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Análise dos parâmetros curriculares nacionais para orientação sexual nas escolas à luz dos direitos humanos

Análise dos parâmetros curriculares nacionais para orientação sexual nas escolas à luz dos direitos humanos

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Este artigo faz uma análise dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), sob o foco da Orientação Sexual no ambiente escolar, à luz dos Direitos Humanos, destacando esta concepção em sua íntima relação na proposta curricular para garantia de efetividade.

ANÁLISE DOS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS PARA ORIENTAÇÃO SEXUAL NAS ESCOLAS À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS

MARINA GLEIKA FELIPE SOARES ¹

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tratou de um tema bastante atual, delicado e porque não dizer, polêmico, pois traz consigo aspectos morais, culturais, jurídicos, educativos, psicológicos, sociais, dentre outros. Obviamente, não se pretendeu com esse trabalho acadêmico esgotar o tema, visto sua amplitude e complexidade, mas houve empenho no sentido de tecer considerações que se acreditam serem relevantes e importantes.

A pesquisa discorreu sobre os PCN para a Orientação Sexual nas escolas à luz dos direito humanos, na qual, objetivou-se fazer uma análise crítica da concepção de educação sexual e como os Direitos Humanos colaboram para defender a efetivação dessa proposta curricular, através da valorização do ser humano, sem preconceitos contra quaisquer formas de discriminação.

Sabe-se que os PCN é uma coletânea de documentos elaborados pelo Governo Federal, sob a jurisdição do Ministério da Educação (MEC), durante a década de 90, com o objetivo de subsidiar o trabalho docente. A coleção de livros é composta por dez volumes, separados por disciplina, dentre as quais está inserida a Orientação Sexual destacada no volume 10. As diretrizes tratadas nos PCN enfatizaram, sobretudo, a estruturação e reestruturação dos currículos escolares de todo Brasil, obrigatórias para a rede pública e opcionais para as instituições privadas. Ou seja, o objetivo principal dos PCN foi padronizar o ensino no país, estabelecendo pilares fundamentais para guiar a educação formal e a própria relação escola-sociedade no cotidiano.

Ressalta-se que os PCN surgiram pela necessidade de se adequar a educação brasileira ao contexto pós-ditadura militar, como forma de minimizar os reflexos da ditadura (1964/1985), em que o ensino seguiu moldes ditatoriais com currículo imposto, conforme os preceitos da ideologia dominante, na qual o Estado compartilhava. Nessa época, houve um esvaziamento de conteúdos, direcionou-se o ensino para um modelo propagandístico e cívico de educação, como forma de repressão ao desenvolvimento do senso crítico da sociedade.

Dessa maneira, a inclusão de temas transversais nos PCN como Orientação sexual, ética, meio ambiente, pluralidade cultural, dentre outros, são “devolvidos” para sociedade, objetivando a construção da cidadania e a compreensão da realidade social, dos direitos e responsabilidades em relação à vida pessoal, coletiva e ambiental.

Embora ainda ocorra de forma lenta, gradual, a Orientação Sexual se apresenta como um tema que deve ser reforçado e debatido em sala de aula. Através de sua inserção na escola, se propõe a eliminação de comportamentos baseados na discriminação sexual, na violência em função do sexo e na minimização de problemas como: o abuso sexual, a gravidez na adolescência, proliferação de doenças sexualmente transmissíveis, como a AIDS.

Na análise do tema, demonstrou-se inicialmente a gênese da educação sexual na sociedade, em seguida, apresentou-se o porquê da inserção do tema no meio escolar, posteriormente destacou-se a identificação das finalidades e das orientações pedagógicas estabelecidas nos PCN para Orientação Sexual. Por fim, teceu-se reflexões da educação sexual no ambiente escolar e os valores humanos relacionados com o combate à homofobia.

