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Da constitucionalidade da decadência do direito à revisão de benefício previdenciário

Da constitucionalidade da decadência do direito à revisão de benefício previdenciário

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Estuda-se a decadência do direito de o segurado do regime geral da previdência social pleitear a revisão do ato de concessão de benefício previdenciário ou de seu indeferimento segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal.

Resumo: O presente artigo tem por objetivo estudar a decadência do direito de o segurado do regime geral da previdência social pleitear a revisão do ato de concessão de benefício previdenciário ou de seu indeferimento. Diante da inovação legislativa previdenciária operada a partir de 1997 debates sobre a incidência de tal instituto nos benefícios anteriormente concedidos surgiram tanto no âmbito da doutrina quanto na jurisprudência. Para solucionar e pacificar as controvérsias, o Supremo Tribunal Federal, por meio de seu plenário e utilizando o instituto da repercussão geral reconheceu a constitucionalidade do dispositivo, entendendo não haver direito adquirido à inexistência de prazo decadencial para fins de revisão de benefício previdenciário.

Palavras-chave: Decadência. Direito adquirido. Regime jurídico previdenciário.

Sumário: Introdução. 1 Decadência. 1.1 Conceito. 1.2 Da previsão legal no âmbito previdenciário. 1.2.1 Da revisão do ato concessório ou indeferimento do benefício. 1.2.2. Distinção com o direito ao benefício em si. 2 Decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE 626489. 2.1 Da ausência de direito adquirido à inexistência de prazo decadencial para fins de revisão de benefício previdenciário. Conclusão. Referências.


INTRODUÇÃO

No contexto dos estudos do direito previdenciário exsurge a questão da decadência previdenciária no âmbito dos atos concessórios ou indeferitórios dos benefícios previdenciários. Não se pode confundir tal instituto com o direito em si ao benefício, este sim imprescritível. Decisões judiciais conflitantes que não aplicavam o prazo decadencial aos benefícios previdenciários concedidos a partir da Medida Provisória nº 1.523-9/1997, tendo em vista tratar-se de instituto de direito material motivaram o Supremo Tribunal Federal a reconhecer a repercussão geral sobre o assunto, anotando que a questão constitucional é relevante sob o ponto de vista econômico, político, social e jurídico. Isso porque a aplicação de prazo decadencial aos benefícios previdenciários concedidos anteriormente à sua previsão legal passa pela interpretação de temas constitucionalmente sensíveis, como o direito adquirido, a segurança jurídica e a manutenção das relações constituídas. Ademais, a tese a ser fixada pelo Supremo Tribunal Federal será aplicada a numerosos benefícios previdenciários.

O objetivo principal do presente trabalho consiste, portanto, em analisar a decisão do Supremo Tribunal Federal publicada no recente informativo 724 daquela Corte.

Diante dessas considerações, na seção 1 deste trabalho, serão apresentados os conceitos cunhados pela doutrina tradicional do instituto da decadência, bem como será traçado um histórico legislativo do assunto no âmbito previdenciário e delimitar a definição de revisão do ato e sua distinção com o direito em si de pleitear benefício previdenciário. Na seção 2, será analisada a decisão em si do Supremo Tribunal Federal.


1 Decadência

1.1 Conceito

A decadência é um instituto que foi desenvolvido com o objetivo de atingir o maior fundamento da existência do próprio Direito, isto é, a pacificação social e a segurança jurídica.

Nesse sentido, estabelecem-se limitações temporais dentro das quais o titular de um direito pode exercê-lo, obrigando outros sujeitos. Os prazos estabelecidos são necessários como “forma de disciplinar a conduta social, sancionando aqueles titulares que se mantêm inertes, numa aplicação do brocardo latino dormientibus non sucurrit jus. Afinal, quem não tem a dignidade de lutar por seus direitos não deve sequer merecer a sua tutela” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, 1:542).

“A decadência fulmina o direito potestativo, que é aquele a ser exercido exclusivamente pelo seu titular, ao qual não corresponde obrigação alguma, como, por exemplo, o direito potestativo do empregador em encerrar um contrato de emprego” (IBRAHIM, 2013, p. 419).

