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Breve panorama dos contratos no setor de petróleo

Breve panorama dos contratos no setor de petróleo

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"O domínio do homem sobre a natureza, a paz e a guerra, a prosperidade e a ruína das nações, os sonhos e as desilusões, as conquistas do progresso, enfim, toda a marcha da humanidade pode ser acompanhada pelo intérmino roteiro das minas e através do fascinante calendário do subsolo: ouro, prata, petróleo, diamante, ferro, carvão, cobre..."

Attílio Vivacqua ("A Nova Política do Subsolo", 1942)


I.INTRODUÇÃO

Inúmeros registros históricos e arqueológicos demonstram que o petróleo já era conhecido na Antigüidade, ainda que sob forma rudimentar. Segundo alguns desses relatos, os egípcios utilizavam o betume, já no ano 5.000 a.C., para preservar os corpos dos faraós e protegê-los contra os deuses do mal. O Velho Testamento conta que as arcas de Noé e de Moisés foram calafetadas com o betume do Mar Morto e vários registros científicos atestam que esse mesmo elemento era, igualmente, utilizado na Mesopotâmia, no ano 3.000 a.C., como material de construção. Em Jerusalém, o betume foi introduzido oficialmente para iluminar os altares e é certo que, no início da era cristã, o petróleo foi destilado, pela primeira vez, em Alexandria, embora os persas e os árabes já conhecessem um processo básico de destilação, em frações mais leves, para fins de uso militar.

Assim, o petróleo tem acompanhado a trajetória da Humanidade (e vice-versa), desde os primórdios da civilização, trazendo consigo progresso e conforto, mas provocando, paralelamente, muitas lutas e desavenças entre as nações, quase sempre decididas pela força das armas. A longa batalha pelo domínio das riquezas naturais marcou o início de uma nova ordem jurídica internacional, que encontra na legislação do petróleo uma das suas mais relevantes manifestações.

Dentro do variado e imenso quadro das realidades econômicas, políticas e militares surgidas dos grandes conflitos entre as nações, a fome de recursos minerais - em especial, de petróleo - destaca-se como o mais importante fator das transformações operadas no direito de propriedade, dentre as quais desponta o novo regime de domínio e de aproveitamento das jazidas minerais introduzido, nos últimos séculos, na legislação da maioria dos países.

O óleo, os gases e os depósitos minerais caminham e se distribuem através das fraturas geológicas, obedecendo à força da gravidade e da capilaridade, razão pela qual essas substâncias, fugitivas e errantes por natureza, podem aparecer em lotes distantes da situação da jazida. Quando se constatou que os direitos de propriedade eram desprezados pela natureza no interior da terra, surgiu, então, a necessidade de introduzir o dualismo jurídico das duas propriedades – a do solo e a do subsolo – para permitir a exploração dos recursos minerais sem interferência do proprietário da superfície.

Essa dicotomia assumiu uma sistematização científica a partir do famoso Código Mineiro de Napoleão, em 1810 ("Les mines sont des proprietés nouvelles", declarou Napoleão perante o Conselho de Estado, na memorável discussão do Código).

Hoje, o direito de usar, gozar e dispor dos recursos minerais reveste-se de caráter eminentemente nacional, no sentido de representar um privilégio dos cidadãos do respectivo país. Por outro lado, a existência dessa propriedade é condicionada ao meneio regular e à lavra eficiente da jazida, ou seja, o domínio é mantido pelo trabalho, sendo, por isso mesmo, resolúvel (dominium ad laborandum).

O caráter fundamental da propriedade privada é a subordinação da riqueza ao interesse exclusivo de uma única pessoa (ratione personae), enquanto a propriedade mineral caracteriza-se, ao contrário, pela vinculação da riqueza ao interesse comum (ratione materiae).

Por tudo isso, conforme lembra Attílio Vivacqua[1], a marcha da humanidade pode ser acompanhada pelo roteiro das minas, representando os contratos, em especial, um capítulo relevante na história da luta das nações pelo domínio e pelo aproveitamento eficiente dos seus recursos naturais.


II.OS CONTRATOS TRADICIONAIS

Para entender a evolução dos contratos e o seu significado na indústria do petróleo, é necessário fazer uma breve retrospectiva dos instrumentos contratuais mundialmente utilizados nas últimas décadas.

