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Análise da natureza jurídica da responsabilidade civil pela perda de uma chance

Análise da natureza jurídica da responsabilidade civil pela perda de uma chance

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A responsabilidade civil pela perda de uma chance busca reparar/compensar a perda das chances como danos autônomos e se mostra economicamente eficiente e pedagogicamente eficaz, uma vez que desestimula a prática de condutas antijurídicas.

Ao escolher as vias pelas quais atua na sociedade, o homem assume os ônus correspondentes, apresentando-se a noção de responsabilidade como corolário de sua condição de ser inteligente e livre.

Carlos Alberto Bittar

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo o estudo da natureza jurídica da responsabilidade civil pela perda de uma chance, tendo em vista as constantes discrepâncias no tratamento do tema pela doutrina e, principalmente, jurisprudência. Para tanto, são examinados, primeiramente, os três pressupostos genéricos às espécies de responsabilidade civil: conduta humana, dano e nexo causal. Nessa primeira etapa, a pesquisa tem como foco principal de abordagem o elemento culpa, as responsabilidades objetiva e subjetiva, as teorias tradicionais e alternativas sobre o nexo de causalidade e a exposição abrangente sobre as espécies de danos. Em sequência, a perda da chance propriamente dita é chamada ao debate. Depois de uma contextualização da temática e de seus problemas (com destaques para os esclarecimentos sobre a responsabilidade pela criação de riscos), o trabalho se dedica à inserção da perda da chance entre os institutos preexistentes do Direito Civil, a fim de que sua aplicabilidade seja viabilizada de forma mais pacífica e criteriosa. Com esse escopo, é realizada uma análise de compatibilidade, averiguando a sua aceitação sob duas perspectivas: resultante de uma relativização dos conceitos ortodoxos sobre o nexo de causalidade ou decorrente de um alargamento das espécies de danos. Por derradeiro, a pesquisa é direcionada à classificação do dano decorrente de chances perdidas. Através desses exercícios, nota-se que, qualquer seja o caso, o Direito pátrio se mostra mais receptivo à noção de chance como um bem jurídico autônomo e passível de violação – sendo a perda da chance, então, um dano independente –, como, também, observa-se que a ofensa em questão mais se amolda aos contornos de dano emergente, patrimonial e/ou extrapatrimonial (a depender de seus reflexos na vítima). O estudo aborda a doutrina tradicional e posicionamentos dos principais tribunais nacionais, haja vista serem mais fiéis à realidade enfrentada pela problemática examinada. Não se olvida, entretanto, de que existem noções mais inovadoras sobre o tema e estas são utilizadas para esclarecer com maior amplitude a teoria em destaque.

Palavras-chave: Responsabilidade civil. Perda de uma chance. Natureza jurídica.

Sumário: 1 INTRODUÇÃO. 2 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL. 2.1.1 Conceito de conduta humana. 2.1.2 Ponderações sobre o elemento “culpa”. 2.1.3 Relação da conduta humana com as regras contratuais e gerais de direito. 2.1.4 Considerações sobre a ilicitude. 2.2.1 Conceito de dano. 2.2.2 Classificação dos danos. 2.2.2.1 Dano à pessoa e a coisas. 2.2.2.2 Dano patrimonial e extrapatrimonial. 2.2.2.3 Dano emergente, lucros cessantes e dano presumido. 2.2.2.4 Dano estético. 2.2.2.5 Dano social. 2.2.3 Outras espécies de danos indenizáveis. 2.2.3.1 Dano à imagem. 2.2.3.2 Dano infecto. 2.2.3.3 Dano “in contrahendo”. 2.2.4 A figura do dano sob a perspectiva da vítima . 2.2.4.1 Dano direto, dano indireto e dano em ricochete (ou reflexo) . 2.2.4.2 Danos individuais e coletivos em sentido amplo. 2.2.5 Requisitos do dano indenizável. 2.2.5.1 Danos presentes e danos futuros. 3 NEXO DE CAUSALIDADE. 3.1.1 Equivalência de condições ou “conditio sine qua non”. 3.1.2 Causalidade adequada. 3.1.3 Causalidade direta e imediata. 3.2.1 Causalidade parcial .3.2.2 Causalidade presumida. 3.4.1 Estado de necessidade. 3.4.2 Legítima defesa. 3.4.3 Exercício regular de direito e estrito cumprimento do dever legal. 3.4.4 Caso fortuito e força maior. 3.4.5 Culpa exclusiva da vítima. 3.4.6 Fato de terceiro. 3.4.7 Cláusula de não indenizar. 4 DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE. 4.2.1 Casos clássicos de configuração da perda de uma chance. 4.2.2 Perda da chance de evitar um prejuízo ocorrido. 4.2.3 Perda da chance pelo descumprimento do dever de informação. 5 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.


1 INTRODUÇÃO

A pesquisa que se inicia envolve a abordagem da responsabilidade civil pela perda de uma chance como sendo uma alternativa necessária e eficaz para o cumprimento do princípio da reparação integral dos danos, fundamento basilar no atual paradigma solidarista do Direito pátrio. Nesse contexto, trabalha-se a problemática que recai sobre a possibilidade de um instituto cercado de tantos fatores aleatórios ser juridicamente identificado como algo passível de tutela indenizatória específica.

O estudo principiará com a exposição dos institutos comuns a todas as espécies de responsabilidade civil, considerando o fato da modalidade em questão ser uma de suas derivações. No primeiro capítulo, portanto, a conduta humana e o dano serão os objetos de análise.

Sem adentrar em questões mais minuciosas, será realizada a exposição dos requisitos necessários para que uma ação ou omissão seja relevante para o Direito, bem como tecidas algumas considerações sobre o elemento culpa, objeto de constantes divergências em seu tratamento.

Debatidos os pressupostos da conduta humana geradora de responsabilidade, ocorrerá o seu exame à luz das relações contratuais e extranegociais, identificando-se as principais divergências apresentadas, principalmente no que concerne às alterações no tratamento da culpa em sentido amplo.

Superada essa fase, far-se-ão algumas breves considerações sobre a relevância da ilicitude na conduta humana, uma vez que há manifestações no sentido de sua dispensa.

Feito isso, o dano injusto será chamado ao debate.

Primeiramente, haverá a sua conceituação e classificação entre: à pessoa e a coisas; patrimonial e extrapatrimonial; emergente, lucros cessantes e presumido; estético; e social. Na sequência, serão expostos, para fins de comparações, os danos à imagem, infectos e in contrahendo.

Realizadas essas essenciais análises, o foco será convertido para as vítimas, que poderão ser maculadas direta e indiretamente, assim como por ricochete, ou mesmo serem únicas desfavorecidas pelos eventos, como também integrantes de uma coletividade que experimenta os efeitos lesivos.

Finalizando o capítulo, será necessária, também, a observância dos requisitos do dano indenizável e do seu aspecto temporal (presente ou futuro).

Adentrando a um estágio mais vinculado ao objeto da pesquisa, o nexo de causalidade e suas nuances serão apreciados no segundo capítulo.

A começar pelas concepções tradicionais do sistema jurídico brasileiro, serão vistas as teorias da equivalência das condições, da causalidade adequada e da causalidade direta e imediata, oportunidade em que poderão ser entendidos os posicionamentos mais aceitáveis pelo jurista nacional, sobretudo no que concerne ao requisito da conditio sine qua non.

Sequenciando o estudo, serão expostas as principais peculiaridades envolvendo as teorias alternativas sobre o nexo de causalidade. Através de uma análise comparativa com o Direito estrangeiro, a apreciação se destinará à teoria da causalidade parcial e da causalidade presumida, marcadas pela relativização das exigências impostas pelo Direito brasileiro no tratamento da temática.

Ainda dentro das relações de causalidade, com a finalidade de salientar para algumas limitações impostas à atuação da teoria em apreço, serão esclarecidos os principais aspectos envolvendo a teoria da imputação objetiva, assim como as causas excludentes do nexo de causalidade, sendo estas: estado de necessidade; legítima defesa; exercício regular de direito e estrito cumprimento do dever legal; caso fortuito e força maior; culpa exclusiva da vítima; fato de terceiro; e cláusula de não indenizar.

Por fim, no terceiro capítulo, a abordagem será destinada à perda de uma chance propriamente dita, tendo como início a sua conceituação e apresentação das principais noções exigidas no tratamento da temática.

Na sequência, considerando que a doutrina tem feito uma subdivisão da teoria em três subespécies, cada uma delas será estudada separadamente, a começar pelos casos clássicos de configuração da perda de uma chance, seguidos da perda da chance de evitar um prejuízo ocorrido e da perda da chance pelo descumprimento do dever de informação.

Também será traçado um paralelo entre a perda de uma chance propriamente dita e a responsabilidade pela criação de riscos, institutos que muito se assemelham e pode ocasionar grande confusão no entendimento do assunto.

Finalizando a pesquisa, após a colheita dos subsídios necessários a uma abordagem mais segura e criteriosa, adentrar-se-á à parte mais melindrosa do assunto: inserir a perda de uma chance em meio aos preexistentes pilares da responsabilidade civil que mais se compatibilizem a ela.

Para tanto, far-se-á a sua observação sob o prisma das noções tradicionais e alternativas sobre o nexo de causalidade, assim como será admitida a possibilidade da chance figurar como um patrimônio autônomo da vítima e passível de violação. Esse derradeiro exercício permitirá o alcance de soluções mais pacíficas da problemática proposta, assim como a adequação da teoria junto às perspectivas do Direito pátrio.

Considerando que a aceitação desta nova modalidade está diretamente vinculada à correta compreensão de sua natureza jurídica, o objetivo desta pesquisa é responder à seguinte indagação: a admissão da responsabilidade civil pela perda de uma chance depende de uma relativização dos conceitos tradicionais do nexo de causalidade ou apenas do reconhecimento de uma nova modalidade de dano autônomo, junto aos tipos já consagrados no Direito brasileiro? As hipóteses de respostas para esse questionamento surgirão a partir das várias óticas pelas quais será analisado o que se entende por dano indenizável – sempre considerando a premissa contida no artigo 944 do vigente Código Civil – e por exigência da conditio sine qua non – inserida, implicitamente, no artigo 403 do referido diploma.

A justificativa da abordagem proposta está no fato de que a evolução do Direito para um paradigma mais solidarista tem levado aos tribunais constantes demandas dessa natureza, situação que, frente à carência de estudos que apresentem elementos mais padronizados e seguros nesse contexto, vem ocasionando extremas divergências e contradições, colocando em descrédito a teoria. Assim, o maior prejuízo ocasionado acaba recaindo sobre a vítima, o que viola totalmente o objetivo do atual Estado Democrático de Direito.

O estudo fixa as suas bases principais no Direito Civil, nacional e (por algumas vezes) estrangeiro, passa também pelas bases da causalidade no Direito Penal, mas não se desvincula do Direito Constitucional, uma vez que o princípio norteador da temática – reparação integral dos danos – emana do princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento basilar da Constituição de 1988 (artigo 1º, inciso III).


2 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Considerando que a teoria da perda de uma chance está inserida em temática maior, que é a Responsabilidade Civil, é imprescindível para o seu exame que sejam expostas as principais diretrizes a serem observadas neste campo de atuação do direito, isso porque o deslinde da problemática proposta resulta de uma concepção mais apurada e de uma reorganização desses institutos base, sob a perspectiva da suscitada teoria.

Portanto, tem-se como objetivo deste estudo inicial identificar as principais peculiaridades genéricas da responsabilidade civil, a fim de que, nos próximos capítulos, haja subsídio suficiente à compreensão da natureza jurídica da perda da chance.

Partindo dessa premissa, serão examinados neste capítulo dois elementos essenciais à configuração da responsabilidade civil: a conduta humana e o dano.

Uma vez realizadas as necessárias ponderações sobre esses pressupostos mais genéricos, estarão presentes os requisitos básicos para que, na sequência, seja possível um exame mais consistente do tema problema, sendo chamado ao debate o terceiro e principal pilar da pesquisa, que é o nexo de causalidade.

2.1 Da conduta humana

Por um critério didático e até mesmo cronológico, mostra-se mais pertinente principiar este capítulo com o estudo da conduta humana, uma vez que, inevitavelmente, ela será o primeiro pressuposto a ser cumprido para o surgimento de uma responsabilidade civil. Conforme será visto adiante, sem conduta humana não há que se falar em dano, tampouco em nexo de causalidade.

Nesse cenário, sem a pretensão de esgotar as matérias atinentes a este instituto, serão apreciadas as peculiaridades mais pertinentes ao tema central da pesquisa, a começar por uma contextualização do debate e instituição de algumas premissas básicas.

Na sequência, conceitua-se a conduta humana, com enfoque para a sua percepção sob a ótica jurídica, o que a distingue de diversas condutas irrelevantes para o Direito.

Superada essa fase, é chamado ao debate o elemento “culpa”, assim como são pontuadas as divergências e semelhanças entre as responsabilidades provenientes de contrato e das regras gerais de direito.

Finalizando o título, seguem algumas ponderações à ilicitude da conduta humana.

Traçadas essas diretrizes, passa-se, pois, ao estudo propriamente dito.

Antes de adentrar ao exclusivo exame da conduta humana, é necessário, no entanto, que algumas noções básicas sobre Responsabilidade Civil sejam previamente estabelecidas, a fim de que os demais institutos sejam melhor compreendidos.

Nesse sentido, é de fundamental importância, primeiramente, definir em que consiste a responsabilidade para o Direito, posto que os debates mais calorosos que envolvem esta matéria dizem respeito à definição de quem suportará os seus ônus, o que, por consequência, demanda esse esclarecimento conceitual.

Proveniente do latim, o termo “responsabilidade” tem a sua origem nas expressões respondere e spondeo, que significam, respectivamente, o vínculo obrigacional de um sujeito às consequências de seu ato e o elo existente entre devedor e as obrigações por ele contraídas (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 45-46).

Conforme se verifica, a responsabilidade nada mais é do que a consequência convencional1 de uma conduta humana, a qual somente interessará para o Direito quando violar uma norma tutelada no ordenamento jurídico.

Há, contudo, uma dicotomia entre responsabilidade penal e civil. Para Sérgio Cavalieri Filho, o que ocorre neste caso é uma diferença de grau ou quantidade, não de gênero. “No caso de ilícito penal, o agente infringe uma norma penal, de Direito Público; no ilícito civil, a norma violada é de Direito Privado” (CAVALIERI FILHO, 2006, p. 37). Ou seja, as consequências do descumprimento de um dever de conduta serão divergentes2, mas em ambos os casos trata-se do mesmo instituto.

Conceituando a responsabilidade civil, especificamente, Fernando Noronha (2010, p. 451) assevera que ela “[...] é sempre uma obrigação de reparar danos: danos causados à pessoa ou ao patrimônio de outrem, ou danos causados a interesses coletivos, ou transindividuais, sejam estes difusos, sejam coletivos strictu sensu [...]”.

Consoante se extrai desses ensinamentos, responsabilidade civil, portanto, é consequência jurídica de uma conduta humana que viole um direito alheio, previamente tutelado por lei civil ou contrato, ocasionando danos3. Nas palavras de Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona (2012, p. 53, grifos do autor):

[...] a noção jurídica de responsabilidade pressupõe a atividade danosa de alguém que, atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente (legal ou contratual), subordinando-se, dessa forma, às consequências de seu ato (obrigação de reparar).

São essas as necessárias ponderações para se contextualizar o ponto de partida da pesquisa, cujo objeto principal e abordagens mais detalhadas seguem adiante.

2.1.1 Conceito de conduta humana

Das considerações anteriores pode se extrair que a conduta humana é elemento necessário para que haja o dever de indenizar. Isso decorre do simples fato de que qualquer modificação do estado natural das coisas, inevitavelmente, emana de uma conduta.

Mas, afinal, no que consiste essa conduta relevante para o Direito?

Ao dispor sobre a sua necessidade, o artigo 186 do CC/02 indica que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 164).

Em complemento a esse dispositivo, o artigo 927, do mesmo Código, preconiza que “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo” (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 203).

Conforme se vê, ambos dispositivos apontam para um agir como fato gerador do dever de indenizar e, em seguida, indicam duas características necessárias para que este seja relevante para o Direito.

A primeira delas é a possibilidade de uma omissão resultar no dever de indenizar e, a segunda, a instituição da voluntariedade como pressuposto da conduta humana antijurídica4.

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 73, grifos do autor) discorrem sobre essa questão da seguinte forma:

Nesse contexto, fica fácil entender que a ação (ou omissão) humana voluntária é pressuposto necessário para a configuração da responsabilidade civil. Trata-se, em outras palavras, da conduta humana, positiva ou negativa (omissão), guiada pela vontade do agente, que desemboca no dano ou prejuízo.

No que se refere à voluntariedade, é importante destacar que não se trata da vontade do agente no resultado final danoso, mas na conduta em si, ainda que este repudiasse o desfecho ocasionado5 (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 74).

Quanto à possibilidade de responsabilização por uma conduta omissiva, esta, igualmente à comissiva, deverá ser precedida da voluntariedade, conforme se extrai do supracitado trecho. A sua configuração, no entanto, limita-se às circunstâncias em que a lei impõe o dever de ação, às relações contratuais e aos casos de responsabilidade objetiva, os quais serão examinados no próximo tópico.

Sintetizando todo o exposto, Sérgio Cavalieri Filho (2006, p. 48) descreve a conduta humana da seguinte forma:

Entende-se, pois, por conduta o comportamento humano voluntário que se exterioriza através de uma ação ou omissão, produzindo consequências jurídicas. A ação ou omissão é o aspecto físico, objetivo, da conduta, sendo a vontade o seu aspecto psicológico, ou subjetivo.

Em continuação, aponta o autor (2006, p. 54, grifos no original):

Só não constituem conduta, portanto, os atos em que não intervém a menor parcela de vontade, os chamados atos reflexos, como nos casos de sonambulismo, hipnose e outros estados de inconsciência. O mesmo ocorrerá no caso da coação física absoluta (irresistível), quando o ato não será do coato, mas de quem dele se serviu como instrumento.

Em síntese, assim é definida a conduta humana como elemento da responsabilidade civil.

Por fim, interessante questão a ser pontuada é a responsabilidade pelo ato de terceiro. Muito embora, a princípio, pareça ausente a conduta humana, essa conclusão não procede.

Segundo Sílvio Rodrigues (2003, p. 63), a conduta humana nesses casos se afigura por se assumir os riscos do exercício da autoridade sobre alguém. Seja por trazer ao mundo um filho ou por contratar um empregado, por exemplo.

Também ratificando a existência de conduta humana nessas situações, mas sob outra perspectiva, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 76) sustentam que esta decorre da omissão de um dever de custódia/vigilância ou da negligência em se eleger um representante.

Conforme se percebe, há certas divergências na concepção dessa responsabilidade, mas é inconteste a presença de conduta humana no ato do responsável pelo terceiro.

Seguem adiante as peculiaridades envolvendo a culpa e a ilicitude.

2.1.2 Ponderações sobre o elemento “culpa”

No tratamento da conduta humana o estudo da culpa é imprescindível, posto que ela está intimamente ligada ao dever de indenizar6.

José de Aguiar Dias, citado por Silvio de Salvo Venosa (2008, p. 24), define a culpa da seguinte forma:

A culpa é falta de diligência na observância da norma de conduta, isto é, o desprezo, por parte do agente, do esforço necessário para observá-la, com resultado não objetivado, mas previsível, desde que o agente se detivesse na consideração das conseqüências eventuais de sua atitude.

Extrai-se desse trecho, que a configuração da culpa requer: falta de diligência e resultado danoso previsível (VENOSA, 2008, p. 28).

Esse primeiro pressuposto é subdividido em três comportamentos: imprudência, negligência e imperícia. Em esclarecedor exemplo, Silvio de Salvo Venosa (2008, p. 28) os distingue da seguinte forma:

É imprudente, por exemplo, o motorista que atravessa cruzamento preferencial sem efetuar parada prévia em seu veículo ou ali imprime velocidade excessiva. É negligente o motorista que não mantém os freios do veículo em perfeito funcionamento. É imperito aquele que se arvora a dirigir veículo ou operar máquina sem os conhecimentos e habilitação técnica para fazê-lo [...].

Conforme se extrai, em apertada síntese, o imprudente age com excesso frente uma situação que merecia cautela. O negligente, por sua vez, é relapso em suas ações, ele deixa de agir quando a situação o obrigava. Já o imperito é aquele que exerce uma atividade sem estar tecnicamente apto para tanto.

Muito embora haja esse destaque à culpa em sentido estrito, para a responsabilidade civil o dolo possui o mesmo tratamento, no que se refere ao dever de indenizar. A responsabilidade se configura, portanto, com a existência de culpa em sentido amplo7 (VENOSA, 2008, p. 24).

Apenas para elucidar, o dolo ocorrerá naqueles casos em que a conduta do agente tem como principal objetivo o resultado danoso (VENOSA, 2008, p. 24).

Identificar se houve culpa ou dolo, no entanto, somente tem relevância na fixação do montante indenizatório8. Nesse sentido, o parágrafo único do artigo 944, do CC/02, preconiza que havendo “[...] excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização” (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 204).

Além da necessidade de se identificar a presença de dolo ou culpa na conduta danosa, esse dispositivo traz à baila a importância de se delimitar os graus da culpa.

A doutrina majoritária realiza uma tripartição deste elemento, apontando para a existência das culpas grave, leve e levíssima. Nesse sentido, tem-se:

a) culpa grave – embora não intencional, o comportamento do agente demonstra que o mesmo atuou “como se tivesse querido o prejuízo causado à vítima”, o que inspirou o ditado “culpa lata dolo aequiparatur”9;

b) culpa leve – é a falta de diligência média que um homem normal observa em sua conduta;

c) culpa levíssima – trata-se da falta cometida por força de uma conduta que escaparia ao padrão médio, mas que um diligentíssimo pater famílias10, especialmente cuidadoso e atento, guardaria (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 176, grifos do autor).

Conforme se observa, o grau de diligência do agente será determinante para classificar a sua conduta dentre as três citadas hipóteses. Incorrendo ele no menor grau, poderá ter uma relevante minoração no quantum indenizatório. Lado outro, aproximando-se da culpa grave ou do dolo deverá responder pela integral extensão do dano11.

Segundo Silvio de Salvo Venosa (2008, p. 27), em alguns casos de extrema culpa ou dolo a indenização poderá, inclusive, se agravar e ultrapassar os prejuízos experimentados pela vítima12. Ele observa que neste caso o foco da indenização é modificado, não tendo como paradigma a medida do efetivo prejuízo, como de praxe. Isso será feito para atender ao aspecto pedagógico da indenização.

Ainda no estudo da culpa (e isso válido para todos os casos acima), consoante já exposto acima, deve se fazer presente o pressuposto da previsibilidade13. Sobre ele, assim ensina Venosa (2008, p. 28):

Quando as consequências da conduta são imprevistas ou imprevisíveis, não há como configurar a culpa. A previsibilidade integra sempre a definição de culpa. Esse é o centro da atenção do julgador no caso concreto, nem sempre fácil de definir. O ato situa-se na esfera do caso fortuito ou força maior quando refoge à previsibilidade do agente.

Verifica-se desse trecho, que para a conduta humana desafiar uma tutela judicial deverá ser ela precedida desse elemento subjetivo (previsibilidade). Em sendo mais difícil que o agente tenha essa percepção de um possível dano, o montante indenizatório poderá ser minorado, conforme já exemplificado14.

Concluindo as explanações sobre a classificação da culpa, a título de elucidação, é importante destacar que a doutrina listou algumas formas em que haverá culpa sem uma intervenção direta do agente responsável por indenizar. Realizando essa extensão das espécies, Sergio Cavalieri Filho (2006, p. 63) apontou para a ocorrência das culpas: in eligendo (decorrente da má escolha de um representante), in vigilando (resultado da má atuação no dever de guarda) e in custodiando (falta de cuidado com coisas e animais)15.

É possível se observar dessas outras modalidades que a conduta humana é mantida como pressuposto da responsabilidade, todavia, será relevante para isso não o ato causador direto do dano, mas aquela conduta negligente, imprudente ou imperita em um momento pretérito (na contratação de um funcionário, na desídia com os atos do filho etc.).

Em sequência, o mesmo autor indica sobre a existência de outras duas peculiaridades da culpa: suas espécies presumida e contra a legalidade16.

Esta primeira modalidade ocorrerá geralmente naqueles casos em que a prova da culpa é muito trabalhosa ao demandante. Haverá nesses casos um consenso jurisprudencial e doutrinário para se inverter o ônus probatório em seu favor, diferindo-a das demais espécies. É ela mais conhecida pelos juristas como culpa in re ipsa (CAVALIERI FILHO, 2006, p. 63). Sobre essa segunda espécie, seguras são as palavras do autor (2006, p. 65, grifos no original):

Fala-se em culpa contra a legalidade quando o dever violado resulta de texto expresso de lei ou regulamento, como ocorre, por exemplo, com o dever de obediência aos deveres de trânsito de veículos motorizados, ou com o dever de obediência a certas regras técnicas no desempenho de profissões ou atividades regulamentadas. A mera infração da norma regulamentar é fator determinante da responsabilidade civil; cria em desfavor do agente uma presunção de ter agido culpavelmente, incumbindo-lhe o difícil ônus da prova em contrário.

De todo o exposto até aqui, extrai-se que a culpa é composta por uma infinidade de minúcias, o que, por diversas vezes, dificulta ou impossibilita ser a vítima indenizada pelo dano experimentado.

Diante desse contexto, a jurisprudência e doutrina perceberam que se fazia necessário alterar os pilares do dever de indenizar, aplicando-se daí a responsabilidade objetiva, que dispensa o pressuposto anímico da responsabilidade subjetiva: a culpa ou dolo (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 58)17.

Sobre essa necessidade de alterações no modelo pretérito, assim manifesta Sergio Cavalieri Filho (2006, p. 154):

Logo os juristas perceberam que a teoria subjetiva não mais era suficiente para atender a essa transformação social ocorrida em nosso século; constataram que se a vítima tivesse que provar a culpa do causador do dano, em numerosíssimos casos ficaria sem indenização, ao desamparo, dando causa a outros problemas sociais, porquanto, para quem vive de seu trabalho, o acidente corporal significa a miséria, impondo-se organizar a reparação.

É de se ressaltar que a corrente objetivista surgiu no final do século XIX e, desde então, alguns dispositivos legais já continham este caráter18 (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 59).

Com as diretrizes traçadas por essas esparsas normas, doutrina e jurisprudência elaboraram a teoria do risco, a fim de se estender a relativização da culpa a outras situações. Todavia, a difusão da tese somente ocorreu com a inserção do parágrafo único do artigo 927, do CC/02, afirmando que: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem” (VENOSA, 2008, p. 6-8).

Constata-se, então, que esta responsabilidade decorre de previsão expressa em lei ou de situações de risco.

Quanto à previsão legal, não há grandes percalços em se deduzir pela objetividade. O Código de Defesa do Consumidor é um exemplo de aplicação pacífica da teoria19.

No que concerne ao risco, aproveitando do seu conceito aberto inserido no citado dispositivo, os estudiosos do Direito elencaram duas modalidades para sua ocorrência neste contexto: o risco criado e o risco benefício (ou proveito).

Segundo Silvio de Salvo Venosa (2008, p. 6-7), no risco benefício o “[...] sujeito obtém vantagens ou benefícios e, em razão dessa atividade, deve indenizar os danos que ocasiona”. Ou seja, num caso em que o agente aumenta o seu lucro e, consequentemente, expõe seus clientes a riscos20, o dever de reparar se impõe, mesmo que não haja culpa.

Sobre o risco criado, Sergio Cavalieri Filho (2006, p. 157) entende que o principal fator de diferenciação entre ele e o risco proveito é a simples existência do proveito. Ele aduz que não será necessário que a atividade que exponha a perigo o lesado apresente uma vantagem ao responsável. Segundo o seu entendimento:

[...] o conceito de risco que melhor se adapta às condições da vida social é o que se fixa no fato de que, se alguém põe em funcionamento uma qualquer atividade, responde pelos eventos danosos que esta atividade gera para os indivíduos independentemente de determinar se em cada caso, isoladamente, o dano é devido a imprudência, a negligência, a um erro de conduta, e assim se configura a teoria do risco criado (grifos do autor).

Em que pese existirem outras espécies de risco, por ora mostram-se suficientes essas ponderações21.

Importante considerar, ainda, que o mencionado dispositivo determina que a teoria do risco se aplica às atividades geralmente desenvolvidas pelo agente, de modo que aquelas condutas eventuais (que geralmente não têm o lucro como objetivo principal22), não serão relevantes para este fim (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 189-190).

São esses, portanto, os principais aspectos da responsabilidade objetiva que influirão no exame da teoria da perda da chance, adiante examinada. Apenas sintetizando, cita-se a esclarecedora definição dada a este instituto jurídico por Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 58):

Entretanto, hipóteses há em que não é necessário sequer ser caracterizada a culpa. Nesses casos, estaremos diante do que se convencionou chamar de “responsabilidade civil objetiva”. Segundo tal espécie de responsabilidade, o dolo ou culpa na conduta do agente causador do dano é irrelevante juridicamente, haja vista que somente será necessária a existência do elo de causalidade entre o dano e a conduta do agente responsável para que surja o dever de indenizar23.

Importante observar que, apesar de o dever de indenizar prescindir da culpa nesses casos, isso não significa que o agente estará obrigado a reparar todo e qualquer dano decorrente de seus atos. Existem situações em que a responsabilidade será excluída em virtude de alguma intervenção alheia no evento danoso. Essas causas, no entanto, denominadas excludentes do nexo de causalidade, serão debatidas adiante (título 3.4).

Por derradeiro, mostra-se pertinente destacar o acertado entendimento do supracitado autor, que assevera ser a culpa um elemento acidental da conduta humana. Discorre sobre isso da seguinte forma:

A culpa, portanto, não é um elemento essencial, mas sim acidental, pelo que reiteramos nosso entendimento de que os elementos básicos ou pressupostos gerais da responsabilidade civil são apenas três: a conduta humana (positiva ou negativa), o dano ou o prejuízo, e o nexo de causalidade [...] (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 71, grifos do autor).

Em que pese não ser elemento essencial da conduta humana e, por conseguinte, da responsabilidade civil, a culpa estará intimamente vinculada a praticamente todas as discussões travadas nessa matéria. Isso fica claramente notável neste próximo tópico, onde se examinam as divergências entre a responsabilidade civil nas esferas contratual e extracontratual.

2.1.3 Relação da conduta humana com as regras contratuais e gerais de direito

Consoante já exposto acima, para que uma conduta humana resulte no dever de indenizar, em regra, deverá ocorrer uma violação de norma. O que ainda não foi dito é que essa norma pode estar contida tanto no ordenamento jurídico quanto em uma relação contratual celebrada entre dois ou mais agentes.

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 60) afirmam que a diferenciação do tratamento dependerá da norma jurídica violada e indicam que essa dicotomia ocorre mais por questões didáticas do que pela real divergência apresentada entre ambas.

Os adeptos da teoria monista criticam veemente essa dicotomia, ao argumento de que “[...] pouco importam os aspectos sobre os quais se apresente a responsabilidade civil no cenário jurídico, já que os seus efeitos são uniformes” (CAVALIERI FILHO, 2006, p. 39).

Fato é que o legislador e os juristas fazem essa distinção, o que demanda um certo cuidado no tratamento de cada uma dessas ramificações.

Sergio Cavalieri Filho (2006, p. 38) delimita a atuação de cada uma delas da seguinte forma:

Se preexiste um vínculo obrigacional e o dever de indenizar é conseqüência do inadimplemento, temos a responsabilidade contratual, também chamada de ilícito contratual ou relativo; se esse dever surge em virtude de lesão a direito subjetivo, sem que entre o ofensor e a vítima preexista qualquer relação jurídica que o possibilite, temos a responsabilidade extracontratual, também chamada de ilícito aquiliano ou absoluto.

Conforme se verifica, o fator preponderante para que o agente se insira em uma ou outra situação é a preexistência de relação jurídica.

Mas qual a finalidade dessa diferenciação?

Como já havia sido alertado acima, a resposta para tal indagação é “a culpa”.

Os citados Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 60) assim discorrem sobre essa questão:

[...] abstraídas as hipóteses de responsabilidade subjetiva com presunção de culpa, ou de responsabilidade objetiva, existe uma grande dificuldade na demonstração da culpa do agente ou da antijuridicidade de sua conduta para ensejar a sua responsabilização civil. Tal dificuldade é minorada quando a conduta ensejadora do dano é resultante do descumprimento de um dever contratual, pois, nessa hipótese, presumir-se-ia a culpa, uma vez que a própria parte se obrigou, diretamente, à obrigação, ora descumprida.