Pela especificidade do tema, optou-se em fazer a pesquisa bibliográfica e documental. Com isto, colheu-se materiais para estudo em diversas fontes como: livros, legislação, periódicos e artigos. Todo material recolhido foi submetido a uma triagem, a partir da qual foi possível estabelecer um plano de leitura, utilizando-se o método dedutivo e analítico. Trata-se de uma leitura atenta e sistemática que se concretizou pelo acompanhamento com anotações e fichamentos que serviram para fundamentação teórica do estudo.

2 BREVE HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO SEXUAL

A educação leva o homem à sua perfeição, a compreender a realidade social, a fim de transformá-la e procurar soluções aos desafios do mundo com uma dimensão holística. Neste sentido, vê-se que a educação sexual surge da necessidade de um esclarecimento à população “em função da repressão estabelecida pela cultura e pela sociedade”. (RIBEIRO, 1990, p.5).

A história da educação sexual mostra uma prática de repressão sexual desde a antiguidade, respaldada principalmente nos movimentos com ideais de reforma religiosa, como na Inglaterra com o puritanismo, em que eles eram rígidos e moralistas especialmente quanto ao comportamento sexual. Sobre este movimento, Ribeiro destaca:

historicamente, o puritanismo tem sua origem no calvinismo e iniciou-se na Inglaterra, no século XV, durante o reinado de Elisabeth I. Opondo-se à liberdade dos padrões sexuais da Inglaterra da Idade Média, o puritanismo trouxe em seu bojo um rígido padrão espiritual e moral, baseado na firmeza da vontade, na constância do caráter e no fortalecimento da introspecção, tudo regrado pelo mais puro ascetismo. (RIBEIRO, 1990, p. 6-7).

Neste contexto de repressão que surge os primeiros estudos sobre a sexualidade, a educação sexual e o bem-estar sexual da população, através de Henry Havelock Ellis (1859-1939), Sigmund Freud (1856-1939), Wilhelm Reich (1897-1957), dentre outros estudiosos. Conforme nos informa Nunes e Silva: 

até a eclosão do fantástico pensamento de Freud não se admitia que existisse na criança o que ele chamou de “impulso sexual”. No máximo, admitia-se que durante o período de puberdade o jovem começasse a se interessar pelas chamadas “coisas sexuais”. Em seus estudos, Freud considerou a sexualidade infantil desde o nascimento da criança (a primeira infância que nomeou 'pré-histórica o indivíduo'). Freud foi o primeiro a considerar com naturalidade os atos e efeitos sexuais das crianças como ereção, masturbação e mesmo simulações sexuais. (NUNES E SILVA, 2000, p.46).

Freud se destaca neste quesito por fazer afirmativas sobre a sexualidade humana até então não externalizadas na sociedade, revelando-se assim, um dos primeiros teóricos a tematizar e ressaltar a importância de se inserir esse tema nas esferas sociais como forma de educação humana. Posteriormente, com relação à educação sexual sistematizada e organizada para uma abordagem nas escolas, estudiosos como (RIBEIRO, 1990) apontam para o seu surgimento na Suécia, em 1770 com as primeiras conferências públicas sobre as funções sexuais.

Já no Brasil, com a colonização o país sempre sofreu grandes influências européias, católicas e conservadoras, e com isso também irá reprimir a sexualidade e sua manifestação desde os primórdios da colonização portuguesa. A Igreja Católica, os governos e o Estado impuseram a sexualidade voltada apenas à reprodução.

Os primeiros registros de discussões de educação sexual no ambiente escolar no Brasil, conforme cita (SAYÃO, 1997 p.108) datam de 1920, para combater doenças, visando à “saúde púbica” e à “moral sadia” preocupados com a saudável reprodução da espécie.

A igreja católica, predominante no sistema educacional brasileiro, juntamente com a década de 60, época politicamente radical, contribuíram para manter a repressão à Educação Sexual e deixaram marcas à sua implantação oficial nas escolas. Mesmo que se quisesse educar, havia um “conteúdo repressivo por trás do educativo” (RIBEIRO, 1990, p.12).

Vale ressaltar que em 1968 a deputada Júlia Steinbruck apresentou projeto de lei à Câmara dos Deputados para implantação de Educação Sexual nas escolas, no entanto, a Comissão de Moral e Civismo do Ministério da Educação e Cultura rejeitou o projeto, reflexo das repressões e do caráter conservador existente.

