de comércio exterior.

Assim, a EC nº 33/01 surgiu para evitar novas demandas sobre o assunto, irradiando efeitos meramente declaratórios, tão somente explicitando o que já fora abonado por nossa Corte Suprema.

Em outros termos, o ordenamento constitucional tributário foi alinhado com o posicionamento dominante do nosso órgão de cúpula, descontinuando o fundamento vislumbrado por muitos para a deflagração de demandas e, deste modo, contribuindo para aliviar a sobrecarga do nosso aparelho judiciário.


5. Das práticas reiteradas das autoridades fazendárias

Vencidos, em nosso ver, os argumentos puramente técnicos favoráveis à inovação da EC nº 33/01 e à impossibilidade de cobrança do "ICMS por dentro" nas importações anteriores à devida integração da Emenda, passaremos a analisar outro elemento, que apesar de sua natureza empírica, foi dotado de "normatividade": as práticas reiteradas dos órgãos fiscalizadores (o costume).

Com efeito, o artigo 100, III do Código Tributário Nacional (CTN) dispõe:

"Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos:

(…)

III - as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas; (…)"

Constata-se que, na maioria dos Estados brasileiros, o ICMS nas importações sempre foi, em regra, "calculado por fora" (sem a inclusão em sua própria base de cálculo), e tal procedimento em raras ocasiões culminou em questionamentos por parte das autoridades fiscais.

Estaríamos, portanto, – para os defensores desta tese – diante de uma "aceitação tácita" do fisco acerca do "cálculo por fora" nas importações, o que, juntamente com as alterações promovidas pela Emenda e atos normativos decorrentes, fortaleceria a tese de irretroatividade da cobrança do "ICMS por dentro" naquelas operações.

Não é assim que entendemos.

"Normas complementares" são aquelas destinadas a externar o conteúdo e alcance dos atos normativos que lhe são hierarquicamente superiores, não podendo, em absoluto, modificá-los.

O "costume fazendário", tal como tipificado no dispositivo que transcrevemos, não pode ser validamente invocado para eximir o contribuinte de uma obrigação legal, claramente prevista nos diplomas normativos de regência (a Lei Complementar nº 87/96, de caráter nacional, e a legislação interna dos Estados).

A esse respeito, diz LUCIANO AMARO[5]:

"O artigo 100 do Código Tributário Nacional dá o nome de ‘normas complementares’ a certos atos menores que cuidam de explicitar (não de inovar) o direito tributário. A designação desses atos não é feliz, pois confunde sua qualificação com a das leis complementares. A observância das ‘normas complementares’ listadas no dispositivo codificado gera determinados efeitos, decorrentes da proteção à boa-fé do sujeito passivo (artigo 100, parágrafo único).

(…)

"A seguir, listam-se como normas complementares as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas (art. 100, III). Trata-se dos costumes fiscais; se, em face de certa norma, e à vista de determinada situação de fato, a autoridade age reiteradamente da mesma maneira (p. ex., aceitando, ainda que tacitamente, uma conduta do contribuinte), esse comportamento da autoridade implica a criação de uma ‘norma’ que endossa a conduta do contribuinte, e cuja revogação submete-se aos efeitos do parágrafo único do art. 100 do Código.

(…)

"A observância das ‘normas complementares’ faz presumir a boa-fé do contribuinte, de modo que aquele que pautar seu comportamento por uma dessas normas não pode (na hipótese de a ‘norma’ ser considerada ilegal) sofrer penalidade, nem cobrança de juros de mora, nem pode ser atualizado o valor monetário da base de cálculo do tributo (art. 100, parágrafo único)." (grifamos)

Trazemos à colação também as lições do professor e mestre EDUARDO MARCIAL FERREIRA JARDIM[6], que assevera:

"Na raia dos tributos, A. D. Giannini afirma que a fonte do direito tributário não é diversa de outro ramo do direito. Bernardo Ribeiro de Moraes, entretanto, não concorda com aqueles dizeres, ponderando, a propósito, que no direito tributário o costume, por exemplo, exerce mínima ou nenhuma significação a título de fonte do direito, ao contrário, pois, do quanto se verifica nos quadrantes do direito civil." (grifos nossos)

Não bastassem esses argumentos de autoridade, específicos sobre a natureza e efeitos dos "costumes fiscais", o próprio CTN, em seu artigo 3º , estabelece que a cobrança dos tributos (função das autoridades fiscais) deve efetivar-se mediante "atividade administrativa plenamente vinculada", ou seja, com absoluto e insofismável apego aos ditames legais, sob pena de responsabilização administrativa e até penal do agente fazendário.

A atividade arrecadatória, nos estritos termos legais, constitui obrigação, dever – e não mero poder ou faculdade, sujeito à renúncia – das autoridades fiscais. Os agentes fazendários, assim, não podem exigir o ICMS nem para mais nem para menos, mas apenas e tão somente o quantum estabelecido em lei.

Em nosso ver, o "costume fiscal" em exame representa, na realidade, renúncia de receita desautorizada pelo ordenamento em vigor, o qual exige, ao lume da Lei Complementar nº 24/75, a celebração e ratificação de convênios pelos Estados-membro, sem prejuízo da observância dos artigos 14 e ss. da Lei Complementar nº 101/00, mais conhecida como "Lei de Responsabilidade Fiscal".