Na responsabilidade contratual, portanto, o simples descumprimento das condições ajustadas entre as partes já gera em desfavor do agente inadimplente a presunção de culpa. Caberá a ele, frente a essa situação, comprovar que agiu dentro de alguma causa excludente de responsabilidade24, para se livrar do dever de reparar.

Em complemento ao papel da culpa nesses dois casos, Venosa (2008, p. 28-29) aponta que:

[...] também não diverge o conceito de culpa contratual do de culpa extracontratual. Ambos também se fundam na culpa. Sucede que, na responsabilidade contratual, a culpa surge de forma definida, mais clara, porque existe uma descrição de obrigação preexistente no negócio jurídico, que foi descumprida.

Sergio Cavalieri Filho (2006, p. 297), assevera que haverá hipóteses em que o descumprimento contratual ensejará, inclusive, responsabilidade objetiva, a depender do que fora entabulado25.

Uma terceira e última divergência visualizada consiste na capacidade do agente causador do dano. Em regra, somente pessoas maiores e capazes serão responsabilizadas contratualmente, tendo em vista que uma relação jurídica pressupõe essas condições. Somente excepcionalmente essa regra será flexibilizada: por exemplo, quando houver assistência do representante legal na avença e se tiver o menor, com má-fé, se declarado maior para contratar (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 63).

Destaque-se, nesse mesmo sentido, que ao menor emancipado também pode ser atribuída responsabilidade contratual, sendo esta, entretanto, solidária junto ao seu representante legal (CAVALIERI FILHO, 2006, p. 206).

Por fim, não se pode olvidar da responsabilidade subsidiária dos incapazes, configurada nas situações em que o seu responsável não possui bens suficientes a reparar o prejuízo por ele causado (VENOSA, 2012, p. 72-73). Nessas circunstâncias não se faz distinção quanto à responsabilidade contratual ou aquiliana, sendo em ambas imperativo o dever indenizatório do incapaz, conforme previsão contida no artigo 928, do CCB/0226. Faz-se ressalva, no entanto, à condição imposta pelo parágrafo único do referido dispositivo legal, que afirma não ter lugar a indenização se “[...] privar do necessário o incapaz, ou as pessoas que dele dependem” (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 203).

2.1.4 Considerações sobre a ilicitude

Para finalizar este debate, mostra-se importante destacar a questão da ilicitude, como sendo pressuposto de todo dever de indenizar27.

Discordando dessa condição, autores como César Fiuza (2008, p. 275), Maria Helena Diniz (2006, p. 42), assim como Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 77), chamam a atenção para hipóteses em que a responsabilidade poderá advir de um ato lícito. Segundo eles não se pode generalizar que todo dever de indenizar é composto por um ilícito civil. Destaque-se o consistente argumento de Maria Helena Diniz (2006, p. 42):

Mas o dever de reparar pode deslocar-se para aquele que procede de acordo com a lei, hipótese em que se desvincula o ressarcimento do dano da idéia de culpa, deslocando a responsabilidade nela fundada para o riso. P. ex.: arts. 927, parágrafo único, e 931 do Código civil prevêem casos de responsabilidade por ato lícito; e, além disso, nem mesmo nos acidentes de trabalho há responsabilidade sem culpa (CF/88, art.7º, XXVIII, 2ª parte). O patrão é obrigado a indenizar acidente de trabalho sofrido pelo empregado, se tiver concorrido culposa ou dolosamente para sua produção, sem que se possa dizer, com certeza, que praticou ato ilícito. Há atos que, embora não violem a norma jurídica, atingem o fim social a que ela se dirige, caso em que se têm os atos praticados com abuso de direito, e, se tais atos prejudicarem alguém, ter-se-á o dever ressarcitório. Deveras, a obrigação de indenizar dano causado a outrem pode advir de determinação legal, sem que a pessoa obrigada a repará-lo tenha cometido qualquer ato ilícito.

Conforme preconiza a autora, os requisitos para que haja esta responsabilização por ato lícito serão a “força de norma legal”28 ou o exercício abusivo de um direito.

Como se vê, os casos dessa ocorrência são excepcionais, mas ainda assim não se pode olvidar de sua existência neste estudo, sob pena de desamparar a aplicabilidade da teoria da perda da chance em alguns casos29.

Listando algumas dessas situações em que o dever de indenizar prescinde de ilicitude, Pablo Stouze e Rodolfo Pamplona (2012, p. 78, grifos do autor) apontam as seguintes hipóteses:

Exemplos de responsabilidade pelos danos resultante de ato lícito são: por motivo de interesse público – a indenização devida por expropriação; por motivo de interesse privado – o ato praticado em estado de necessidade.

Merece destaque o mencionado ato praticado em estado de necessidade, o qual encontra, inclusive, previsões legais autorizando a conduta necessária e, em sequência, impondo o dever reparatório.

Legalmente regulando o instituto, assim dispõe o artigo 188 do vigente Código Civil (mais especificamente em seu inciso II):

Não constituem atos ilícitos:

I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;

II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.

Parágrafo único: No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessários, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 164).

Apenas elucidando a previsão acima, o estado de necessidade consiste, em síntese, “[...] na situação de agressão a um direito alheio, de valor jurídico igual ou inferior àquele que se pretende proteger, para remover perigo iminente, quando as circunstâncias do fato não autorizarem outra forma de atuação” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 150).

Conforme se verifica dessa sucinta definição, no estado de necessidade o agente poderá suprimir um direito preexistente em detrimento de outro, desde que este tenha valoração jurídica igual ou superior ao primeiro. Ocorre que, em razão dessa faculdade, haverá situações em que remanescerá um prejuízo em desfavor de um terceiro que não influiu para aquela ocorrência. Diante dessa situação, a lei impõe ao agente que atuou no estado de necessidade a responsabilidade pelos danos oriundos daquela circunstância. Nesse sentido, assim dispõe o artigo 929 do vigente Código Civil:

Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 203).

Saliente-se, todavia, que, para evitar um injusto ao agente que agiu de boa-fé e sanou a necessidade presente em determinado caso, o artigo subseqüente (artigo 930 do CCB/02) impõe que ele terá direito regressivo de indenização contra o efetivo causador da situação periclitante, acaso não seja ele próprio (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 203).

Verifica-se desses dispositivos uma clara situação em que o dever de indenizar decorre de ato lícito, o que denota não ser a ilicitude elemento essencial da responsabilidade civil. Em que pese a sua configuração na maioria dos casos, não se pode tê-la como um prerrequisito a ser observado, sob pena de violar o caráter genérico que as bases do instituto devem possuir.

Diante dessas considerações, conclui-se aqui o estudo da conduta humana, de forma individualizada. Por óbvio, longe de se esgotar a matéria, composta por inúmeras peculiaridades.

No transcorrer do trabalho pode se constatar que os institutos analisados sempre se entrelaçam, não sendo possível estabelecer uma rígida delimitação do estudo de cada questão. Alguns pontos aqui suscitados apenas superficialmente serão melhor examinados no momento oportuno30.

Passa-se, então, ao estudo do elemento “dano”.

2.2 Do dano ou prejuízo

Conforme mencionado acima, o dano, assim como a conduta humana e o nexo de causalidade, constitui um elemento essencial para a configuração da responsabilidade civil, de modo que não sendo ele configurado jamais haverá o dever de reparar ou compensar, muito embora seja totalmente antijurídica a conduta do indigitado ofensor.

Diante de sua importância e das diversas peculiaridades que nele estão contidas, mostra-se necessário dedicar este título ao seu estudo, a iniciar pelas classificações que lhe são atribuídas, apresentando-se: os danos à pessoa e a coisas; os danos patrimoniais e extrapatrimoniais; os danos estéticos; os danos sociais; assim como os danos emergentes, os lucros cessantes e os danos presumidos.

Na sequência, o estudo caminha pelas variações dessas mencionadas classificações, expondo algumas espécies de danos mencionadas pela doutrina e jurisprudência, sendo eles: os danos à imagem; os danos infectos; e os danos in contrahendo.

Feita essa exposição, o dano passa a ser observado sob a perspectiva da vítima, tendo a sua ocorrência examinada na forma direta, indireta e reflexa, bem como individualmente ou coletivamente em sentido amplo.

Finalizando o título e o capítulo, são realizadas as ponderações sobre os requisitos necessários para que haja dano relevante para o Direito e, por conseguinte, causador de responsabilidade – com atenção, ainda, à aplicação desses critérios nos danos presentes e futuros.

2.2.1 Conceito de dano

Como já foi indicado acima, o dano é elemento sem o qual não haverá responsabilidade civil, uma vez que esta, necessariamente, deve decorrer de algum mal experimentado pelo ofendido. Segundo Silvio de Salvo Venosa (2012, p. 37), o dano decorre do princípio pelo qual “[...] a ninguém é dado prejudicar outrem (neminem laedere) [...]”. Em consonância com essas afirmativas, tem-se a própria legislação civil vigente, em seus arts. 18631 e 92732 (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 164 e 203)33.

Tais dispositivos, no entanto, não trouxeram uma explícita definição para o que seria “dano”, cabendo à doutrina se incumbir de tal tarefa. Assim, suprindo essa ausência, Sergio Cavalieri Filho (2006, p. 96) apresentou o seguinte entendimento sobre o instituto:

Conceitua-se, então, o dano como sendo a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral [...].

Nesse mesmo sentido, Fernando Noronha (2010, p. 579) complementa:

O dano pode ser caracterizado simplesmente como sendo o prejuízo resultante de uma lesão antijurídica de bem alheio. Numa noção mais esclarecedora, poderá dizer-se que é o prejuízo, econômico ou não econômico, de natureza individual ou coletiva, resultante de ato ou fato antijurídico que viole qualquer valor inerente à pessoa humana, ou atinja coisa do mundo externo que seja juridicamente tutelada.

Analisando o exposto pelos referidos autores, percebe-se que, basicamente, o dano é resultado de uma conduta humana direcionada a bens jurídicos corpóreos ou incorpóreos34, em prejuízo alheio.

Destaque-se que nessa definição não se deve utilizar o termo “conduta ilícita” como fato gerador de dano, tendo em vista que ele pode decorrer também de condutas lícitas, conforme mencionado no título 2.1.4 deste trabalho. Exemplificando essa ocorrência, lá foi exposto o caso do sujeito que atua em estado de necessidade e destrói patrimônio alheio ou fere um terceiro. A indenização é devida, mesmo diante do preceito permissivo contido no artigo 188, inciso II, do CC/02 (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 164)35.

Do mesmo modo, também não é correto afirmar que o dano é consequência lógica de uma conduta ilícita, haja vista que nem sempre elas causarão danos, tendo como exemplo o caso do motorista que ultrapassa a velocidade limite e nada causa a terceiros (NORONHA, 2010, p. 497).

São essas, portanto, as considerações a serem feitas sobre o conceito de dano, sendo as demais peculiaridades do instituto expostas adiante.

2.2.2 Classificação dos danos

Uma vez definido o conceito de dano, mostra-se igualmente importante salientar para as diversas óticas sob as quais ele pode ser analisado. Consoante já foi referido, a sua incidência ocorrerá sobre a pessoa ou coisa, ele poderá assumir natureza patrimonial, extrapatrimonial (também denominada moral), estético ou social, bem como se apresentar na forma emergente, presumida ou/e como lucros cessantes. Tanto essas classificações como as suas derivações são de fundamental importância para o debate do tema problema, haja vista que o dano decorrente da perda de uma chance requer essa contextualização.

Seguem, portanto, os esclarecimentos com maior pertinência à pesquisa.

2.2.2.1 Dano à pessoa e a coisas

De um exame da doutrina mais tradicional (CAVALIERI FILHO, 2006, e GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012), verifica-se que, em regra, a classificação do dano já se inicia sob as perspectivas patrimoniais e extrapatrimoniais, não havendo esta distinção entre a sua incidência à pessoa e a coisas, o que, na maioria dos casos, não ocasiona maiores problemas no entendimento da temática proposta. No entanto, considerando a posterior necessidade de classificar com exatidão a natureza jurídica da responsabilidade civil pela perda de uma chance, tal estudo se mostra pertinente.

Importante salientar que, conforme será observado no próximo título, esta classificação se interliga à que distingue o dano patrimonial do extrapatrimonial, sendo conciliáveis e complementares ambas as definições.

Mas, enfim, conceituado o que se entende por dano à pessoa e a coisas, tem-se que:

Fala-se em danos pessoais, ou à pessoa, quando são afetados valores ligados à própria pessoa do lesado, nos aspectos físico, psíquico ou moral, mesmo quando não seja caracterizável um direito de personalidade. Fala-se em danos a coisas, ou danos materiais, quando se atingem objeto do mundo externo (objetos materiais ou coisas incorpóreas) (NORONHA, 2010, p. 581, grifos do autor).

Observa-se desse sucinto conceito que, quanto à coisa, a priori não há dificuldade em verificar a ocorrência do dano e classificá-lo, haja vista que ele estará evidenciado tão logo sejam apresentados elementos que demonstrem prejuízos decorrentes da deterioração, subtração e/ou violação de determinado objeto (podendo ser, inclusive, coisa incorpórea36). Alerte-se, entretanto, conforme indicado pelo próprio autor, que o uso da expressão “dano material” deve ser evitado, por ser ela utilizada como sinônima de “dano patrimonial” (NORONHA, 2010, p. 581).

No que se refere à pessoa, as situações demandam um maior cuidado, diante da existência de alguns desdobramentos.

Fernando Noronha (2010, p. 584) defende que há duas espécies de danos à pessoa, quais sejam, os danos corporais (também denominados à saúde ou biológicos) e os danos anímicos (ou morais em sentido estrito). Segundo o autor, são estes referentes à alma e aqueles ao corpo humano, ou seja:

[...] os danos corporais, à saúde ou biológicos são aqueles que atingem o suporte vivo, a integridade físico-psíquica da pessoa, abrangendo desde as lesões corporais até a privação da vida, passando pelas situações em que as pessoas ficam incapazes de experimentar sensações, ou de entender e querer, devido a lesões no sistema nervoso central (patologias neurológicas e psiquiátricas). Os danos anímicos, ou morais em sentido estrito, por seu turno, serão todas as ofensas que atinjam as pessoas nos aspectos relacionados com os sentimentos, a vida afetiva, cultural e de relações sociais; eles traduzem-se na violação de valores ou interesses puramente espirituais ou afetivos, ocasionando perturbações na alma do ofendido (NORONHA, 2010, p. 584, grifos do autor).

Conclui-se, portanto, que a diferença existente entre as espécies de dano à pessoa pode ser devidamente encontrada por um critério de eliminação, de modo que aqueles danos que não repercutam fisicamente no ofendido serão anímicos, entendendo-se por físicos os originários de morte ou de patologias37. No mesmo contexto, em leitura inversa, os demais casos serão de danos corporais (ou seja, os decorrentes de morte ou patologias – incluindo mentais).

Fixadas essas diretrizes, fica fácil distinguir um dano moral em sentido estrito (ou anímico) de um dano corporal externo, como a morte, lesão à integridade física etc. Contudo, tal praticidade não é encontrada na diferenciação entre um dano anímico e um corporal interno, ocorrente naquelas situações de patologias psiquiátricas ou neurológicas38. A forma de apresentação do resultado danoso pode ser bem próxima.

Nesse cenário, é importante que haja um grande cuidado na diferenciação dessas duas espécies de dano (anímico e corporal interno), uma vez que as consequências jurídicas são divergentes para cada uma delas. Conforme expõe o citado Fernando Noronha (2010, p. 585), no caso de dano corporal o cabimento e critérios da indenização serão mais objetivos, tendo como base o laudo de avaliação médica sobre as capacidades e incapacidades do ofendido. Ao contrário, nos casos de danos anímicos a apreciação será subjetiva, cabendo ao magistrado julgar sobre a existência do alegado dano e fixar o montante devido consoante o seu prudente arbítrio.

Outro ponto a ser destacado é que a existência de um dano não impede a configuração de outros em decorrência do mesmo fato. Sobre essa questão, o indigitado autor leciona da seguinte forma:

[...] podemos ter um mesmo fato causando simultaneamente danos materiais e pessoais, como também podemos ter um fato causando danos biológicos e anímicos. Temos danos à pessoa e a coisas quando seja destruído objeto ou animal que possua um interesse espiritual ou afetivo para o titular. Temos ao mesmo tempo um dano biológico e um dano anímico no caso de lesão que deixa uma pessoa paraplégica (NORONHA, 2010, p. 585)39.

Como já havia sido dito e se verifica novamente desse trecho, os conceitos e classificações trabalhados neste título não são antagônicos entre si, de modo que podem cumular-se em uma mesma situação. Fernando Noronha (2010, p. 585) assevera que isso ocorre porque “[...] o que interessa é sempre, não a violação do bem, mas a esfera jurídica em que a lesão reflete”. Ou seja, havendo reflexo em várias esferas jurídicas, haverá, por consequência, uma pluralidade de danos.

São esses, portanto, os principais esclarecimentos sobre essa classificação em que os danos podem ser inseridos.

Repisando, determinado fato pode, então, originar danos a coisas e à pessoa, sendo que estes se subdividem entre danos corporais (biológicos ou à saúde) e danos anímicos (ou morais em sentido estrito). Conforme referido acima, tais espécies podem se configurar isoladamente ou de forma cumulativa, a depender da esfera jurídica violada.

Por derradeiro, importante consignar que há uma natural tendência em se comparar qual seria a forma mais adequada para examinar o dano: quanto à pessoa e a coisas ou patrimonial e extrapatrimonial40. Noronha (2010, p. 592), por exemplo, sustenta que é mais importante observar o dano sob aquela ótica do que sob esta, tendo em vista que a configuração do dever de indenizar decorre da inserção do fato em uma das hipóteses ora expostas.

Data venia, não se concorda com essa comparação, considerando que os institutos não se repelem, mas, ao contrário, se complementam e permitem o conhecimento mais abrangente da verdadeira essência do dano. As perspectivas apresentam apenas focos diferentes, sendo impossível valorar qual a maior importância entre cada uma delas. Ademais, os conceitos de dano patrimonial e extrapatrimonial estão tão consolidados, que seria impossível falar em responsabilidade civil sem a devida apreciação do que eles indicam.

2.2.2.2 Dano patrimonial e extrapatrimonial

Reforçando o que já foi dito anteriormente, é importante ressaltar que os institutos ora examinados não concorrem com a definição do dano entre “à pessoa” e “a coisas” estudada no título acima, de modo que para um mesmo fato serão dadas as competentes classificações sob ambas as perspectivas. Como será visto adiante, um mesmo dano pode ser, por exemplo, à pessoa e extrapatrimonial, concomitantemente.

Feito esse necessário esclarecimento, passemos à temática em foco.

Para iniciar este estudo faz-se necessário registrar que a distinção entre estas duas categorias de danos está diretamente ligada à noção de patrimônio, que, nas palavras de Fernando Noronha (2010, p. 590), consiste no “[...] complexo de direitos e de obrigações de uma pessoa que sejam suscetíveis de avaliação econômica, isto é, de valoração em termos pecuniários [...]”. Apesar de ser óbvia essa afirmativa, é importante tê-la como pressuposto do exame que se segue.

A começar pelo dano patrimonial, tem-se por ele o seguinte entendimento:

O dano patrimonial, como o próprio nome diz, também chamado de dano material, atinge os bens integrantes do patrimônio da vítima, entendendo-se como tal o conjunto de relações jurídicas de uma pessoa apreciáveis em dinheiro. Nem sempre, todavia, o dano patrimonial resulta da lesão de bens ou interesses patrimoniais [...] a violação de bens personalíssimos, como o bom nome, a reputação, a saúde, a imagem, e a própria honra, pode refletir no patrimônio da vítima, gerando perda de receitas ou realização de despesas – o médico difamado perde a sua clientela –, o que para alguns autores configura o dano patrimonial indireto (CAVALIERI FILHO, 2006, p. 96).

Em observância a esse conceito, fato que chama a atenção é o uso da expressão “dano material” como sinônima de dano patrimonial. Conforme mencionado no título anterior, Fernando Noronha (2010, p. 581) entende que tal equiparação é tecnicamente incorreta, tendo em vista que essa nomenclatura se refere aos danos a coisas. No entanto, até mesmo ele admite que o termo já se consolidou no sentido ora empregado. Assim, a fim de evitar posterior confusão na discriminação dos institutos, fica consignado que nesta pesquisa o termo “dano material” será adotado como sinônimo de dano patrimonial. Apesar da controvérsia suscitada pelo referido autor, não há motivos para se questionar o uso do termo tão difundido nesse sentido.

Outro fato a ser destacado é a possibilidade de o dano patrimonial decorrer de uma lesão à pessoa, ainda que anímica (ou moral em sentido estrito). Conforme será exposto adiante, tais ofensas têm por características principais originarem danos extrapatrimoniais, mas, como se observa, nada obsta que ensejem também os danos materiais.

Reforçando o mencionado exemplo de ofensa a direito personalíssimo que resulta em dano patrimonial, é possível visualizar uma calúnia em desfavor de um empregado, levando-o à perda de seu emprego. Nesta hipótese certamente haverá a cumulação de indenização por danos materiais com danos extrapatrimoniais.

Conclui-se, portanto, que o pressuposto para a existência de danos dessa natureza (materiais) é o seu reflexo na esfera pecuniária, de modo que a sua incidência requer apenas a violação de um bem com valor predeterminado ou passível de conversão em dinheiro, de acordo com as regras e referências de mercado (NORONHA, 2010, p. 590).

Ainda sobre o dano patrimonial, é importante mencionar que ele pode surgir sob dois aspectos: dano emergente e lucros cessantes. Em apertada síntese, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 87) definem que o dano emergente é “[...] correspondente ao efetivo prejuízo experimentado pela vítima, ou seja, ‘o que ela perdeu [...]”, ao passo que os lucros cessantes são “[...] correspondente àquilo que a vítima deixou razoavelmente de lucrar por força do dano, ou seja, ‘o que ela não ganhou”.

Por considerar que esses dois desdobramentos merecem uma atenção maior, assim como para não se desviar do objeto em destaque até aqui, serão eles estudados separadamente no próximo título, sendo agora sequenciado o estudo com o exame dos danos extrapatrimoniais.

Do mesmo modo que ocorre com o supracitado dano material, aqui também há um sinônimo para identificar o dano extrapatrimonial, qual seja, o “dano moral”.

Tanto o citado Fernando Noronha (2010, p. 590-591) quanto Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 102) concordam que o termo “dano moral” não é tecnicamente adequado para o tratamento do instituto. Noronha afirma que o verdadeiro dano moral seria aquele decorrente de dano anímico à pessoa (dano moral em sentido estrito), continuando mais adequada apenas a expressão “extrapatrimonial” para os demais casos. Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona, em contrapartida, indicam que, além do “dano moral”, até mesmo a expressão “extrapatrimonial” não satisfaz o seu propósito. Para eles existem prejuízos não aferíveis pecuniariamente que excedem a esfera extrapatrimonial (seria, por exemplo, o “patrimônio moral”). Assim, a expressão correta seria “danos não materiais”. Não obstante tais objeções, ambos os autores admitem o uso da expressão “danos morais”, tendo em vista que ela já se consolidou na doutrina e jurisprudência como sinônima de extrapatrimoniais41.

Discorrendo sobre essa modalidade de danos, assim lecionam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 89-90):

[...] o dano poderá atingir outros bens da vítima, de cunho personalíssimo, deslocando o seu estudo para a seara do denominado dano moral. Trata-se, em outras palavras, do prejuízo ou lesão de direitos, cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro, como é o caso dos direitos da personalidade, a saber, o direito à vida, à integridade física (direito ao corpo, vivo ou morto, e à voz), à integridade psíquica (liberdade, pensamento, criações intelectuais, privacidade e segredo) e à integridade moral (honra, imagem e identidade) [...].

Em sentido semelhante ao dessa definição, mas se aprofundando ainda mais na essência do conceito, Sergio Cavalieri Filho (2006, p. 100-102) assevera que o exame do dano moral já não demanda saber se ele é passível de indenização ou se esta pode ser cumulada com o dano material, haja vista tais fatos já estarem superados pela doutrina e jurisprudência, sendo positiva a resposta para ambas as questões42. Segundo o autor, o que se faz necessário é apreciar o instituto sob a “ótica da Constituição de 1988”, ou seja, priorizando a dignidade humana.

Partindo dessa concepção, Cavalieri Filho (2006, p. 101) indica que o dano moral poderá ser observado por duas perspectivas: em sentido amplo e em sentido estrito. A respeito desta última, assim ensina:

Em sentido estrito, dano moral é violação do direito à dignidade. E foi justamente por considerar a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem corolário do direito à dignidade que a Constituição inseriu em seu art. 5º, V e X, a plena reparação do dano moral. Este é, pois, o novo enfoque constitucional pelo qual deve ser examinado o dano moral [...]. Nessa perspectiva, o dano moral não está necessariamente vinculado a alguma reação psíquica da vítima. Pode haver ofensa à dignidade da pessoa humana sem dor, vexame, sofrimento, assim como pode haver dor, vexame e sofrimento sem violação da dignidade. Dor, vexame, sofrimento e humilhação podem ser consequências, e não causas. Assim como a febre é o efeito de uma agressão orgânica, a reação psíquica da vítima só pode ser considerada dano moral quando tiver por causa uma agressão à sua dignidade (CAVALIERI FILHO, 2006, p. 101, grifos do autor).

Conforme se verifica, por meio dessa definição o autor estimula a adoção de um critério mais objetivo para a identificação do dano, sendo ele a ofensa à dignidade da pessoa humana. O principal objetivo dessa abordagem é estender a tutela jurídica do dano moral às vítimas que, por alguma razão, não possuem condições de experimentar um sofrimento anímico. Nas palavras do autor, são exemplos dessas pessoas os “[...] doentes mentais, as pessoas em estado vegetativo ou comatoso, crianças de tenra idade e outras situações tormentosas” (CAVALIERI FILHO, 2006, p. 101).

Pelo critério exposto, a incidência do dano e consequente responsabilidade, não serão aferidas somente pelos sintomas que a vítima apresentar (ou não apresentar), mas pela conduta que objetivamente feriu o direito inerente à condição de ser humano. Todos, portanto, estarão juridicamente amparados em sua esfera moral.

No que concerne ao dano moral em sentido amplo, Sergio Cavalieri Filho (2006, p. 102) assevera que a sua incidência decorre de uma ofensa aos denominados “novos direitos da personalidade”, os quais sobejam o campo de atuação da referida dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, ele se manifesta nos seguintes termos:

Os direitos da personalidade, entretanto, englobam outros aspectos da pessoa humana que não estão diretamente vinculados à sua dignidade. Nessa categoria incluem-se também os chamados novos direitos da personalidade: a imagem, o bom nome, a reputação, sentimentos, relações afetivas, aspirações, hábitos, gostos, convicções políticas, religiosas, filosóficas, direitos autorais. Em suma, os direitos da personalidade podem ser realizados em diferentes dimensões e também podem ser violados em diferentes níveis. Resulta daí que o dano moral, em sentido amplo, envolve esses diversos graus de violação dos direitos da personalidade, abrange todas as ofensas à pessoa, considerada esta em suas dimensões individual e social, ainda que sua dignidade não seja arranhada (CAVALIERI FILHO, 2006, p. 102).

Extrai-se, desse entendimento de Sergio Cavalieri Filho, que o dano moral em sentido amplo tem caráter residual, abrangendo aqueles casos que não apresentem ofensa à dignidade da pessoa humana, mas, ainda assim, lesione um direito personalíssimo (sendo eles, especificamente, os novos direitos da personalidade).

Diante dos conceitos acima, conclui-se, em síntese, que o dano extrapatrimonial (ou moral) decorre de todas as lesões a bens personalíssimos, cujo prejuízo experimentado pela vítima não possa ser mensurado em dinheiro comercialmente.

Importante ressaltar, por oportuno, que a mencionada lesão a bens personalíssimos não será obrigatoriamente direta, ou seja, haverá casos em que uma lesão a um bem patrimonial também resultará, indiretamente, em ofensa à dignidade ou a outro direito da personalidade (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 113). São exemplos clássicos dessa ocorrência a destruição de um antigo e único álbum de família, assim como a morte de um animal de estimação. Ambos os danos patrimoniais têm reflexo indireto na esfera moral do ofendido43.

Ainda, nesse contexto, é pertinente mencionar que nem todos os dissabores experimentados pelo ofendido serão passíveis de tutela jurisdicional. Algumas situações desagradáveis são inerentes à condição da vida em sociedade. A responsabilidade far-se-á presente, portanto, apenas naquelas situações em que o dano for juridicamente relevante. Nas palavras de Silvio de Salvo Venosa (2012, p. 46):

Não é também qualquer dissabor comezinho da vida que pode acarretar a indenização. Aqui, também é importante o critério objetivo do homem médio, o bonus pater familias: não se levará em conta o psiquismo do homem excessivamente sensível, que se aborrece com fatos diuturnos da vida, nem o homem de pouca ou nenhuma sensibilidade, capaz de resistir sempre às rudezas do destino. Nesse campo, não há fórmulas seguras para auxiliar o juiz. Cabe ao magistrado sentir em cada caso o pulsar da sociedade que o cerca. O sofrimento como contraposição reflexa da alegria é uma constante do comportamento humano universal.

Como se vê, há um liame tênue separando alguns danos extrapatrimoniais de meros aborrecimentos, sobretudo no que se refere àqueles danos anímicos, devendo haver certo cuidado nessa distinção44.

Outro aspecto que deve ser salientado é a natureza jurídica da reparação do dano extrapatrimonial. Ao contrário do que ocorre com os danos materiais, os danos morais não são passíveis de indenização propriamente dita, uma vez que, tecnicamente, este termo remete ao retorno da situação ao status quo ante45, como se nada houvesse ocorrido com o ofendido. Isto é impossível nesse tipo de dano, uma vez que não será o dinheiro, por exemplo, que irá afastar da vítima os efeitos de uma difamação. Pode se dizer, portanto, que a natureza jurídica dessa “reparação”46 é compensatória. Trata-se de uma espécie de lenitivo ofertado à vítima, a fim de que ela se recupere dos efeitos danosos experimentados (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 122-125).

Não obstante tais imprecisões terminológicas, tem-se que a expressão “indenização” continua sendo a mais conveniente para apontar a reparação de danos de qualquer natureza. O seu uso foi tão difundido que não há razões para abandoná-lo (é, inclusive, esforço inócuo). Contudo, é necessário que haja essa ciência, para fins acadêmicos.

Também é importante frisar que, conforme já foi falado, nada obsta a cumulação dos danos morais com danos de outras espécies – materiais e estéticos, por ora (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 125). Nesse sentido, há, inclusive, as Súmulas 37 e 387 do Superior Tribunal de Justiça, que assim dispõem:

37. São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.

[...]

387. É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 1552 e 1560).

Como se verifica, e também já havia sido mencionado anteriormente, o que será observado no momento da reparação é a esfera jurídica atingida, podendo um mesmo fato atingir várias delas, concomitantemente. É o que acontece com os danos indiretos citados acima.

Ponto igualmente relevante a ser esclarecido, diz respeito à possibilidade de uma pessoa jurídica ser vitimada por um dano extrapatrimonial. A resposta para tanto só pode ser positiva. É inquestionável, por exemplo, que difamações ou calúnias ferem diretamente a reputação e imagem de uma empresa. Ademais, ao versar sobre a possibilidade de reparação dos danos morais, o ordenamento jurídico pátrio jamais excluiu de seu texto as pessoas jurídicas. Ao contrário, inseriu o artigo 52 no vigente Código Civil, dizendo que “Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 126-128). Nesse mesmo sentido, a jurisprudência não destoa, tendo o Superior Tribunal de Justiça editado a Súmula 227, firmando o seguinte posicionamento: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral” (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 1556). Logo, qualquer controvérsia sobre esta questão já está superada.

Sobre o dano moral, são essas as principais considerações a serem tecidas, por ora. Apesar de a matéria sobejar esta exposição, o objeto da pesquisa contenta-se com tais esclarecimentos47.

Finalizando este título, não se pode deixar de reconhecer que os institutos aqui tratados permeiam os danos à pessoa e a coisas, debatidos anteriormente. Deve ser reforçado, portanto, que a classificação do dano entre essas quatro espécies não é um processo de exclusão, cabendo, no caso concreto, serem cumuladas as características que melhor descrevam determinada ofensa, a fim de que seja ela reparada com a tutela jurídica mais adequada. Sobre essa questão, esclarecedoras são as palavras de Fernando Noronha (2010, p. 595):

Considerando os reflexos patrimoniais ou extrapatrimoniais das ofensas que atinjam pessoas ou coisas, o que podemos dizer é que os prejuízos infligidos a coisas normalmente terão como reflexo danos de natureza patrimonial, ao passo que os prejuízos à pessoa andam normalmente associados a danos extrapatrimoniais. Mas os danos a coisas podem, embora raramente, ter repercussões extrapatrimoniais, enquanto os danos pessoais com frequência terão também reflexos patrimoniais. Os danos à pessoa afetam sempre valores extrapatrimoniais (lesões corporais, sofrimentos físicos ou psíquicos, etc.), mas muitas vezes traduzir-se-ão em prejuízos patrimoniais (pela redução da capacidade de trabalho, pela diminuição da clientela, etc.).