Nos termos dos ensinamentos de Francisco Amaral (apud GONÇALVES, 2011, 1:492) “decadência é a perda do direito potestativo pela inércia do seu titular no período determinado em lei. Seu objeto são os direitos potestativos de qualquer espécie, disponíveis ou indisponíveis, direitos que conferem ao respectivo titular o poder de influir ou determinar mudanças na esfera jurídica de outrem, por ato unilateral, sem que haja dever correspondente, apenas uma sujeição.”

No regime jurídico aplicável à decadência, é preciso analisar três aspectos, quais sejam, a fluência do prazo, a disponibilidade do direito e a possibilidade de decretação de ofício pelo juiz.

Considerando o primeiro aspecto, observa-se que, exceto em relação aos incapazes, contra os quais não há fluência do prazo decadencial enquanto persistir a incapacidade, são irrelevantes os motivos pelos quais o titular do direito quedou inerte, não se mostrando aptos a deter o curso da decadência.

Em relação à disponibilidade, a lei considera nula a renúncia de prazo decadencial, nos termos do artigo 209 do Código Civil. Doutra parte, permite à lei a estipulação de ‘decadência na modalidade “convencional”, fazendo supor que admite a alteração, pelas partes, dos prazos decadenciais’. (COELHO, 2012, 1:337)

Por fim, quanto à possibilidade de conhecimento de ofício pelo juiz, é preciso inicialmente distinguir o prazo decadencial em razão de sua origem. Caso seja um prazo legal, abre-se a possibilidade do conhecimento pelo magistrado de ofício, independentemente de alegação pelos interessados e em qualquer momento processual. No entanto, se for a chamada decadência convencional, isto é, a fixada por meio de negócio jurídico, pode ser alegada por quem dela se beneficiar não sendo possível seu conhecimento ex officio.

1.2 Da previsão legal no âmbito previdenciário

A redação original da lei 8.213/91 não possuía disposição expressa sobre decadência no âmbito previdenciário.

Com o advento da lei nº 9.528, de 10 de dezembro de 1997, lei de conversão da MPv nº 1.596-14, de 1997, alterou-se o artigo 103 da lei 8.213/91 que passou a prever expressamente “Art. 103. É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)”

Posteriormente, em 1998, com a lei nº 9.711, de 20 de novembro 1998 que resultou da conversão da MPv nº 1.663-15, a redação foi novamente alterada, reduzindo-se o prazo decadencial para cinco anos: “Art. 103. É de cinco anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo. (Redação dada pela Lei nº 9.711, de 20.11.98)”

Finalmente, encerrando a evolução legislativa, convertendo a MPv nº 138, de 2003, a lei nº 10.839, de 5 de fevereiro de 2004, mesclou-se os dispositivos anteriores, criando duas situações com prazos decadenciais diferentes: “Art. 103.  É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo. (Redação dada pela Lei nº 10.839, de 2004). Parágrafo único. Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil. (Incluído pela Lei nº 9.528, de 1997)”

As situações tratadas pela nova redação do caput do dispositivo são duas. A primeira é a hipótese em que houve a concessão do benefício, porém, a renda mensal inicial foi calculada equivocadamente e está em valor inferior ao que seria correto. Já a segunda situação é aquela na qual houve o indeferimento do benefício previdenciário por entender a Autarquia Previdenciária não ter o segurado direito à prestação pleiteada.

A previsão contida no parágrafo único traz prazo menor que o inserido no caput, o que se justifica por se tratar de ações distintas. Na cabeça do artigo aparece a pretensão do segurado à obtenção da prestação previdenciária indevidamente negada ou à revisão do benefício concedido cujo cálculo da renda mensal inicial foi realizado a menor. Já no parágrafo único o segurado anseia o pagamento das diferenças devidas.

1.2.1 Da revisão do ato concessório ou indeferimento do benefício

O prazo inserido no artigo 103 da lei 8.213/91 representa uma limitação temporal do direito de revisão dos benefícios previdenciários e o correspondente pagamento de eventuais diferenças, seja em decorrência do cálculo errôneo da renda mensal inicial, seja pela negativa indevida do benefício em si.