Em resumo, pode-se dizer que há dois tipos básicos de contratos: os tradicionais (concessão) e os modernos (diversos). A história mais recente dos contratos de petróleo começa, de fato, com a famosa concessão outorgada pela antiga Pérsia (atual Irã), em 1920, ao cidadão inglês William Knox D’Arcy, que ficou conhecida no setor como a "Concessão D’Arcy".

Esse contrato abriu a era das concessões, em que esse tipo de contrato se multiplicou rapidamente, por todo o mundo, entre os países produtores e as companhias internacionais de petróleo. Ao final dessa década, a exploração do petróleo no Oriente Médio, no Norte da África, no Leste Europeu e na América Latina era principalmente conduzida por empresas inglesas, americanas e holandesas, sob a égide dos contratuais de concessão. Em determinado momento, esse tipo de contrato dominava o cenário petrolífero em 122 países ao redor do mundo[2].

Não havia uma forma totalmente padronizada nos primeiros contratos de concessão, que variavam de país para país; mas todos seguiam um modelo básico, que incorporava termos e condições muito semelhantes entre si.

Nessa fase, as cláusulas normalmente encontradas nos instrumentos contratuais estabeleciam, essencialmente, o seguinte[3]:

a)amplas áreas de concessão, sem direito de desistência, de parte a parte;

b)longa duração do contrato, sem possibilidade de revisão;

c)direitos exclusivos sobre todas as operações referentes ao petróleo extraído na área concedida (alguns contratos previam, inclusive, direitos sobre as operações de downstream);

d)direito de propriedade sobre as reservas de petróleo em favor das companhias petrolíferas estrangeiras;

e)isenção de todos os impostos e taxas aduaneiras;

f)o pagamento de um reduzido valor de royalty sobre o volume total de petróleo produzido;

g)transferência para o governo local da área concedida e dos equipamentos remanescentes ao final da concessão;

h)fixação arbitrária e unilateral do preço do petróleo extraído, sem qualquer participação do governo local;

O fato é que, durante toda a primeira metade do século XIX, os contratos tradicionais de concessão prevaleceram como um instrumento básico para disciplinar as relações entre os governos dos países hospedeiros e as companhias de petróleo, embora não houvessem cumprido o seu objetivo principal: o de trazer benefícios mútuos, estabelecendo um equilíbrio estável entre as partes interessadas.

Nesse período, alguns fatos relevantes, ocorridos nos Estados Unidos, vieram modificar o panorama mundial da indústria do petróleo. Em 1890, durante o governo de Benjamin Harrison, o Congresso americano aprovou a primeira lei antitruste, o conhecido Sherman Act. Com base nesse ato, a Suprema Corte do Estado de Ohio declarou ilegal o truste da Standard Oil, de John Rockfeller. Em 1907, no governo de Theodore Roosevelt, o Tribunal de Chicago registrava mais de 1.460 acusações contra aquele famoso truste, que foi condenado, pelo Juiz Kenesaw M. Landis, a pagar uma multa de vinte e nove milhões de dólares. Em 1909, agora no governo de William Taft, a Standard Oil, acusada, mais uma vez, de cercear a livre iniciativa, decidiu apelar para a Suprema Corte dos Estados Unidos. Mas, surpreendentemente, em 15 de maio de 1911, aquela alta corte pronunciou uma sentença que teria repercussão internacional: exigiu a dissolução da Standard Oil, que, naquela época, controlava 115 empresas, as quais, por sua vez, mantinham o controle de outras 53 companhias em diversos países[4].

Por seu turno, os governos dos países produtores, cada vez mais descontentes com esses arranjos unilaterais e injustos, resolveram adotar medidas concretas para mudar esse cenário. Assim, a segunda metade do século XIX testemunhou o franco declínio dos contratos tradicionais de concessão e o nascimento de novos ajustes contratuais nos setores de petróleo e de mineração. No final dos anos 70, esses novos instrumentos já haviam destronado os vetustos contratos de concessão.