Tecidas essas considerações, conclui-se que há, portanto, três espécies-base de danos: os danos extrapatrimoniais à pessoa serão chamados de “danos pessoais puros”; os danos à pessoa com efeitos patrimoniais serão denominados “danos pessoais impuros”; e a terceira espécie é o dano a coisas, que só pode ser patrimonial – muito embora os efeitos indiretos possam causar danos extrapatrimoniais (NORONHA, 2010, p. 595-596).

2.2.2.3 Dano emergente, lucros cessantes e dano presumido

Os danos emergentes e lucros cessantes são variações do estudado dano material (ou patrimonial). A primordial diferença encontrada entre eles é que o primeiro ofende o patrimônio presente da vítima, enquanto o segundo tem a atuação voltada para os seus bens futuros (CAVALIERI FILHO, 2006, p. 97).

Regulamentando a matéria, assim dispõe o artigo 402, do Código Civil vigente:

Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 175).

Observa-se desse dispositivo, que não há maiores percalços para se identificar o dano emergente. Como ensina Sergio Cavalieri Filho (2006, p. 97), basta observar a situação do patrimônio da vítima antes do dano e subtrair dela o que lhe restou depois. A diferença encontrada corresponderá ao que ela efetivamente perdeu e deve ser ressarcida ou compensada. Tem-se, nesse contexto, o caso do sujeito que se envolve em um acidente e sofre a perda total de seu carro. O dano será correspondente ao valor do carro que ele tinha e agora não tem mais.

Essa dinâmica é válida também para mensurar os danos extrapatrimoniais. Nestes deverá ser considerado se houve alguma diminuição na esfera atacada. É o exemplo da pessoa que tinha bom nome e, depois de uma difamação, perdeu essa prerrogativa. O dano consiste na perda desse bem personalíssimo e a indenização será medida em torno do que ele representava à vítima48.

Os lucros cessantes, por seu turno, também obedecem a fórmula semelhante. O que se altera é a perspectiva sob a qual são observados os fatores da equação. Enquanto nos danos emergentes se subtrai o que a vítima tem no presente do que ela tinha no passado, nos lucros cessantes é subtraído o patrimônio que ela tem no presente do que ela teria no futuro, se não houvesse o dano. Esse exercício foi denominado de “teoria da diferença” pela doutrina alemã, servindo tanto para identificar se houve o dano quanto para medir a sua extensão e viabilizar a fixação da indenização cabível (CAVALIERI FILHO, 2006, p. 98).

Como se vê, nesta segunda hipótese o exame deve ter o olhar voltado para o futuro. Nas palavras de Venosa (2012, p. 42) “[...] deve ser considerado o que a vítima teria recebido se não tivesse ocorrido o dano”.

Aprimorando esse conceito, Sergio Cavalieri Filho (2006, p. 97) apresenta a seguinte definição:

Consiste, portanto, o lucro cessante na perda do ganho esperável, na frustração da expectativa de lucro, na diminuição potencial do patrimônio da vítima. Pode decorrer não só da paralisação da atividade lucrativa ou produtiva da vítima, como, por exemplo, a cessação dos rendimentos que alguém já vinha obtendo da sua profissão, como, também, da frustração daquilo que era razoavelmente esperado.

Um exemplo clássico a ser citado é o caso do taxista que tem o seu carro abalroado culposamente por outrem. Ele fará jus à indenização pelo custo do conserto (dano emergente), bem como, a título de lucros cessantes, pelos valores que deixou de receber enquanto o seu taxi estava impossibilitado de circular (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 88).

Ampliando o rol de incidência do instituto, Venosa (2012, p. 42) assevera, ainda, que não se trata apenas de lucros cessantes propriamente ditos, sendo abrangidos também os prejuízos que poderiam ser evitados. Como ilustração, cita os gastos da vítima de um acidente automobilístico com o aluguel de um carro, tendo em vista que o seu está parado em uma oficina. Para o autor, o que define a inserção do dano nesta categoria é a sua projeção para o futuro.

Tais questões, no entanto, não são objetos das maiores discussões. O que demanda mais cautela é a parte do supracitado dispositivo legal (artigo 402 do CC/02) que afirma ser devido ao credor o que ele “razoavelmente deixou de lucrar” (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 175).

A começar pelo termo “razoavelmente”, sobre ele já se encontra uma divergência doutrinária. Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 87-88) entendem que o intuito do legislador ao se manifestar dessa forma foi o de indicar sobre a existência do prejuízo, não o seu montante. Ou seja, deverá ser observado se o dano alegado é razoável (no sentido de verossímil). Quanto à sua quantidade, far-se-á necessário que seja ela devidamente comprovada pela vítima com exatidão/certeza, não apenas por meio da razoabilidade. Mesmo em se tratando de estimativas, é exigível que contenham uma consistente carga probatória.

Em sentido diverso, Sergio Cavalieri Filho (2006, p. 98) e Sílvio de Salvo Venosa (2012, p. 42) afirmam que a razoabilidade diz respeito ao montante do dano. Para eles, basta que haja comprovação de que a extensão da perda alegada pela vítima seja razoável.

Tais dissonâncias, no entanto, produzem efeitos práticos apenas no campo processual, pelo que, por ora, basta que fique clara a essência do instituto em exame. Portanto, sem apego à divergência suscitada pelos autores, o importante é saber a forma de se tratar o lucro cessante e, sobre isso, assim leciona Sérgio Cavalieri Filho (2006, p. 98):

Não é fácil, como se vê, estabelecer até onde o fato danoso projeta sua repercussão negativa no patrimônio da vítima. Nessa tarefa penosa deve o juiz valer-se de um juízo de razoabilidade, de um juízo causal hipotético, que, segundo Larenz, seria o desenvolvimento normal dos acontecimentos, caso não tivesse ocorrido o fato ilícito gerador da responsabilidade civil. Deve o juiz mentalmente eliminar o ato ilícito e indagar se aquilo que está sendo pleiteado a título de lucro cessante seria a conseqüência do normal desenrolar dos fatos; se aquele lucro poderia ser razoavelmente esperado, caso não tivesse ocorrido o ato ilícito.

Consoante se extrai desse trecho, nem sempre será fácil vislumbrar a ocorrência deste dano, considerando que ele trabalha com uma parcela considerável de fatores aleatórios. No entanto, analisando os elementos apresentados pelo ofendido sob a perspectiva dos critérios de experiência comum é possível a aplicação da competente tutela jurídica. Afinal, conforme menciona Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 72-73):

[...] levando-se em conta o novo paradigma da responsabilidade civil, em que os requisitos estão bastante relativizados, é fácil concordar com Aguiar Dias quando este afirma que “a condição de impossibilidade matematicamente exata da avaliação só pode ser tomada em benefício da vítima e não em seu prejuízo”.

Sobre o sentido desses critérios de experiência comum, pode ser tido como ilustração o mesmo caso do taxista. A decisão judicial pela ocorrência dos lucros cessantes decorre do fato de que ele sempre auferia uma renda mensal média de determinado valor, sendo ela compatível com o exercício dessa profissão. Presume-se, assim, que ele faria jus a essa mesma quantia nos meses em que o seu veículo ficou na oficina49. Da mesma forma, se o sinistro ocorresse no período de carnaval e a vítima morasse em cidade litorânea, poderia ser concedida uma indenização com valor ainda maior, considerando que é de conhecimento de todos o aumento de suas atividades naqueles dias (CAVALIERI FILHO, 2006, p. 98-99).

Outro requisito para a configuração do lucro cessante consta do artigo 403 do Código Civil de 200250 e consiste na necessidade dele ser efeito direto e imediato da conduta apontada como sua causa. Tal exigência diz respeito à relação de causalidade e, portanto, será melhor examinada no próximo capítulo. Por enquanto, somente é importante ter a ciência de que será reconhecida a responsabilidade apenas quando a conduta do ofensor tiver vínculo de necessariedade com prejuízo. Ou seja, o dano alegado não poderá ser imputado a causas remotas ou meras hipóteses desarrazoadas (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 89).

A propósito, um grande problema enfrentado nos pleitos indenizatórios e, sobretudo, nesta espécie de dano, é a constante tentativa de supostas vítimas enriquecerem indevidamente, aproveitando-se das tutelas jurídicas. A esse respeito, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 88) manifestam-se nos seguintes termos:

Claro está que o dano emergente e os lucros cessantes devem ser devidamente comprovados na ação indenizatória ajuizada contra o agente causador do dano, sendo de bom alvitre exortar os magistrados a impedirem que vítimas menos escrupulosas, incentivadoras da famigerada “indústria da indenização”, tenham êxito em pleitos absurdos, sem base real, formulados com o nítido propósito, não de buscar ressarcimento, mas de obter lucro abusivo e escorchante.

Portanto, conclui-se que, muito embora estejam presentes fatores aleatórios no exame dos lucros cessantes, somente haverá indenização acaso haja uma carga probatória robusta e inequívoca.

Por derradeiro, tem-se os danos presumidos, ou também denominados in re ipsa (pela força dos próprios fatos). Essa espécie de dano é uma derivação dos danos morais, presente nas situações em que é dispensada a prova da ofensa, diante do notório caráter danoso do fato experimentado pela vítima (2013)51.

As hipóteses em que é viável essa presunção não são taxativas, de modo que a jurisprudência as determina na medida em que os casos vão sendo julgados. Recentemente o Superior Tribunal de Justiça publicou uma matéria sobre o assunto e manifestou o seu atual entendimento sobre quais as situações se norteiam por esse critério (2013)52.

Encabeça essa lista o dano decorrente de inscrição indevida do nome de uma pessoa nos cadastros de inadimplentes (SPC, SERASA etc.). Na sequência, são vistos os casos de responsabilidade bancária, em razão de extravio de talões de cheque (culminando no uso do documento em prejuízo do cliente). Adiante, tem-se os casos de atrasos de vôo, seja incidindo sobre o próprio passageiro ou sobre as suas bagagens e mercadorias. Outras duas situações são o curso universitário que emite diploma sem reconhecimento pelo Ministério da Educação, assim como demora a entregar o competente documento, e o caso em que a administração pública se equivoca em desfavor do administrado. Por fim, está incluso também o desvio de credibilidade, consistente naqueles casos em que se associa indevidamente o nome ou imagem de alguém a uma instituição ou marca. Os ministros entendem que “[...] a própria utilização indevida da imagem com fins lucrativos caracteriza o dano [...]”53 (2013)54.

Os julgados que versaram sobre a inscrição indevida do nome nos cadastros de inadimplente ponderam, entretanto, que não fará jus à indenização aquelas pessoas cujos nomes já estejam inseridos por outras razões lícitas55 56. Também é destacado o fato de que os alunos das instituições não credenciadas apenas serão indenizados se não tiverem sido previamente cientificados por elas da existência de tal irregularidade (2013)57.

Conforme se observa, as circunstâncias que recebem esse tratamento são, em regra, aquelas que demandam ônus probatório exacerbado à vítima, destinando-se o instituto a retirar-lhes a hipossuficiência.

Concluindo, é importante frisar que os danos materiais não estão sujeitos a esse tipo de tratamento, devendo ser eles devidamente comprovados pela pretensa vítima (2013)58.

2.2.2.4 Dano estético

Complementando o contexto dos danos patrimoniais e morais, apresenta-se o dano estético como outra figura que merece especial atenção.

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 125) o conceituam como “[...] aquele que viola a imagem retrato do indivíduo, havendo respaldo constitucional para esta afirmação na previsão da garantia do ‘direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem’ (artigo 5.º, V)”.

Aprimorando essa definição, Sergio Cavalieri Filho (2006, p. 122-123) acrescenta que os danos estéticos se consubstanciam em “[...] marcas e outros defeitos físicos que causem à vítima desgosto ou complexo de inferioridade – como, por exemplo, cicatriz no rosto da atriz manequim ou ator”.

Diante desses conceitos, fica evidenciado, portanto, que esta espécie de dano será vislumbrada naqueles casos em que a vítima experimenta uma lesão com consequências na sua aparência, ou, como o próprio nome diz, na sua estética.

Apesar de haver algumas controvérsias jurisprudenciais, vários doutrinadores, a exemplo do professor André Barros (2013)59, afirmam que mesmo as lesões escondidas dão ensejo à responsabilidade, sendo exigido apenas que elas se situem na parte externa do corpo. Já a 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, por exemplo, é contrária a esse entendimento, ao argumento de que a lesão experimentada pela vítima deve ser aparente. Em julgado de relatoria do Desembargador Luciano Pinto, foi exposto o seguinte entendimento:

APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. CICLISTA. PARADA OBRIGATÓRIA. DESOBEDIÊNCIA. CONVERSÃO EM ALTA VELOCIDADE. VEÍCULO DO RÉU NA CONTRAMÃO. COLISÃO. CULPA CONCORRENTE. MITIGAÇÃO DA CULPA DO RÉU. TRANSEUNTES NA SUA PISTA DE ROLAMENTO. DESVIO OBRIGATÓRIO PARA A CONTRAMÃO. DANOS MORAIS E ESTÉTICOS. CUMULAÇÃO. CICATRIZ NO ROSTO. POSSIBILIDADE. [...] A jurisprudência já se firmou no sentido de que a cumulação de indenização por dano moral e dano estético é cabível quando este último está arrimado em lesão física aparente, que impinge à vítima constrangimento, como no caso de cicatriz no rosto [...] (TJMG, Relator: Des. Luciano Pinto, Data do julgamento: 31/03/2011, Número do Processo: 1.0073.06.027248-8/001) (2013) 60.

Sobre essa questão, portanto, ainda não há um posicionamento unânime, podendo ser encontradas decisões nos dois sentidos.

Essa dissonância, no entanto, não é o que mais interessa a esta pesquisa. O ponto principal a ser examinado é a natureza jurídica do instituto. O que se indeniza é dano material, moral ou uma terceira hipótese diversa?

Para fazer essa análise é necessário ponderar, inicialmente, que um dano de natureza estética pode ocasionar tanto danos materiais quanto morais. Estes pelo sofrimento psicológico da vítima em ver o seu corpo maculado e, aquele, por eventual incapacidade laborativa, por exemplo (CAVALIERI FILHO, 2006, p. 123). Não obstante tais danos, o que se pretende saber é sobre a possibilidade de haver uma terceira indenização, em decorrência da lesão propriamente dita (apartada dos demais danos).

Para Sergio Cavalieri Filho (2006, p. 124), o dano estético é uma simples variação do dano moral, de modo que o montante indenizatório deverá ser elevado nas hipóteses de configuração da lesão estética.

Em contrapartida, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 126) entendem serem autônomas as três modalidades, havendo, assim, uma tricotomia de danos indenizáveis.

Corroborando esse entendimento, tem-se o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, que, diante das constantes demandas com este mesmo objeto, editou a Súmula 387, que dispõe ser “[...] lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral” (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 1560).

Para que essa cumulação seja possível, entretanto, é necessário que o fato apresente uma nítida distinção entre as duas esferas jurídicas atacadas. Também nesse sentido, assim se manifestou o STJ:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE FERROVIÁRIO. QUEDA DE TREM. DANOS MATERIAL E MORAL RECONHECIDOS NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. DANO ESTÉTICO AUTÔNOMO. DIREITO À REPARAÇÃO. RECURSO PROVIDO. 1. "É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral" (Súmula 387/STJ), ainda que derivados de um mesmo fato, mas desde que um e outro possam ser reconhecidos autonomamente, sendo, portanto, passíveis de identificação em separado. 2. Na hipótese em exame, entende-se configurado também o dano estético da vítima, além do já arbitrado dano moral, na medida em que, em virtude de queda de trem da companhia recorrida, que trafegava de portas abertas, ficou ela acometida de "tetraparesia espástica", a qual consiste em lesão medular incompleta, com perda parcial dos movimentos e atrofia dos membros superiores e inferiores. Portanto, entende-se caracterizada deformidade física em seus membros, capaz de ensejar também prejuízo de ordem estética. 3. Considera-se indenizável o dano estético, autonomamente à aflição de ordem psíquica, devendo a reparação ser fixada de forma proporcional e razoável. 4. Recurso especial provido (STJ, Relator: Min. Raul Araújo, Data do julgamento: 19/04/2012, Número do Processo: 2006/0005009-7 e REsp 812506) (2013)61.

Portanto, a depender do caso, lesões irrisórias, ou pelo menos aparentemente assim, serão apenas objeto de dano moral (e/ou, talvez, material).

Conclui-se dessas observações que, atualmente, o direito pátrio impõe responsabilidade pelas três espécies de danos: material, moral e estético62. Devem ser observadas no caso concreto quais as esferas jurídicas foram atacadas. Se num mesmo fato ficar evidenciado que a lesão maculou todas elas, haverá a cumulação dos três institutos.

Outra conclusão que pode ser deduzida pelo estudo realizado até aqui, é que o dano estético sempre estará inserido nas espécies de danos corporais à pessoa63, haja vista que a coisa não tem esse bem jurídico protegido. Eventual lesão a ela será tratada pelas demais categorias de dano.

2.2.2.5 Dano social

Apesar de não manter uma relação direta com o propósito da pesquisa, é importante mencionar, a título de conhecimento, que há quem defenda uma quarta espécie de dano autônomo, consistente no dano social.

Antônio Junqueira de Azevedo, citado por Vaneska Donato de Araújo (2011, p. 104-105)64, assim leciona sobre o assunto:

[...] a responsabilidade civil deve impor indenização por danos individuais e por danos sociais. Os danos individuais são os patrimoniais, avaliáveis em dinheiro – danos emergentes e lucros cessantes – e os morais –, caracterizados por exclusão e arbitrados como compensação para a dor, para lesões de direitos da personalidade e para danos patrimoniais de quantificação precisa impossível. Os danos sociais, por sua vez, são lesões à sociedade no seu nível de vida, tanto por rebaixamento de seu patrimônio moral – principalmente a respeito da segurança – quanto por diminuição de sua qualidade de vida. Os danos sociais são causa, pois, de indenização punitiva por dolo ou culpa grave, especialmente, repetimos, se atos que reduzem as condições coletivas de segurança, e de indenização dissuasória, se atos em geral da pessoa jurídica, que trazem uma diminuição do índice de qualidade de vida da população.

Conforme se observa desses esclarecimentos, o dano social decorre das consequências negativas que a sociedade experimenta defronte uma conduta dolosa ou gravemente culposa direcionada a um de seus membros. Pode se imaginar como exemplo a insegurança gerada na sociedade pelas constantes fraudes em vendas pela internet.

Extraem-se como pontos principais, portanto, que o dano incide apenas nos casos em que for constatado o dolo ou culpa grave na ação e a sua finalidade é a punição do agente que piorou o meio social com a sua conduta. Tais questões são justamente as que dão ensejo às maiores polêmicas, juntamente com a controvérsia sobre a destinação da verba indenizatória.

Nesse contexto, Vaneska Donato de Araújo (2011, p. 105-106) contraria o posicionamento do citado autor, indicando que a indenização deve se medir pela extensão do dano, assim como servir como forma de retroceder as coisas ao status quo ante. Portanto, o seu foco deve ser a vítima e não o ofensor. Sob esses argumentos, conclui que o critério da punição ou mesmo o grau da culpa é totalmente falho, sendo essa análise irrelevante para o Direito Civil.

No que concerne à destinação da verba indenizatória, o citado Antônio Junqueira de Azevedo afirma que é a vítima do dano principal quem deve receber o montante arbitrado (ARAUJO, 2011, p. 105)65. Em contrapartida, Vaneska Donato de Araújo (2011, p. 105) entende ser adequada a reversão de eventual indenização em favor da sociedade, mediante a constituição de um fundo para tanto. Ela critica veemente a postura do citado autor, ao argumento de que na concepção por ele adotada o dano continua sendo individual, contrariando a sua razão de ser.

Importante ponderar, por fim, que o instituto em destaque não se confunde com os danos difusos. Consoante será visto adiante, esses têm caráter estritamente reparador e não decorre do reflexo de uma lesão a indivíduo determinado. A ofensa ataca diretamente a coletividade (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 93-96).

2.2.3 Outras espécies de danos indenizáveis

Superados os essenciais debates sobre as categorias de danos indenizáveis66, mostra-se prudente mencionar que a doutrina e jurisprudência dão, ainda, especial atenção a algumas outras modalidades de ofensas. Na verdade, são elas apenas derivações dos mencionados institutos, mas, considerando o tratamento específico que recebem, é pertinente que as principais delas sejam destacadas em linhas gerais.

Serão, então, verificados adiante os danos à imagem, infecto e o dano in contrahendo.

2.2.3.1 Dano à imagem

Dentre os direitos da personalidade, também se insere a imagem do indivíduo, e é visando resguardar esse bem jurídico que o artigo 20, do vigente Código Civil, assim preconiza:

Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 153).

Verifica-se desse dispositivo legal que a violação da imagem de uma pessoa é uma das circunstâncias que pode desencadear dano e, por consequência, o dever de reparar67. Resta saber, no entanto, no que consiste essa imagem para o direito.

Em resposta a essa indagação, Sergio Cavalieri Filho (2006, p. 126) afirma que:

[...] a imagem é um bem personalíssimo, emanação de uma pessoa, através da qual projeta-se, identifica-se e individualiza-se no meio social. É o sinal sensível da sua personalidade, destacável do corpo e suscetível de representação através de múltiplos processos, tais como pinturas, esculturas, desenhos, cartazes, fotografias, filmes.

Conclui-se, então, que a imagem é a expressão pela qual determinada pessoa pode ser identificada. É aquela característica que lhe faça peculiar aos demais (seja uma obra de arte, um sinal físico, a sua própria figura etc.).

Consoante já foi mencionado, o dano resultante de uma lesão à imagem não se traduz em uma espécie dissociada dos institutos já estudados. O que se tem propriamente é um exemplo de circunstância que dá ensejo a danos pessoais materiais e/ou morais. Ou seja, continua vigente a tripartição dos danos entre materiais, morais e estéticos68 (CAVALIERI FILHO, 2006, p. 125-127).

O principal motivo de se dar destaque a essa hipótese de incidência dos referidos danos é a gravidade das consequências deles decorrentes. Em ilustração a esse assunto Cavalieri Filho (2006, p. 126) afirma:

Em razão do extraordinário progresso dos meios de comunicação (revistas, jornais, rádios, televisões), a imagem tornou-se um bem extremamente relevante, ao mesmo tempo altamente sensível, capaz de ensejar fabuloso aproveitamento econômico ao seu titular, bem como tremendos dissabores. Através dela é possível multiplicar a pessoa ao infinito, fazendo-a presente em inúmeros lugares ao mesmo tempo, em campanhas publicitária, políticas etc., elevando geometricamente a capacidade econômica do seu titular.

Como se observa, os danos provenientes de violação à imagem são capazes de gerar incomensuráveis perdas patrimoniais, assim como no sentido íntimo do ofendido.

Questão relevante a se ressaltar é a especial característica desse bem jurídico personalíssimo ser disponível, ao contrário do que ocorre com os demais. Sobre tal aspecto, é importante registrar que essa disposição não implica em renúncia ao direito, de modo que, cessando o interesse no negócio, a pessoa volta a ter a sua imagem resguardada, fazendo jus a todas as prerrogativas a ela inerentes (CAVALIERI FILHO, 2006, p. 126-127).

Por fim, ponto também debatido é a possibilidade desse direito ser transferido aos herdeiros. Na concepção de Sergio Cavalieri Filho (2006, p. 127-128) a imagem em si não se transmite, haja vista que os direitos personalíssimos cessam com a morte. Contudo, os efeitos patrimoniais e morais a ela inerentes transcendem à pessoa do de cujos, de modo que os herdeiros passam a ser legítimos para pleitear em juízo por eventual violação à imagem do sucedido. Há, assim, uma conversão em direitos próprios dos sucessores. Em defesa de seus argumentos, o citado autor menciona que seria “[...] desumano exigir que os parentes próximos ao falecido – descendentes, ascendentes e cônjuge – quedassem inertes diante das ofensas contra ele assacadas”.

Conclui-se, então, que apesar de não se tratar de uma nova espécie de dano, a lesão à imagem merece atenção especial diante de suas peculiaridades no tratamento e dos seus elevados efeitos.

2.2.3.2 Dano infecto

Contrapondo os danos emergentes, que se traduzem em prejuízos efetivos e concretos, o dano infecto é marcado pela característica de ser uma lesão apenas possível, eventual, iminente (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 82). Ou seja, não se está diante de um dano propriamente dito, mas de uma circunstância que merece a tutela jurídica, a fim de que não haja um desgaste futuro.

Em seu estudo, portanto, deve ficar clara essa primeira premissa, bem como o fato de que a sua incidência ocorrerá apenas nas relações de vizinhança (SOUSA, 2012)69.

Sobre as situações em que o instituto pode se apresentar, tem-se o artigo 1.277, do vigente Código Civil, e o seu parágrafo único, que elenca o seguinte rol:

O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização da propriedade vizinha.

Parágrafo único. Proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 230).

Verifica-se desse dispositivo que este dano pode ser encontrado sob várias formas, sendo elas sintetizadas pela doutrina como uso anormal da propriedade (SOUSA, 2012)70. Diante de uma dessas situações, poderá ser ajuizada a ação de dano infecto, cujas previsões legais estão contidas nos artigos 1.280 e 1.281, do citado diploma, que assim dispõe:

Art. 1.280. O proprietário ou o possuidor tem direito a exigir do dono do prédio vizinho a demolição, ou a reparação deste, quando ameace ruína, bem como que lhe preste caução pelo dano iminente.

Art. 1.281. O proprietário ou o possuidor de um prédio, em que alguém tenha direito de fazer obras, pode, no caso de dano iminente, exigir do autor delas as necessárias garantias contra o prejuízo eventual (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 230).

Conforme se observa dessas considerações, mais uma vez não se está diante de outra espécie de dano autônomo. Trata-se de uma derivação das modalidades já estudadas, modificando-se somente as circunstâncias em que uma ação judicial é viabilizada. O dano infecto, portanto, apenas apresenta um mecanismo jurídico para evitar danos futuros ou minorar os seus efeitos lesivos – consiste em uma tutela inibitória. Se, não obstante o ajuizamento de ação com este propósito, ocorrer o prejuízo temido, este já irá se inserir dentre as modalidades anteriores (será moral, matéria ou estético, à pessoa ou a coisas etc.).

2.2.3.3 Dano “in contrahendo”

Esta outra modalidade de dano não diverge do que ocorre nas duas anteriores. Também não se trata de uma nova espécie autônoma, consiste apenas numa circunstância específica em que os tradicionais danos podem se configurar.

Em síntese, este dano pode ser definido como aquele decorrente de conduta culposa ou dolosa na fase de formação dos contratos, ou também denominada fase pré-contratual. Trata-se de violação aos deveres de probidade, informação e lealdade (ALVES, 2012)71.

Um exemplo dessa ocorrência pode ser encontrado no artigo 180, do vigente Código Civil, que identifica a seguinte situação:

O menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 163).

Consoante corroborado por esse exemplo, o instituto em questão apenas regula determinada situação com as espécies de danos já consolidadas. Assim, muito embora diversas peculiaridades sejam debatidas neste contexto, o exame delas não é pertinente ao objeto da pesquisa, sendo suficientes para o seu propósito esses breves esclarecimentos.

Portanto, com referência a este sub-título, bem como aos outros dois estudados acima (2.2.3.1 e 2.2.3.2), a conclusão a que se chega é que a doutrina consagra algumas circunstâncias danosas e as atribui nova denominação jurídica, muito embora não se esteja diante de danos diferentes daqueles tradicionalmente observados (morais, materiais etc.). O estudo dessas situações destacadas teve justamente o objetivo de diferenciá-las dos danos autônomos propriamente ditos. O motivo desse exercício é que no terceiro capítulo a responsabilidade civil pela perda de uma chance também será examinada sob essas duas perspectivas. Assim ficam registrados esses exemplos e observações para que o posterior exame possa se apoiar em subsídios mais sólidos.

2.2.4 A figura do dano sob a perspectiva da vítima

O estudo realizado até este momento foi marcado pela observação das peculiaridades de cada dano, seja classificando-os como espécies autônomas ou como meras variações destas. Ou seja, a figura do ofendido somente foi tocada incidentalmente, uma vez que o objeto em questão foi o dano em si mesmo. Assim, objetivando tornar mais clara a posição das protagonistas deste contexto, que são as vítimas, os dois subsequentes tópicos irão demonstrar as diversas formas pelas quais elas podem ser afetadas e as observarão em sua singularidade como também inseridas no ambiente coletivo.

É nesse sentido, portanto, que o estudo se inicia com foco nos danos diretos, indiretos e por ricochete, sequenciando pelo exame dos danos individuais e coletivos em sentido amplo, sendo este último desmembrado em danos difusos, coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos.

2.2.4.1 Dano direto, dano indireto e dano em ricochete (ou reflexo)

Nesta tripartição realizada pela doutrina é importante ter em mente que as duas primeiras espécies incidem sobre a vítima principal do evento, enquanto a terceira modalidade afeta pessoa estranha ao ofendido, a quem as consequências do dano irão se estender. Corroborando parcialmente essa assertiva, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 93) assim ensinam sobre os danos diretos e indiretos:

A classificação do dano em direto ou em indireto se refere ao interesse juridicamente tutelado que tenha sido violado. Assim, uma difamação gera, teoricamente, um dano moral, mas pode gerar, indiretamente, danos patrimoniais pelo abalo de crédito.

Como se observa, o que está em questão são os bens (ou interesses) jurídicos de uma mesma vítima, de modo que uma lesão afetará diretamente um deles e indiretamente algum outro correlacionado. Essa situação pode ser ilustrada pelo já mencionado exemplo da pessoa que perde o seu animal de estimação em virtude de um atropelamento. Se comprovada a culpa do indigitado ofensor, ele deverá indenizar não somente os danos materiais pela perda daquele patrimônio, mas também os danos morais, a depender do que este animal representava para a vítima.

Uma questão que demanda atenção é a confusão que o termo “indireto” pode ocasionar.

Fernando Noronha (2010, p. 602), por exemplo, afirma que o dano indireto “[...] é aquele em que o fato, não tendo provocado ele mesmo o dano, ‘desencadeia outra condição que diretamente o suscite [...]”. Muito embora este conceito seja semelhante ao referido acima, a verdade não é essa. Neste entendimento, a mencionada “condição” desencadeada não afeta outra esfera jurídica do mesmo indivíduo, mas atua no mundo sensível, causando um segundo dano a outra vítima. O autor ilustra o seu entendimento supondo a situação em que uma pessoa presencia um acidente de carro e se dispõe a prestar socorro. Na hipótese de o veículo incendiar e lhe causar danos, seriam estes indiretos e aqueles, sofridos pelo próprio acidentado, diretos.

Há também quem entenda serem os danos indiretos sinônimos dos danos em ricochete, como bem demonstra o julgado da 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, nos seguintes termos:

APELAÇÃO CÍVEL - AGRESSÃO À GENITORA - FILHOS - DANOS MORAIS INDIRETOS CONFIGURADOS - COMPROVAÇÃO DA AUTORIA E MATERIALIDADE DO CRIME NO JUÍZO PENAL - RESPONSABILIDADE CIVIL E RESPONSABILIDADE CRIMINAL - INDEPENDÊNCIA - ARTIGO 935, DO CÓDIGO CIVIL - DANO MORAL CONFIGURADO - LESÃO À DIREITO DA PERSONALIDADE. - O dano moral indireto, de acordo com a lição da Ministra Nancy Andrighi é aquele que, "embora o ato tenha sido praticado diretamente contra determinada pessoa, seus efeitos acabam por atingir, indiretamente, a integridade moral de terceiros. É o chamado dano moral por ricochete ou préjudice d'affection, cuja reparação constitui direito personalíssimo e autônomo dos referidos autores" [...] - Em se tratando de ação reparatória, não só a vítima de um fato danoso que sofreu a sua ação direta pode experimentar prejuízo moral. São também sujeitos passivos aqueles que, de forma reflexa, sentem os efeitos do dano padecido pela vítima imediata, amargando prejuízos, na condição de prejudicados indiretos (TJMG, Relator: Des. Veiga de Oliveira, Data do julgamento: 13/09/2011, Número do processo: 1.0105.06.205542-8/002) (2013)72.