Já a década de 80, trouxe novos avanços em relação à Educação Sexual, como a abertura para debates e a consequente quebra de tabus. Devido ao grande número de gravidez precoce e o aparecimento da AIDS entre jovens, começa a preocupação dos educadores em estudar o tema, se proliferando iniciativas de implantação da Educação Sexual nas escolas, que primeiramente ocorreu nas instituições privadas, inclusive as de ensino religiosos e depois nas públicas.

As crianças e adolescentes estavam com dúvidas e recebendo informações distorcidas em decorrência desse histórico de reprimendas, mas a sexualidade está presente nos jovens e não há como negar que futuramente enfrentariam problemas. Daí a importância da escola no processo de transmitir conhecimentos.

Na década de 90, a busca de orientações pedagógicas, em relação a sexualidade, para que os alunos pudessem pensar, questionar e estabelecer juízos de valor foi significativa com o reconhecimento do MEC ( Ministério da Educação). Neste sentido, em 1997 o Ministério da Educação e do Desporto propõe os PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) para o ensino fundamental em todas as escolas do país, a fim de subsidiar os educadores, porém não se impondo como uma diretriz obrigatória, buscando “combater relações autoritárias, questionar a rigidez dos padrões de conduta estabelecidos para homens e mulheres e apontar para sua transformação”, incentivando, nas relações escolares, a “diversidade de comportamento de homens e mulheres”, a “relatividade das concepções tradicionalmente associadas ao feminino e ao masculino”, o “respeito pelo outro sexo” e pelas “variadas expressões do feminino e do masculino” (BRASIL, 1997, p. 144-146).

Para Werebe:

a educação sexual, num sentido amplo, processo global, não intencional, sempre existiu, em todas as civilizações, no decurso da história da humanidade, de maneira consciente ou não, com objetivos claros ou não, assumindo características variadas,segundo a época e as culturas (WEREBE, 1998, p. 139).

Certamente que a Constituição de 1988 ofereceu base para essa conquista de ampliação dos direitos de gênero no Brasil, dotados de significados não discriminadores, para construção da igualdade e mais especificamente que contribua para o desenvolvimento da pessoa e a formação da cidadania, conforme o Art. 205 da Constituição Federal:

Art. 205 A educação, direito de todas as pessoas e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1988)

Essa é um grande avanço para sociedade, pois o fato de estar garantido em lei significa que este direito humano a educação visando o pleno desenvolvimento da pessoa foi consagrado pelo Estado como um direito fundamental, relacionado à garantia da dignidade humana e à formação da cidadania.

3 A IMPORTÂNCIA DA ESCOLA PARA A ORIENTAÇÃO SEXUAL

O processo educativo começa desde o nascimento, ocorrendo no âmbito familiar, na comunidade, no trabalho, junto com os amigos, nas igrejas, etc. Contudo, o tema não deve ser tratado somente pela família, tendo em vista que ainda há outros tipos de influências como a mídia e a escola.

O ensinamento repassado pela família exerce um papel muito importante na educação sexual, é onde se transmite as primeiras noções de sexualidade através da observação das relações entre os pais, os valores incorporados nos gestos, proibições, recomendações. Neste sentido, Werebe afirma:

os pais educam mais pelo que fazem do que pelo que dizem. Eles constituem os primeiros modelos humanos, o primeiro modelo de 'casal' que a criança conhece, como homem e mulher, como marido e esposa e como pessoas sociais. É com ele que muito cedo se começa a aprender o que cada um destes papéis representa (WEREBE, 1998, p.148).

No entanto, a família ainda possui valores conservadores, tanto que tem muita dificuldade de falar abertamente sobre esse assunto em casa e ainda detêm práticas que problematizam a situação, como expulsar o filho que se revela homossexual. Já a mídia também mostra a sexualidade, nas novelas, revistas, entre outros meios, no entanto é mais dirigida ao público adulto e esquecem que as crianças também participam dessa relação, e com isso podem formar conceitos e construções errôneas sobre a realidade sexual.