III.OS MODERNOS CONTRATOS DE PETRÓLEO

Nas últimas décadas, um grande número de inovações foi incorporado aos contratos de petróleo, os quais podem ser, atualmente, classificados em, pelo menos, cinco categorias, de conformidade com o tipo de relação contratual que disciplinam[5]:

a)as concessões modernas (risco integral do concessionário, que terá, todavia, a propriedade do petróleo explorado);

b)os contratos de joint venture (risco do concessionário, que possui o direito de dividir a gerência e os lucros do projeto);

c)os chamados production-sharing contracts (PSC)(risco integral do concessionário, que tem o direito de dividir a produção do petróleo);

d)os contratos de serviço ou risk-service agreements (com ou sem risco para o concessionário, que não possui qualquer título sobre o petróleo extraído);

e)os contratos híbridos ou compostos (combinações diversas das modalidades acima indicadas, ou seja, risco do concessionário com várias possibilidades de participação no gerenciamento do projeto e na divisão dos lucros).

Embora não existam modelos padronizados desses contratos, que podem, inclusive, adotar algumas características dos demais, algumas cláusulas essenciais passaram a ser regularmente incorporadas a esses instrumentos, a partir de 1960:

f)a que estabelece a propriedade do Estado hospedeiro sobre as jazidas minerais em geral e o seu direito exclusivo de explorá-las[6]. Nesse caso, as companhias de petróleo assumem o risco integral do empreendimento e os custos dele decorrentes, recebendo, em contrapartida, um retorno em espécie ou o direito de propriedade sobre o petróleo extraído;

g)a que estabelece uma participação efetiva do Estado na gerência e no controle dos projetos a cargo das empresas de petróleo. Atualmente, por força do processo de privatização e de desregulamentação, essa última cláusula tem sido preterida em favor de uma solução mais eqüitativa para as partes interessadas: a divisão dos lucros ou da produção entre o Estado e a companhia de petróleo.

Entretanto, um dos modelos ainda hoje preferidos pela maioria dos países produtores tem sido o PSC – Production-Sharing Contract, na medida em que oferece uma razoável participação para as partes envolvidas, tanto na gerência do projeto como na divisão final do produto do empreendimento.

Em 1948, a Venezuela deu o primeiro passo na direção de um novo modelo de PSC, estabelecendo o princípio de uma participação igualitária (50/50) do Estado e da companhia de petróleo nos resultados do projeto. A Arábia Saudita seguiu o mesmo caminho, celebrando, em 1950, o primeiro contrato do tipo 50/50 de que se tem notícia no Oriente Médio. Todavia, na medida em que as relações comerciais e os institutos jurídicos evoluem, novas alterações vêm sendo introduzidas, pouco a pouco, nos modernos contratos de petróleo.

Na sua essência, os modelos tradicionais eram estáticos e imutáveis, sem possibilidade de qualquer revisão, a despeito dos seus longos períodos de duração. A chamada "cláusula de estabilização" congelava as leis locais, no que tange ao contrato de concessão, e impedia qualquer flexibilidade negocial por parte do país hospedeiro.

O cenário hoje é inverso. Com o advento dos novos contratos de petróleo, a partir de 1960, a margem de negociação entre as partes interessadas tornou-se mínima ou quase nula, principalmente em face dos processos de licitação hoje praticados pela maioria dos países. Uma possibilidade de mútuo entendimento entre os Estados e as companhias de petróleo reside, ainda, nos termos e condições pertinentes ao programa exploratório da jazida e ao volume de recursos financeiros a serem aplicados no empreendimento. Porém, todas as demais cláusulas contratuais pré-determinadas pelos Estados são, em geral, totalmente inegociáveis. Esse regime contratual funciona, portanto, na base do take it or leave it.

Entretanto, registre-se que as cláusulas e condições desses novos contratos são periodicamente revistas e adaptadas às novas circunstâncias do contexto econômico mundial e às do próprio setor de petróleo, uma vez que não seria admissível, na atual realidade, que tais contratos fossem vistos e interpretados como instrumentos estáticos, não passíveis de qualquer alteração. As modificações nos textos contratuais são, em geral, realizadas sempre que ocorre um novo processo licitatório (round); porém, muitos regimes legais, inclusive o do Brasil, admitem que, mesmo durante a vigência desses contratos, algumas alterações possam ser introduzidas no texto primitivo, veiculado no respectivo edital de licitação, desde que tais aditamentos não acarretem qualquer dano ou prejuízo aos interesses dos licitantes vencidos. No caso brasileiro, anote-se que, por força da Constituição Federal, esse mesmo princípio (tratamento isonômico dos licitantes) deve presidir, inclusive, as modificações contratuais determinadas pelo Poder Concedente a cada novo certame licitatório.