Conforme será examinado em seguida, o conceito contido nesta ementa faz referência exata aos danos em ricochete ou reflexos, mas os coloca como sendo sinônimos dos danos indiretos, com o que não se concorda.

Em que pese a semântica permitir essas conclusões conflitantes, nesta pesquisa adota-se sobre este tema o entendimento de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 91-93), pelo qual os danos diretos e indiretos são determinados pelas esferas jurídicas atacadas de uma mesma pessoa. Havendo lesão a mais de uma delas num mesmo fato, uma será direta e as outras indiretas. Acredita-se que este posicionamento delimita as hipóteses de melhor maneira.

No que se refere aos danos em ricochete ou reflexos, os citados autores comungam do mesmo entendimento. Para Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 91-93) eles consistem “[...] no prejuízo que atinge reflexamente pessoa próxima, ligada à vítima direta da atuação ilícita”. Complementando o conceito, Fernando Noronha (2010, p. 603) leciona que:

É dano por ricochete aquele que atinge outras pessoas, por estarem ligadas àquela que é vítima imediata de um determinado fato lesivo: essas outras pessoas serão vítimas mediatas. Um exemplo típico é o das lesões sofridas pela esposa e pelos filhos da pessoa que foi morta: são prejuízos que podem ter natureza patrimonial (como os alimentos que o falecido lhes prestava) ou extrapatrimonial, neste caso podendo ainda ser puramente anímicos (como o desgosto que essas pessoas experimentaram) ou também biológicos (por exemplo, um infarto).

Verifica-se, portanto, que não há maiores entraves quanto à definição do instituto. O obstáculo existente é na identificação de um limite para a sua atuação. Conforme ilustra Sergio Cavalieri Filho (2006, p. 109), várias pessoas sofrerão com a morte de um artista famoso, mas quantas e quais delas poderão pleitear reparação pelo dano reflexo experimentado em razão desse evento?

Em resposta a essa indagação, o mesmo autor manifestou seu entendimento no sentido de que “Só em favor do cônjuge, filhos e pais há uma presunção juris tantum de dano moral por lesões sofridas pela vítima ou em razão de sua morte. Além dessas pessoas, todas as outras, parentes ou não, terão que provar o dano moral sofrido [...]” (CAVALIERI FILHO, 2006, p. 109).

Nesse mesmo rumo, a jurisprudência também firmou seu entendimento:

APELAÇÃO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - SENTENÇA - APELAÇÃO INTERPOSTA DEPOIS DA INTERPOSIÇÃO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO E ANTES DO SEU JULGAMENTO - TEMPESTIVIDADE - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - LOCAÇÃO DE IMÓVEL NÃO RESIDENCIAL - RESPONSABILIDADE CIVIL PELO PERÍODO DA LOCAÇÃO - REPARAÇÃO CIVIL - ATO DO PREPOSTO - EMPREGADOR OU COMITENTE - RESPONSABILIDADE - TRANSAÇÃO PENAL - ESFERA CIVIL - INEFICÁCIA - DANO MORAL - ARBITRAMENTO - JUROS MORATÓRIOS - TERMO A QUO - DANO MORAL REFLEXO. [...] Indenizável o dano moral reflexo (em ricochete ou indireto), entendido como aquele decorrente da perturbação aos atributos da personalidade por ofensa a bem jurídico ínsito à pessoa diversa (vítima direta do evento danoso), que consigo guarda relação íntima de afeto. Não compondo o núcleo familiar do ofendido direto, isto é, não sendo genitor, filho, cônjuge, companheiro ou irmão (desde que menor de idade), indispensável, para fins de indenização do dano moral reflexo, a comprovação do abalo psíquico ou, diante das peculiaridades do caso concreto, ao menos a demonstração das circunstâncias fáticas que corroboram a alegada perturbação mental (TJMG, Relator: Des.(a) Cláudia Maia, Data do julgamento: 17/06/2010, Número do processo: 1.0672.08.288247-9/002) (2013)73.

Observa-se, portanto, que as hipóteses de danos reflexos devem ser filtradas por esses critérios, a fim de evitar que a sua cadeia se estenda indiscriminadamente e acabe por ocasionar o enriquecimento indevido de alguém que se aproveite dessas situações.

2.2.4.2 Danos individuais e coletivos em sentido amplo

Como já foi dito anteriormente, os danos também podem ser distinguidos entre individuais e coletivos em sentido amplo, sendo estes últimos desmembrados em danos difusos, coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos. O propósito dessa classificação é o de delimitar o tratamento dos danos em observâncias à sua abrangência. Mais especificamente, o que está em foco é sua repercussão na sociedade. Ou seja, pretende-se fazer um comparativo entre as lesões que afetam apenas um indivíduo e aquelas que tomam proporções maiores entre a coletividade.

Inserido neste contexto, figura o artigo 81 da Lei 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), que disciplina a matéria nos seguintes termos:

A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 700).

Conforme pode ser verificado, esse dispositivo legal já traz uma base bem sólida sobre o assunto. Não obstante tal fato, alguns esclarecimentos merecem ser feitos.

É importante ressaltar, de antemão, que o fato de a matéria ser regulamentada por uma lei específica não limita a sua incidência ao seu âmbito de atuação (consumerista), trata-se de norma de natureza geral (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 94).

Mas, enfim, voltando à definição dos institutos em questão, pode se observar que além do dano individual propriamente dito74, outras três novas modalidades são apresentadas, o que pode ocasionar certa confusão diante de uma situação fática.

Buscando evitar qualquer desgaste nesse sentido, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 94-95) apontam que a primeira questão a ser observada para se identificar a natureza do dano é a titularidade do direito subjetivo que foi violado e não a matéria envolvida. Esclarecendo os seus dizeres, colocaram a seguinte situação:

Imagine-se um vazamento em uma fábrica, que tenha poluído um lago na sua proximidade. Essa conduta gera danos difusos – a toda a sociedade, que tem um direito constitucional à defesa de um meio ambiente ecologicamente equilibrado – e também coletivos – por exemplo, dos empregados da empresa, para exigir o cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho, ou mesmo da comunidade ribeirinha, que mantém relação jurídica de vizinhança com a indústria, para exigir a observância das regras legais pertinentes (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 95).

Diante desse exemplo, fica fácil visualizar o mencionado critério. As matérias envolvidas no suposto vazamento são as mais diversas e, mesmo assim, não têm capacidade para definir a natureza da ação a ser proposta75. Lado outro, a titularidade dos direitos subjetivos violados irão nortear os ofendidos a como procederem. Basta observar o fato sob o prisma do citado artigo 81 que será identificado quais daqueles grupos experimentaram a lesão.

Aproveitando esses exemplos de danos difusos e coletivos em sentido estrito, mostra-se pertinente fazer menção à legitimidade para pleiteá-los. Sobre o assunto, Fernando Noronha (2010, p. 599) se manifesta nos seguintes moldes:

Sendo de natureza coletiva tanto os interesses difusos como os coletivos, a sua tutela só pode ser pleiteada de forma coletiva. Este é um ponto em que eles se distinguem nitidamente dos interesses individuais homogêneos, cuja tutela poderá ser também efetuada separadamente, por cada interessado (tutela individual). Para a sua defesa estão legitimados o Ministério Público, a União, os Estados e Municípios, as entidades públicas destinadas à defesa dos interesses e direitos dos consumidores e ainda as associações privadas que incluem entre seus fins institucionais a defesa desses direitos e interesses (cf. art. 82).

Como se constata desse trecho, a legitimidade para demandar nessas duas modalidades de dano jamais será de um dos lesados em nome próprio, competirá sempre a esses referidos entes. Não obstante essa prerrogativa que recebem, em regra é o Ministério Público quem toma a iniciativa, mediante ação civil pública, prevista na Lei 7.347/85 (NORONHA, 2010, p. 599-600).

Uma questão para a qual também deve ser chamada a atenção diz respeito às peculiaridades envolvendo o dano individual homogêneo, tendo em vista que o seu dispositivo regulamentador (artigo 81, III, CDC) o apresenta de forma muito superficial. Complementando o conceito lá contido, Fernando Noronha (2010, p. 600) o define da seguinte forma:

[...] o Código de Defesa do Consumidor refere ainda uma terceira categoria, também nova no direito brasileiro, os direitos suscetíveis de tutela coletiva, os chamados interesses individuais homogêneos, “assim entendidos os de origem comum” (art. 81, parágrafo único, III). No dizer de Nery Júnior, são “aqueles cujos titulares são perfeitamente individualizáveis, detentores de direito divisível”. Trata-se, todavia, de interesses que não são transindividuais; ainda têm natureza individual, mas tendo uma origem comum, é recomendável que sejam objeto de tutela também comum (grifos do autor).

Dos termos utilizados pelo referido autor, é possível concluir que essa categoria de dano tem uma natureza mista. Eles não impõem a necessidade de se demandar na forma coletiva, mas apresentam essa faculdade ao ofendido76. Remetendo ao mencionado caso do vazamento na empresa, poderia um pescador ribeirinho, por exemplo, pleitear indenização, individualmente, em razão das perdas e danos que experimentou pela morte dos peixes (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 95).

Quanto à legitimidade para figurar no polo ativo das demandas que perseguem reparação por este tipo de dano, pode ser ela do próprio ofendido, como também daqueles legitimados para a propositura das duas outras mencionadas acima. O instrumento, para tanto, será, em regra, as ações coletivas para a defesa de interesses homogêneos, prevista nos artigos 91 e seguintes do CDC. A ação civil pública também pode ser ajuizada, mas será permitida somente nas hipóteses que um interesse social relevante estiver envolvido – planos de saúde, mensalidades escolares etc. (NORONHA, 2010, p. 601).

O que também deve ser salientado, é que a lide definirá apenas se existe a responsabilidade da parte demandada. Sendo esta reconhecida, o montante devido a cada ofendido será alcançado por liquidação de sentença (salvo se a hipótese permitir uma fixação idêntica a todos – o que é bem improvável) (NORONHA, 2010, p. 601).

Concluindo resumidamente sobre as principais características que identificam estas espécies de danos em estudo, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 96) confeccionaram um quadro comparativo, com as seguintes observações: os danos difusos estão previstos no artigo 81, parágrafo único, inciso I, do CDC; têm como vítimas pessoas indeterminadas; a sua natureza é indivisível; a ligação das vítimas se dá por uma situação de fato; e o instrumento de defesa é a ação civil e ação popular. Os danos coletivos estão previstos no artigo 81, parágrafo único, inciso II, do CDC; têm como vítimas pessoas determináveis; a sua natureza é indivisível; a ligação das vítimas se dá por uma relação jurídica base; e o instrumento de defesa é a ação civil pública e mandado de segurança coletivo. Os danos individuais homogêneos estão previstos no artigo 81, parágrafo único, inciso III, do CDC; têm como vítimas pessoas determinadas; a sua natureza é divisível; a ligação das vítimas se dá por uma situação de fato; e o instrumento de defesa é a ação civil coletiva77.

2.2.5 Requisitos do dano indenizável

Apesar das diversas particularidades que compõem cada modalidade de dano, todos eles têm em comum a necessidade de preencher alguns requisitos para que se tornem indenizáveis. Caso não o faça, o título de dano propriamente dito não lhes poderá ser atribuído, o que os tornam apenas meros aborrecimentos ou hipotéticas expectativas frustradas de supostas vítimas.

Segundo Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 86), os danos devem conter três características: violar um interesse jurídico, patrimonial ou moral (seja à pessoa física ou jurídica); serem certos ou efetivos; e subsistentes.

Sobre a primeira classificação, o próprio critério já se justifica. Não sendo violada uma dessas duas esferas jurídicas da vítima, dano não haverá. O que pode ser acrescentado é que o dano moral apontado não diz respeito apenas aos danos anímicos (ou morais em sentido estrito), podem ser também aqueles decorrentes de lesão corporal ou biológica à pessoa, assim como à coisa com reflexo extrapatrimonial78.

No que concerne à certeza, a sua exigência decorre da necessidade de limitar as tutelas jurídicas àquelas situações que efetivamente se mostrarem relevantes para o direito. Nesse sentido, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 85) apresentam os seguintes argumentos:

Ninguém poderá ser obrigado a compensar a vítima por um dano abstrato ou hipotético. Mesmo em se tratando de bens ou direitos personalíssimos, o fato de não se poder apresentar um critério preciso para a sua mensuração econômica não significa que o dano não seja certo. Tal ocorre, por exemplo, quando caluniamos alguém, maculando a sua honra. A imputação falsa do fato criminoso (calúnia) gera um dano certo à honra da vítima, ainda que não se possa definir, em termos precisos, quanto vale esse sentimento de dignidade (grifos do autor).

Que a certeza é necessária já está bastante claro, resta saber, então, como identificá-la. Sobre essa questão, Fernando Noronha (2010, p. 605) discorre nos seguintes termos:

São danos certos os prejuízos, econômicos ou não, que são objeto de prova suficiente, tanto da sua verificação como da sua decorrência de um determinado fato antijurídico. E devem ser considerados verificados os prejuízos cuja ocorrência tenha sido demonstrada, se danos presentes, ou cuja ocorrência seja verossímil, se danos futuros. Em contraposição a eles, serão danos eventuais, ou incertos, os prejuízos de verificação duvidosa, meramente hipotética (grifos do autor).

O requisito da certeza, portanto, será preenchido pela comprovação da existência de um dano que ocorreu, como também de um prejuízo que a vítima ainda experimentará em razão da conduta ofensiva79.

O que deve ser destacado é que a certeza não se refere ao montante indenizatório ou à atualidade do dano, mas apenas à sua existência (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 85). Sendo ela comprovada, o dano já existirá, ficando os demais pressupostos da indenização condicionados a outros critérios (subsistência do dano, por exemplo).

Finalizando o exame desse segundo critério, é importante registrar que ele muito representa para o debate da responsabilidade civil pela perda de uma chance, considerando que ela frequentemente se depara com problemas no seu preenchimento. Isso ocorre porque o dano dela decorrente é de difícil visualização. No terceiro capítulo esta questão será mais bem trabalhada.

O critério da subsistência do dano consiste basicamente na necessidade de que ele ainda não tenha sido reparado por ocasião da demanda que o persiga. Ou seja, “[...] não há como se falar em indenização se o dano já foi reparado espontaneamente pelo lesante” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 86).

O que deve ficar claro é que a reparação do dano custeada pela vítima não retira a sua exigibilidade. Neste caso, nada se altera para ela, que continua a experimentar prejuízos de outro modo (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 86).

Fernando Noronha (2010, p. 609-610) ainda inclui nesse rol de requisitos a previsibilidade do dano. Para ele, não se indeniza danos que “[...] só se produziram devido a circunstâncias extraordinárias, a situações improváveis, que não seriam consideradas por um julgador prudente, ponderando as regras de experiência comum, e também da técnica [...]”.

Apesar de ser pertinente a última exigência imposta pelo autor, ela mais se refere ao contexto do nexo de causalidade, como ele mesmo observa. A não previsibilidade do resultado (previsibilidade esta objetiva) torna a conduta imprópria para figurar como causa de um dano (NORONHA, 2010, p. 636-637).

2.2.5.1 Danos presentes e danos futuros

Ainda dentro deste contexto das exigências do dano indenizável, é preciso salientar que tanto os danos presentes quanto os danos futuros deverão preenchê-las para que receba uma tutela estatal. Esse fato inevitavelmente implica em uma flexibilização da ótica pela qual os requisitos são verificados nos danos futuros, sobretudo no que se refere à certeza da ofensa.

Esclarecendo sobre as diferenças existentes entre essas duas espécies, Fernando Noronha (2010, p. 603) explica da seguinte forma:

Os danos são classificados de presentes (ou atuais) e futuros considerando o momento em que é proferida a decisão que obriga a repará-los, e não aquele em que se produziu o fato danoso. São danos presentes, ou atuais (ou como às vezes também se diz, mas menos adequadamente, pretéritos), os danos efetivamente ocorridos, isto é, os já verificados no momento em que são apreciados; são futuros os danos que só ocorrerão depois desse momento, embora ainda como consequência adequada do fato lesivo. E são danos futuros não só aqueles que constituem prolongamento no tempo de um dano que já existe agora, como aqueles que só se manifestarão mais adiante, embora em decorrência do fato antijurídico lesivo que está sedo considerado (grifos do autor).

Observa-se então que os danos presentes são aqueles cuja configuração independe de quaisquer conjecturas. Eles já mostram todas as suas consequências quando da apreciação judicial, como é o caso, por exemplo, dos gastos com despesas hospitalares em razão de um acidente automobilístico em que o motorista tenha perdido um membro (NORONHA, 2010, p. 603). Quanto a estes, basta ser fiel ao conteúdo dos critérios supracitados que o dever de reparar estará presente.

Demandam maior atenção, no entanto, os danos futuros. Conforme pôde ser visto no citado trecho, eles podem se apresentar de duas formas: como prolongamento de um dano presente ou com consequências a serem vistas somente no futuro. Exemplificando, o primeiro deles ocorrerá no caso do mesmo acidente automobilístico, mas sendo o motorista um caminhoneiro em atividade. Além dos danos presentes, ele continuará a experimentar prejuízos em virtude da incapacidade parcial para o trabalho (o dano se prolongará desde a data do sinistro). Para visualizar o segundo tipo, basta substituir o caminhoneiro por um estudante universitário. Em regra, ele não terá os seus danos presentes prolongados, mas quando concluir o curso e ingressar no mercado de trabalho será prejudicado pela sequela do acidente (NORONHA, 2010, p. 603-605).

Extrai-se dos danos futuros, portanto, que ambas as suas modalidades trabalham com um prejuízo desconhecido. Naqueles em que há prolongação do dano presente é difícil identificar qual será a sua extensão e, nos outros, a dificuldade é ainda maior em se comprovar que o dano sequer existirá algum dia.

Diante da possibilidade dessa situação ensejar descrédito aos mencionados critério é que se pretende tecer algumas observações nesse sentido.

Entre as duas hipóteses de ocorrência deste dano, aquela em que há prolongação do prejuízo pode ser examinada com maior tranquilidade, uma vez que já será visível a situação danosa a que está submetida a vítima, sendo necessário apenas que haja uma ponderação sobre a sua extensão e montante. Assim, Fernando Noronha (2010, p. 604-605) sugere que seja arbitrada uma pensão periódica para compensar esse desfalque sofrido, nos moldes do artigo 95080 do vigente Código Civil.

Ou seja, dos três requisitos do dano indenizável, nenhum deles deixam de compor a situação. Há violação de um interesse jurídico (perda patrimonial do caminhoneiro parcialmente incapaz, por exemplo), subsistência do dano (se não foi previamente reparado), assim como sua efetividade ou certeza, que podem ser comprovadas pelos efeitos negativos daquela mácula na vida da vítima. O que restará ser alcançado será o montante indenizatório, o qual dependerá de exames do caso concreto.

Em contrapartida, as circunstâncias em que o dano futuro somente se manifestará no futuro, ou mesmo alguns casos de subsistência do dano em que o ônus da prova se torne impraticável, os requisitos serão mais flexíveis e poderão ser reconhecidos com juízos de verossimilhança (NORONHA, 2010, p. 603-608).

Inevitavelmente, isso ocorrerá com todos eles (os requisitos), porque: violação de um interesse jurídico ainda não há; certeza (no real sentido da palavra) também não; e subsistência do dano idem – não há nem dano.

Diante dessa impossibilidade fática de comprovar o dano indenizável, os requisitos necessários para tanto passam a ser flexibilizados. Por regras de experiência comum, padrões de convivência, presunções naturais etc., o direito admite, por uma ficção jurídica, o reconhecimento da responsabilidade. Todos os três pressupostos deverão ser demonstrados, mas o exame do caso se contentará com a verossimilhança das alegações para reconhecer o dano injusto (NORONHA, 2010, 603-608).

Neste caso, Fernando Noronha (2010, p. 607) indica que o dano futuro poderá se aproximar de dois extremos: ser real e sério ou demasiado hipotético. Aproximando-se a situação de um dos extremos, fica mais fácil aplicar a tutela devida, mas entre esses dois pilares há uma infinidade de casos que terão como critério de apreciação somente o prudente arbítrio do magistrado.

Esta e demais questões tratadas neste capítulo serão novamente observadas no exame da natureza jurídica pela perda de uma chance, ocasião em que o contexto indicará a pertinência de cada ponderação realizada até aqui – umas com maior destaque e outras implicitamente.


3 NEXO DE CAUSALIDADE

Superados os debates sobre a conduta humana e o dano injusto, passa-se agora ao exame da relação de causalidade, campo em que se apresentam as maiores divergências enfrentadas pela doutrina e jurisprudência sobre o tema em questão.

Este estudo é marco divisor para a pesquisa, uma vez que a definição da natureza jurídica da teoria da perda de uma chance irá emanar, principalmente, dos pressupostos aqui estabelecidos.

Com esse enfoque, portanto, segue adiante o conceito básico do instituto intitulado, assim como algumas considerações pertinentes ao seu estudo. Na sequência, são examinadas as teorias suscitadas para tratar dessa relação de causalidade, principiando com as denominadas teorias tradicionais (equivalência das condições, causalidade adequada e causalidade direta e imediata) e, tratando, em seguida, das teorias que enfrentam o nexo de causalidade de forma alternativa (causalidade parcial e causalidade presumida). Neste último exame faz-se presente uma análise comparativa com alguns institutos da common law.

Ainda neste título, a teoria da imputação objetiva também é chama da ao debate, muito embora seja proveniente do Direito Penal.

Por derradeiro, são expostas as causas excludentes do nexo de causalidade.

Feitos esses necessários esclarecimentos, passa-se, então, ao estudo propriamente dito.

Muito embora uma considerável parcela dos juristas enfrente a relação de causalidade como sendo um instituto de simples compreensão, a prática jurídica não permite essa postura leviana frente ao tema, impondo severas consequências negativas às pretensões levadas ao Judiciário sem o seu devido exame e ponderação. Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 133), por exemplo, alertam que este elemento é o mais melindroso da matéria.

No posterior estudo da teoria da perda da chance será observado que esta temática possui ainda maior relevância em seu contexto, tendo em vista ser um dos principais responsáveis pela aceitação (ou não) dessa modalidade de responsabilidade civil.

Conceituando esse instituto, Silvio de Salvo Venosa (2008, p. 47-48) assim leciona:

O conceito de nexo causal, nexo etiológico ou relação de causalidade deriva das leis naturais. É o liame que une a conduta do agente ao dano. É por meio do exame da relação causal que concluímos quem foi o causador do dano. Trata-se do elemento indispensável. A responsabilidade objetiva dispensa a culpa, mas nunca dispensará o nexo causal. Se a vítima, que experimentou um dano não identificar o nexo causal que leva o ato danoso ao responsável, não há como ser ressarcida [...].

Conforme se extrai do referido trecho, a configuração do nexo de causalidade se mostra indispensável a qualquer situação de responsabilidade81, tanto subjetiva quanto objetiva. Diante disso, não se concorda, por exemplo, com o entendimento trazido por César Fiuza82 (2008, p. 723), que o define como a “[...] relação de causa e efeito entre a conduta culpável do agente e o dano por ela provocado”. Acredita-se que esta concepção não abrange a real extensão da relação causal, uma vez que as hipóteses em que há objetividade (prescindindo de culpa) também serão pressupostas desse elemento.

Destaque-se, por fim, a pertinente ressalva feita por Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 133-134). Eles alertam sobre o cuidado necessário para se distinguir imputabilidade de nexo de causalidade. Em citação ao posicionamento de Serpa Lopes, é exposto que o nexo se relaciona “[...] com os elementos objetivos, externos, consistentes na atividade ou inatividade do sujeito, atentatória do direito alheio, ao qual vulnera produzindo um dano material ou moral [...]” (grifos do autor), e que a imputabilidade “[...] diz respeito pura e simplesmente a um elemento subjetivo, interno, relativo tão só ao sujeito [...]”.

Verifica-se, portanto, que a imputabilidade não se confunde com as causas do dano, mas tão somente à possibilidade do seu causador enfrentar uma tutela jurisdicional, o que não se vincula diretamente ao presente estudo.

Diante dessas considerações se observa que, a priori, o tema parece não enfrentar maiores percalços. Todavia, como já foi dito, essa ideia não se confirma, em razão do caráter genérico dos referidos conceitos, o que dá margem à confecção de diversas teorias explicativas desse liame de causalidade.

Passa-se, portanto, ao exame das que mais se destacam.

3.1 Teorias tradicionais

Dentre as várias teorias que têm como objeto a relação de causalidade, algumas delas estão engajadas de forma mais consistente no ordenamento jurídico pátrio, havendo, inclusive, citação expressa em texto legal. Por serem elas mais bem aceitas teoricamente e doutrinariamente recebem o nome de teorias tradicionais83. Segue-se o estudo de cada uma delas.

3.1.1 Equivalência de condições ou “conditio sine qua non”

Conforme se infere de sua própria denominação, esta primeira teoria possui vínculo direto com as condições sem as quais o dano não ocorreria. Nas palavras de Sergio Cavalieri Filho (2006, p. 72):

[...] essa teoria não faz distinção entre causa (aquilo de que uma coisa depende quanto à existência) e condição (o que permite à causa produzir seus efeitos positivos ou negativos). Se várias condições concorrerem para o mesmo resultado, todas têm o mesmo valor, a mesma relevância, todas se equivalem. Não se indaga se uma delas foi mais ou menos eficaz, mais ou menos adequada. Causa é a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido, sem distinção da maior ou menor relevância que cada uma teve.

Ou seja, diante de determinado evento, todas as condições que concorreram para a sua consecução serão consideradas suficientes para causá-lo, não se mostrando relevante o grau dessa interferência.

Neste contexto, Silvio de Salvo Venosa (2008, p. 48) ensina uma fórmula para enfrentar o tema na prática. Segundo o autor, ao examinar um fato, o aplicador do direito deverá retirar mentalmente cada condição que acredita ter contribuído para o dano. Se este desaparece com esse exercício de retirada, ela não era causa dele, enquanto, persistindo, será considerada para fins de reparação.

Melhor explicando esse exercício mental, Rogério Greco (2012, p. 218) aponta que ele foi idealizado pelo professor sueco Thyrén, tendo recebido o nome de “processo hipotético de eliminação”. Para Thyrén haverá três etapas para se constatar que determinado fator foi causa do resultado:

1º) temos que pensar no fato que entendemos como influenciador do resultado;

2º) devemos suprimir mentalmente esse fato da cadeia causal;

3º) se, como consequência dessa supressão mental, o resultado vier a se modificar, é sinal de que o fato suprimido mentalmente deve ser considerado como causa deste resultado (GRECO, 2012, p. 218).

Conforme se observa, de um exame realizado sob esta perspectiva emergem inúmeras causas de um mesmo dano, o que, na concepção de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 135), inviabiliza a adoção da teoria. Em exemplo clássico, eles afirmam que num caso de homicídio até mesmo o fabricante do revólver utilizado incorreria em responsabilidade84.

Não obstante a existência dessas severas críticas, a teoria é adotada expressamente pelo Código Penal brasileiro, em seu artigo 1385. Os penalistas asseveram que o problema de extensão é solucionado pelo exame da culpa ou dolo do agente, de modo que inexistindo esses elementos em sua conduta o fato será atípico. Indicam que a teoria é mais utilizada para excluir as causas que não concorrem, do que para identificá-las diretamente (MIRABETE, 1999, p. 136).

Apesar de se mostrar pertinente essa forma de enfrentar a teoria, ela não é bem aceita na esfera cível, porquanto trabalha com esses inconvenientes que não se apresentam nas demais vertentes, conforme será observado.

3.1.2 Causalidade adequada

Contrapondo a grande abrangência (e consequente insegurança jurídica) presente na teoria da equivalência das condições, a causalidade adequada se dedica a alcançar a causa exclusiva de um dano, realizando juízos objetivos sobre a capacidade de determinada conduta produzir o resultado danoso. Nesse sentido, assim leciona Sergio Cavalieri Filho (2006, p. 73):

Causa, para ela, é o antecedente não só necessário mas, também, adequado à produção do resultado. Logo, nem todas as condições serão causa, mas apenas aquela que for a mais apropriada a produzir o evento. [...] Não basta, como observa Antunes Varela, que o fato tenha sido, em concreto, uma condição sine qua non do prejuízo. É preciso, ainda, que o fato constitua, em abstrato, uma causa adequada do dano (grifos do autor).

Verifica-se que, neste caso, não serão consideradas todas aquelas causas que interferiram para a concretização do evento danoso, mas somente aquelas que, razoavelmente, detinham potencial para alcançar tal desfecho.

Em sequência, o citado autor pondera que o principal problema enfrentado pela teoria será identificar qual condição, dentre as diversas, poderá ser considerada adequada. Respondendo à sua indagação, ele aponta que “Considera-se como tal aquela que de acordo com a experiência comum, for a mais idônea para gerar o evento” (CAVALIERI FILHO, 2006, p. 73).

Diante desse critério tão incerto, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 138) alertam para os perigos de se conceder tamanha parcela de discricionariedade ao julgador86. Na sequência, ainda afirmam que “[...] esta ‘abstração’ característica da investigação do nexo causal segundo a teoria da causalidade adequada pode conduzir a um afastamento absurdo da situação concreta, posta ao acertamento judicial”.

Muito embora se mostrem presentes esses inconvenientes, tanto Sergio Cavalieri Filho (2006, p. 73) quanto Silvio de Salvo Venosa (2008, p. 48) apontam ser esta a teoria adotada pelo atual Código Civil.

Por fim, é importante consignar que, por diversas vezes, esta teoria é confundida com a próxima a ser estudada – a causalidade direta e imediata. O citado Silvio de Salvo Venosa (2008, p. 48-49), por exemplo, conceitua a causalidade adequada, nos exatos termos acima, e conclui que ela está devidamente consolidada no Código Civil de 2002 pela expressão “efeito direto e imediato”. Ou seja, há uma unificação dos institutos.

Com a devida venia, não se concorda com essa conclusão, tendo em vista se tratar de teorias com ideais divergentes. Muito embora haja confusão prática entre ambas (o que será exposto adiante), não se mostra adequado ignorar as suas peculiaridades no campo teórico. Das suas origens já se percebe não se tratar do mesmo instituto. A causalidade adequada resultou de estudos realizados pelo filósofo alemão Von Kries, ao passo que a causalidade direta e imediata foi desenvolvida pelo Professor brasileiro Agostinho Alvim (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 136 e 138).

Portanto, para a obtenção de conclusões mais sólidas sobre o assunto, mostra-se indispensável essa bipartição proposta. E é neste rumo que se sequencia o estudo.

3.1.3 Causalidade direta e imediata

Encerrando as hipóteses tradicionais sobre o nexo de causalidade, tem-se esta vertente que, na concepção dos citados Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 140), é a mais adequada, “[...] eis que não apresenta o nível de insegurança jurídica e subjetividade apresentados em alto grau pelas teorias anteriores”. Indicando ser ela também conhecida por teoria da interrupção do nexo causal e teoria da causalidade necessária, estes mesmos autores assim a definem:

Causa, para esta teoria, seria apenas o antecedente fático que, ligado por um vínculo de necessariedade ao resultado danoso, determinasse este último como uma consequência sua, direta e imediata (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 140).

Conforme se verifica, a teoria sugere que causas não são somente aquelas que abstratamente eram adequadas à produção do resultado danoso, mas que sua verificação dependerá do antecedente fático que se mostrou necessária ao desfecho dos eventos. Ou seja, a casuística é imprescindível para se identificar a causa.

Extrai-se de uma das denominações indicadas pelos citados autores, que esta teoria é marcada pela interrupção do nexo causal, ou seja, causa será aquela que intervém no curso normal dos eventos, mostrando-se o dispositivo necessário à ocorrência do dano87. Isso permite classificá-la como direta e imediata ao dano. Eventuais “condições sem as quais” 88 que não possuam vínculo direto e imediato com o dano serão eliminadas da cadeia dos fatos, respondendo o causador delas apenas por prejuízos que ocasionaram até o momento da interrupção do nexo por uma nova causa (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 138-139).

Citado por Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 139), essa questão é elucidada por Gustavo Tepedino nos seguintes termos:

[...] a causa relativamente independente é aquela que, em apertada síntese, torna remoto o nexo de causalidade anterior, importando aqui não a distância temporal entre a causa originária e o efeito, mas sim o novo vínculo de necessariedade estabelecido, entre a causa superveniente e o resultado danoso. A causa anterior deixou de ser considerada, menos por ser remota e mais pela interposição de outra causa, responsável pela produção do efeito, estabelecendo-se outro nexo de causalidade.