Neste aspecto, a escola faz parte desse processo educativo e tem papel fundamental na construção de conhecimentos, comportamentos e habilidades essenciais, por estar sempre transmitindo valores. O enfoque da educação sexual no ambiente escolar esta na formação de pessoas, assim como para dar melhores condições para que a sociedade exerça sua cidadania, tanto na defesa como na promoção de outros direitos. Assim, “A escola está sendo, a instituição mais indicada pelas autoridades educacionais, pelos especialistas e pela sociedade em geral como sendo o campo fértil e ideal para se dar Orientação Sexual.” (RIBEIRO, 1990, p. 31).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional declara:

Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. (BRASIL, 1996).

E para alcançar o desenvolvimento pleno do indivíduo, faz-se necessário que a escola exerça seu papel de instituição educacional inserindo a orientação sexual a fim de capacitar a criança a lidar com a própria sexualidade. A escola é que detém meios pedagógicos necessários para o desenvolvimento humano e para minimizar problemas como o abuso sexual, o preconceito sexual, a gravidez na adolescência e a proliferação de doenças sexualmente transmissíveis, como a AIDS.

Conforme ainda preleciona Werebe:

uma autêntica educação sexual deve ter objetivos amplos: oferecer à criança e aos jovens a possibilidade de compreender as dimensões e a significação da sexualidade, de maneira a integrá-la positivamente na personalidade, a contribuir para que possam realizar projetos de vida pessoal e social como seres sexuados (WEREBE, 1998, p. 163)

E continua a autora dizendo que:

as crianças e adolescentes, que aprendem a viver a sexualidade de maneira positiva, com prazer e satisfação, integrando-a harmoniosamente na personalidade, a desenvolver comportamentos afetivos e sexuais responsáveis (respeitando a si mesmo e aos outros), saberão adotar as atitudes e condutas adequadas com relação à fecundidade, à proteção contra gravidezes indesejadas e contra as moléstias sexualmente transmissíveis (WEREBE, 1998, p. 171).

A Educação Sexual na escola não visa substituir a função da família e da mídia em instruir sobre sexualidade, mas de complementar esse conhecimento, de forma sistemática e não como um tema esporádico, mas em longo prazo respaldando-se sempre no desenvolvimento do respeito a si próprio e aos outros e reafirmando os princípios da igualdade, da dignidade da pessoa humana. “Em suma, pela mediação da escola, dá-se a passagem do saber espontâneo ao saber sistematizado, da cultura popular à cultura erudita.” (SAVIANI, 1992, p.29).

Dessa forma, o fundamental é desenvolver nas escolas uma conscientização de que a sexualidade é algo positivo e inerente dos seres humanos e a educação sexual é uma força estruturante no processo de evolução individual, fornecendo informações claras, objetivas e problematizando situações que contribuam para uma reflexão em adquirir responsabilidades.

4 CONCEPÇÃO DE EDUCAÇÃO SEXUAL E SUAS FINALIADES SUBJACENTES NOS PCN

Os PCN, ao tratar do tema Orientação Sexual, é um assunto de interesse público que deve ser analisado de forma intensa, porque tal análise pode trazer muitas contribuições, uma vez que este documento surgiu no intuito de abranger a complexidade das questões sociais, como o grave problema de gravidezes precoces, de doenças sexualmente transmissíveis, da inclusão, além da pretensão em ser um instrumento de mudança política, jurídica, cultural e social.

Com efeito, a concepção de educação sexual, no âmbito dos PCN, foi integrada na educação para saúde, objetivando promover a saúde física, psicológica e social. Prevendo desde logo a organização funcional da educação sexual nas escolas, sobretudo como um fator de favorecimento à aceitação positiva da própria identidade sexual e das vivências das relações interpessoais equilibradas e satisfatórias.