Assim, uma das principais características dos modernos contratos de petróleo é a estreita margem de negociações entre os países hospedeiros e as companhias de petróleo, no que diz respeito ao escopo básico dos contratos; mas, por outro lado, dada a natureza dinâmica desses instrumentos e da própria indústria petrolífera, reconhece-se a possibilidade de alguns ajustes posteriores entre as partes contratantes, no que tange às condições não essenciais desses contratos.

Em resumo, pode-se dizer que o cenário mundial do setor de petróleo reflete hoje uma presença equilibrada entre os modernos contratos de concessão, com as novas alterações recentemente introduzidas, e os contratos de parceria na produção (production-sharing). Ao mesmo tempo, muitos contratos de risco (risk-service agreements) ainda são produzidos e executados em diversos países. Porém, os contratos de petróleo, independentemente do modelo ou do título adotado, apresentam as mesmas disposições básicas, tendo em comum cerca de 80% de termos ou bastante semelhantes[7].

O fato é que os contratos contemporâneos em geral são passíveis de variações, a fim de que possam ser ajustados às constantes flutuações e incertezas da indústria do petróleo em todo o mundo.


IV.A EVOLUÇÃO DOS CONTRATOS NO BRASIL

Ao contrário da maioria dos países, o Brasil nunca teve uma extensa relação contratual com as companhias petrolíferas internacionais. A experiência contratual brasileira, na área de petróleo, pode ser assim resumida:

a)O Período de Concessão (anterior a 1938)

As primeiras concessões de petróleo foram outorgadas, no Brasil, em 1864, por períodos de duração de 90 anos. O Decreto Imperial nº 3.352-A concedeu ao cidadão inglês Thomas Denny Sargeant o direito de extrair turfa, petróleo, ferro, cobre e quaisquer outros minerais, nas Comarcas de Camamu e Ilhéus, na Província da Bahia. Em 30 de novembro de 1869, o Governo do Império outorgou ao inglês Edward Pellew Wilson o direito de explorar, por 30 anos, carvão de pedra, turfa, petróleo e outros minerais nas margens do Rio Maraú. No ano seguinte, pelo Decreto nº 4.457, o prazo de exploração seria elevado para 90 anos. Já no início do século vinte, os Estados do Amazonas e de São Paulo outorgaram concessões a empresas estrangeiras para a exploração de petróleo nos seus respectivos territórios, mas os resultados das pesquisas foram negativos[8].

b) A Fase do Monopólio Estatal

A cultura instituída com a campanha do "Petróleo é Nosso" dominou o cenário brasileiro até os anos recentes. Fazendo um jogo de palavras com esse conhecido slogan, David Zylbersztajn, na cerimônia da sua posse como Diretor-Geral da ANP - Agência Nacional do Petróleo, realizada em Brasília, em janeiro de 1998, procurou indicar qual seria a nova política governamental para o setor petrolífero, dizendo naquela ocasião: "Agora o petróleo é vosso!" Com o advento da Emenda Constitucional nº 9, em novembro de 1995, o País passou a viver uma experiência totalmente nova no setor de petróleo.

c) O Período dos Contratos de Risco

Uma tentativa de atrair investimentos estrangeiros para o setor de petróleo foi realizada durante o período do regime militar implantado no Brasil, em 1964, por intermédio dos chamados contratos de risco. Com base nesses contratos, o concessionário assumia todos os riscos do empreendimento, sendo reembolsado, sem juros, dos custos da exploração e do desenvolvimento dos campos pesquisados e tendo, ainda, o direito de adquirir uma certa quantidade do petróleo ou do gás descoberto, a preços internacionais, até o limite máximo correspondente ao valor da sua remuneração. Não havia o pagamento de royalties e os impostos brasileiros não podiam ultrapassar uma taxa de 25%, calculada sobre a remuneração do concessionário. Todavia, os contratos de risco não surtiram os efeitos esperados e terminaram banidos pela nova Constituição votada, em 1988, pela Assembléia Constituinte.

d) O Novo Período de Concessão (após 1988)

A Constituição Federal de 1988 estabelece, nos seus arts. 176 e 177, as diretrizes e os princípios básicos que disciplinam a exploração dos recursos minerais em todo o território brasileiro.