O direito à revisão no caso de ter havido concessão com renda mensal inicial a menor se renova mensalmente, já que se trata de relação jurídica de trato sucessivo, limitando-se o pagamento das diferenças ao prazo de cinco anos.

Situação diversa é aquela de indeferimento do benefício. “Nesse caso, o decurso do prazo legal provoca, de acordo com o STJ, a perda do próprio fundo de direito, ficando o segurado sem qualquer pretensão posterior”. (IBRAHIM, 2013, p. 422).

É necessário perceber que o direito à ação de revisão do ato de indeferimento do benefício ou o concessório cuja renda mensal inicial foi calculada erroneamente pela autarquia previdenciária não se confunde com o direito ao benefício em si, o que será explicitado no tópico seguinte.

1.2.2. Distinção com o direito ao benefício em si

Cumpre registrar que o Direito Previdenciário tem a sua importância derivada não só da delicada especificidade da matéria que trata, mas também pela singularidade dos seus princípios.

Com efeito, doutrina e jurisprudência se inclinam no sentido de que os benefícios previdenciários envolvem relações de trato sucessivo e atendem necessidades de caráter alimentar. As prestações previdenciárias têm características de direitos indisponíveis, daí porque o benefício previdenciário em si não prescreve, somente as prestações não reclamadas no lapso de cinco anos é que prescreverão, uma a uma, em razão da inércia do beneficiário, nos exatos termos do art. 3º. do Decreto 20.910/32.

Nesse mesmo sentido, aliás, é a lição do ilustre Professor JOSÉ ANTONIO SAVARIS (2012, p. 310): “A situação jurídica fundamental em direito previdenciário é, evidentemente, o direito ao benefício previdenciário integralmente considerado. De sua parte, o direito a perceber as diferenças devidas que decorem de uma situação jurídica fundamental (direito ao benefício) "renasce cada vez" em que o direito é devido, conforme a periodicidade de seu pagamento, e, "por isso se restringe às prestações vencidas há mais de cinco anos". Nas obrigações previdenciárias, por se traduzirem em obrigações de trato sucessivo, o direito aos valores devidos se renova de tempo em tempo, pois o prazo prescricional renasce a cada vez que se torna exigível a prestação seguinte.”

Observo, ainda, o magistério do ilustre professor DANIEL MACHADO DA ROCHA, que afirmando a imprescritibilidade das demandas previdenciárias, assim se manifestou: “Não há, nem pode haver, prescrição de fundo de direito quanto ao benefício previdenciário, que é direito fundamental, não reclamado.

A imprescritibilidade do fundo de direito em matéria previdenciária é regra tradicional, que já figurava na LOPS. Bem por isso, se o segurado vier a perder esta qualidade após o preenchimento de todos os requisitos necessários para a concessão de aposentadoria ou pensão, isto não afetará o seu direito ou o de seus dependentes obterem o benefício respectivo, de acordo com as regras vigentes à época em que as exigências foram atendidas, como já visto (LBPS, art. 102, § 1º).

O que é suscetível de sofrer os efeitos da prescrição é, tão somente, a ação que ampara a cobranças das parcelas vencidas impagas na época própria ou adimplidas com valores inferiores ao devido, não exercida dentro do lapso temporal consignado na regra de direito material (ROCHA; BALTAZAR JUNIOR, 2011, p. 325/326)”

Pelo quanto exposto, não se pode, portanto, confundir os dois institutos, isto é, de um lado tem-se a decadência do direito à revisão do indeferimento ou da concessão a menor do benefício previdenciário, de outro, o direito em si do segurado a pleitear o benefício para o qual já cumpriu os requisitos, mas por alguma razão ainda não requereu administrativamente junto à autarquia previdenciária.


2 Decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE 626489

Na tentativa de pôr fim às discussões sobre a constitucionalidade do dispositivo que previu a decadência previdenciária, o Plenário do Supremo Tribunal Federal manifestou-se pela constitucionalidade do dispositivo no RE 626489 em acórdão ainda pendente de publicação cuja relatoria será do Min. Roberto Barroso.