Em complemento a essa definição, Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 38) leciona que “[...] conseqüências diretas são aquelas que não resultam da intervenção de outras causas em tempo posterior”.

Sequenciando, o mesmo autor alerta para o perigo de se interpretar de forma gramatical as expressões “dano direto e imediato”, tendo em visa que poderia supor não estarem envolvidos os danos indiretos ou os danos remotos, como, por exemplo, o dano por ricochete89. Nesse sentido, assim ensina:

Gustavo Tepedino afirma que diante de tal dificuldade passou-se a considerar a construção evolutiva da teoria do dano direto e imediato, denominada de subteoria da necessariedade da causa, a qual admite a reparação de danos indiretos, desde que estes sejam “conseqüências direta” da ação ou omissão do agente (SILVA, 2007, p. 38).

Conforme se verifica, o simples fato da conduta danosa ter afetado indiretamente outro bem jurídico da própria vítima ou, por reflexo, uma terceira pessoa, em nada altera os pressupostos da teoria, posto que apenas será observada a causa necessária para o desfecho. Não havendo o surgimento de nenhuma outra razão que resulte na consecução do dano indireto ou por ricochete, a conduta que, inicialmente, visava determinado alvo, também será causa da ofensa aos demais atingidos.

Como já mencionado, os citados Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 141) acreditam ser esta a teoria que melhor trabalha a matéria, bem como ter sido ela a adotada pelo ordenamento jurídico pátrio. Em defesa desse entendimento, fazem menção ao artigo 403 do CC/02, que assim leciona:

Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 175).

Observa-se desse dispositivo legal que, por uma interpretação gramatical, não restam dúvidas ser esta a teoria adotada pelo atual Código Civil. Todavia, Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 25-26) atenta para o inconveniente de estar esse texto inserido no título que trata especificamente do inadimplemento das obrigações (título IV), campo de atuação da responsabilidade negocial/contratual. Ou seja, isso poderia limitar a atuação dessa teoria a essa seara, não se aplicando à responsabilidade aquiliana. Em resposta à própria crítica, o mesmo autor conclui, em seguida, que o simples local em que foi disposta a teoria não tem o condão de limitar a sua aplicabilidade, sendo a premissa expansiva a todas as circunstâncias de responsabilidade civil.

Comungando dessa mesma ótica, o Superior Tribunal de Justiça rompe qualquer limitação ao campo contratual, dispondo que a causalidade direta e imediata se aplica a todo o ordenamento jurídico:

RESPONSABILIADE CIVIL. FALÊNCIA DE EMPRESA. AÇÃO INDENIZATÓRIA PROPOSTA EM FACE DO SEBRAE. ELABORAÇÃO DE PROJETO DE VIABILIDADE ECONÔMICO-FINANCEIRA. NÃO CONFIGURAÇÃO CAUSA DIRETA, IMEDIATA E NECESSÁRIA DA INSOLVÊNCIA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. [...] Somente rende ensejo à responsabilidade civil o nexo causal demonstrado segundo os parâmetros jurídicos adotados pelo ordenamento, vigorando no direito civil pátrio, sob a vertente da necessariedade, a "teoria do dano direto e imediato", também conhecida como "teoria do nexo causal direto e imediato" ou "teoria da interrupção do nexo causal" [...] (STJ, Relator: Min. Luis Felipe Salomão, Data do julgamento: 21/10/2010, Número do Processo: REsp 1.154.737) (2012)90.

Nesse mesmo sentido, mostra-se imprescindível destacar o julgado do Supremo Tribunal Federal que formou um marco divisor sobre essa temática. Em demanda que versava sobre responsabilidade extracontratual, assim se manifestou o Ministro Moreira Alves91:

Responsabilidade civil do Estado. Dano decorrente de assalto por quadrilha de que fazia parte preso foragido vários meses antes. - A responsabilidade do Estado, embora objetiva por força do disposto no artigo 107 da Emenda Constitucional n. 1/69 (e, atualmente, no parágrafo 6. do artigo 37 da Carta Magna), não dispensa, obviamente, o requisito, também objetivo, do nexo de causalidade entre a ação ou a omissão atribuída a seus agentes e o dano causado a terceiros. - Em nosso sistema jurídico, como resulta do disposto no artigo 1.060 do Código Civil, a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade é a teoria do dano direto e imediato, também denominada teoria da interrupção do nexo causal. Não obstante aquele dispositivo da codificação civil diga respeito a impropriamente denominada responsabilidade contratual, aplica-se ele também a responsabilidade extracontratual, inclusive a objetiva, até por ser aquela que, sem quaisquer considerações de ordem subjetiva, afasta os inconvenientes das outras duas teorias existentes: a da equivalência das condições e a da causalidade adequada [...] (STF, Relator: Min. Moreira Alves, Data do Julgamento: 12/05/1992, Número do processo: RE 130764/PR) (2012)92.

Verifica-se, portanto, que, pelo menos no campo teórico, a causalidade direta e imediata tem prevalecido. Muito embora seja de longa data esse julgado do Supremo, as condições em que ele foi proferido se assemelham a esta realidade, no que concerne à matéria debatida. Conforme se extrai de recentes julgados proferidos pela mesma corte, o referido posicionamento foi mantido nos seus exatos termos93.

Em que pese essa delimitação da matéria, a prática não permite tamanha distinção entre os critérios adotados na identificação do nexo de causalidade, e isso decorre do fato de que as teorias muito de assemelham. Há um forte vínculo entre todas elas, de modo que mais se complementam, do que se repelem.

Sobre essa distinção das teorias, Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 42) tece a seguinte observação:

[...] acredita-se que, na maioria dos casos nos quais é possível imaginar ou comprovar outras causas supervenientes e eficazes para a causação do dano, o vínculo entre a causa anterior e o prejuízo final passa a esvanecer, maculando inexoravelmente o seu “caráter de adequação”, pois outras causas se apresentam como mais adequadas.

Por esse entendimento de Peteffi, o resultado da utilização da teoria da causalidade direta e imediata será, portanto, o mesmo da causalidade adequada. A causa que interrompe o nexo causal, inevitavelmente será responsável por tornar inadequada a causa anterior, sendo esta última, concomitantemente, necessária e adequada.

Sequenciando, o mesmo autor afirma que a teoria da equivalência das condições também estará inclusa em todas as demais elencadas, posto que somente será causa adequada ou necessária aquela sem a qual o resultado não teria ocorrido (SILVA, 2007, p. 45)94.

Segundo Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 41-42), “Grande parte da doutrina nacional já se deu conta do pouco valor da distinção entre a teoria da causalidade adequada e do dano direto e imediato”. Ele afirma “[...] que as duas teorias analisadas propõem enfoques distintos sobre o mesmo conceito de nexo de causalidade”.

Diante dessas razões, pode se concluir que a teoria da causalidade direta e imediata (ou da causalidade necessária) foi teoricamente adotada, sobretudo, por ser a mais completa. Nela estão contidas, em síntese, as essências das outras duas teorias. Nos seus moldes, a causa deverá ser condição sem a qual o dano não ocorreria, não será admitida a intervenção de uma outra causa (sob pena de atribuir a esta a responsabilidade pelo resultado danoso), bem como ela se mostrará, por consequência, adequada à produção do dano.

Essa adequação objetiva da causa, no entanto, não será tão valorada pela teoria da causalidade direta e imediata quanto na teoria da causalidade adequada, motivo pelo qual se mostra importante citar o alerta feito por Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 42), baseado nos ensinamentos de William Prosser e W. Page Keeton. Para demonstrar que também é importante o exame dessa capacidade objetiva da causa provocar o dano, o autor traça o seguinte paralelo com o conceito de causas na commom law:

No direito norte-americano, a lição de William Prosser e W. Page Keeton vem diretamente ao encontro da presente análise. Destarte, os autores asseveram que a teoria da “causa direta” poderia estabelecer limites muito brandos à causalidade, chegando à reparação de danos que gerariam em todos o sentimento de se estar indo longe demais. Assim, aqueles tribunais que têm garantido a aplicação da causalidade a todas as consequências diretas da ação ou omissão do agente vêm admitindo que o critério da previsibilidade entre “pela porta dos fundos”, como fator auxiliar para determinar o que seriam conseqüências diretas. Em rigor, os magistrados utilizam os critérios da adequação causal para coibir os abusos que poderiam ser gerados pela doutrina do dano direto e imediato (SILVA, 2007, p. 42, grifos do autor).

Conforme se nota, os critérios da common law muito se assemelham àqueles adotados pelo vigente Código Civil. A ressalva que se faz é que lá o entendimento tem se filiado a ambas as teorias (causalidade adequada e causalidade direta e imediata) de forma mais fiel, sopesando de forma equiparada cada requisito trazido por elas.

Diante do exposto acima, pode se observar que, muito embora haja um misto das teorias no direito brasileiro, o que o diferencia da common law, nesse sentido, é que nele há uma adoção majoritária da teoria do dano direto e imediato. Em que pese esta teoria trabalhar com os conceitos das demais teorias, na hipótese de conflito entre os seus fundamentos, esta tende a preponderar. Ou seja, o requisito de ser a causa abstratamente suficiente à ocorrência do dano (causa adequada) cede lugar à causa necessária para a sua configuração no caso concreto (direta e imediata).

Por fim, é importante mencionar sobre as hipóteses de causalidade múltipla95, objeto causador de grandes dificuldades no estudo do tema. O citado Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 27) dispõe que elas podem ser sucessivas ou simultâneas. Estas consistem nas hipóteses em que um dano é causado por duas condutas concomitantes e aquelas podem ser verificadas nas situações em que um dano é resultado de uma sequência de condutas, sendo imprescindíveis todas elas para a sua consecução. Segundo o autor:

Tanto no caso das concausas simultâneas como no de concausas sucessivas, pode-se estar diante de um concurso de causas que será enquadrado no suporte fático contido respectivamente nos arts. 1.518 do Código de Beviláqua e 942 do novo Código Civil, o qual determina que se deve aplicar a responsabilidade solidária entre os agentes do dano. Desse modo, a vítima poderá escolher qual dos autores do dano irá executar, sendo que o executado terá ação regressiva contra os outros, na medida de suas “culpas” (SILVA, 2007, p. 27).

Ou seja, se depois de realizadas as necessárias ponderações, for constatado que há mais de uma causa, e que todas elas são necessárias para a existência do dano, a responsabilidade será de todos os causadores solidariamente.

Essa observação possui grande importância pelo fato de que incumbir ao magistrado a identificação de apenas uma causa, seria obrigá-lo a proferir decisões aleatórias em algumas circunstâncias excepcionais, o que desvirtuaria totalmente o objetivo das teorias. Portanto, haverá hipóteses em que mais de uma condição poderá se amoldar aos requisitos acima elencados, ensejando, por conseguinte, a responsabilização de todos os agentes causadores (existirá mais de uma condição necessária).

Eis, em síntese, as mais frequentes peculiaridades e debates envolvendo as teorias tradicionais sobre o nexo causal. Valendo-se dessas premissas expostas acima, passa-se, portanto, ao exame das teorias alternativas sobre o instituto em comento.

3.2 Teorias alternativas

Ainda nessa ideia de multiplicidade de supostas causas de determinado dano, as teorias alternativas sobre o nexo de causalidade são chamadas ao debate. Ocorre, todavia, que na hipótese de atuação destas teorias não se pode afirmar que o dano final decorreu das várias causas, como na causalidade concorrente. Aqui não se fala em atuação conjunta destas, mas se tenta eleger qual delas foi causa capaz de originar o desfecho danoso no caso em exame. Ou seja, apesar de várias hipóteses abstratas, é desconhecida a causadora concreta do dano.

Fernando Noronha (2010, p. 681-682) define o instituto sob análise da seguinte forma:

Temos causalidade alternativa quando existem dois ou mais fatos com potencialidade para causar um determinado dano, mas não se sabe qual deles foi o verdadeiro causador. Por exemplo, não se sabe se a morte de uma pessoa ou o agravamento de sua doença são devidos à evolução natural da moléstia de que sofria, ou se a um erro médico, devidamente comprovado.

Conforme se extrai do citado exemplo, a morte da paciente não pode ser inequivocamente atribuída a nenhum dos dois fatores elencados, o que, pelas teorias tradicionais, impossibilitaria a compensação do dano. Estaria ausente a prova da conditio sine qua non.

Supondo-se que fosse utilizando o processo de Thyrén: excluindo mentalmente a falha médica, não há certeza de inocorrência do óbito, pois a paciente já estava acometida de moléstia. Em contrapartida, se excluído o agravamento da moléstia, também não há se falar em vida certa, pois o erro médico era capaz de ensejar o óbito.

Resumindo, embora não haja dúvida de que uma das condições causou o dano, não se pode asseverar qual delas era condição necessária para tanto.

Para solucionar esse impasse, a doutrina optou por alternativas que prescindissem da conditio sine qua non, por meio da instituição de presunções de causalidade, bem como da adoção de uma causalidade parcial (SILVA, 2007, p. 46-49).

3.2.1 Causalidade parcial

Consoante disposto acima, a causalidade parcial incidirá naquelas hipóteses em que a prova da conditio sine qua non restar prejudicada, ante a existência de várias causas capazes de ocasionar o dano, não se sabendo definir qual delas atuou nesse sentido.

Citado por Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 50), Jacques Boré indica que, frente a essas situações, duas são as providências cabíveis:

A primeira acredita que o prejuízo final não possui carga de certeza requerida pelo ordenamento, estando ausentes as presunções sérias e concordantes, necessárias para se fazer o “salto do desconhecido ao conhecido” para que a prova respalde a indenização do dano final. Como segunda alternativa, o magistrado pode reduzir o prejuízo na medida do vínculo causal que ele constata com o erro do ofensor (grifos do autor).

Verifica-se desse citado trecho, que o autor francês indica, inicialmente, a apreciação do caso sob uma perspectiva tradicional do nexo de causalidade, tornando impossível a indenização, diante da ausência de certeza (pela falta da condição sem a qual). Em seguida, Boré aponta para a possibilidade de aplicação da causalidade parcial, indenizando apenas na medida em que a conduta do agente se vinculou ao dano.

Melhor conceituando o instituto, Peteffi (2007, p. 50) leciona que:

[...] se o prejuízo final não está em relação causal totalmente provada com o ato do ofensor, ou seja, se este não representa uma conditio sine qua non para a realização da perda da vantagem esperada – pode-se conceder a reparação para um prejuízo parcial e relativo [...].

Em seguida, assim exemplifica o autor:

[...] a reparação deverá ser quantificada de acordo com a probabilidade de causalidade provada96. Se existem oitenta por cento (80%) de probabilidade de que a conduta do réu tenha causado o dano experimentado pela vítima, o dano será quantificado em oitenta por cento (80%) do prejuízo total sofrido. Da mesma forma, se o conjunto probatório indica uma probabilidade causal de quarenta por cento (40%), é exatamente segundo esta proporção que será calculada a indenização (SILVA, 2007, p. 50).

Verifica-se que, em síntese, a utilização da causalidade parcial consiste no arbitramento de uma indenização proporcional à probabilidade de participação do agente no resultado danoso97. Haverá, portanto, uma análise da sua atuação no evento, oportunidade em que será alcançado determinado percentual. Este será presumido causa, na medida do montante aferido.

Muito embora a teoria trabalhe com uma elevada parcela de álea, três matrizes são utilizadas para sustentar a sua eficiência.

Primeiramente, é defendido por Jacques Boré que o progresso científico possibilitou ao magistrado utilizar-se de confiáveis estatísticas num exame sério dessas circunstâncias. Segundo ele, as decisões indenizatórias consistentes em presunções, fazendo um salto do conhecido ao desconhecido “[...] é mais arbitrária e mais fraca como fundamento do livre convencimento do magistrado, que teria um conteúdo científico mais apreciável se baseado nas estatísticas” (SILVA, 2007, p. 59).

John Makdisi, citado por Peteffi (2007, p. 59), sustenta que os outros dois pilares consistem na “eficiência econômica de um padrão proporcional de causalidade” e no “caráter pedagógico que deve ser observado na responsabilidade civil”.

Entende-se por eficiência econômica aquelas condutas que apresenta um resultado final positivo à sociedade, de modo que as condutas ineficientes são, em contrapartida, caracterizadas pelo reflexo negativo no meio social (SILVA, 2007, p. 59-60).

O que explica essa característica ser um dos fundamentos da causalidade parcial é o fato de que nas condutas ineficientes nem sempre será vislumbrada a conditio sine qua non. Assim, se utilizadas as teorias tradicionais, não haverá qualquer ônus ao praticante de atividades nocivas ao meio social, motivo pelo qual é defendida a utilização dessa noção de causalidade (SILVA, 2007, p. 59-60).

Tornando prático esse fundamento, Rafael Peteffi (2007, p. 60) o exemplifica da seguinte forma:

[...] Imagine-se que uma companhia de geração de energia adote um processo de produção de energia atômica. Esse novo processo representa um ganho adicional anual para a companhia de R$1.000.000,00. Entretanto, o processo atômico aumentou a incidência de câncer na população que habita as imediações da usina de geração de energia. Os custos médicos e de inabilitação para o trabalho, devido ao aumento dos casos de câncer, produzem uma despesa anual de R$10.000.000,00 e, ainda, existe uma probabilidade de trinta por cento (30%) de que novos casos de câncer sejam causados pelo processo de geração de energia atômica. Pelo exposto, poder-se-ia afirmar que a empresa foi a causadora de R$3.000.000,00 em despesas para as vítimas de câncer, já que este valor corresponde a trinta por cento (30%) de R$10.000.000,00. Neste caso, o novo processo de geração de energia é economicamente ineficiente, visto que produz um resultado final negativo para a sociedade, pois é responsável pela criação de um lucro adicional inferior à despesa adicional criada.

Como se verifica, no caso exposto não se mostra viável a comprovação de um liame certo entre a geração de energia e os casos de câncer (há somente probabilidades), sendo afastada a incidência da conditio sine qua non e, por conseguinte, o dever de reparar (isso pelas teorias tradicionais). Sendo assim, a atividade será sequenciada sem qualquer óbice na concepção tradicional sobre o nexo de causalidade, motivo pelo qual se defende com mais este argumento a adoção da causalidade parcial.

Por fim, tem-se que a aceitação da causalidade parcial é impositiva pelo seu caráter pedagógico. Essa questão muito se assemelha à eficiência econômica da conduta, uma vez que tem como objetivo desestimular a prática ilícita.

Para justificar esse argumento, Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 60) sustenta que a utilização de um padrão “tudo ou nada” é pedagogicamente prejudicial. Esse padrão consiste na concessão de indenização integral aos casos que mostrarem-se com um maior percentual de probabilidades de uma conduta ser a causa de determinado dano e, noutro giro, deixar de se indenizar os casos em que essa probabilidade não foi tão elevada.

Ou seja, se a conduta antijurídica não resultar em uma sanção, pela ausência de certeza quanto à sua participação no dano, será o indigitado agente estimulado a persistir na sua postura danosa, ao passo que haveria reparação de fatos aleatórios quando optado pela reparação do prejuízo total.

Nesse sentido, assim conclui o referido autor:

[...] o padrão “tudo ou nada” de causalidade estaria, em muitos casos, patrocinando subcompensações ou ultracompensações (overcompensation and undercompensation). Com a utilização da causalidade parcial, réu será condenado a pagar apenas pelo dano que, segundo as estatísticas, se espera que ele tenha causado (SILVA, 2007, p. 60).

São esses, portanto, os principais argumentos articulados em defesa desta concepção sobre o nexo de causalidade98.

3.2.2 Causalidade presumida

Proveniente do direito anglo-saxônico, a teoria da causalidade presumida também relativiza a necessidade de comprovação da conditio sine qua non, assim como ocorre na teoria da causalidade parcial. No entanto, como dispõe o próprio nome, esta vertente utiliza-se de algumas presunções na identificação da causa de determinado dano e, assim feito, o repara integralmente.

Conforme ensina Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 32-33), para definir as situações em que essas presunções serão utilizadas, os juristas da common law se baseiam no denominado “fator substancial”99, segundo o qual a certeza da intervenção de determinada conduta no curso normal dos eventos é prescindível para que esta seja vista como causa, bastando ser observado se aquele fator é substancialmente100 capaz de ocasionar o desfecho danoso. Se assim o for, estar-se-á diante de uma proximate cause, sendo imperativo o dever de indenizar101.

Diante desse conceito aberto de fator substancial, as hipóteses de sua configuração se mostrariam muito abstratas, pelo que foi desenvolvida a fórmula more likely than not102, para sua verificação. Essa fórmula dispõe que frente ao caso concreto é necessário se fazer a seguinte ponderação: “[...] é mais provável que o dano tenha sido causado pela ação ou omissão do réu do que por uma causa estranha, mesmo que não exista um sólido convencimento sobre a verdadeira causa do dano” (SILVA, 2007, p. 35).

Verifica-se desse raciocínio que a conditio sine qua non (tratada por condição but for pelos juristas da common law), é dispensada na identificação da causa, sendo suficiente que haja maior probabilidade de um dano ter sido causado pelo agente do que por outras causas.

Tornando prática essa fórmula, Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 35) tece as seguintes considerações:

Para se ter idéia do alcance deste padrão probatório, seria possível dizer que, se a fórmula “more likely than not” fosse posta em termos estatísticos, toda causa que apresentasse cinqüenta e um por cento (51%) de chances de ter sido causa do dano já seria considerada como “but for”, ou seja, como conditio sine qua non. Assim, o simples fato de apresentar uma probabilidade igual ou superior a cinqüenta e um por cento (51%) já seria suficiente para caracterizar a condição necessária.

Conclui-se desse método estatístico que bastará ao autor de uma demanda dessa natureza comprovar que o percentual da participação do ofensor no curso normal dos eventos superou a parcela de interferência das demais causas, que seja em pelo menos um por cento (1%). Assim terá o seu pleito atendido na totalidade. Em contrapartida, havendo igual parcela estatística com os demais fatores (50% a 50%), a demanda será julgada totalmente improcedente.

Eis, portanto, a principal característica trazida pela fórmula more likely than not.

Outra vertente suscitada pelos adeptos da causalidade presumida dispensa o uso do fator substancial e, consequentemente, da referida fórmula em algumas circunstâncias, de modo que toma como base o parágrafo 323 do Restatement (second) of Torts103, que assim dispõe:

Aquele que se incumbe de prestar, de forma gratuita ou onerosa, serviços que são reconhecidos como necessários para garantir a segurança pessoal e patrimonial de outrem deverá ser responsabilizado pelos danos físicos causados à vítima, se a sua negligência tiver aumentado os riscos para a consecução do dano (SILVA, 2007, p. 68)104.

Conforme se verifica, neste cenário não se faz necessária a comprovação do percentual mínimo (51%) para o surgimento da responsabilidade, bastando, para tanto, que haja a criação de riscos que outrora inexistiam em desfavor do ofendido105.

Esclarecendo essa questão, Patrice Jourdain e Geneviève Viney, citados por Peteffi (2007, p. 70), ressaltam para a seguinte situação:

Temos exemplos específicos de concessão de reparação por ‘probabilidade de causalidade’ na reparação de acidentes de trânsito, antes da incidência da lei de 5 de julho de 1985, nos quais não se podia estabelecer com certeza a relação de causalidade entre o fato do ofensor e o dano, mas se sabia com certeza que o responsável havia cometido uma infração. Assim, a indenização era concedida apenas pela constatação de que a infração havia criado um risco injustificado.

De um exame restrito ao referido parágrafo 323 se deduz que a aplicação desse método baseado no risco ocorreria somente aonde preexistira relação jurídica (responsabilidade contratual). Entretanto, conforme entendimento trazido pelo supracitado trecho, a aplicação extensiva aos casos de responsabilidade aquiliana não encontra uma barreira intransponível.

Sobre essa dicotomia proveniente do uso da fórmula more likely than not ou do parágrafo 323 do Restatement (second) of Torts, Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 69) indica que, apesar das peculiaridades, ambas as concepções compõem a mesma categoria, haja vista atenuarem o ônus da prova do nexo de causalidade.

Por fim, o mesmo autor faz destaque para as contundentes críticas sofridas pela teoria, sobretudo no que concerne à manutenção do comentado padrão “tudo ou nada” (SILVA, 2007, p. 69).

Essas questões suscitadas serão debatidas no próximo capítulo sob a perspectiva da responsabilidade civil pela perda de uma chance.

3.3 Imputação objetiva

Ao contrário das teorias que foram estudadas até aqui, a imputação objetiva não apresenta uma nova forma de se identificar a relação de causalidade. Ela mais se aproxima das causas excludentes deste nexo. Por esse motivo, Rogério Greco (2012, p. 243) afirma que “[...] o termo mais adequado seria o de teoria da não-imputação, uma vez que a teoria visa, com as suas vertentes, evitar a imputação objetiva (do resultado ou do comportamento) do tipo penal a alguém”.

Consoante se depreende da parte final desse citado trecho, o mencionado autor faz referência ao instituto num contexto de Direito Penal. Isso ocorre porque a teoria em questão tem o seu campo de atuação mais voltado para essa seara, fato este que não impede o seu aproveitamento também no Direito Civil. Corroborando essa afirmação, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 146) dispõem que:

Muitos desconhecem, mas KARL LARENZ, partindo do pensamento de HEGEL, já havia desenvolvido a teoria da imputação objetiva para o direito civil, visando estabelecer limites entre os fatos próprios e os acontecimentos acidentais.

Uma das justificativas para a maior adoção da teoria no Direito Penal é o fato de que lá o nexo de causalidade é abordado pela teoria da equivalência das condições, a qual necessita de mais mecanismos para limitar que a cadeia causal se estenda ad infinitum (GRECO, 2012, p. 241). Considerando que a teoria mais aceita pelo Direito Civil pátrio tem sido a causalidade direta e imediata (ou necessária), algumas premissas trazidas pela imputação objetiva tornam-se desnecessárias, posto já serem inerentes à vertente adotada.

No entanto, a fim de contemplar as mais diversas circunstâncias que se apresentem, assim como de facilitar o deslinde de algumas controvérsias que porventura surjam no tratamento da problemática proposta, mostra-se pertinente elencar sinteticamente as principais diretrizes que compõem a teoria da imputação objetiva.

Esta teoria impõe que, diante de um fato tido como antijurídico, a conduta do agente deve ser objetivamente examinada à luz de diversos princípios e circunstâncias trazidos por ela (pela teoria). Como citado anteriormente, há uma tentativa de sequer imputar o fato ao agente, considerando que a sua conduta fora natural para o Direito (GRECO, 2012, p. 251-262).

Citado por Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 146-147), Luiz Flávio Gomes traz o seguinte entendimento sobre o assunto:

[...] A teoria da imputação objetiva consiste basicamente no seguinte: só pode ser responsabilizado penalmente por um fato (leia-se: a um sujeito só pode ser imputado o fato), se ele criou ou incrementou um risco proibido relevante e, ademais, se o resultado jurídico decorreu desse risco. [...] Se pudéssemos nos valer de uma imagem, diríamos que o nexo de causalidade é uma peneira de espaços grandes enquanto a imputação objetiva conta com orifícios menores. Muitos fatos passam pelo filtro do nexo de causalidade, não porém pelo da imputação objetiva.

Como se vê, o autor leciona que o fundamento da teoria é basicamente a ideia de riscos criados. Estes, no entanto, poderão se apresentar sob várias formas. É nesse sentido que se passa à exposição de algumas das circunstâncias e também princípios que irão regulamentar o campo de atuação da teoria. Algumas dessas diretrizes são de maior relevo para o Direito Civil e outras menos. Mas, de algum modo, todas contribuem ao estudo da matéria, tendo em vista as mais diversas situações passíveis de ocorrência no Direito atual.

Rogério Greco (2012, p. 251-262) expõe esse princípio do risco em dois grupos. O primeiro deles traz o posicionamento de Claus Roxin, pelo qual um fato não será imputado objetivamente a uma pessoa em quatro situações.

Primeiramente será observada a diminuição do risco. Se a conduta do agente diminuiu o risco ao qual a vítima estava sujeito, mesmo que isso enseje outra lesão (de menor porte) não será ela imputada a ele. No contexto de uma lesão corporal, Rogério Greco (2012, p. 236) afirma que “A conduta que reduz a probabilidade de uma lesão não se pode conceber como orientada de acordo com a finalidade de lesão da integridade corporal [...]”.

Em segundo lugar deve ser ponderado sobre a criação de um risco juridicamente relevante. O que está em questão é a capacidade da conduta do agente causar esse risco. Nas palavras do referido autor:

Se a conduta do agente não é capaz de criar um risco juridicamente relevante, ou seja, se o resultado por ele pretendido não depender exclusivamente de sua vontade, caso este aconteça deverá ser atribuído ao acaso [...] (GRECO, 2012, p. 236).

Ilustrando os seus esclarecimentos, o citado autor aponta para o caso do filho que compra uma passagem aérea na expectativa de o seu pai morrer na queda do avião, ficando ele com a herança. Mesmo que isso ocorra, o fato não é imputável ao sujeito, uma vez que “[...] em casos como tais, não há domínio do resultado através da vontade humana” (GRECO, 2012, p. 236).

Terceira hipótese diz respeito ao aumento do risco permitido. Segundo Rogério Greco (2012, p. 237), trata-se de uma “versão simplificada do princípio do incremento do risco”. Para esse princípio, “[...] se a conduta do agente não houver, de alguma forma, aumentado o risco de ocorrência do resultado, este não lhe poderá ser imputado”. Em termos práticos, pode ser citado o caso, divulgado pela mídia, de um médico brasileiro que, tentando conter um sangramento incessante no coração de um paciente, fez o uso de cola comum, como última alternativa para salvá-lo. Se a morte do paciente já era certa, essa postura do médico, apesar de criar um risco, não aumentaria o que já estava instaurado. Portanto, seria impositiva a sua não-imputação pelo eventual dano. No citado caso o paciente sobreviveu.

A quarta e última situação colocada por Roxin consiste na esfera de proteção da norma como critério de imputação (GRECO, 2012, p. 236). Segundo esse critério, um fato somente poderá ser imputado ao agente acaso agrida a esfera de proteção da norma que tutele o bem violado – sobejando-a não haverá imputação. Exemplo citado por Rogério Greco (2012, p. 237) é o caso do da mãe de uma vítima de atropelamento que sofre um infarto ao tomar ciência da perda. Para os penalistas, ao motorista do carro esse segundo fato não poderia ser imputado.

Ocorre, no entanto, que esse requisito para a imputação conflita diretamente com os danos por ricochete, estudados no capítulo anterior (2.2.4.1), os quais impõem responsabilidade civil às situações dessa natureza. Por esse motivo é importante ter certo receio em seu exame concreto. Ao que tudo indica, o dano por ricochete prevalecerá nesses casos, ficando restrita a aplicação deste requisito ao juízo criminal. No entanto, diante da diversidade de demandas possíveis, fica este registro para eventual circunstância extraordinária que o aproveite.

O segundo grupo destacado por Rogério Greco (2012, p. 251-262) também demonstra a imputação objetiva através de quatro instituições, as quais têm em sua essência que o homem segue determinados papéis na sociedade. Discorrendo sobre o posicionamento de Günther Jakobs, o citado autor apresenta as situações que se seguem.

Para este autor, o primeiro caso de não imputação tem seu fundamento no risco permitido, o qual faz referência “[...] aos contratos sociais que, embora perigosos sob um certo aspecto, são necessários e mesmo assimilados pela sociedade” (GRECO, 2012, p. 239). Trata-se de uma espécie de tolerância devida por cada pessoa, em função da atual conjuntura do mundo moderno. Assim, muito embora não se possa definir de forma genérica quais casos se incluirão nesta classe, certo é que uma parcela deles não será imputado ao agente por essa razão. Conforme citado pelo próprio Rogério Greco (2012, p. 239), mesmo em casos aparentemente idênticos o exame dependerá do caso concreto, motivo pelo qual um exemplo se mostraria leviano neste momento.

A segunda situação tem como base o princípio da confiança, segundo o qual a vida em sociedade precede de uma margem razoável de confiança que cada um cumprirá o seu papel. Assim, toda vez que alguém proceder dentro dessa margem limite, um dano daí decorrente não lhe poderá ser imputado objetivamente. Exemplo dessa fronteira limítrofe da confiança é a que o médico preceptor possui no membro da equipe hospitalar que esteriliza o bisturi utilizado na cirurgia (GRECO, 2012, p. 240)106.

Em terceiro lugar tem-se a proibição de regresso. Para este fundamento, quando o papel social de determinado agente não for excedido, os resultados dele decorrentes, ou para o qual ele tenha apenas contribuído, não lhe serão imputados. Trata-se do exemplo do vendedor de bebidas que, sabendo das más intenções de seu cliente embebedar alguém, ainda vende a ele o produto, ou mesmo do taxista que leva o homicida ao local da execução. Por tratar-se dos seus respectivos ofícios, os quais compõem o papel em que estão inseridos na sociedade, imputação não lhes haverá (GRECO, 2012, p. 240-241).