Merecem aqui destaque alguns desses princípios:

1) o art. 176, caput, determina que "as jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais (...) constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra." (grifamos);

2) o parágrafo único desse mesmo artigo determina que "a pesquisa e a lavra de recursos minerais (...) somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País (...)" (grifamos)

3) por seu turno, o art 177 estabelece, especificamente, o monopólio da União sobre as seguintes atividades: a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural; a refinação; a importação e a exportação dos produtos e derivados básicos de petróleo; o transporte do petróleo bruto e de seus derivados. Por seu turno, o § 1º desse mesmo dispositivo autoriza a União a contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades acima referidas, na forma da lei[9], cujo conteúdo básico está definido no § 2º desse mesmo dispositivo. Dentre as regras obrigatórias que a citada lei deve conter destacamos: as condições de contratação; e a estrutura e as atribuições do órgão regulador do monopólio da União.

Assim, o art. 176 estabelece as diretrizes básicas para a pesquisa e a lavra dos recursos minerais lato sensu, enquanto o art. 177 fixa, como regra especial, o monopólio da União sobre todas as atividades relativas ao setor de petróleo, permitindo, contudo, que a União possa contratar tais atividades com empresas estatais ou privadas.

Não estaria, portanto, completo o regime jurídico organizado pelo legislador constitucional para a exploração e o aproveitamento de recursos minerais (lato sensu) se desconsiderados os demais princípios estatuídos no art. 176 e seus parágrafos, igualmente aplicáveis ao setor de petróleo, em harmonia com as normas fixadas no art. 177[10].

Vale destacar tais princípios (art. 176 e seus §§):

- a propriedade do solo é distinta da do subsolo.

- As jazidas e demais recursos minerais pertencem à União (ver também o art. 20, inciso IX, da Constituição Federal).

- A exploração e o aproveitamento de recursos minerais somente poderão efetuados mediante autorização[11] ou concessão da União, no interesse nacional, por empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sede e administração no País.

- É assegurada ao proprietário do solo uma participação nos resultados da lavra, na forma e no valor estabelecidos em lei.

- As concessões não podem ser cedidas ou transferidas sem prévia anuência do poder concedente.


V. OS CONTRATOS DE COOPERAÇÃO

Desde os seus primeiros dias, a indústria do petróleo assistiu à organização de inúmeros tipos de joint ventures, por razões de ordem econômica e financeira, que podem ser assim resumidas:

a)levantar capital suficiente para o empreendimento;

b)repartir os riscos inerentes à exploração e à produção de petróleo, permitindo que cada parte interessada possa, igualmente, participar de outros empreendimentos (ventures);

c)obter a tecnologia mais adequada para o projeto;

d) permitir que companhias possuidoras de infra-estrutura e instalações para realização de atividades de downstream possam garantir um suprimento cativo ou quantidades adicionais de óleo bruto, por meio de aquisições ajustadas diretamente com as companhias exploradoras.

O objetivo dos contratos conhecidos internacionalmente como JOA’s – Joint Operation Agreements é o de fixar as regras e condições básicas que irão disciplinar a realização conjunta, pelas partes associadas numa joint venture, das atividades de exploração, de desenvolvimento e de produção de petróleo numa determinada área. São, portanto, instrumentos contratuais celebrados com a finalidade básica de repartir os riscos e os resultados do empreendimento entre as partes associadas.

As companhias podem organizar uma nova empresa (incorporated joint venture) ou podem atuar sob a forma de uma associação "não-incorporada" (non-incorporated joint venture), ajustando, ainda, nos JOA’s os termos e condições aplicáveis às atividades conjuntas de exploração e produção (contribuição técnica e financeira de cada parte, participação individual nos lucros, direito de receber a sua quota-parte no petróleo extraído, etc.). As operações, no entanto, devem ser conduzidas por uma das companhias associadas, designada como Operadora, ou pela própria empresa incorporada[12].

As partes interessadas estabelecem, igualmente, nos JOA’s um comitê de gerenciamento, que fica responsável pela supervisão das atividades a cargo de cada uma. Cabe a esse comitê a política geral do empreendimento, a aprovação e a revisão das atividades operacionais e a fixação dos orçamentos anuais, entre outras tarefas igualmente relevantes.

