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Não incidência de ISS na comercialização de softwares

Não incidência de ISS na comercialização de softwares

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Artigo que traz a baila a discussão sobre a aplicabilidade do Imposto sobre serviços e produtos de qualquer natureza (ISS) no ato da comercialização de softwares e suas licenças de utilização quando da venda no mercado interno brasileiro.

1 – INTRODUÇÃO

Apesar da celeuma jurídica existente sobre a tributação incidente na comercialização de softwares e suas licenças de uso no Brasil, os tribunais vem aplicando, em vários casos, o ISS como substituto ao ICMS. Tal aplicabilidade tem ganhado força em razão das empresas preferirem a tributação pelo ISS em razão deste imposto ser menos oneroso que o ICMS.

Todavia, é defendido neste artigo o não cabimento do ISS na tributação de softwares, em razão deste não se enquadrar no conceito de serviço, não devendo, com as devidas vênias, a jurisprudência ou a Lei indicar produtos no rol de serviços abarcados pela legislação, sob de corroborarem com um ato inconstitucional.

2 – DA INCONSTITUCIONALIDADE DA TRIBUTAÇÃO DE ISS NA COMERCIALIZAÇÃO DE SOFTWARES E SUAS LICENÇAS DE UTILIZAÇÃO

O ISS, Imposto sobre serviços e produtos de qualquer natureza, foi criado pela Emenda Constitucional nº 18/65, cuja competência foi atribuída pelo texto constitucional aos municípios e Distrito Federal, cujo texto assim dispõe:

“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: [...] III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.”[1]

Nesta senda, o imposto é regido pela Lei Complementar No. 116/2003 e de acordo com seu art. 1º, o fato gerador do ISS é a prestação de serviços constante da lista taxativa trazida pela referida norma.

No rol de serviços abarcados pela norma considerados como fato gerador para incidência do tributo, encontramos no subitem 1.05 o “Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação”.

Cabe neste ponto, refletirmos sobre a constitucionalidade da referida norma. Isto porque, insta analisar, se caberia ao legislador a definição do que seria ou não um serviço, e se este poderia livremente incluir uma nova categoria de serviço ao rol existente na Lei Complementar No. 116/2003.

A Constituição Federal utilizou em seu art. 156, III, o termo “serviços de qualquer natureza”, para delimitar a competência do Município para instituição do ISS, o que implica que caberia a Lei Complementar a instituição do tributo, desde que respeitasse o limite imposto pela própria Carta Magna, que era a instituição sob serviços.

Por este motivo cabe o seguinte questionamento: O que seria um serviço?

Eduardo Sabbag conceitua serviço, para fins de incidência de ISS da seguinte maneira:

“O servic?o e? um bem intangi?vel, imaterial e incorpo?reo, que se traduz no trabalho ou atividade economicamente mensura?vel, a ser executado por uma pessoa com relac?a?o a? outra. A prestac?a?o do servic?o tributa?vel pelo ISS e? aquela in commercium, com um nego?cio juri?dico subjacente, detentor de conotac?a?o econo?mica – ate? porque a natureza incorpo?rea do servic?o na?o impede que sua prestac?a?o tenha conteu?do econo?mico.”[2]

Neste sentido, é importante ressaltar, que o principal aspecto do serviço para fins de aplicação do Direito Tributário, é a visualização de uma prestação de utilidade, de caráter econômico, de um indivíduo em relação a outro.

Destarte, apesar da delimitação de quais serviços seriam abarcados pelo ISS ter que ser feita necessariamente por Lei Complementar, esta não teria o condão de incidir o imposto sob algo que não seja um serviço, limitação esta que, como dito anteriormente, foi imposta pela própria Constituição Federal.

Neste diapasão, a doutrina tem entendido pela inconstitucionalidade de itens listados na Lei Complementar Nº 116/2003 que indicam a ocorrência de “serviços” que não o são propriamente, merecendo destaque o posicionamento da doutrinadora Regina Helena Costa:

“Relevante registrar que a Lista de servic?os anexa a? Lei Complementar n. 116, de 2003, contempla va?rios itens que, evidentemente, na?o constituem servic?os, tais como a cessa?o de direito de uso de marcas e de sinais de propaganda (item 3.02) e a locac?a?o, sublocac?a?o, arrendamento, direito de passagem ou permissa?o de uso, compartilhado ou na?o, de ferrovia, rodovia, postes, cabos, dutos e condutos de qualquer natureza (item 3.04), e cessa?o de andaimes, palcos, coberturas e outras estruturas de uso tempora?rio (item 3.05). Nesse aspecto, a lei em exame e? inconstitucional.”[3]

Na mesma linha de entendimento podemos considerar como inconstitucional o item 1.05 da Lei Complementar, haja vista que se trata de uma aplicação extensiva a um fato que nem sequer constitui um serviço.