Por derradeiro, a quarta situação consiste na competência ou capacidade da vítima. Essa hipótese de não imputação objetiva se refere a casos em que a vítima consente com a ofensa ou pratica ações a próprio risco. Quanto ao consentimento à ofensa, o próprio termo remete à ideia do instituto: não haverá imputação do fato ao suposto ofensor nas situações em que a vítima consentir com o dano e isso não ferir outra premissa jurídica. Já as ações a próprio risco fazem menção a um dever de autoproteção violado pela própria vítima. Exemplo dessa ocorrência pode ser encontrado na prática de esportes radicais: se algum mal acometer o praticante, não será o seu instrutor quem suportará esses ônus – não haverá imputação objetiva do fato a ele (GRECO, 2012, p. 242).

Como se observou, esses últimos quatro fundamentos não possuem grande pertinência ao Direito Civil, tendo em vista que as excludentes do nexo de causalidade já comportam a maioria dessas situações – sobretudo a culpa exclusiva da vítima e o fato de terceiro, que serão estudados no próximo título. No entanto, para que sejam sanadas as mais diversas dúvidas no estudo da responsabilidade civil, mostra-se pertinente ter o conhecimento dessas questões.

Conclui-se, portanto, que diversas situações observadas no Direito Civil estão regulamentadas pela teoria da imputação objetiva, mas, na maioria das vezes, não havendo essa correlação, ou mesmo possuindo denominação diversa. Assim, o que se pode extrair é que a aplicação deste instituto tem lugar na esfera cível, desde que não concorra com algum instituto já estabelecido em sentido contrário.

3.4 Causas excludentes do nexo de causalidade

No estudo anterior foi visto que estando presentes uma conduta humana, um dano e o nexo de causalidade unindo esses dois componentes a responsabilidade civil é imperativa. Tal premissa, no entanto, nem sempre será absoluta, tendo em vista que algumas circunstâncias são capazes de romper essa relação causal e desincumbir o suposto ofensor das consequências jurídicas de sua conduta. Serão elas o objeto de estudo deste título, que, seguindo a ordem estabelecida por Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 149) tratará do estado de necessidade, da legítima defesa, do exercício regular de direito e estrito cumprimento do dever legal, do caso fortuito e força maior, da culpa exclusiva da vítima, assim como do fato de terceiro. Por fim, ainda serão feitas algumas observações sobre a cláusula de não indenizar.

3.4.1 Estado de necessidade

O estado de necessidade, conforme já foi observado no estudo da conduta humana (2.1.4), é uma das únicas hipóteses em que o ordenamento jurídico permite que o agente cause dano a outrem, sem que isso implique na ilicitude da conduta. O artigo 188 do vigente Código Civil (mais especificamente em seu inciso II) regulamenta a matéria nos seguintes termos:

Não constituem atos ilícitos:

I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;

II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.

Parágrafo único: No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessários, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 164).

Trazendo uma definição mais detalhada do instituto, Caio Mário da Silva Pereira (2009, p. 573-574) afirma que ele consiste:

[...] na deterioração ou destruição de coisa alheia, para remover perigo iminente, desde que seja absolutamente necessária. Na “iminência de perigo” à pessoa ou aos bens, o agente defronta a alternativa de deixá-las perecer ou levar dano à coisa de outrem. Optando por este, não procede ilicitamente, desde que não exceda os limites do indispensável à remoção do perigo. Mas, não sendo embora ilícito o procedimento, haverá dever de reparação ao dono da coisa, se este não for culpado do perigo [...].

Complementando esse conceito, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 150) ainda ressaltam que não somente a coisa será objeto dessa tutela, mas todo e qualquer direito alheio. Afirmam também que o bem jurídico agredido deve ser igual ou inferior àquele protegido. Ou seja, deve ser feito um sopesamento entre os bens jurídicos sobre os quais a ofensa pode recair e, aí sim, optar por qual deles merece a proteção naquele momento, muito embora isso implique na destruição do outro.

Duas outras questões devem ser destacadas no citado trecho. Em primeiro lugar, é importante saber que qualquer excesso nesse exercício não será suportado pela excludente, o que dará ensejo ao dever de indenizar, na medida em que o dano sobejar o permitido (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 150).

O outro ponto a ser mencionado se refere à possibilidade de uma conduta dessa natureza originar o dever de reparação, muito embora seja ela lícita (VENOSA, 2012, p. 64). Nesse sentido, o artigo 929 do vigente Código Civil traz a seguinte redação:

Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 203).

Pode se observar que, mesmo havendo a excludente do nexo de causalidade, os atos praticados em estado de necessidade ainda podem obrigar o agente à reparação dos danos deles resultantes, o que, aparentemente, torna inócuo o instituto. A verdade, no entanto, não é essa, tendo em vista que tal dever remanescerá somente quando o dono do bem violado não for o causador da situação periclitante. E, mesmo nesse caso, o legislador não deixou desamparada a pessoa que agiu de boa fé e sanou a necessidade presente em determinado caso. Para evitar qualquer incoerência do instituto, foi confeccionado o artigo 930 do mencionado diploma, possuindo o seguinte teor:

No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 203).

Observa-se, assim, que a ação praticada em estado de necessidade transferirá para outrem a responsabilidade pelo evento danoso, seja diretamente (quando o lesado der causa à necessidade) ou, nesse último caso examinado, indiretamente (pela via da ação de regresso).

Exemplo dessa primeira situação é o caso do agente que, tentando não atropelar uma criança que atravessa a rua, acaba por abalroar o carro de seu pai, que estava na porta da residência – o ônus aqui será totalmente do genitor que faltou com o dever de cuidado. Na segunda hipótese (dano a terceiro) pode ser citado o mesmo caso, mas, porém, sendo abalroando o veículo de uma terceira pessoa – ele deverá ser reparado pelo condutor, que poderá pleitear do genitor descuidado o ressarcimento do montante gasto em proveito da vítima (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 150-151).

Por fim, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 151), em alusão às ponderações de Wilson Melo da Silva, suscitam a controvérsia existente acerca da possibilidade de a vítima, sendo um terceiro estranho ao fato, pleitear indenização diretamente ao responsável pelo perigo – supondo que o causador direto do dano esteja em situação de insolvência. Em resposta a esse questionamento, os autores afirmam que, de acordo com a legislação competente, o regresso é facultado somente ao causador material do dano, sendo impossível essa inversão da ordem. Na sequência, demonstram total discordância com esse entendimento, mencionando ser uma contradição ao objeto do instituto107.

3.4.2 Legítima defesa

Prevista no mesmo dispositivo legal citado acima (artigo 188, inciso I, do CC/02), a legítima defesa tem características semelhantes ao estado de necessidade, no entanto, a situação em que ela atua é marcada pela necessidade em se repelir uma agressão injusta. Nas palavras de Silvio de Salvo Venosa (2012, p. 61-62):

A legítima defesa constitui justificativa para a conduta. O conceito é o mesmo do Direito Penal. A sociedade organizada não admite a justiça de mão própria, mas reconhece situações nas quais o indivíduo pode usar dos meios necessários para repelir agressão injusta, atual ou iminente, contra si ou contra as pessoas caras ou contra seus bens [...] Nesse conceito de legítima defesa, não estão abrangidos unicamente os bens materiais, mas também valores da personalidade como a honra e boa fama.

Como se pode notar, a legítima defesa não tem como fundamento principal simplesmente sanar a necessidade, mas destina-se a exercer a “auto-tutela” contra alguém que estiver causando mal a si ou a outrem.

Como ocorre com o estado de necessidade, essa situação também tem como limite a medida necessária para repelir o injusto, estando sujeito a sanções quem o exceder. Igualmente, havendo ofensa a terceiros será impositivo o dever de indenizá-los, prevalecendo, contudo, o direito de regresso contra o verdadeiro agente responsável pelo episódio danoso (VENOSA, 2012, p. 62).

Uma situação que merece destaque neste contexto é a legítima defesa putativa. Mais vista no Direito Penal, ela ocorrerá “[...] quando a situação de agressão é imaginária, ou seja, só existe na mente do agente. Só o agente acredita, por erro, que está sendo ou virá a ser agredido injustamente” (GRECO, 2006, p. 365). É o caso, por exemplo, do agente que, ameaçado anteriormente por um indivíduo, o vê caminhando rapidamente em sua direção, enquanto retira um instrumento de seu bolso. Imaginando que ele irá matá-lo, o primeiro rapaz se antecipa e o alveja no peito com um disparo certeiro de arma de fogo. Ao apurar os fatos, constata-se que aquele instrumento era um simples lenço. A legitimidade da defesa, então, estava somente no íntimo do ofensor, que incorrerá na sua modalidade putativa (GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2012, p. 153).

Nesse caso a situação do agente não é acobertada por este instituto. Apesar de sua conduta receber uma tutela mais branda (ou nenhuma) no Direito Penal, para o cível não há qualquer proteção relacionada. O dano injusto deverá ser reparado. Como ensina Sílvio de Salvo Venosa (2012, p. 62), essa circunstância exclui (ou pode excluir) a culpabilidade da conduta, mas não a antijuridicidade.

3.4.3 Exercício regular de direito e estrito cumprimento do dever legal

Apesar de se estar diante de dois institutos autônomos, o seu tratamento neste único tópico se justifica pela proximidade existente entre eles.

Sobre o exercício regular de direito, a sua previsão legal também está contida no artigo 188 do vigente diploma civil, em seu inciso I, segunda parte, que afirma não serem ilícitos aqueles atos praticados “[...] no exercício regular de um direito reconhecido” (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 164). Elucidando o que se entende por esse exercício, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 154) discorrem nos seguintes termos:

Se alguém atua escusado pelo Direito, não poderá estar atuando contra esse mesmo Direito. Tal ocorre quando recebemos autorização do Poder Público para o desmatamento controlado de determinada área rural para o plantio de cereais. Atua-se, no caso, no exercício regular de um direito. Da mesma forma, quando empreendemos algumas atividades desportivas, como o futebol e o boxe, podem surgir violações à integridade física de terceiros, que são admitidas, se não houver excesso.

O conceito básico, portanto, é que uma ação amparada pelo Direito não será antijurídica. O que torna o tema mais conturbado, entretanto, são as ações que excedem esse direito, o chamado “abuso de direito”.

Em sintética definição, pode se dizer que ele se consubstancia em condutas que ultrapassam o dispositivo autorizador, ferindo um bem jurídico alheio. Um exemplo mencionado pelos referidos autores está na conduta de um proprietário de certo imóvel, que, a fim de prejudicar o tráfego aéreo no terreno vizinho, ergueu altas hastes pontiagudas em sua propriedade. Em julgamento feito por um tribunal francês, foi reconhecido o abuso de direito de propriedade (GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2012, p. 155).

Versando sobre o assunto, o artigo 187 do vigente Código Civil apresenta o seguinte teor:

Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 164).

Portanto, diante do rompimento da fronteira estabelecida pelo competente direito, o ato se torna ilícito, nos moldes dos demais estudados até aqui.

Pela narrativa contida no dispositivo em questão, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 156-157) afirmam que a identificação do abuso de direito é realizada por um critério finalístico. Ou seja, diante do expresso texto legal, é desnecessário perquirir culpa na conduta do ofensor. Basta que ele incorra dentre as situações dispostas na lei, para que seja reconhecido o abuso de direito.

Reforçando esses argumentos, os autores ainda citam o Enunciado nº. 37, da I Jornada de Direito Civil da Justiça Federal, o qual preconiza que “[...] a responsabilidade civil decorrente do abuso de direito independe de culpa e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico” (GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2012, p. 157).

Enfim, para que seja configurado o exercício regular do direito propriamente dito deve ser observada a premissa feci sed iure feci, ou seja, “Fiz, mas fiz de acordo com a lei” (PEREIRA, 2009, p. 573).

No que concerne ao estrito cumprimento do dever legal, ele mais consiste numa situação específica em que o exercício regular do direito pode ocorrer. Melhor dizendo, aquele que agir no estrito cumprimento do dever legal estará exercendo regularmente o seu direito. Quanto aos abusos ou atuação fora do objetivo daquele permissivo, aplicam-se as regras do instituto anterior (GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2012, p. 157).

Em ilustração, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 157) indicam que “[...] não há falar-se em responsabilidade civil no caso do agente de polícia que arromba uma residência para o cumprimento de uma ordem jurídica, por exemplo”.

O que deve ser alertado, por oportuno, é que a ordem manifestamente ilegal do chefe de polícia, por exemplo, não encontra guarida nesta causa de exclusão do nexo de causalidade – o policial não poderá matar uma pessoa por ordem de seu superior, sem que haja motivos para tanto (GRECO, 2006, p. 438-447). Apesar de ser premissa mais específica do Direito Penal, o jurista cível também deve se atentar para esse fato no exame dessas circunstâncias.

3.4.4 Caso fortuito e força maior

Cada vez mais pacífico na doutrina tem sido o entendimento de que a diferenciação entre o caso fortuito e a força maior é algo desnecessário. Conforme menciona Fernando Noronha (2010, p. 659), essa “[...] distinção não tem interesse prático, uma vez que o tratamento jurídico é um só e único”.

Partindo dessa ótica monista, o mesmo autor formula o seguinte conceito sobre os institutos:

Quando a expressão caso fortuito ou de força maior é usada em sentido restrito (e sem distinguir entre fortuito e força maior), ela engloba os acontecimentos naturais, como tempestades, enchentes e doenças (que poderiam ser designados de acts of God), e as ações humanas não individualizadas, como guerras, assaltos, depredações e até imposições da autoridade, sempre que tais fatos tenham sido determinantes do dano (NORONHA, p. 650, grifos do autor).

Corroborando essa definição e regulamentando os institutos, assim dispõe o artigo 393 do vigente Código Civil:

O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 175).

Como se nota do parágrafo único, a noção basilar do instituto está na ideia de incapacidade humana frente ao fato que dá ensejo ao dano, ou mesmo diante da forma em que ele se apresentar.

O que se percebe, igualmente, é que esse exercício de diferenciação mais se afigura como um preciosismo jurídico, uma vez que o próprio dispositivo regulamentador da matéria a trata de forma unificada

Ocorre, no entanto, que alguns autores insistem em estabelecer critérios de diferenciação entre esses conceitos, o que torna prudente expor sinteticamente alguns deles.

Segundo Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 159), os principais critérios para diferenciação dos conceitos de caso fortuito e força maior são a imprevisibilidade e a inevitabilidade. Sobre estes, lecionam da seguinte forma:

Sem pretender pôr fim à controvérsia, pois seria inadmissível a pretensão, entendemos, como já dissemos alhures, que “a característica básica da força maior é a sua inevitabilidade, mesmo sendo a sua causa conhecida (um terremoto, por exemplo, que pode ser previsto pelos cientistas); ao passo que o caso fortuito, por sua vez, tem a sua nota distintiva na sua imprevisibilidade, segundo os parâmetros do homem médio. Nessa última hipótese, portanto, a ocorrência repentina e até então desconhecida do evento atinge a parte incauta, impossibilitando o cumprimento de uma obrigação (um atropelamento, um roubo)” (grifos do autor).

Muito embora não concorde com a dicotomia suscitada, Fernando Noronha (2010, p. 659) também aponta serem esses os critérios que mais se aproximam dos termos em questão. Contudo, prefere utilizar a palavra “irresistível” no tratamento da força maior, em substituição à “inevitável” (que para ele faz menção aos dois casos).

Mas, enfim, consoante se observa, essa distinção é inócua, uma vez que a aplicação do instituto ao caso concreto não impõe esse ônus ao demandante.

Parte dos juristas, no entanto, inconformada com essa igualdade, deu tratamento diverso ao caso fortuito e ao de força maior, no campo da responsabilidade objetiva (e somente nesse caso). Além de defini-los de forma diferente, pelos critérios acima, desmembrou o caso fortuito entre interno e externo (VENOSA, 2012, p. 60).

Segundo essa vertente, muito embora tais casos ensejem (em tese) a exclusão do nexo de causalidade, a responsabilidade da pessoa (natural ou jurídica) remanescerá quando houver caso fortuito ligado à organização interna de seus negócios. O fundamento é a ideia de risco criado (NORONHA, 2010, p. 662). Como se percebe, não entram nessa exceção os casos de força maior ou fortuitos externos.

Ou seja, naturalmente a objetividade retira somente a necessidade de comprovação da culpa na responsabilidade, persistindo o ônus de comprovar os seus demais elementos. Mas, nesses casos em que há um risco interno inerente ao negócio, ela impedirá até mesmo a atuação da excludente prevista pelo caso fortuito – passando a ser este considerado caso fortuito interno. Persistirá o dever de reparar.

Em citação a Saulo José Casali Bahia, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 162) trazem o seguinte exemplo:

O caso fortuito interno ocorreria a partir da atividade da própria administração. Seria um fato imprevisível, mas atrairia responsabilidade civil ao Estado. Isto porque deve-se entender que a atividade estatal criou um risco. Se a administração se coloca no mundo físico, guiando um carro, construindo um edifício, fez surgir, pelo só fato da sua atividade, um risco para os demais. Reparará, portanto, por este risco que criou. Pouco importa que a barra de direção do veículo oficial houvesse partido pelo acaso ou o edifício público desabado pela ação das chuvas. Como se vê, não se exige a presença de culpa. A teoria é objetiva (risco administrativo). Por outro lado, haveria casos fortuitos (denominados casos fortuitos externos) que não adviriam da atividade da administração, mas de terceiros ou da natureza. Neste caso, a administração não deveria reparar ao lesado (só a teoria do risco social fará com que o caso fortuito externo não sirva como excludente). Num exemplo: ninguém poderá reclamar responsabilidade civil do Estado se um raio caiu sobre sua residência e danificou o telhado.

Criticando essa inovação realizada, Fernando Noronha (2010, p. 661-662), manifesta-se nos seguintes termos:

Mas se está certa a ideia de distinguir entre acontecimentos internos e externos, para excluir a responsabilidade pelos segundos, que são forças estranhas às coisas, ela não implica a necessidade de distinção entre caso fortuito e caso de força maior. Existem outras vias que permitem alcançar o mesmo resultado, sem necessidade de introduzir distinções estranhas ao ordenamento. Assim, basta que aos tradicionais requisitos da imprevisibilidade e da irresistibilidade se adite o da externidade, para que se consiga o efeito pretendido por Alvim (e Josserand). Quando faltar esse terceiro requisito, não haverá caso fortuito ou de força maior e, por isso, o agente terá de responder pela indenização (se, é claro, o caso for daqueles de responsabilidade objetiva) (grifos do autor).

Conclui-se, dessas divergências, que atualmente não há um consenso nesse sentido, mas, como se percebe, os autores mais tradicionais discordam da variação. Silvio de Salvo Venosa (2012, p. 61) argumenta, inclusive, que essa distinção é tormentosa, uma vez que somente um juízo discricionário de equidade poderá fazê-la e, ainda assim, o êxito não será garantido. Pode ocasionar, portanto, insegurança jurídica.

Superado o debate dessa questão, outro ponto que merece destaque é a possibilidade de as partes contratantes se responsabilizarem voluntariamente por eventuais casos fortuitos ou de força maior que se apresentem na avença. Conforme se infere da parte final do supracitado dispositivo (artigo 393 do Código Civil de 2002), se escusará do dever de reparar os danos o devedor que “[...] expressamente não se houver por eles responsabilizado” (BRASIL. Vade Mecum, 2012, p. 175). Portanto, de uma leitura inversa do texto legal, fica evidenciado que o princípio da autonomia da vontade faculta a assunção do respectivo ônus contratual (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 161).

Por fim, o que também requer atenção, apesar de já ter sido constantemente observado acima, é o fato de que o caso fortuito e o de força maior excluem o nexo de causalidade, e não a culpabilidade.

3.4.5 Culpa exclusiva da vítima

Outra situação de rompimento do nexo de causalidade consiste na culpa exclusiva da vítima, que, segundo Sergio Cavalieri Filho (2006, p. 90), mais se adéqua à denominação de “fato exclusivo da vítima”, tendo em vista que o elemento fundamental a se observar não é a culpa, mas o nexo de causalidade que liga o fato danoso à conduta que o ocasionou.

Como se extrai do próprio nome, esta causa excludente do nexo de causalidade se apresenta em situações que a própria vítima é responsável pelo dano experimentado. Conforme ensina o citado autor:

A culpa exclusiva da vítima – pondera Silvio Rodrigues – é causa de exclusão do próprio nexo causal, porque o agente, aparente causador direto do dano, é mero instrumento do acidente (ob. Cit., p. 179). Assim, se “A”, num gesto tresloucado, atira-se sob as rodas do veículo dirigido por “B”, não se poderá falar em liame de causalidade entre o ato deste e o prejuízo por aquele experimentado. O veículo atropelador, a toda evidência, foi simples instrumento do acidente, erigindo-se a conduta da vítima em causa única e adequada do evento, afastando o próprio nexo causal em relação ao motorista, e não apenas a sua culpa, como querem alguns. [...] Para os fins de interrupção do nexo causal basta que o comportamento da vítima represente o fato decisivo do evento (CAVALIERI FILHO, 2006, p. 89).

Diante do exposto, percebe-se, então, que o suposto autor do fato realmente promove o desfecho danoso, entretanto a causa deste é consequência direta do comportamento da própria vítima. Sendo assim, não haverá a quem impor o dever de indenizar, devendo ela suportar integralmente os ônus de sua ação.

Algumas menções expressas a esse instituto podem ser encontradas, por exemplo, no artigo 12, §3º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor108, e na Súmula 28 do Supremo Tribunal Federal109.

Uma questão que deve ser esclarecida é a diferença existente entre o fato exclusivo da vítima e a sua culpa concorrente. Diferente do que foi verificado acima, esta última espécie se apresenta no artigo 945 do vigente Código Civil, nos seguintes termos:

Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 204).

Observa-se desse dispositivo legal que, neste caso, a responsabilidade do autor do fato não é somente aparente, ela existe. Contudo, como a vítima também contribuiu para o dano, a sua parcela de culpa será computada no resultado da ofensa, respondendo o agente apenas pelo montante remanescente. Nas palavras de Sílvio de Salvo Venosa (2012, p. 55), “Quando há culpa concorrente da vítima e do agente causador do dano, a responsabilidade e, consequentemente, a indenização, serão repartidas, como já apontado, podendo as frações de responsabilidades ser desiguais, de acordo com a intensidade da culpa”.

Traçando um paralelo entre as duas situações expostas acima, Caio Mário da Silva Pereira (2009, p. 574) traz a seguinte lição:

[...] a contribuição do lesado, na construção dos elementos do dano que sofreu, pode graduar em escala diferente a sua concorrência culposa no evento prejudicial, e, conseqüentemente, graduar-lhe também os efeitos. Assim é que, se a causa do prejuízo está toda inteira no fato da vítima, ocorre a escusativa da responsabilidade. Se a vítima apenas concorreu para o acontecimento, em cuja elaboração fática se adicionaram a falta da vítima e a falta do acusado, reduz-se a indenização, na proporção em que o lesado concorreu para o dano sofrido.

Conclui-se, portanto, que o rompimento do nexo de causalidade ocorrerá apenas no fato exclusivo da vítima, sendo que na sua culpa concorrente haverá apenas a repartição dos ônus provenientes da situação danosa. Permanece o vínculo causal que une a conduta ao dano.

3.4.6 Fato de terceiro

Situação que enfrenta maior resistência na aplicação prática é o fato de terceiro. Muito embora a doutrina mantenha a tendência em admitir esta hipótese dentre as demais excludentes, a jurisprudência não tem refletido de forma pacífica esse entendimento (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 165-167).

O seu conceito não demanda maiores percalços. O fato de terceiro será encontrado nas hipóteses em que o dano for proveniente da ação de “[...] qualquer pessoa além da vítima e o responsável, alguém que não tem nenhuma ligação com o causador aparente do dano e o lesado” (CAVALIERI FILHO, 2006, p. 90).

Percebe-se desse conceito que, como ocorre na culpa exclusiva da vítima, há um aparente autor que deflagra o dispositivo causador do dano, mas que, no entanto, não é quem realmente deu causa a ele.

Exemplificando o instituto em comento, Sergio Cavalieri Filho (2006, p. 90) destaca uma ação judicial em que um ciclista foi atropelado por um ônibus que lhe ultrapassava. Após a apuração dos fatos, verificou-se que o motivo do atropelamento não fora a conduta do motorista, mas ocorreu em virtude de um buraco existente às margens da rodovia, do qual o ciclista não conseguiu desviar e, por isso, acabou caindo dentre as rodas do coletivo. A culpa em exame, então, foi atribuída à empresa concessionária de serviços públicos, que não cuidou de tapar o buraco. Ou seja, um terceiro, estranho aos envolvidos no acidente, era o responsável pelo dano ocasionado.

Verifica-se, portanto, que não é a consistência do instituto que prejudica a sua aplicabilidade – as suas premissas já são bem difundidas. O que impõe os maiores obstáculos é a preocupação primordial em reparar a vítima (incluindo no polo passivo da demanda todos aqueles envolvidos na cadeia de eventos que antecederam o dano), para, somente depois, apurar se essa responsabilidade seria do aparente autor ou do terceiro.

Estabelecendo alguns critérios para evitar essa situação e tecendo algumas ponderações a respeito, Sílvio de Salvo Venosa (2012, p. 65) manifesta-se da seguinte forma:

No caso concreto, importa verificar se o terceiro foi o causador exclusivo do prejuízo ou se o agente indigitado também concorreu para o dano. Quando a culpa é exclusiva de terceiro, em princípio não haverá nexo causal. O fato de terceiro somente exclui a indenização quando realmente se constituir em causa estranha à conduta, que elimina o nexo causal. Cabe ao agente defender-se, provando que o fato era inevitável e imprevisível. Na questão do motorista a que nos referimos, o agente apenas se livrará da indenização de provar que dirigia com todas as cautelas possíveis e que a manobra do terceiro era totalmente imprevisível. O fato de terceiro deve equivaler à força maior. A tendência da jurisprudência é admitir apenas excepcionalmente o fato de terceiro como excludente de culpa. A esse propósito, lembre-se da Súmula 187 do Supremo Tribunal Federal: “A responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com passageiro, não é ilidida por culpa de terceiro, contra o qual tenha ação regressiva.” Essa posição jurisprudencial denota a tendência marcante de alargar a possibilidade de indenização sempre que possível (grifos do autor).

Como se vê, a jurisprudência tende a não reconhecer essa causa de exclusão do nexo de causalidade, somente a aplicando nas hipóteses em que ficar evidente a culpa exclusiva do terceiro. Havendo uma ínfima participação do próprio agente no fato, que foi potencializado pelo terceiro, a sua responsabilidade integral será mantida (VENOSA, 2012, p. 65-68).

Deve ser destacado, entretanto, que o indeferimento dessas escusas não impõe ao aparente autor o ônus definitivo de arcar com o resultado danoso. Da leitura dos já mencionados artigo 929 e artigo 930 do vigente Código Civil110 (aplicados de forma indireta ao caso), observa-se que é facultado a ele o ajuizamento de ação regressiva contra o terceiro para perseguir os prejuízos experimentados (VENOSA, 2012, p. 65-68).

O que se extrai, portanto, é que o fato de terceiro somente será considerado excludente do nexo de causalidade quando o agente conseguir comprovar que a situação que o levou a ocasionar o dano era totalmente imprevisível e/ou inevitável, de modo que se equiparava a um caso fortuito ou força maior. Concluindo, nesse sentido, imperioso ressaltar o seguinte posicionamento e ilustração de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 166-167):

Se, por exemplo, o sujeito estiver ultrapassando, com o seu fusca, pelo lado esquerdo da pista, um caminhão, e o motorista deste, imprudentemente, arremessá-lo para fora da estrada, será obrigado (o agente que guiava o carro) a indenizar o pedestre que atropelou? Ou poderia alegar o fortuito, para o efeito de se eximir da obrigação de ressarcir? Em muitos julgados, tende-se a reconhecer a responsabilidade do causador do dano, a quem caberia ação regressiva contra o terceiro, mesmo em caso de abalroamento (JTACSP. 109/226, RT, 646/89, RT, 437/127). Não entendemos assim, pois, em tal situação, diferentemente do que ocorre no estado de necessidade, em que o sujeito causador do dano atua para livrar-se do perigo, no abalroamento do fusca, este veículo fora apenas um mero instrumento na cadeia causal dos acontecimentos (grifos do autor).

Percebe-se, então, que a jurisprudência ainda discrepa nesse sentido, mas, ao contrário, a doutrina já está bem assentada no posicionamento mencionado, dando maior efetividade ao fato de terceiro como causa competente para interromper a relação de causalidade.

3.4.7 Cláusula de não indenizar

Em situações também excepcionais, pode o dever de indenizar ser afastado em função das partes contratantes convencionarem uma cláusula com esse propósito. Sobre o tema, Sergio Cavalieri Filho (2006, p. 528) traz os seguintes esclarecimentos:

Praticado o ato ilícito, em qualquer de suas modalidades, segue-se como conseqüência o dever de reparar o dano dele decorrente. A pessoa chamada a fazer essa reparação, todavia, pode, eventualmente, eximir-se do efetivo ressarcimento invocando a cláusula de não indenizar. De todas as definições encontradas na doutrina, a que melhor coloca a questão é aquela que diz ser a cláusula de não indenizar o ajuste que visa afastar as conseqüências normais da inexecução de uma obrigação; a estipulação através da qual o devedor se libera da reparação do dano, ou seja, da indenização propriamente dita (grifos do autor).

Percebe-se, desse trecho, que o instituto em exame tem a sua atuação admitida pelo Direito pátrio. Ocorre, no entanto, que ele não é bem visto no paradigma atual – onde a reparação dos danos tende a abranger as situações mais diversificadas possíveis. Sendo assim, o seu campo de atuação encontra-se bastante restrito (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 168-169).

Apontando algumas das vedações impostas à cláusula em questão, Sílvio de Salvo Venosa (2012, p. 68-69) apresenta o seguinte rol:

O Decreto nº 2.681, de 1912, que regula a responsabilidade das estradas de ferro, considera nula qualquer cláusula que tenha por objetivo diminuir a responsabilidade das ferrovias. Em matéria de transportes, é conhecida a Súmula 161 do Supremo Tribunal Federal: “Em contrato de transporte, é inoperante a cláusula de não indenizar”. Com sua proibição nos contratos por adesão, protege-se a parte mais vulnerável na relação negocial. Também não se admite a cláusula quando se trata de crime ou ato lesivo doloso, pois, além de constituir condição meramente potestativa (art. 122), nesse caso haveria um salvo-conduto para o agente praticar ato contra o Direito ou contra o dever estabelecido. Também não pode ser admitida a cláusula de não indenizar em conflito com a ordem pública, matéria que não pode ser objeto de transação pela vontade individual. Em tese, pode essa cláusula ser admitida quando a tutela do interesse for meramente individual, desde que não esbarre em direitos do consumidor, como vimos (grifos do autor).

Dentre as situações elencadas, merecem destaque as relações de consumo. O artigo 25, do competente diploma legal (Lei 8.078 de 1990), disciplina que “É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas Seções anteriores” (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 694). Ou seja, diante da vulnerabilidade do consumidor, há expresso impedimento da existência dessa cláusula, principalmente em se tratando de contratos de adesão (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 168-169).

Como se pode perceber, não bastassem as restrições genéricas às hipóteses de incidência da referida cláusula, existem, também, previsões expressas limitando a sua atuação. Assim, como afirmam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 168), a aplicabilidade do instituto em questão somente é viável quando houver “[...] igualdade dos estipulantes e a não infringência de superiores preceitos de ordem pública” (grifos do autor). Em conclusão, afirmam que:

[...] poderíamos fixar a premissa de que essa cláusula só deve ser admitida quando as partes envolvidas guardarem entre si uma relação de igualdade, de forma que a exclusão do direito à reparação não traduza renúncia da parte economicamente mais fraca.

Portanto, apesar de cabível, o uso deste mecanismo limita-se a situações bem específicas, motivo pelo qual não é vista com a mesma frequência dos demais institutos estudados neste título.