O trabalho de orientação sexual implica na valorização da sexualidade e da afetividade entre as pessoas no desenvolvimento individual, respeitando o pluralismo das concepções existentes na sociedade, no sentido de que a educação sexual é uma realidade recente no nosso país que emerge em um contexto de democracia, depois dos anos duros de ditadura militar, no cenário social e educacional. Além de contribuir para o desenvolvimento de competências nos jovens a fim de permitir escolhas informadas e seguras no campo da sexualidade; melhorando seus relacionamentos afetivos-sexuais, como transcrito abaixo:

o alto índice de gravidez indesejada na adolescência, abuso sexual e prostituição infantil, o crescimento da epidemia de AIDS, a discriminação salarial das mulheres no mercado de trabalho, são algumas das questões sociais que demandam posicionamento em favor de transformações que garantam a todos a dignidade e a qualidade de vida previstas pela Constituição brasileira. (BRASIL, 1997, p. 87)

Convêm destacar, que nessa perspectiva, os PCN's de Orientação Sexual nas escolas visam, ainda, a valorização de uma sexualidade responsável e informada, através de uma compreensão científica do funcionamento dos mecanismos biológicos reprodutivos, para uma redução de consequências negativas dos comportamentos sexuais de risco, tais como a gravidez não desejada, as infecções sexualmente transmissíveis e todas as formas de violência sexual, como a exploração e o abuso sexual. Já que a proposta posiciona-se “em relação às questões sociais e interpreta a tarefa educativa como uma intervenção na realidade no momento presente”. (CANDAU, 2000, p. 84).

De acordo com os PCN:

a rigor, pode-se trabalhar as relações de gênero em qualquer situação do convívio escolar. Elas se apresentam de forma nítida nas relações entre os alunos e nas brincadeiras diretamente ligadas à sexualidade. Também estão presentes nas demais brincadeiras, no modo de realizar as tarefas escolares, na organização do material de estudo, enfim, nos comportamentos diferenciados de meninos e meninas. Nessas situações, o professor, estando atento, pode intervir de modo a combater as discriminações e questionar os estereótipos associados ao gênero. Os momentos e as situações em que se faz necessária essa intervenção são os que implicam discriminação de um aluno em seu grupo, com apelidos jocosos e às vezes questionamento sobre sua sexualidade. O professor deve então sinalizar a rigidez das regras existentes nesse grupo que definem o que é ser menino ou menina, apontando para a imensa diversidade dos jeitos de ser. Também as situações de depreciação ou menosprezo por colegas do outro sexo demandam a intervenção do professor a fim de se trabalhar o respeito ao outro e às diferenças. (BRASIL, 1997, p. 99)

Assim, a vivência da Educação Sexual na escola deve abranger o respeito pelas diferenças entres as pessoas e pelas diferentes orientações sexuais na perspectiva de educação para a cidadania, promovendo de modo significativo a eliminação de comportamentos baseados na discriminação sexual ou na violência em função do sexo ou orientação sexual.

5 ORIENTAÇÕES PEDAGÓGICAS ESTABELECIDAS NOS PCN DE EDUCAÇÃO SEXUAL NAS ESCOLAS

Os PCN elencam uma série de orientações pedagógicas para dar efetividade ao seu propósito: Assegurar uma educação sexual em que escola deve informar, problematizar e debater os diferentes tabus, preconceitos, crenças e atitudes existentes na sociedade. Esta dedica um capítulo às orientações pedagógicas estabelecidas nos PCN, identificadas a seguir:

a) Linguagem: A abordagem da sexualidade no âmbito da educação precisa ser clara, para que seja tratada de forma simples e direta; ampla, para não reduzir sua complexidade; flexível, para permitir o atendimento a conteúdos e situações diversas; e sistemática, para possibilitar aprendizagem e desenvolvimento crescentes. Com relação à linguagem a ser utilizada para designar partes do corpo, o mais indicado é acolher a linguagem utilizada pelas crianças e apresentar as denominações correspondente adotadas pela ciência;

b) A construção e reconstrução de informações: Será por meio do diálogo e da reflexão, pautando-se sempre pelo respeito a si próprio e ao outro, para que dessa maneira o aluno consiga transformar, ou reafirmar, concepções e princípios, construindo de maneira significativa seu próprio código de valores;