2.1 Da ausência de direito adquirido à inexistência de prazo decadencial para fins de revisão de benefício previdenciário

Naquela ocasião, o Supremo decidiu haver maior razão para se estipular prazo para a revisão de atos de concessão, a conciliar os interesses individuais com o imperativo de manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial do sistema.

O Plenário do Supremo fixou ainda que, a Corte teria precedentes no sentido de que a lei aplicável para a concessão e benefício, bem como para fixar os critérios de seu cálculo, seria aquela em vigor no momento em que os pressupostos da prestação previdenciária teriam se aperfeiçoado, de acordo com a regra tempus regit actum. Assim, não haveria direito subjetivo à prevalência de norma posterior mais favorável, tampouco poderia ser utilizada para esse fim eventual lei superveniente mais gravosa.

No caso, sublinhou-se não se incorporar ao patrimônio jurídico de beneficiário suposto direito à aplicação de regra sobre decadência para eventuais pedidos revisionais. Frisou-se que a decadência não integraria o espectro de pressupostos e condições para a concessão do benefício, de maneira a não se poder exigir a manutenção de seu regime jurídico.

Portanto, a ausência de prazo decadencial para a revisão no momento em que deferido o benefício não garantiria ao beneficiário a manutenção do regime jurídico pretérito, no qual existente a prerrogativa de pleitear a revisão da decisão administrativa a qualquer tempo.

Pontuou-se que a lei poderia criar novos prazos de decadência e prescrição, ou alterar os já existentes, de modo que, ressalvada a hipótese de prazos antigos já aperfeiçoados, não haveria direito adquirido a regime jurídico prévio. Na hipótese dos autos, portanto, não haveria direito adquirido a que prazo decadencial jamais pudesse ser estabelecido.

Destacou-se precedentes nesse sentido. Analisou-se, por outro lado, que o termo inicial da contagem do prazo decadencial em relação aos benefícios originariamente concedidos antes da entrada em vigor da Medida Provisória 1.523/97 seria o momento de vigência da nova lei.

Evidenciou-se que, se antes da modificação normativa podia o segurado promover, a qualquer tempo, o pedido revisional, a norma superveniente não poderia incidir sobre tempo passado, de modo a impedir a revisão, mas estaria apta a incidir sobre tempo futuro, a contar de sua vigência. RE 626489/SE, rel. Min. Roberto Barroso, 160.2013. (RE-626489) (Informativo 724, Plenário, Repercussão Geral) – inovou-se por destaques

Nesse sentido, asseverou-se que o lapso de dez anos seria razoável, inclusive porque também adotado quanto a eventuais previsões revisionais por parte da Administração (Lei 8.213/91, artigo 103-A).


CONCLUSÃO

No presente trabalho, examinou-se a possibilidade de incidir prazo decadencial sobre o direito do segurado ao questionar tanto o indeferimento indevido de benefício previdenciário quanto a concessão de benefício a menor.

A partir de uma perspectiva objetiva, analisou-se o instituto da decadência e sua inserção na legislação previdenciária como instrumento de manutenção do equilíbrio atuarial e financeiro do sistema previdenciário e nesse sentido o Supremo Tribunal Federal, por seu Plenário, decidiu pela constitucionalidade da norma legal que prevê a decadência previdenciária, não havendo direito adquirido à inexistência de prazo decadencial para tais fins.


REFERÊNCIAS

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil: parte geral, vol. 01. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. Epub

GAGLIANO, Pablo Stolze E PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de direito civil, vol. 01: parte geral. 14 ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. Epub

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, vol. 01: parte geral. 10. ed. - São Paulo: Saraiva, 2012. Epub

IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 18. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2013.

ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Comentários à lei de benefícios da Previdência Social. 10. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.

SAVARIS, José Antonio. Direito Processual Previdenciário. Curitiba: Juruá, 2012.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Nara Mikaele Carvalho. Da constitucionalidade da decadência do direito à revisão de benefício previdenciário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4003, 17 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28322. Acesso em: 29 mar. 2024.