Cada empresa associada numa joint venture possui uma parte indivisa da concessão, que é, normalmente, proporcional à sua contribuição no empreendimento, podendo, no entanto, ceder e transferir a terceiros essa participação, a qualquer momento, mediante aviso prévio às demais associadas com uma razoável antecedência (em geral, de alguns meses). Entretanto, como regra geral, nenhuma das partes poderá retirar-se do empreendimento enquanto não atendidos o programa mínimo exploratório e outros compromissos específicos estabelecidos no contrato[13]. Registre-se, por oportuno, que, no Brasil, nos termos da Lei do Petróleo (art. 29), o cessionário deverá atender aos requisitos técnicos, econômicos e jurídicos estabelecidos pela Agência Nacional do Petróleo.

No próximo item, examinaremos a forma pela qual as empresas interessadas podem ceder e transferir, ou adquirir, uma participação numa joint venture e no respectivo JOA.


VI.OS CONTRATOS DE FARM-IN/FARM-OUT

Os contratos conhecidos como farm-in/farm-out são, na realidade, instrumentos de cessão e transferência de direitos de participação numa joint venture ou num contrato de prestação de serviços. Esses instrumentos estabelecem os termos e as condições para a retirada de uma das partes associadas (farmoutee) e para a entrada de um novo parceiro (farminee), que assumirá os mesmos direitos e obrigações da empresa que se retira ou aqueles que venham a ser acordados entre as partes interessadas. Se a companhia cedente for parte de um JOA, a cessionária assumirá, também, a posição da cedente naquele contrato.

As cláusulas essenciais dos contratos de farm-in/farm-out são, em geral, as seguintes:

a)identificação do ato de concessão ou do contrato de serviço cedido, com garantias quanto à sua validade;

b)identificação da parte a ser adquirida pela cessionária e o prazo para essa aquisição;

c)valor da compensação e do prêmio a serem pagos pelo farminee;

d)fixação (ou revisão) das regras pertinentes à forma de cooperação entre as partes associadas na joint venture ou integrantes do contrato de prestação de serviços;

e)opção conferida às partes primitivas para cancelarem a cessão e restaurarem a situação original do contrato, na hipótese de ocorrência de certos eventos específicos.

Esse tipo de contrato é, normalmente, celebrado entre companhias de petróleo em virtude da própria natureza das atividades em questão, já que apenas estas possuem condições técnicas, econômicas e jurídicas adequadas para levar o empreendimento a bom termo. Muitas vezes, esses contratos resultam do fato de as partes perceberem, em determinado momento do projeto, que o cessionário possui melhores condições técnicas e maior experiência do que o cedente. Em certos momentos, a capacidade técnica do cessionário é vista como um fator mais importante do que o aspecto financeiro do empreendimento, o que leva, então, as partes interessadas a provocarem as mudanças necessárias na relação contratual.


VII.OS CONTRATOS DE UNITIZAÇÃO

Não raras vezes, um depósito de petróleo extrapola os limites fixados no ato de concessão, estendendo-se pelas áreas vizinhas. Nesse caso, os concessionários confrontantes devem assumir, em conjunto, o desenvolvimento e a produção desse depósito, de acordo com os termos e condições ajustados entre os mesmos para a realização de um empreendimento unitário. Sem essa forma de cooperação, o concessionário ou o prestador de serviços seria compelido a realizar perfurações em locais próximos aos limites das áreas confrontantes, prejudicando, desse modo, os interesses do concessionário vizinho, que poderia perder boa parte das suas reservas. Tal procedimento, além de predatório, representaria um elevado gasto de capital.

Assim, a única forma de evitar esse possível conflito entre os concessionários confrontantes e de preservar a racionalização e o uso eficiente do depósito consiste na celebração dos chamados contratos de unitização, que prevêem as regras fundamentais, de caráter técnico, econômico e financeiro, desse empreendimento conjunto.


VIII. CONCLUSÕES

Não cabendo no âmbito deste trabalho um exame mais detalhado de cada um dos contratos acima mencionados, nossa intenção foi a de oferecer àqueles que começam a dedicar-se ao fascinante mundo do petróleo algumas noções básicas a respeito dos principais instrumentos que regem as complexas relações entre os Estados produtores e os demais agentes da indústria petrolífera.