c) Posicionamento do professor: Na relação professor-aluno o professor ocupa lugar de maior poder, constituindo-se em referência muito importante para o aluno, com isso faz-se necessário um maior distanciamento das opiniões e aspectos pessoais dos professores para empreender essa tarefa. Pois a emissão da opinião pessoal do professor na sala de aula pode ocupar o espaço dos questionamentos, incertezas e ambivalências necessários à construção da opinião do próprio aluno;

d) Material Didático: O educador pode utilizar diferentes materiais (didáticos, científicos, artísticos, etc.), analisando e comparando a abordagem dada ao corpo pela ciência e pela propaganda, por exemplo; discutindo e questionando o uso de um certo padrão estético veiculado pela mídia. Pode também incentivar a produção (coletiva e individual) das representações que as crianças têm sobre o corpo, por meio de desenhos, colagens, modelagem, dentre outros;

e) Conteúdos: O educador deve estar atento para a necessidade de repetir o mesmo conteúdo já abordado. As crianças vivem suas curiosidades e interesses na área da sexualidade em momentos próprios e diferentes umas das outras, ocorrendo muitas vezes estudo e a discussão de um tema com pouca apropriação desse conhecimento para algumas. A retomada é importante e deve ser feita sempre que as questões trazidas pelos alunos apontarem sua pertinência;

f) Alguns temas a serem trabalhados: as transformações do corpo do homem e da mulher nas diferentes fases da vida, dentro de uma perspectiva de corpo integrado, envolvendo emoções, sentimentos e sensações ligadas ao bem-estar e ao prazer do autocuidado; os mecanismos de concepção, gravidez e parto e a existência de métodos contraceptivos; as mudanças decorrentes da puberdade; o respeito ao próprio corpo e ao corpo do outro; o respeito aos colegas que apresentam desenvolvimento físico e emocional diferentes; o fortalecimento da auto-estima e a tranqüilidade na relação com a sexualidade.

Diante, pois, dessas orientações pedagógicas, percebe-se a articulação de valores humanos propostos pela Orientação Sexual no meio escolar, pois traz em seu texto várias diretrizes de efetivação dos direitos humanos, vinculando-se principalmente ao exercício da cidadania. Na medida em que, de um lado, se propõe a trabalhar o respeito por si e pelo outro, e, por outro lado, busca garantir direitos básicos a todos, como a saúde, a informação e o conhecimento, elementos fundamentais para a formação de cidadãos responsáveis e conscientes de suas capacidades.

6 A EDUCAÇÃO SEXUAL NO AMBIENTE ESCOLAR E OS VALORES HUMANOS: O COMBATE À HOMOFOBIA

Dentre os direitos fundamentais da criança e do adolescente está o direito a educação e é com base nesse direito que se insere o direito a educação sexual no ambiente escolar, para atender a formação integral do ser humano em que todos (as), a família, o Estado, a comunidade, são responsáveis pelo seu pleno desenvolvimento.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, das Nações Unidas afirma:

Art.26.§2º. A educação terá por finalidade o pleno desenvolvimento da personalidade humana e o fortalecimento do respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais; favorecerá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos étnicos ou religiosos; e promoverá o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz.

A trajetória dos Direitos Humanos inicia-se com as necessidades de cada época da sociedade, de forma gradual num processo histórico, com isso aos poucos as pessoas vão incorporando a necessidade desses direitos em diversos ambientes para se assegurar a dignidade da pessoa humana. “Educar em direitos humanos supõe considerar a vida cotidiana como referência permanente da ação educacional” (HORTA, 2000, p. 129).

Na escola, a preocupação essencial são com as disciplinas e conteúdos conceituais e racionais, no entanto deixam de lado a formação humana, a educação em valores sociais, principalmente de honestidade, disciplina, paz e justiça que estão tão deturpados ultimamente. É preciso que haja uma aproximação das funções intelectuais, afetivas, emocionais e corporais a partir do desenvolvimento da sensibilidade diante do respeito ao próximo e dos Direitos Humanos.