Finalizando este capítulo, é importante salientar que a diferença existente entre a supracitada teoria da imputação objetiva e as causas excludentes ora analisadas está no elemento que cada uma delas ataca: a imputação relaciona-se com a culpabilidade, enquanto as presentes excludentes visam interromper a relação de causalidade. Nas palavras de Fernando Noronha (2010, p. 663):

Não é correta a afirmação, muito corrente, de que a ocorrência de caso fortuito ou de força maior exclui a culpa. A existência ou ausência de culpa diz respeito a um requisito da responsabilidade civil, o nexo de imputação (que aponta a pessoa a quem pode ser ligado um determinado fato gerador de danos, seja a título de culpa ou de risco), ao passo que a ocorrência ou não de caso fortuito ou de força maior, fato de terceiro ou fato do próprio lesado, diz respeito a outro requisito, o nexo de causalidade (que indica quais são os danos que podem ser considerados consequência do fato que esteja em questão). Aliás, em termos lógicos, a apuração do nexo de causalidade precede o juízo de imputação. Verificado um determinado dano, primeiro é preciso apurar qual foi a sua causa. Só depois de determinado o fato causador, levanta-se a questão de saber se este pode ser imputado a alguém (grifos do autor).

Corroborando esse entendimento, destaque-se o já mencionado exemplo de Luiz Flávio Gomes, citado por Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 147), que afirma:

[...] Se pudéssemos nos valer de uma imagem, diríamos que o nexo de causalidade é uma peneira de espaços grandes enquanto a imputação objetiva conta com orifícios menores. Muitos fatos passam pelo filtro do nexo de causalidade, não porém pelo da imputação objetiva.

Como se observa, o fato danoso percorre um extenso caminho até que possa alcançar o seu real causador e responsável, servindo essas diversas barreiras para filtrar as situações que apresentam verdadeira pertinência ao Direito.

Termina, portanto, o estudo dos elementos genéricos à responsabilidade civil. No próximo capítulo eles serão aplicados (ou afastados), direta ou indiretamente, ao objeto da pesquisa, a fim de que a verdadeira essência da responsabilidade civil pela perda de uma chance seja alcançada, à luz dos institutos mais sólidos e aplicáveis desta esfera do Direito.


4 DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE

Do estudo realizado até aqui, puderam ser observados os principais pilares que sustentam a responsabilidade civil de um modo geral. Superado esse exame, passa-se, agora, à exposição da perda de uma chance propriamente dita – objeto principal da pesquisa.

Destaque-se, no entanto, que os institutos já trabalhados jamais se desvinculam do tema em questão, sendo eles utilizados para acolher ou rechaçar os argumentos suscitados no tratamento da matéria (muito embora grande parte deles não se apresente expressamente).

Enfim, o objetivo deste capítulo é abordar a temática proposta com observância às regras gerais da responsabilidade civil, de modo que seja alcançada a definição jurídica que mais se adéque à finalidade da teoria da perda de uma chance, tornando, assim, viável a sua aplicabilidade mais pacífica e criteriosa, bem como mais condizente com a realidade jurídica pátria.

Com esse propósito, o estudo inicia-se conceituando e tecendo algumas considerações sobre a referida teoria e, na sequência, apresenta as suas principais espécies de configuração, sendo elas: os casos clássicos; a perda da chance de evitar um prejuízo ocorrido; e a perda da chance pelo descumprimento do dever de informação.

Adiante, é traçado um comparativo entre os casos de perda de uma chance e os danos pela criação de riscos.

Por fim, com base nos esclarecimentos colhidos durante todo o estudo, adentra-se à parte mais melindrosa da pesquisa: a teoria em exame é apreciada sob as perspectivas tradicionais e alternativas sobre o nexo de causalidade, assim como visualizada na forma de dano autônomo. Busca-se, com isso, o subsídio necessário a uma conclusão que mais se aproxime de verdadeiro desígnio da responsabilidade civil pela perda de uma chance.

4.1 Conceito e noções básicas de responsabilidade civil pela perda de uma chance

Com origem na doutrina francesa, no final do século XIX (SILVA, 2007, p. 149), e difundida na Itália, a partir de 1940 (SAVI, 2009, p. 7), a teoria da perda da chance tardou a chegar ao Brasil. Segundo Fernando Noronha (2010, p. 698), o interesse pelo assunto somente foi despertado aqui em 1990, em função de uma palestra ministrada aos alunos da Faculdade de Direito da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), pelo jurista francês François Chabas. Desde então, a matéria se difundiu largamente no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e, atualmente, vem ganhando cada vez mais espaço, tanto na doutrina quanto nos demais tribunais pátrios.

Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 72) afirma que o motivo da ampliação deste estudo decorre das mudanças enfrentadas pelas sociedades modernas. Para o autor:

De acordo com os valores individualistas e patrimonialistas do século XIX, observava-se a reparação exclusiva de danos patrimoniais, certos e tangíveis. Atualmente, vive-se a era da incerteza. Ora, se o novo padrão solidarista do direito modificou o eixo da disciplina da culpa para a reparação do dano, é evidente que vários danos que até então não eram indenizados por serem incertos, intangíveis ou com efeitos puramente emocionais passam a ser reparados. Assim, prejuízos representados por quebras de expectativa ou confiança, quebra de privacidade, estresse emocional, risco econômico, perda de uma chance e perda de escolha já são considerados plenamente reparáveis [...]111.

Fernando Noronha (2010, p. 566-567) também atribui a difusão da teoria em comento ao fator social. Na sua concepção, tanto esta espécie de responsabilidade quanto outras mais, se devem à “[...] necessidade sentida pela sociedade de não deixar dano nenhum sem reparação [...]”. Para ele a viabilidade dessa premissa tem o seguinte fundamento:

[...] a ampliação dos danos suscetíveis de reparação reflete-se na diminuição das exigências para o reconhecimento de certos danos, que anteriormente eram postas, o que tem sido feito principalmente pela via do alargamento da noção de causalidade [...] e pela crescente aceitação da reparabilidade de certos danos de natureza um tanto aleatória, como é o caso da perda de chances [...] (NORONHA, p. 567, grifos do autor).

Percebe-se, então, que na história recente do Direito pátrio há uma tendência em se reparar os mais variados tipos de danos, de modo que a vítima passou a ser o foco da responsabilidade civil. Conforme assevera Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 71-73), a culpa do ofensor não é mais essencial para a configuração do dever de reparar, tornando-se as tutelas jurídicas mais objetivas, coletivas e solidaristas.

Foi nesse contexto que teve início a atuação da responsabilidade civil pela perda de uma chance no sistema jurídico pátrio, com base maior no princípio da reparação integral112 e com fundamento legal no artigo 944, caput, do vigente Código Civil, que afirma: “A indenização mede-se pela extensão do dano” (SILVA, 2007, p. 208-209).

Prova de que essa modalidade tem sido recepcionada pelo Direito nacional pode ser encontrada na Lei nº. 12.318, de 26 de agosto de 2010, que dispõe sobre os casos de alienação parental.

Além desse diploma prever diversas medidas acautelatórias para os seus fins, o seu artigo 6º dispõe, também, que o magistrado poderá aplicá-las “[...] sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil [...]” (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 1466). Assim, ao incluir esse poder/dever do julgador ao lado das situações lá descritas, o legislador trouxe a lume diversas modalidades que somente poderão ser reparadas ou compensadas civilmente com a aplicação da perda de uma chance.

Qualquer dano que decorra, por exemplo: da falta do exercício da autoridade parental; que afaste a criança dos cuidados de um dos genitores; ou que impeça este de manter qualquer contato com aquela, somente pode ser compensado sob a perspectiva desta teoria – seja em favor do alienado ou do(a) genitor(a) prejudicado(a). Ou seja, eventuais desvios de caráter da criança, inimizades com o(a) genitor(a), ausência de afeto etc., em razão desses fatos, só devem ser contemplados pelas tutelas atinentes à perda de chances, uma vez que, mesmo sem a alienação, tudo isso poderia ocorrer naturalmente – a vida apresenta diversas situações que fogem ao controle humano (ou, pelo menos, de quem detém o interesse em situação diversa). Portanto, apenas chances de se ter outra situação foram maculadas, não podendo, em regra, atribuir tais ofensas integralmente à conduta antijurídica em apreço113.

Visualizando especificamente a hipótese em que o alienado se afasta de um dos genitores, não poderia se falar em responsabilização do alienante pela falta do contato em si, uma vez que não era certo que haveria amizade entre as vítimas da situação ou, mesmo, se manteriam qualquer vínculo. Noutro giro, chances de serem amigos na infância ou manterem um convívio tolerável naquela fase foram retiradas, donde emana a responsabilidade. O mesmo fundamento pode ser aplicado à maioria das situações previstas no artigo 2º e seus incisos, da mencionada Lei114.

Isso mostra, portanto, que a realidade do cenário jurídico nacional, mesmo que indiretamente (e, talvez, involuntariamente) tem caminhado no sentido de estender as suas tutelas a episódios dessa natureza.

Entretanto, não obstante a existência desses dispositivos legais, assim como de um cenário mais receptivo às novas modalidades de responsabilidade civil, a aceitação da teoria em estudo não é inteiramente pacífica, havendo, ainda, grandes percalços e receios impostos pela doutrina e jurisprudência, dentre os quais alguns deles passam a ser examinados adiante.

Quanto ao conceito propriamente dito de perda da chance, Fernando Noronha (2010, p. 695) se manifesta nos seguintes termos:

Quando se fala em chance, estamos perante situações em que está em curso um processo que propicia a uma pessoa a oportunidade de vir a obter no futuro algo benéfico. Quando se fala em perda de chances, para efeitos de responsabilidade civil, é porque esse processo foi interrompido por um determinado fato antijurídico e, por isso, a oportunidade ficou irremediavelmente destruída. Nestes casos, a chance que foi perdida pode ter se traduzido tanto na frustração da oportunidade de obter uma vantagem, que por isso nunca mais poderá acontecer, como na frustração da oportunidade de evitar um dano, que por isso depois se verificou. No primeiro caso, em que houve a interrupção de um processo vantajoso que estava em curso, poderemos falar em frustração da chance de obter uma vantagem futura; no segundo, em que não houve a interrupção de um processo danoso em curso, falar-se-á em frustração da chance de evitar um dano efetivamente acontecido (e em que, portanto, temos um dano presente). Essa perda de chance, em si mesma, caracteriza um dano que será reparável quando estiverem reunidos os demais pressupostos da responsabilidade civil; em especial, será exigida culpa do agente quando a hipótese for de responsabilidade subjetiva e prescindir-se-á dela quando a responsabilidade for objetiva (grifos do autor).

Verifica-se, então, que a responsabilidade civil pela perda da chance é fiel à sua nomenclatura: tutela os casos em que chances são efetivamente perdidas115. Ou seja, não basta uma conduta antijurídica para que haja responsabilidade do respectivo agente. É necessário que esta resulte em “irremediável” perda da chance. Apesar de redundante a observação, mostra-se importante fazê-la, uma vez que algumas controvérsias suscitadas adiante terão como deslinde a simples observância atenta desse conceito.

O que também deve ficar bem claro neste contexto é que a doutrina desmembra a teoria em dois campos de atuação: há casos de perda da chance de ter sido evitado um prejuízo ocorrido e outros de perda da chance de aferir proveito em potencial.

1) A primeira hipótese pode ser exemplificada pelo caso do médico que, agindo com negligência, deixa de ministrar a terapêutica adequada ao paciente, que vem a falecer posteriormente. Não é sabido se a correta medicação evitaria o óbito, mas é certo que com ela haveria maiores chances de cura ou sobrevida (SILVA, 2007, p. 81-82). Neste hipotético episódio, é inquestionável a ocorrência de um dano efetivo – a morte –, destinando-se a teoria a verificar se houve chances perdidas indenizáveis.

2) A segunda modalidade contemplada pela teoria abriga os seus exemplos mais clássicos, podendo ser ilustrada pelo conhecido caso do advogado negligente ou imperito, que deixa de interpor o recurso de apelação em favor de seu cliente, em tempo hábil, como também pelo caso do motorista que, por culpa, se envolve em acidente e deixa morrer o cavalo campeão esperado no torneio (SAVI, 2009, p. 37). Jamais será esclarecido se o resultado do julgamento em segunda instância seria positivo ou negativo aos interesses do mandante ou se o cavalo ganharia o primeiro prêmio, mas já é cediço que as chances existentes foram violadas definitivamente116.

Percebe-se, então, que a diferença básica considerada entre essas duas ramificações é o fato de que na primeira situação o dano já foi verificado – o paciente morreu, tornou-se incapaz etc. –, enquanto na segunda modalidade, aparentemente, não é conhecido se a conduta realmente ocasionou um prejuízo final – se a ação seria procedente ou o cavalo ganharia o torneio. Nas palavras da melhor doutrina, no primeiro caso já ocorreu o dano final e no segundo os fatores aleatórios impedem essa afirmação117 (SILVA, 2007, p. 86-102).

Diante dessa dicotomia existente, estes últimos casos receberam denominação doutrinária de “clássicos” e aqueles outros foram chamados de perda de uma chance na “seara médica” ou “perda da chance de cura”, muito embora comporte casos das mais variadas espécies – não só médicos118 (SILVA, 2007, p. 81).

Correlacionada a essa divergência, surge a principal problemática enfrentada pela teoria: decidir se a perda da chance requer um reexame dos conceitos de causalidade ou se trata de uma nova espécie de dano autônomo. Fernando Noronha (2010, p. 701-714) e Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 214-228), por exemplo, entendem que os casos clássicos podem ser observados como simples derivações dos institutos que alicerçam os danos em geral119. Entretanto, divergem quanto ao tratamento das hipóteses que envolvem episódios já ocorridos (“casos médicos”). Este último autor sustenta que, para essas circunstâncias, é necessária a utilização do conceito de causalidade parcial, responsabilizando o ofensor à reparação do dano final, no percentual de sua provável contribuição a ele. Assim, apenas em situações em que restasse totalmente prejudicada qualquer prova nesse sentido é que o modelo de perda da chance tradicional atuaria120. Noronha, por sua vez, defende, em tais hipóteses, um misto de aplicação das noções de causalidade parcial, causalidade presumida e reconhecimento do dano autônomo, de modo que a reparação se destinaria ao dano final, mas continuaria dotada de autonomia a perda de uma chance. Enfim, muitas são as discussões e hipóteses de entendimento suscitadas nesse contexto, como será visto adiante.

Não obstante sejam encontradas essas (e outras) particularidades dentro da mesma matéria, o que torna único o instituto é o fato de que sempre serão trabalhadas as chances de algo. Ou seja, não há certeza da vantagem futura ou da eficácia do meio que evitaria o prejuízo. Nas palavras de Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 12):

[...] não podemos afirmar que o ato culposo do ofensor foi a causa necessária para a perda do resultado pretendido pela vítima, visto que o prognóstico retrospectivo que se poderia fazer para saber se o demandante ganharia a causa, ou se o cavalo ganharia a corrida, ou se a gestante permaneceria viva, é bastante incerto, cercado de fatores exteriores múltiplos, como a qualidade dos outros cavalos, a jurisprudência oscilante na matéria da demanda judicial e as misteriosas características das enfermidades. Entretanto não podemos negar que houve um prejuízo, tendo em vista que o demandante perdeu a chance de ver seu processo julgado, o proprietário do cavalo perdeu a chance de ganhar o prêmio, e a gestante perdeu a chance de continuar viva, ou seja, o resultado da aposta nunca será conhecido por causa da conduta culposa do ofensor. É este o prejuízo que a teoria da perda da chance visa indenizar [...] (grifos do autor).

Tornando mais claro o conceito de chances, mostra-se pertinente citar o exemplo exposto por Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 89-90), envolvendo um tíquete de loteria. No caso em questão, um sorteio foi realizado sem a inserção do bilhete junto aos demais, tornando, assim, impossível saber se ele seria escolhido por ocasião da retirada. A perda da vantagem, portanto, não há (ela era totalmente incerta), mas da chance sim.

Em caso semelhante, mas em que não seria viável a atuação desta teoria, poderia ser observado se o sorteio fosse dos números dos bilhetes, e não das próprias unidades retiradas de algum recipiente (nos moldes da Mega Sena, por exemplo). Nessa situação, a não inscrição do bilhete no sorteio não representaria perda da chance, uma vez que, diante do resultado final, se saberia inequivocamente se ele representava a vantagem ou não.

Assim, caso fosse ele o premiado, a responsabilidade de quem agiu com negligência em não inscrevê-lo seria integral. Noutra hipótese, se os números sorteados não fossem aqueles contidos no bilhete, inexistiria responsabilidade.

Percebe-se, então, que somente chances são tuteláveis por esta vertente. Tratando-se de certezas (positivas ou negativas), imperam os institutos já consolidados da responsabilidade civil.

Conclui-se, portanto, que a peculiaridade da teoria sob exame – e, ao mesmo tempo, a dificuldade por ela encontrada – é a aparente ausência de relação de causalidade121 entre as condutas submetidas à sua apreciação e os danos finais (principalmente pela ausência da conditio sine qua non vinculando esses dois elementos). Ou seja, nos casos de perda da chance, o dano final poderia ter sido evitado com a conduta adequada ou ausência de conduta, mas isso não é elemento de certeza – o dano também poderia persistir, mesmo com os comportamentos necessários ao caso (ou falta de comportamento). No exemplo do doente que recebeu a terapêutica inadequada, o processo hipotético de eliminação122, característico da teoria da equivalência das condições (3.1.1)123, mostra-se prejudicado: eliminando-se mentalmente a falha médica, não é possível afirmar que o paciente viveria, uma vez que a evolução da doença era capaz de ocasionar a sua morte.

Como se vê, não pode ser afirmado que o erro médico, isoladamente, foi condição sem a qual o dano não ocorreria, mas, ao mesmo tempo, também é impossível dizer que não o foi (condição sem a qual o dano não ocorreria).

Diante dessas definições referentes às chances, fica demonstrado também que os casos de configuração desta responsabilidade civil não se confundem com as hipóteses de lucros cessantes.

Conforme já foi exposto anteriormente, nestas situações (lucros cessantes) o julgador, valendo-se de critérios de razoabilidade e de experiência comum, deverá avaliar, frente a uma conduta antijurídica, qual seria o desenvolvimento normal dos acontecimentos, se esta não tivesse ocorrido. Após a realização do mencionado processo hipotético de eliminação entre a apontada causa e o dano experimentado, deve o juiz verificar se aquele lucro que está sendo pleiteado poderia ser razoavelmente esperado (CAVALIERI FILHO, 2006, p. 98).

Percebe-se, então, que utilizando determinados critérios é possível inferir pela existência de dano final. Existem padrões repetitivos que conduzem a essa conclusão. O citado taxista, que sempre ganhava R$2.000,00 (dois mil reais) por mês, certamente continuaria ganhando, uma vez que nada leva a conclusão diversa124.

Nestes casos, portanto, em que pese não haver certeza absoluta de que a vantagem viria (remuneração do taxista), tem-se razoável correlação (certeza jurídica) entre o provável ganho e a sua eliminação pela conduta antijurídica, o que jamais poderá ser afirmado no caso de chances perdidas (SAVI, 2009, p. 13-17). O único vínculo existente nestes casos (perda da chance) é entre a conduta danosa e a chance perdida – não entre a mesma conduta e o dano final. Considerando os diversos fatores alheios que poderiam ocasionar este dano, é leviana qualquer afirmação de influência concreta da citada conduta na esperada vantagem125.

Corroborando esse entendimento, Sérgio Savi (2009, p. 17) cita a seguinte distinção entre os institutos, realizada pelo jurista italiano Bocchiola:

Mas, de um ponto de vista teórico, as duas fattispecies são bastante individualizáveis em suas respectivas características. De fato, se deve determinar como lucro cessante somente o caso em que se verifica a perda de uma possibilidade favorável, que pertencia a um determinado sujeito com uma probabilidade que representava certeza; nas hipóteses de perda de uma chance, por outro lado, o acontecimento do resultado útil é, por definição, de demonstração impossível.

Sequenciando os seus dizeres, com referência ao modo de comprovação dessa certeza, o autor ainda afirma que:

No caso de lucros cessantes, o autor deverá fazer prova não do lucro cessante em si considerado, mas dos pressupostos e requisitos necessários para a verificação deste lucro. Já nas hipóteses de perda de uma chance, estaremos sempre no campo do desconhecido, pois, em tais casos, o dano final é, por definição, de demonstração impossível, mesmo sob o aspecto dos pressupostos de natureza constitutiva (SAVI, 2009, p. 17).

Ou seja, no caso de lucros cessantes a prova que se requer é da ocorrência do fato que ensejaria a vantagem – prova de que o taxista exercia essa profissão habitualmente e, destarte, tinha como renda estimada o valor que se pleiteia. Na perda da chance, por sua vez, a prova é da existência da chance em si mesma, e não do fato que traria a vantagem final esperada – não se requer a comprovação de que o litigante teria sucesso em seu recurso, mas apenas a de que ele tinha essa chance, caso a sua interposição ocorresse dentro do prazo legal126.

Vê-se, então, que nos lucros cessantes há um efeito direto e imediato entre a conduta e a causa do dano final (ainda que flexibilizado o ônus probatório dessa condição), ao passo que na perda da chance esse vínculo une apenas a conduta antijurídica à causa da perda da chance propriamente dita.

O que deve ficar claro, portanto, é que havendo possibilidade de confirmação do dano final (de que o recurso seria julgado procedente, por exemplo) estar-se-á frente a uma hipótese de lucro cessante, correspondendo o valor da indenização à integralidade do prejuízo final experimentado pelo ofendido. Não sendo isso possível, por interferência de outras causas presentes no evento danoso, resta reparar apenas as chances perdidas, cujo valor jamais corresponderá à vantagem final in totum (SAVI, 2009, p. 13-18)127.

Ainda a respeito das chances, é importante mencionar que nem todas as situações de danos hipotéticos receberão tutela jurídica com esse fundamento. Alguns requisitos devem ser observados para que a chance seja juridicamente relevante.

O início dessa ponderação deve se basear no entendimento exposto por Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 84), de que “[...] as chances são uma ‘suposição legítima do futuro’, que podem ser mensuradas através das características do fato concreto e das estatísticas e presunções a ele aplicadas”. Como se vê, as chances aqui apreciadas não se tratam de vagas esperanças subjetivas128. Ao examinar o caso concreto, o julgador deverá formar a sua convicção por requisitos minimamente objetivos – muito embora sempre se faça presente uma considerável parcela de discricionariedade.

Nesse exercício incumbido ao magistrado, consagrou-se como pressuposto essencial a ser verificado a presença de realidade e seriedade da chance em foco. Nas palavras do citado Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 134):

A teoria da perda de uma chance encontra o seu limite no caráter de certeza que deve apresentar o dano reparável. Assim, para que a demanda do réu seja digna de procedência, a chance por este perdida deve representar muito mais do que uma simples esperança subjetiva. Como bem apontou Jacques Boré, pode-se imaginar um paciente vitimado por uma doença incurável, mas que ainda mantenha as esperanças de sobreviver. Objetivamente, todavia, não existe qualquer chance apreciável de cura. A propósito, “a observação da seriedade e da realidade das chances perdidas é o critério mais utilizado pelos tribunais franceses para separar os danos potenciais e prováveis e, portanto, indenizáveis, dos danos puramente eventuais e hipotéticos, cuja reparação deve ser rechaçada”.

Verifica-se, então, que as chances somente serão merecedoras de credibilidade quando forem reais e sérias. Esse critério de avaliação, no entanto, comporta um caráter extremamente genérico, o que levou os autores a formularem vários entendimentos divergentes nesse sentido.

A doutrina da Common Law, por exemplo, no caso Hotson v. Fitzgerald, firmou seu entendimento no sentido de que as demandas cujas chances perdidas possuíssem menos de 25% (vinte e cinco) por cento de probabilidade de resultarem em êxito deveriam ser apreciadas com rigor redobrado, uma vez que a hipótese de serem estritamente especulativas era extremamente plausível. Já no caso Perez v. Las Vegas Med. Ctr. o percentual limítrofe fora abaixado para 10% (dez por cento) de probabilidade da vantagem se configurar. A Corte de Nevada, neste caso, afirmou que uma chance dessa natureza (abaixo de 10%) “[...] não seria considerada substancial, isto é, digna de reparação” (SILVA, 2007, p. 134-135).

O citado Sérgio Savi (2009, p. 65-66), por sua vez, expôs posicionamento ainda mais radical. Segundo ele:

Não é, portanto, qualquer chance perdida que pode ser levada em consideração pelo ordenamento jurídico para fins de indenização. Apenas naqueles casos em que a chance for considerada séria e real, ou seja, em que for possível fazer prova de uma probabilidade de no mínimo 50% (cinquenta por cento) de obtenção do resultado esperado (o êxito no recurso, por exemplo), é que se poderá falar em reparação da perda da chance como dano material emergente.

Fugindo desses critérios probabilísticos, Fernando Noronha (2010, p. 705) propõe um modo de apreciação mais flexível ao caso concreto, confiando maior poder discricionário ao julgador. Nesse sentido, assim ensina:

[...] é o prejuízo constituído pela perda da chance que vai ser objeto de reparação. Mas é preciso saber como fazer a respectiva avaliação. Para tal, em primeiro lugar importa averiguar se a chance perdida era real e séria: se for, haverá obrigação de indenizar; se ela tiver caráter meramente hipotético, não. E para saber se a oportunidade perdida era real e séria, haverá que recorrer às “regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece”, como se dispõe no art. 335 do Código de Processo Civil (grifos do autor).

Percebe-se, por esse trecho, que o autor apresenta uma nova ótica sob a qual devem ser analisados os casos desta espécie. Os requisitos, que para alguns são invariáveis, ganham maior elasticidade e passam a considerar, no exame de determinada chance, “[...] analogia, os costumes, os princípios gerais do direito (arts. 126 do CPC e 4º da LICC) e as máximas de experiência [...]”, ou seja, fundamentam-se “[...] na observação daquilo que normalmente acontece em dada sociedade historicamente considerada [...]” (NEVES; FREIRE, 2012, p. 390).

Nessa mesma direção, Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 134-135) afirma que é “[...] impossível que um simples conceito de chances sérias e reais retire todas as dúvidas do operador do direito, pois somente a comparação de casos concretos poderá traçar alguns parâmetros úteis”.

Corroborando essa forma de apreciação mais relativa do instituto e desaconselhando a adoção de critérios tão estáticos como aqueles vistos acima, o Enunciado 444, da V Jornada de Direito Civil, foi elaborado nos seguintes moldes:

Art. 927. A responsabilidade civil pela perda de chance não se limita à categoria de danos extrapatrimoniais, pois, conforme as circunstâncias do caso concreto, a chance perdida pode apresentar também a natureza jurídica de dano patrimonial. A chance deve ser séria e real, não ficando adstrita a percentuais apriorísticos (2012)129.

Observa-se, então, que, muito embora haja algumas tentativas de se tabelar as chances indenizáveis com critérios taxativos, a doutrina e jurisprudência dominante têm entendido que apenas o exame do caso concreto poderá elucidar sobre a sua realidade e seriedade, conferindo maior discricionariedade ao julgador, que deverá formar a sua convicção motivada à luz dos mencionados fundamentos (artigo 335 do CPC)130.

Assim, uma vez realizado esse exercício de observação do caso e concluindo-se que a vítima efetivamente detinha uma chance objetiva de algo, basta que esta preencha os requisitos genéricos às demais espécies de danos131 para que se tenha uma chance juridicamente relevante e, por consequência, merecedora da competente tutela indenizatória.

Saliente-se, por fim, que, ao contrário do que aparentemente pode ser argumentado em prejuízo da teoria, o parágrafo único do artigo 944 do vigente Código Civil não impõe qualquer óbice à indenização das chances perdidas.

Segundo tal dispositivo, “Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização” (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 204). Ou seja, diante de uma “mera” chance perdida poderia ser alegado que há desproporção entre ela e o dano final.

Tal fundamento, no entanto, não procede. Conforme ensina Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 208-214), o que tem ocorrido é uma confusão entre os termos “culpa” e “causalidade”, de modo que é encontrado, por exemplo, a expressão “culpa concorrente”, enquanto a concorrência existe apenas entre as causas.

Enfim, no tratamento das chances perdidas, em regra, não haverá desproporção, uma vez que o dano final e a relação de causalidade que o afeta não são os objetos sob os quais devem se apresentar a proporcionalidade mencionada no dispositivo. Os elementos a serem comparados são culpa (grave, leve ou levíssima) na conduta humana132 e o dano disso decorrente (para alguns, a chance autônoma e, para outros, uma proporção do dano final). Apenas se a culpa for levíssima e totalmente distante do dano ensejado é que o ofensor poderá ser beneficiado com a redução do montante a ser indenizado133 (SILVA, 2007, p. 208-214).

Percebe-se, então, que prevalece a regra adotada para todas as demais modalidades de responsabilidade civil, não havendo empecilho específico para esta. O fato de não ser a perda da chance conditio sine qua non do dano final não implica na incidência do referido parágrafo. Este possui relação de dependência com a culpa propriamente dita (não com a causalidade). Sendo ela (a culpa) levíssima e o dano elevado, haverá a competente redução no montante indenizatório, ao passo que, se for leve ou grave, o dano em questão deverá ser integralmente contemplado (SILVA, 2007, p. 208-214).

Alertando para o perigo de interpretação equivocada nesse sentido, Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 213-214) leciona que:

[...] total atenção será necessária para evitar que casos típicos da responsabilidade pela perda de uma chance não acabem sendo fundamentados no parágrafo único do art. 944, impedindo que, diante dos exemplos supramencionados, decisões judiciais afirmem que a “culpa” do médico ou da empresa de transportes está em desproporção em relação do dano causado (dano final), quando, na realidade, à questão cinge-se a análise do dano e da causalidade.

Esse obstáculo, portanto, deve receber o mesmo tratamento nestes casos e nos demais, de modo que a sujeição a ele independe da modalidade em questão, bastando, para tanto, que os requisitos integrantes da culpa conflitem com o desfecho danoso.

A título de conceituação e noções gerais do instituto, por ora mostram-se suficientes esses esclarecimentos, destinando-se os próximos tópicos a aprofundarem nas principais problemáticas enfrentadas pelo tema.

4.2 Espécies de responsabilidade civil pela perda de uma chance

Conforme já foi introduzido acima, a teoria em exame se divide principalmente entre as suas modalidades clássica e a perda da chance de evitar um prejuízo efetivamente ocorrido – esta hipótese mais associada aos episódios médicos. Ambas as vertentes apresentam diversas peculiaridades e semelhanças que muito interessam ao deslinde do objeto da pesquisa, motivo pelo qual os subsequentes tópicos pretendem estudá-las com maior enfoque.

Para complementar o debate, será trazida à apreciação a chamada perda da chance pelo descumprimento do dever de informar, que, apesar de derivar da base já estabelecida, tem ganhado especial atenção da doutrina e jurisprudência.

4.2.1 Casos clássicos de configuração da perda de uma chance

Os mais característicos casos de configuração da responsabilidade civil pela perda de uma chance são os denominados “clássicos”, conceituados como aqueles em que uma conduta retirou de outrem a oportunidade de ganho ou de evitar um prejuízo futuro134. Nas palavras de Fernando Noronha (2010, p. 701-702):

Nesta modalidade de perda de chances houve, em razão de determinado fato antijurídico, interrupção de um processo que estava em curso e que poderia conduzir a um evento vantajoso; perdeu-se a oportunidade de obter uma vantagem futura, que podia consistir tanto em realizar um benefício em expectativa como em evitar um prejuízo futuro. Com a interrupção, nunca mais se poderá saber se a vantagem tida em vista viria ou não a concretizar-se; por outras palavras, embora o lesado afirme que a interrupção lhe causou um dano futuro, nunca se poderá saber se o processo conduziria necessariamente a ele, porque se trata de ocorrência que era aleatória, em medida maior ou menor. [...] temos um fato presente que destrói chances que eram projetadas para o futuro; são casos em que um resultado futuro almejado, mas aleatório, fica impossibilitado pelo fato antijurídico presente (grifos do autor).

Percebe-se, portanto, que o cerne da questão é a interrupção injusta do curso normal dos eventos, retirando da vítima oportunidades a que fazia jus.

Também pode ser extraído desses esclarecimentos apresentados pelo referido autor que a teoria em exame não faz referência exclusiva às oportunidades de ganho, mas inclui, igualmente, em seu bojo a perda de chances de evitar prejuízos futuros135.

Ilustrando concomitantemente as duas situações, tem-se o referido exemplo da não interposição do recurso de apelação, quando as circunstâncias requeriam a providência. Se o litigante prejudicado fosse o autor, haveria a perda da oportunidade de uma vantagem, ao passo que, se fosse o réu, a perda seria da possibilidade de evitar um prejuízo futuro (NORONHA, 2010, p. 702-703).