Convém lembrar que o Ministério Público, em sua atribuição de custos legis ("fiscal da lei"), foi legitimado por nossa Lex Legum (artigo 129, III) a promover ação civil pública para a proteção do patrimônio público, patrimônio este que, em nosso ver, foi prejudicado pela omissão fiscal cognominada de "costume".[7]


6. Conclusões

A leviandade da inclusão do ICMS sobre sua própria base de cálculo, plena, lógica e brilhantemente demonstrada em estudos do mestre ROQUE ANTONIO CARRAZZA, não foi acolhida pela nossa Suprema Corte, que entendeu juridicamente possível considerar o montante do imposto como pertencente ao valor da operação.

Reputado válido e eficaz, pelo nosso Judiciário, o "cálculo por dentro", cumpre-nos, na qualidade de profissionais da área tributária, ponderar com acuidade sobre os contornos científicos e, em especial, práticos da questão, enfocando a efetividade dos riscos a que submetidos os importadores que não adotaram tal metodologia na determinação do ICMS a pagar, quando da nacionalização de mercadorias estrangeiras.

Com a promulgação da EC nº 33/01, podemos considerar "convalidado", em âmbito constitucional, todo o arcabouço legislativo que pugnava pela adoção do "cálculo por dentro", critério este lídimo, segundo reiterados pronunciamentos do STF.

A inconstitucionalidade da emenda constitucional – conforme vislumbrou o professor CARRAZA relativamente à EC nº 03/93 – no caso presente, parece-nos de difícil decretação pelo Supremo Tribunal Federal, tendo em conta os precedentes exarados por seus magistrados.

Por seu turno, sobrepaira em nosso ordenamento jurídico o dever de coerência, através do qual o aplicador do direito deve buscar a melhor conformação das normas, afastando as antinomias. Portanto, harmonizando o sistema preexistente com a EC nº 33/00, o "valor da operação ou prestação", base de cálculo implícita em nossa Carta Magna, compõe-se do preço fixado pelo contratado (vendedor/prestador) acrescido do valor do próprio imposto.

O "costume fiscal" de inexigência do "cálculo por dentro" poderá ser invocado, – em eventual formalização do crédito tributário relacionado às importações praticadas nos últimos cinco anos –, para que sejam excluídas do quantum debeatur as penalidades e acréscimos moratórios porventura computados. Sendo uma "norma complementar" (artigo 100, III do CTN), não tem o condão de afastar a cobrança do "imposto por dentro" nessas operações, ao arrepio das legislações complementar e local.

Onde a lei não distinguiu não cabe ao intérprete distinguir, de modo que, s.m.j., face à ausência de exceção expressa, e diante de todo o exposto neste trabalho, aplica-se o artigo 13, § 1º , I da Lei Complementar nº 87/96 também às importações, prescindindo tal aplicação de qualquer normatização posterior à EC nº 33/01.

Os contribuintes que porventura não observaram o "cálculo por dentro" para determinação do ICMS a pagar nas importações, que vierem a ser compelidos pelo fisco ao recolhimento das diferenças, deverão buscar argumentos para impugnação da exigência baseados, em especial, na situação de fato verificada, tendo em conta que, conforme demonstrado neste estudo, a EC nº 33/01 não inovou a ordem jurídica neste particular.


NOTAS

1.In Base de Cálculo, Alíquota e Princípios Constitucionais, 2ª. edição revista, São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 52

2.em "ICMS – Inconstitucionalidade da Inclusão de seu Valor, em sua Própria Base de Cálculo", Revista Dialética de Direito Tributário nº 23, São Paulo: Dialética, p. 102

3."Art. 12 - Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento: (…) IX – do desembaraço aduaneiro das mercadorias importadas do exterior."

4.O artigo 14 trata da conversão do preço da importação expresso em moeda estrangeira.

5.Direito Tributário Brasileiro, 6ª Edição, São Paulo: Saraiva, 2001, pgs. 181 e 182

6.Em Manual de Direito Financeiro e Tributário, 2ª Edição ampliada e atualizada, São Paulo: Saraiva, 1994, pg. 97.

7.Deixamos de discorrer sobre o cabimento da ação civil pública à espécie, com supedâneo no ordenamento processual vigente, em razão da estranheza da matéria ao escopo deste trabalho.


BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 6ª ed. São Paulo, Saraiva, 2001.

BARRETO, Aires. Base de Cálculo, Alíquota e Princípios Constitucionais. 2ª. ed., rev. São Paulo, Max Limonad, 1998.

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 21ª ed., atual. São Paulo, Saraiva, 2000.

BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Trad. Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos; rev. técnica Claudio De Cicco; apres. Tércio Sampaio Ferraz Júnior. 10ª ed. Brasília, Universidade de Brasília, 1997.

CARRAZA, Roque Antônio. "ICMS – Inconstitucionalidade da Inclusão de seu Valor, em sua Própria Base de Cálculo", Revista Dialética de Direito Tributário, nº 23. São Paulo, Dialética.

_________ ICMS. 7ª ed., rev. e ampl. de acordo com a Lei Complementar 87/96 e suas ulteriores modificações. São Paulo, Malheiros, 2001.

GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. Em colaboração com Cândido Rangel Dinamarco e Antônio Carlos de Araújo Cintra. 16ª ed. São Paulo, Malheiros, 2000.

JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Manual de Direito Financeiro e Tributário. 2ª ed. ampl. e atual. São Paulo, Saraiva, 1994.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Márcio Alexandre O. S.. ICMS nas operações de importação. O cálculo por dentro e a EC n° 33/01. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2710. Acesso em: 28 mar. 2024.