Ainda de acordo com Horta:

em muitas ocasiões, as situações relacionadas aos direitos humanos tornam-se conflituosas porque há diferentes interesses em jogo. Revelá- los, questioná- los, é uma tarefa importante que cabe à educação. Essa perspectiva problematizadora que surge quando se toma consciência da realidade e dos conflitos e contradições que nelas se evidenciam constitui o saber dos direitos humanos. Trazer à luz as contradições, analisar os elementos que as sustentam, analisar as consequências que têm – tanto no plano social como no individual – e, sobretudo, propor alternativas destinadas a gerar as mudanças que permitam superá-las é, sem dúvida, uma tarefa central da educação em direitos humanos. (HORTA, 2000, p. 133-134).

Através da inserção do tema educação sexual em ambiente escolar, se requer uma mudança de postura, é preciso que a questão passe a ser entendida e tratada a partir da cultura de direitos humanos, procurando assim, esclarecer todos e todas sobre a superação ao preconceito, a garantia da igualdade e do pleno desenvolvimento da personalidade humana. Tendo em vista que a escola é o espaço que o preconceito se reproduz tacitamente, mas é também onde se pode agir como instrumento de superação.

Vê-se logo a importância do Princípio da dignidade humana emanado da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, proclamado em seu Preâmbulo: “Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo [...]” e instituído na Constituição Federal de 1988 como um dos princípios fundamentais do Estado.

É sabido que a homofobia decorre da falta de informação e pela predominância de uma cultura heterossexual, que é considerada em nossa sociedade como única forma de relacionamento entre homens e mulheres. Nesse sentido, quanto mais pessoas se informarem sobre o assunto, mais a sociedade estará preparada para a compreensão de mensagens claras de cidadania e respeito, por meio de atitudes educativas necessárias, no sentido de se solicitar à defesa da igualdade de direitos e do respeito à diversidade sexual.

Ademais, o preconceito silencia, tenta tornar essas pessoas invisíveis, pois não se pode olvidar que são grupos ditos minoritários ou hipossuficientes e que, portanto, necessitam de uma proteção especial para atingir a igualdade, baseada em ideais de justiça.

Nesse contexto se insere o Princípio da Igualdade, que desde a Grécia Antiga, já dizia Aristóteles: “a verdadeira igualdade consiste em tratar desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam”, para que alcancem a igualdade real, em situação de consonância com os objetivos fundamentais estabelecidos na Constituição Federal, como a cidadania e a dignidade da pessoa humana, impondo a intervenção do Estado, voltada para erradicar a violência de gênero e promover a igualdade material entre todas as pessoas, tendo em vista que a sociedade é formada por múltiplas identidades: pluriétnicas, pluriculturais e multirraciais. Neste sentido, Louro afirma:

essas múltiplas identidades não podem, no entanto, ser percebidas como se fossem “camadas” que se sobrepõem umas às outras, como se o sujeito fosse se fazendo “somando-as” ou agregando-as. Em vez disso, é preciso notar que elas se interferem mutuamente, se articulam; podem ser contraditórias; provocam, enfim, diferentes “posições”. (LOURO, 1997, p.51).

A igualdade é um conceito político que supõe a diferença, pois não faz sentido reivindicar a igualdade para sujeitos que são idênticos, ou que são os mesmos. O que se almeja, é que estes sujeitos ditos minoritários e “diferentes”, por não compartilharem da cultura heterossexual, sejam considerados como equivalentes.