Deve, finalmente, ser observado que a forma e o conteúdo desses contratos tornam-se cada vez menos importantes na medida em que os investidores encontram o suporte jurídico e político necessários para desenvolver as suas atividades e obter os resultados esperados, com segurança, sob qualquer modelo contratual adotado.

De fato, as companhias de petróleo estão cada vez menos interessadas na forma conceitual ou nas etiquetas dos contratos, mas esperam, isso sim, que os governos dos países produtores procurem refinar continuamente as cláusulas e as condições básicas dos instrumentos contratuais que venham a adotar, a fim de que sejam efetivamente garantidos os legítimos interesses de todas as partes envolvidas.

O Brasil possui todas as condições necessárias para atrair investimentos cada vez maiores para o seu setor de petróleo, trazendo, assim, para o País a tão sonhada auto-suficiência de precioso produto. Tudo dependerá, entretanto, do esforço de cada um nessa grande empreitada, na qual os advogados especializados desempenham um valioso e importante papel.


NOTAS

1.In "A Nova Política do Subsolo e o Regime Legal das Minas", Edit. Panamericana, 1942.

2.G. Barrows, in "A Survey of Incentives in Recent Petroleum Agreements", Edit. Graham and Trotman, London, 1988.

3.Zhiguo Gao, Professor do Centro Jurídico de Petróleo e Mineração, da Universidade de Dundee, na Escócia, em palestra intitulada "Current Development of World Petroleum Exploration Contracts", apresentada no Congresso Internacional de Petróleo e Mineração, patrocinado pelo IBRAM - Instituto Brasileiro de Mineração (Brasília, Outubro de 1996).

4.Mário Victor, in "A Batalha do Petróleo Brasileiro", Ed. Civilização Brasileira, 1991.

5.Zhiguo Gao, na palestra citada.

6.A domínio dos Estados sobre os seus recursos naturais recebeu o apoio integral das Nações Unidas, manifestado em diversas Resoluções da Assembléia Geral. Em 21.12.52, aquele organismo estabeleceu que "O direito dos povos de usar e explorar livremente os seus recursos e riquezas naturais é inerente à sua soberania." (Resolução nº 626). Em 14.12.62, a Assembléia Geral aprovou a Resolução nº 1.803, cujo título é "A Soberania Permanente dos Estados sobre os seus Recursos Naturais". Esse ato, além de reafirmar a soberania dos povos e das nações sobre os recursos e riquezas naturais existentes em seus respectivos territórios, declara, ainda, que a exploração dos mesmos deve ser realizada "no interesse do desenvolvimento nacional e do bem estar do povo." Essas Resoluções foram renovadas e ratificadas em 1966 (Res. nº 2.158) e em 1974 (Res. nº 3.281).

7.Blin, Duval, Le Leuch e Pertuzio in "International Petroleum Exploration & Exploitation Agreements", Edit. Barrows, New York, USA, 1986.

8.Mário Victor, na obra citada.

9.A Lei nº 9.478, de 06.08.97 ("Lei do Petróleo") disciplina as atividades relativas ao monopólio do petróleo.

10.Leciona o Prof. Carlos Ari Sünfeld, em artigo na coletânea por ele coordenada, "Direito Administrativo Econômico", Malheiros Editores, 2000, que os princípios constitucionais abrigam um valor, sem descrever a hipótese e a conseqüência (sanção), tal como o fazem as normas infra-constitucionais. Assim, havendo um aparente conflito entre tais princípios, devem eles ser aplicados conforme o peso de cada um, sem exclusão dos demais, que compõem com os primeiros um universo sistêmico.

11.Muitos ilustres juristas entendem que o legislador constitucional não utilizou aqui o vocábulo "autorização" de forma técnica, na sua verdadeira acepção jurídica. De fato, não cabe a autorização, como ato precário, para permitir o aproveitamento de recursos minerais, prestando-se esse instituto apenas para alguns casos específicos, tais como a retirada de amostras de minério para exames de laboratório antes das fases de pesquisa ou mesmo de lavra.

12.Bernard Taverne, in "An Introduction to the Regulation of the Petroleum Industry", Edit. Graham & Trotman/Martinus Nijhoff, Londres, 1994.

13.Bernard Taverne, na obra citada.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBOSA, Alfredo Ruy. Breve panorama dos contratos no setor de petróleo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 55, 1 mar. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2794. Acesso em: 7 maio 2024.