Analisando o serviço como algo intangível, imaterial e incorpóreo, tal definição não se aplica as Licenças de Utilização de Softwares, que podem ser mensuradas, inclusive materializadas por meio de números, senhas documentos, chaves eletrônicas constituídas de codificação binária, existente em mídias diversas, digitais ou não.

Ademais, sobre o aspecto do prestador e do favorecido pela prestação, se existisse algum serviço prestado com relação à disponibilização de licença, o que se cogita apenas por amor ao debate, o serviço prestado seria a própria fruição da utilidade provida pelo Software, ocorrendo que in casu, o prestador de serviço seria o próprio Software e não quem emitiu a licença ou quem produziu o produto. Incabível seria a cogitação de prestação de serviço por um produto, sendo que o próprio conceito de serviço remete à prestação de serviço de uma pessoa a outrem mediante auferição de pecúnia.

N’outro vértice cabe ressaltar, que conforme esclarecido no artigo “Não incidência de ICMS sobre a comercialização de softwares”[4], o Software se confunde com sua Licença de Utilização, sendo que é uma tendência hodierna a disponibilização gratuita do Software com a comercialização apenas de suas Licenças, em razão da maior flexibilidade na aplicação das rotinas de segurança.

Por tal motivo, em relação da tendência de mercado, de abolição da comercialização de Software como produtos encaixotados em prateleiras ou disponibilização destes pelos diversos meios de acesso pela internet, teríamos com o efeito, a aplicação quase que constante de ISS nas relações de comercialização de Softwares, sendo que estes são nitidamente produtos disponíveis no comercio, não se adequando ao conceito de serviço.

Apesar da inclusão de Programas de Computador como serviço pela Lei Complementar Nº 116/2003 em seu item 1.05, insta abordar que a elaboração de programas de computadores, inclusive jogos eletrônicos, conforme mencionado no item 1.04 da mesma Lei, pode ser enquadrada perfeitamente no conceito de prestação de serviços, desde que o objeto da tributação não seja o Produto desenvolvido e sim o serviço de desenvolvimento prestado, que pode ser desempenhado tanto por pessoas físicas quanto por pessoas jurídicas.

Todavia, em razão à Licença de Uso de Software ser apenas um meio que possibilita zelar pela segurança do próprio produto, esta integra o próprio sistema, não havendo o que se falar em tributação do “Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação” como disposto na Lei Complementar que regulamenta o ISS.

Além do mais, caso existisse alguma diferença entre a Licença de Utilização do Software e o Software em si, como leva a crer a norma, nada impediria que incidisse no ato da venda do Software o ICMS e na venda da Licença de utilização do mesmo Software incidisse o ISS, o que não encontra plausibilidade.

N’outro espeque, cabe salientar que a guerra fiscal existente com relação à aplicabilidade do ICMS ou do ISS no judiciário tem várias frentes.

Em um primeiro plano vislumbra-se a divergência de interesse entre os entes da federação, pois, caso os Programas de Computação fossem tributados pelo ICMS, o sujeito ativo do tributo seriam os estados, enquanto em caso o tributo aplicado no ato da comercialização do Software fosse o ISS, quem arrecadaria o tributo seriam os municípios.

Outro agente impulsionador de controvérsia a esse respeito é o próprio fabricante de Software que prefere a incidência de ISS, cuja alíquota máxima é de 5%, enquanto a do ICMS varia em torno dos 18% dependendo estado em que foi instituído.

Entretanto, a outra conclusão não se chega, senão a de que o item 1.05 da Lei Complementar No. 116/2003 é inconstitucional, não devendo incidir a tributação de ISS sob a comercialização de Softwares e tão menos sob suas Licenças de Utilização, em razão da inaplicabilidade do conceito de serviço in casu.

3 – referências

[1] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Art. 156.

[2] SABBAG, E. Manual de Direito Tributário: Edição Atualizada. 4.ed. São Paulo : Saraiva, 2012. 1024p

[3] COSTA, R.H. Curso de Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. 2.ed. São Paulo : Saraiva, 2012. 395p.

[4] BRASIL. Ulisses Neto Advocacia: Não incidência de ICMS sobre a comercialização de softwares. Disponível em: <http://ulissesnetoadv.com.br/nao-incidencia-de-icms-sobre-a-comercializacao-de-softwares>. Acesso em: 22 abr. 2014.



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