No entendimento de Candau:

a educação em direitos humanos já tem caminho construído no Brasil e em todo o Continente Latino- Americano. No momento atual, o desafio fundamental é avançar em sintonia com sua paixão fundante: seu compromisso histórico com uma mudança estrutural que viabilize uma sociedade inclusiva e a centralidade dos setores populares nessa busca. Essa opções constituíram – e acreditamos que continuam sendo – a fonte de sua energia ética e política. (CANDAU, 2000, p. 99)

O que foi possível constatar é que se faz necessário assegurar o direito à diversidade pautado em uma concepção de justiça social, igualdade, inclusão e respeito às diferenças, que visem à superação das desigualdades em uma perspectiva que articula a educação e os direitos humanos. Geralmente, através de práticas pedagógicas, planos de desenvolvimento institucional da educação púbica e privada, em articulação com os movimentos sociais, a fim de se efetivar a aplicação da educação sexual em meio escolar.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O momento histórico em que vivemos, no terceiro milênio, traz em seu bojo questões afetas ao reconhecimento, justiça social, igualdade, diversidade e inclusão que são colocadas na agenda social e política, na mídia, na esfera jurídica e, também, na política educacional. Embora tais questões sempre fizessem afetas ao desenvolvimento da própria educação brasileira, nem sempre elas foram reconhecidas pelo poder público como merecedoras de políticas, compreendidas como direito, ao qual se devem respostas públicas e democráticas.

As mudanças que hoje assistimos nesse cenário devem e, muito, à ação política dos movimentos sociais à luta dos/das trabalhadores/as em educação, que, aos poucos, conseguiram introduzir tais questões na agenda das políticas educacionais, transformando-as em leis, políticas e práticas, em diretrizes curriculares e em recursos financeiros, introduzindo-as gradativamente, na formação de profissionais da educação.

Contudo, pondera-se que os avanços não se dão da mesma maneira para todas as dimensões apontadas. Têm haver com a forma desigual como cada uma destas dimensões avançam na luta pela construção de uma escola democrática, sendo proporcional ao contexto de desigualdade presente na sua configuração no decorrer do processo histórico, político e cultural do nosso país.

Um Estado democrático de direito que tem como eixo a garantia da justiça social é aquele que reconhece o cidadão como sujeito de direitos, inserido em uma ordem política, econômica, social e cultural, colocando como horizonte da sua ação política a superação das desigualdades sociais, raciais e de gênero. Vê-se que no século XXI, no momento em que a luta pelo direito à diferença se consolida nos mais diversos campos, não cabe mais a neutralidade estatal.

Cabe então, ao poder público, principalmente pela via escolar, garantir a universalidade dos direitos, superando as desigualdades sociais. Entretanto, destaca-se que a superação precisa também incorporar a diversidade, o gênero, a raça, a etnia, a geração, e dentre estes a orientação sexual. Estas se configuram como políticas afirmativas que devem caminhar ao lado das políticas universais, modificando-as e tornando-as mais democráticas e multiculturais. Com isto, implementam-se mudanças nas relações de poder e no acesso aos direitos.

Assim posto, as ações afirmativas são políticas e práticas públicas e privadas que visam à correção de desigualdades e injustiças históricas face a determinados grupos sociais (mulheres/homens, população LGBT - lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais - negros/as, indígenas, pessoas com deficiência, etc). Configuram-se em políticas, urgentes, transitórias e passíveis de avaliação sistemática. Ao serem implementadas poderão ser extintas no futuro, desde que comprovada a superação da desigualdade original. Tendo em vista que elas implicam uma mudança cultural, pedagógica e política. Na educação, dizem respeito ao direito a acesso e permanência na instituição escolar aos grupos dela excluídos, em todos os níveis e modalidades de educação.

Dessa forma, analisar os PCN para Orientação Sexual nas escolas é refletir, de forma contextualizada, sobre conceitos como democracia, cidadania e participação social. A democracia que estamos vivenciando no Brasil ainda passa por muitos percalços. A exigência de uma orientação sexual no meio escolar de forma efetiva precisa ser desenvolvida a partir de uma cultura participativa da sociedade, em que seja exigida uma normatização para que se tenha uma obrigatoriedade nas escolas em se instruir sobre a sexualidade. Pois a participação da sociedade civil na esfera pública de forma institucionalizada, não é visando substituir o Estado, mas é para lutar que este cumpra seu dever: propiciar educação, saúde e demais serviços sociais com qualidade para todos.

REFERÊNCIAS

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