Outro exemplo de modalidade clássica da teoria, que se tornou marco de sua admissão no Brasil, foi o caso decidido pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no qual um participante de um programa de perguntas e respostas, exibido por conhecida emissora de televisão brasileira, pleiteou indenização pela perda da chance de ganhar o prêmio máximo ofertado na sua fase final, que era de R$1.000.000,00 (um milhão de reais). Segundo a autora da ação, a última pergunta formulada pela parte demandada não possuía resposta correta, fulminando qualquer possibilidade que detinha de se tornar campeã do jogo e receber o prêmio milionário. A ementa do julgado foi publicada nos seguintes moldes:

RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. IMPROPRIEDADE DE PERGUNTA FORMULADA EM PROGRAMA DE TELEVISÃO. PERDA DA OPORTUNIDADE. 1. O questionamento, em programa de perguntas e respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não indica percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da oportunidade. 2. Recurso conhecido e, em parte, provido (STJ, Relator: Min. Fernando Gonçalves, Data do julgamento: 08/11/2005, Número do Processo: 2005/0172410-9 e REsp 788.459) (2013)136.

Mostra-se pertinente transcrever, também, o trecho do voto do Relator, Ministro Fernando Gonçalves, que assim fundamentou a perda da vantagem experimentada pela citada autora:

Na espécie dos autos, não há, dentro de um juízo de probabilidade, como se afirmar categoricamente – ainda que a recorrida tenha, até o momento em que surpreendida com uma pergunta no dizer do acórdão sem resposta, obtido desempenho brilhante no decorrer do concurso – que, caso fosse o questionamento final do programa formulado dentro de parâmetros regulares, considerando o curso normal dos eventos, seria razoável esperar que ela lograsse responder corretamente à “pergunta do milhão”. Isto porque há uma série de outros fatores em jogo, dentre os quais merecem destaque a dificuldade progressiva do programa (refletida no fato notório que houve diversos participantes os quais erraram a derradeira pergunta ou deixaram de respondê-la) e a enorme carga emocional que inevitavelmente passa ante as circunstâncias da indagação final (há de se lembrar que, caso o participante optasse por respondê-la, receberia, na hipótese, de erro, apenas R$300,00 (trezentos reais). Destarte, não há como concluir, mesmo na esfera da probabilidade, que o normal andamento dos fatos conduziria ao acerto da questão. Falta, assim, pressuposto essencial à condenação da recorrente no pagamento da integralidade do valor que ganharia a recorrida caso obtivesse êxito na pergunta final, qual seja, a certeza – ou a probabilidade objetiva – do acréscimo patrimonial apto a qualificar o lucro cessante. Não obstante, é de se ter em conta que a recorrida, ao se deparar com a questão mal formulada, que não comportava resposta efetivamente correta, justamente no momento em que poderia sagrar-se milionária, foi alvo de conduta ensejadora de evidente dano. Resta, em conseqüência, evidente a perda da oportunidade pela recorrida [...] (STJ, Relator: Min. Fernando Gonçalves, Data do julgamento: 08/11/2005, Número do Processo: 2005/0172410-9 e REsp 788.459) (2013)137.

Como se observa, este pioneiro caso da jurisprudência pátria demonstrou uma típica situação de perda de oportunidade de uma vantagem futura. Apesar da inexistência de certeza de que a vítima acertaria a resposta da pergunta final apresentada pelo programa, é certo que as suas chances de sucesso foram totalmente frustradas, diante da ausência de assertiva correta. Assim, o referido tribunal julgou parcialmente procedente o seu pleito, condenando a recorrida a pagar à recorrente o montante de R$125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais) – valor correspondente à probabilidade de acerto da indagação (25%)138.

Enfim, muito embora os casos clássicos apresentem infinitas variações, são esses os seus padrões de ocorrência.

Situação que tem merecido destaque neste contexto é a controvérsia existente sobre o caráter futuro (ou presente) do dano pela perda da chance na modalidade clássica. Inovando na teoria, Fernando Noronha (2010, p. 699-701) asseverou que todas as hipóteses dessa ocorrência consistem em danos futuros, ao passo que nos casos em que houve perda da chance de evitar um prejuízo ocorrido, o dano seria presente, atual ou pretérito.

Discordando desse entendimento139, Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 109) defende que não há vínculo entre o tipo de modalidade da teoria com a temporalidade do dano. Segundo o autor:

[...] poder-se-ia imaginar um exemplo em que haveria danos presentes e futuros, sendo observados no momento da decisão jurisprudencial: se o médico fez o paciente perder as chances de evitar uma deformidade física permanente, têm-se as despesas com possíveis próteses que já tenha sido adquiridas e implantadas como danos presentes, enquanto a diminuição da capacidade laborativa que subsistirá por toda a vida da vítima seria uma espécie de dano futuro. Portanto, acredita-se que não existe correlação entre as modalidades de dano futuro e dano presente e as modalidades de casos “clássicos” e aqueles casos respaldados pela causalidade alternativa140.

Verifica-se, assim, que ainda não há entendimento pacificado nesse sentido, muito embora Rafael Peteffi da Silva tenha trazido argumentos mais sólidos sobre a questão.

4.2.2 Perda da chance de evitar um prejuízo ocorrido

Apresentando maiores controvérsias em seu campo de atuação, tem-se esta outra ramificação da responsabilidade civil pela perda de uma chance141, que é diferenciada dos casos clássicos por ter um dano final já verificado.

Traçando um paralelo entre essas duas modalidades, assim ensina Fernando Noronha (2010, p. 706-707):

As diferenças entre a perda de chance clássica e a perda da chance de evitar que outrem sofresse um prejuízo acontecido são evidentes. Enquanto na perda da chance clássica o fato antijurídico interrompeu um processo (vantajoso) em curso e o possível dano resulta desta interrupção, no caso da perda de chance de evitar um prejuízo o dano surge exatamente porque o processo em curso (agora danoso) não foi interrompido, quando poderia ter sido; se tivesse sido interrompido, haveria a possibilidade de o dano não se verificar, mas sem se poder saber agora se realmente isto teria acontecido. Diversamente do que acontece nos casos que cabem na perda de chance clássica, agora as chances não dizem respeito a algo que poderia vir a acontecer no futuro, antes são relativas a algo que podia ter sido feito no passado, para evitar o dano verificado. Agora sabe-se que ocorreu um dano e que este é resultante do processo que estava em curso; o que se pergunta é se o dano poderia ter sido evitado, caso tivessem sido adotadas certas providências que interromperiam o processo.

Nestes casos, portanto, há uma inversão da ótica pela qual é verificado o curso normal dos eventos, de modo que as chances, retiradas da vítima nos casos clássicos, agora simplesmente deixam de lhe ser concedidas por quem detinha esse poder/dever.

Conforme ilustra o referido autor, tal situação pôde ser verificada no caso de um furto a determinado estabelecimento comercial, em que o sistema de alarme deixou de funcionar. Apesar de não ter sido possível afirmar que o correto acionamento do mecanismo evitaria a ação, ficou certo que as chances disso ocorrer não foram concedidas ao respectivo proprietário. Sendo assim, a Corte de Cassação francesa condenou a empresa responsável pelo sistema de alarme, pela perda da chance de não ser furtado o referido estabelecimento (NORONHA, 2010, p. 707).

Exemplos ainda mais tradicionais sobre esta matéria são aqueles oriundos do cotidiano médico, os quais, inclusive, foram responsáveis pelo falso entendimento de que ela apenas se aplicava nesses casos – o que não é verdade, como visto no episódio narrado acima.

Demonstrando uma dessas ocorrências, Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 81-82) apresentou a seguinte situação:

Em 14 de dezembro de 1965, a Corte de Cassação francesa decidiu um caso no qual um menino de 8 anos havia sofrido um acidente e machucado o braço. O menino foi atendido por um médico que constatou uma fratura no braço machucado e passou a tomar as medidas coerentes para curar a fratura. Todavia, certo tempo depois, devido a constantes dores do menino foi constatado por outros médicos que o menino apresentava problemas no cotovelo, tendo ficado com certas deficiências permanentes nos movimentos do braço. Os peritos concluíram que o primeiro médico havia efetuado um diagnóstico equivocado, originando as seqüelas que afligem o menino. Entretanto, a Corte de Cassação entendeu que a falha do médico não apresentava uma relação de causalidade absoluta com o dano final (seqüelas), afirmando que o erro no diagnóstico apenas havia subtraído algumas chances de cura.

Conforme se extrai desse pioneiro julgado, a teoria da perda da chance somente foi aplicada, diante da total impossibilidade de correlacionar, inequivocamente, a conduta médica com o dano final. Assim, restou ao julgador reconhecer apenas a perda das chances de cura.

A ressalva que já foi feita, mas que novamente merece ser dita, consiste nesse fato de que esta responsabilidade apenas será aplicada na hipótese em que, exclusivamente, chances foram perdidas. Havendo quaisquer possibilidades de aplicação dos conceitos tradicionais de causalidade142 para se alcançar a reparação do dano final (artigo 335 do CPC), será este o caminho a se trilhar. Consoante ensinamento de Fernando Noronha (2010, p. 706):

[...] se for possível afirmar que seguramente o dano não aconteceria se o processo danoso tivesse sido interrompido, como deveria ter sido, estaremos perante uma situação em que há absoluta certeza de que foi o fato antijurídico de não interrupção que causou o dano. Portanto, nesta hipótese a indenização será inevitável.

Percebe-se, então, que o principal diferencial contido nesta vertente da teoria, em relação aos casos clássicos, é que, aqui, já houve o transcurso de todos os eventos que culminaram no dano final, permitindo ao aplicador do direito a ponderação sobre as possíveis causas de tal ocorrência. Já naqueles, aparentemente, falta um objeto concreto para que esse exercício seja realizado. Lá o que se tem (também aparentemente) são chances perdidas e dano incerto, de modo que eventuais causas diversas que incidiriam sobre este não podem ser avaliadas143.

Corroborando esse quadro comparativo, Jean Penneau, citado por Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 84-85), afirma que:

Na perspectiva clássica da perda de chances, um ato ilícito (une faute) está em relação de causalidade certa com a interrupção de um processo do qual nunca se saberá se teria sido gerador de elementos positivos ou negativos: em razão deste ato ilícito um estudante não pôde apresentar-se ao exame, um cavalo não pôde participar de uma corrida. Assim, devem-se apreciar as chances que tinha o estudante de passar no exame ou o cavalo de ganhar a corrida. Portanto, aqui, é bem a apreciação do prejuízo que está diretamente em causa. A perda de chances de cura ou de sobrevida coloca-se em uma perspectiva bem diferente: aqui, o paciente está morto ou inválido; o processo foi até o seu último estágio e conhece-se o prejuízo final. A única incógnita é, na realidade, a relação de causalidade entre esse prejuízo e o ato ilícito do médico: não se sabe com certeza qual é a causa do prejuízo: este ato ilícito ou a evolução (ou a complicação) natural da doença.

Essa distinção, no entanto, está longe de solucionar a problemática que recai sobre esta modalidade de perda da chance. Conforme será visto nos subsequentes estudos da matéria, há quem diga que este tipo de situação sequer pode ser inserida no contexto de chances perdidas, entendendo que o tratamento como tal somente se destina a auxiliar o julgador indeciso (SILVA, 2007, p. 214-228).

Essas e outras controvérsias serão devidamente apreciadas no momento oportuno, sendo suficientes, por ora, esses sintéticos esclarecimentos.

Por fim, importante repisar, ainda, que, assim como nos casos clássicos da teoria, nestes também há divergência entre os autores sobre o caráter futuro ou presente dos danos dessa natureza. Fernando Noronha (2010, p. 699-701), por exemplo, é contundente em tratá-los sempre como danos presentes (atual ou pretérito), enquanto Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 109) afirma que não há qualquer relação definida nesse sentido, de modo que eles poderão receber ambas as classificações, a depender das circunstâncias em que se apresentarem.

4.2.3 Perda da chance pelo descumprimento do dever de informação

Semelhante ao que ocorre nos casos de perda da chance de evitar um prejuízo ocorrido, esta modalidade também é marcada pelo integral transcurso natural dos eventos, sem que fosse realizada possível interrupção. Entretanto, a sua ocorrência é restrita aos casos em que alguém experimenta danos por não ter sido alertado sobre as necessárias informações envolvendo determinada decisão. Ou seja, a própria vítima é quem pratica a conduta prejudicial, mas é outro agente quem permitiu a sua condição desfavorável – enquanto deveria tê-lo resguardado (NORONHA, p. 715-718).

Auxiliando no entendimento dessa situação, tem-se o exemplo do paciente que, na iminência de uma cirurgia reparatória de surdez, não foi informado dos riscos de uma paralisia facial, a qual posteriormente se efetivou. Considerando que havia tratamentos alternativos para o mesmo problema, o médico foi condenado à perda da chance de evitar esse dano, uma vez que era direito da vítima ter ciência dos possíveis danos e, aí sim, optar conscientemente por fazer ou não a cirurgia (NORONHA, p. 716-717).

Como se percebe, o fator preponderante para que a responsabilidade se configure é a perda da oportunidade de decisão diversa trazer melhor sorte ao ofendido, frente aos esclarecimentos a que fazia jus.

Confirmando esse critério, podem ser imaginadas situações análogas, mas nas quais, diante da inexistência de faculdade a ser oportunizada às supostas vítimas, não são devidas compensações dessa natureza. Ilustrando tal cenário, Fernando Noronha (2010, p. 716-717) menciona o caso em que outro paciente, acometido de uma hérnia inguinal, também deixa de ser informado dos riscos cirúrgicos. Transcorrido certo tempo após a cirurgia este experimentou necrose em seus testículos. O médico, no entanto, não foi responsabilizado pela perda da chance de evitar o dano, uma vez que o procedimento era essencial e único a ser adotado no momento144.

Observa-se, então, que não havendo chances de decisão diversa (ou resultado diverso), não há que se falar em perda delas. Nas palavras de Fernando Noronha (2010, p. 715), “[...] se o ato que acabou se revelando danoso fosse absolutamente inevitável, seria inútil a prestação de informações e, portanto, nunca poderia haver responsabilidade [...]”.

Lado outro, deve ser destacado nesta modalidade que, conforme ocorre nas demais vertentes da teoria, a falta da informação necessária ao ofendido não pode ter sido causa exclusiva da ofensa, sob pena de atribuir ao negligente a responsabilidade pela integralidade do dano final. Se a informação devida certamente desestimularia a vítima à prática pretendida, tem-se que ela é causa direta e imediata do dano. Somente se fala em perda da chance pelo descumprimento do dever de informar nas hipóteses em que a informação coloque a vítima em posição duvidosa no seu agir ou não agir (que lhe dê chances de outra escolha, mas não determine esta).

Por fim, cumpre registrar que a incidência desta hipótese de perda da chance não está limitada exclusivamente aos episódios médicos. Segundo Fernando Noronha (2010, p. 715), “Os deveres de informar surgem nas mais diversas situações, em especial no âmbito de relações resultantes de negócios jurídicos, mas também fora delas, estando a eles subjacente o dever de agir em conformidade com as regras ditadas pela boa-fé [...]”145.

Sequenciando seus dizeres, o mesmo autor apresenta a seguinte síntese sobre o assunto:

Quando a violação de um destes deveres levar outra pessoa a tomar uma decisão que depois verifica não ter sido a melhor, ou quando simplesmente não for dada a esta pessoa a possibilidade de se manifestar, se depois vierem a acontecer danos que poderiam ter sido evitados, teremos uma situação similar à analisada na seção anterior: também nestes casos terá sido frustrada a chance de evitar um dano que efetivamente veio a ocorrer (NORONHA, p. 715-716).

Conclui-se, então, que a responsabilidade pelo descumprimento do dever de informar, em regra, é mera casuística do dano pela perda da chance de evitar um prejuízo ocorrido, uma vez que segue os mesmos preceitos. Assim, nada obsta que o seu tratamento seja realizado como uma subespécie daquele instituto. No entanto, considerando o interesse doutrinário nessa forma de abordagem, mostra-se pertinente o seu estudo com maior destaque.

4.3 Responsabilidade civil pela perda de uma chance e o dano pela criação de riscos

Um assunto que possui extrema relevância no estudo da matéria proposta são os danos pela criação de riscos, os quais, segundo alguns juristas, consistem até mesmo em uma das subespécies do gênero perda da chance, considerando a presença de vários fatores aleatórios incidindo sobre uma mesma situação146.

Versando sobre esse instituto, Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 113), assevera que:

Nos casos de simples aumento de riscos, a vítima também se encontra em um processo aleatório que visa alcançar uma vantagem ou evitar um dano. Entretanto, a vítima ainda não sofreu o prejuízo derradeiro, tampouco perdeu a vantagem esperada de forma definitiva, mas, devido à conduta do réu, aumentaram os riscos de ocorrência de uma situação negativa. É impossível saber se em momento futuro a perda definitiva da vantagem esperada pela vítima será efetivamente observada.

Como se vê, a essência dessa modalidade são os riscos criados para o futuro, de modo que efetivos danos ainda não se evidenciaram por ocasião da análise judicial – e talvez nunca o façam. Ou seja, ao contrário das modalidades já observadas, não é somente a relação de causalidade que é colocada sob os olhares do julgador, mas também a possível existência de um dano. Enquanto na perda da chance propriamente dita houve inequívoca interrupção do curso normal dos eventos ou não foi este sequer deflagrado por quem poderia e deveria o fazer147, na teoria do risco criado a situação se inverte: um novo ciclo aleatório é iniciado pelo ofensor, restando à vítima esperar e temer pela ocorrência de eventual dano.

Nesse contexto, são duas as maneiras em que tais riscos podem ser verificados.

Primeiramente, e de aplicação menos complexa, tem-se o caso em que eventual dano futuro somente poderá ser causa de uma conhecida conduta passada148. Assim, surgindo a ofensa temida, não há dúvidas de que a sua integral responsabilidade recairá sobre o respectivo causador. Exemplo disso é encontrado na situação em que uma residência, diante de condutas antijurídicas, torna-se ameaçada pelo desmoronamento de uma falésia que lhe confronta. Neste caso não é possível afirmar que um dano maior irá se configurar posteriormente, mas a criação de riscos é incontestável. Dessa forma, eventual consumação do prejuízo final somente poderá ser imputada a quem desencadeou a situação (SILVA, 2007, p. 111-132).

A segunda modalidade, por sua vez, tem como principal característica a possibilidade de causas estranhas à conduta antijurídica resultarem em potencial dano no futuro149. Assim como ocorre nos casos de perda da chance, aqui também há um grande obstáculo a ser transposto na identificação de um nexo de causalidade entre o evento danoso e a conduta sob suspeita. Segundo ensina Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 123), “Nesta categoria, mesmo que a perda definitiva da vantagem esperada venha a ser verificada no futuro, não se saberá ao certo quem foi o seu real causador [...]”.

Sequenciando a sua exposição, o autor ilustra que:

Em algumas raras situações, a jurisprudência confere reparação na criação de um simples risco, sem que o dano ainda se tenha produzido, como ocorreu na decisão do Tribunal de Paris, que condenou o autor de um livro por ter tornado público o fato de que diversas obras de arte de grande valor se encontravam no interior da residência de um cidadão abastado economicamente. Tal publicação, que não havia sido autorizada pelo proprietário das obras de arte, além de violar a intimidade da vítima, fez surgir o risco para a segurança das obras de arte, tendo em vista que anteriormente existia segredo sobre o seu paradeiro, apresentando menor risco de serem furtadas (SILVA, 2007, p. 117).

Frente a esse exemplo da segunda forma de aplicação da teoria, surgem alguns pontos que podem levar ao raciocínio de que esta se trata de uma simples derivação dos conceitos específicos da perda da chance de cura (ou “médica”). É possível se imaginar que o proprietário das obras em questão teve subtraídas as chances de não serem elas roubadas posteriormente, diante do risco a que foram submetidas. E é justamente sob esse argumento que autores como Fournier Gale III e James Goyer III defendem essa equiparação (SILVA, 2007, p. 127-128).

Ressaltando para essa problemática, Peteffi (2007, p. 112) pondera que:

[...] utilizando o sentido vulgar dos termos, seria possível afirmar que toda a responsabilidade pela perda de uma chance trabalha com a idéia de criação de riscos. Quando um médico, culposamente, deixa de diagnosticar um câncer em seu estágio inicial, o paciente perde uma chance de auferir a cura da doença, já que o risco de morte aumenta consideravelmente150.

Verifica-se, então, que, gramaticalmente, nada impede a equiparação dos dois conceitos em estudo – pelo menos não nesta última modalidade do risco criado. Ocorre, entretanto, que essa proximidade semântica não pode ser tida como absoluta, uma vez que há um ponto determinante em diferenciar os dois seguimentos em apreço: o dano (SILVA, 2007, p. 111-133).

Conforme pode se extrair das situações expostas acima, a criação de riscos não implica em perda definitiva da vantagem pela vítima (ou da oportunidade de evitar eventual prejuízo), enquanto para a admissão da perda da chance esse requisito deve ser devidamente cumprido. Baseado nessa idéia, Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 112) afirma que a grande divergência existente entre essas duas vertentes é que o risco criado carece de um dano efetivo – não há chances perdidas, mas apenas riscos implementados151.

Valendo-se do caso das obras de arte, tem-se que o dano instaurado foi pelo simples risco de um posterior furto, uma vez que chances disso ser evitado não foram efetivamente perdidas. O proprietário, por exemplo, poderia demandar junto ao autor do mencionado livro, pleiteando a instalação de um forte sistema de segurança para evitar o prejuízo futuro, ou mesmo realocar tais bens, à custa do ofensor.

Entendimentos semelhantes a esses foram adotados em dois julgados proferidos pela Corte de Cassação francesa, em que as indenizações pleiteadas foram negadas, diante da inexistência da apontada perda. Em resposta ao pedido de um jovem que ficou impedido de prestar o vestibular e de uma empresa que fora mal atendida pelos serviços contratados, foi registrado que:

[...] na presente espécie, a reparação não diz respeito à perda de uma chance de ter a sua linha de montagem concluída, pois a indústria poderá continuar tentando realizar a sua linha de montagem com o auxílio de outras empresas de informática, do mesmo modo que o aluno poderá prestar novos exames de vestibular (SILVA, 2007, p. 113).

Percebe-se, então, que, havendo possibilidade de evitar o dano temido, não há que se falar em perda da chance.

Corroborando essa afirmativa, ainda que indiretamente, Philippe le Tourneau afirma que há uma espécie de dano reprovável que frequentemente tem recebido tratamento de perda de uma chance, mas que, no entanto, “[...] deve ser considerada como um caso de simples criação de riscos, visto que a perda definitiva da vantagem esperada não foi verificada” (SILVA, 2007, p. 117).

Enfim, diante desses contundentes argumentos pela separação dos institutos, conclui-se que a simples semelhança literal entre as chances em questão não se mostra eficaz na equiparação das minúcias de cada teoria. Ela apenas é capaz de traçar um comparativo genérico entre os conceitos semânticos, carecendo de fundamentos jurídicos e técnicos para suportar tal igualdade.

Finalizando o assunto, mostra-se pertinente ressaltar que esse tipo de dano pela criação de riscos pode evoluir para a perda de uma chance propriamente dita, desde que posteriormente se cumpra o requisito da perda efetiva de chances. Consoante ensinamento de Joseph King Jr., “[...] quando a conduta do réu criar um risco futuro, a aplicação da teoria da perda de uma chance deve ser suspensa até que os efeitos danosos deste risco se materializem, isto é, até que a vantagem esperada seja definitivamente perdida” (SILVA, 2007, p. 128).

No mesmo sentido, Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 130) conclui que “Nas hipóteses de perda de uma chance, na maioria dos casos, a espera pela perda definitiva da vantagem esperada, consoante a proposta de Joseph King Jr., será a solução mais adequada”.

Ou seja, percebendo-se que, posteriormente, em reflexo direto da conduta antijurídica anterior foram definitivamente retiradas da vítima chances de não sofrer o dano ou de perceber uma vantagem, pode se cogitar de dano pela perda da chance. Agora, sim, não há mais possibilidade de reverter a situação – a perda é definitiva.

No exemplo das obras de arte, se forem elas furtadas e houver comprovação de que a informação do ofensor, além de implementar um risco, efetivamente retirou chances disso não ter acontecido, será ele obrigado a reparar a perda que originou (pelo menos, em tese).

Saliente-se, todavia, que, no caso concreto, a conduta da vítima também será objeto de exame. Se ela for eivada de culpa ou dolo, diante dos riscos criados, a competente indenização poderá ser reduzida ou, até mesmo, indevida152, conforme ocorre em qualquer modalidade de responsabilidade civil153.

Recapitulando, então, a escassa doutrina que trabalha com o dano pela criação de riscos entende se tratar este de instituto diverso à perda da chance, sobretudo nos citados casos em que a conduta antijurídica é conditio sine qua non do eventual dano futuro. Contudo, em que pese essa concepção dualista154, a segunda modalidade de configuração da teoria admite que ela pode evoluir para um caso de perda de chances, desde que, posteriormente, preencha o necessário requisito: a perda efetiva da chance (SILVA, 2007. p. 111-133) .

Conclui-se, assim, que as duas teorias em estudo não se confundem, mas, por se tocarem em alguns pontos, mostra-se necessário uma análise comparativa entre elas155.

4.4 Análise da perda da chance sob a ótica das relações de causalidade

Conforme pôde ser observado nos estudos anteriores, a responsabilidade civil pela perda de uma chance tem como principal característica o extremo envolvimento de fatores aleatórios na sua aplicação, fazendo com que alguns juristas fiquem receosos em admiti-la156. Considerando esse cenário, tanto a doutrina quanto a jurisprudência empenham-se na apresentação de hipóteses mais atrativas de abordagem do tema, buscando, assim, extrair desse reservado grupo alguns adeptos da modalidade.

Tendo em vista que a indenização de abstratas chances é um grande óbice para a aceitação da espécie, alguns autores têm entendido que a solução do problema não se encontra no reconhecimento desta nova modalidade de dano157, mas sim na utilização de técnicas mais inovadoras de tratamento do nexo de causalidade158. Portanto, segundo essa vertente, a indenização continua se direcionando ao dano final experimentado pela vítima, não havendo que se falar em lesões às chances de forma autônoma159. Nos termos dos ensinamentos de Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 50):

Toda a argumentação dos autores que não consideram as chances perdidas como nova modalidade de dano, autônomo e independente, tem como cerne a indissociabilidade deste como dano final (vantagem esperada pela vítima), ou seja, as chances perdidas não subsistem de forma separada do prejuízo representado pela perda definitiva da vantagem esperada.

Por exemplo, se a perda da chance for de ganhar uma ação judicial, será imputada ao ofensor a perda da ação judicial propriamente dita, e não da chance que o litigante detinha; tratando-se de um caso médico, o dano será a morte, e não a perda da chance de cura do paciente. Mesmo que, em alguns casos, se admita a minoração do quantum indenizatório (frente à incerteza da responsabilidade pelo integral dano), os objetos em apreço continuarão sendo os danos finais – o prejuízo não evitado ou a perda da vantagem esperada.

Esses autores, portanto, “[...] ao invés de considerar as chances perdidas como um dano autônomo [...]”, as utilizam “[...] como um meio de quantificar o liame causal entre a ação do agente e o dano final (perda da vantagem esperada)” (SILVA, 2007, p. 49). Trata-se, então, de uma simples dinâmica alternativa para se alcançar as causalidades incidentes sobre determinado evento.

Enfim, muito embora as teses que apontam para essa solução divirjam entre si e nem sempre envolvam todas as subespécies da perda da chance, o fundamento basilar, em regra, será esse.

Dentre as teorias que se destacam nesse contexto, estão aquelas que admitem a indenização do dano final mesmo diante de uma causalidade alternativa. Ou seja, que, como visto anteriormente (3.2), permitem a incidência de responsabilidade sem que seja necessária a comprovação da conditio sine qua non na conduta humana.

Baseados nessa premissa, autores como Jacques Boré e John Makdisi entendem que todas as situações de perda da chance estão condicionadas à noção de causalidade parcial, de modo que, não sendo possível alcançar o competente nexo entre o integral dano final e a sua efetiva causa, todas aquelas conduta que, de certa forma, interferiram no curso normal dos eventos seriam responsabilizadas, na medida da probabilidade de suas participações (SILVA, 2007, p. 50).

Tomando-se, novamente, como exemplo o caso de um erro médico, tem-se que a responsabilidade do profissional somente consistirá no percentual de eficácia estimado para o uso da terapêutica que ele deixou de ministrar160. Ou seja, se dois terços (2/3) dos pacientes que recebem determinada terapêutica se recuperam totalmente e um terço (1/3) deles permanecem moribundos, o médico que deixou de ministrá-la responderá apenas pela fração representativa de melhora, uma vez que a parte restante será atribuída ao progresso da enfermidade161.

Supondo-se, então, que a indenização pela ofensa final seria fixada no montante de R$90.000,00 (noventa mil reais) em favor da vítima, o médico apenas será condenado ao pagamento de R$60.000,00 (sessenta mil reais), tendo em vista que os R$30.000,00 (trinta mil reais) remanescentes não podem ser exigidos do acaso.

Para os mencionados autores essa dinâmica pode ser aplicada tanto nos casos “médicos” como nos clássicos. Assim, no exemplo da perda da chance de sucesso na ação judicial, pela apresentação intempestiva do recurso, a responsabilidade também seria calculada com observância à vantagem final propriamente dita. Se a chance de insucesso natural da respectiva ação pudesse ser calculada em 50% (cinquenta por cento) – em razão da jurisprudência dividida, por exemplo – o advogado negligente teria causado os outros 50% (cinquenta por cento) do dano final.

Em defesa desse posicionamento, John Makdisi faz a seguinte comparação com uma hipótese de dano coletivo:

Suponha-se que um médico, no intervalo temporal de um ano, cometa cem vezes a mesma falha médica. As estatísticas provam que, de acordo com um comportamento exemplar do médico, apenas seis pacientes sofreriam um dano. Se o comportamento fosse culposo, dez pacientes sofreriam danos na importância de R$1.000,00. Ora as estatísticas provam que as falhas médicas foram responsáveis pelos danos ocorridos em quatro pacientes (10 – 6 = 4). Como não se podem diferençar as vítimas prejudicadas pela falha médica daquelas prejudicadas por causas naturais, cada uma receberá a importância de R$400,00. Entretanto, se o médico comete a mesma falha médica apenas uma vez, ao invés de cem vezes, a mesma probabilidade de quarenta por cento (40%) de a falha ter causado o dano permanece (SILVA, 2007, p. 62).

Utilizando desse raciocínio, portanto, o autor não vislumbra diferenças no fato de ser o dano coletivo ou individual. Ele acredita que a certeza do nexo de causalidade é a mesma nos dois casos, devendo imperar a responsabilidade do ofensor, na medida do percentual apurado – seja contemplando várias vítimas ou uma isolada.

Outros dois fundamentos manejados por John Makdisi, nesse sentido, são o caráter pedagógico da responsabilidade civil pela perda da chance e a eficiência econômica de um padrão proporcional de causalidade nesses casos (3.2.1). O autor menciona que a negativa na reparação da chance, assentada no padrão tudo ou nada, representaria um incentivo à prática de condutas ineficientes economicamente, assim como tornaria desnecessário o respeito a determinadas normas, quando percebido que a chance retirada da vítima não possui uma relação determinante com o dano final (SILVA, 2007, p. 59-61).

Acrescendo outra razão para a admissibilidade dessa aplicação da teoria, Jacques Boré entende que os episódios de perda de uma chance também se encaixam na causalidade parcial, pela possibilidade de ser a extensão do dano alcançada com o uso das confiáveis estatísticas (SILVA, 2007, p. 59). A evolução científica, portanto, seria capaz de identificar no dano final a exata contribuição de quem retirou as chances da vítima, de modo que seria tal agente responsável justamente pela parte que o afetasse.

Observa-se, então, que, segundo esses autores, todas as vantagens trazidas por essa concepção de causalidade seriam perfeitamente conciliáveis com as particularidades da perda da chance. Assim, principalmente o uso do padrão tudo ou nada, tido como responsável por grandes injustiças, seria afastado do instituto.

Posicionando-se ao lado de tais juristas, mas com maiores reservas, Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 227-228) também entende ser possível falar-se em causalidade parcial. Todavia, restringe tal fundamento aos casos conhecidos pela já ocorrência do dano final (“casos médicos”). Nos demais, ele entende ser necessário a admissão das chances como um patrimônio anterior da vítima, sendo, pois, dotado de caráter autônomo o dano por sua perda162.

O autor ainda destaca que esse tratamento do tema apenas deve ocorrer de forma subsidiária. Em primeiro momento, o julgador deverá se valer de todos os elementos que possuir para alcançar o dano final sob as perspectivas tradicionais do nexo causal. Exaurida essa via – certamente pela inexistência de conditio sine qua non na conduta em exame – é que será facultado ao magistrado o uso da modalidade em questão (SILVA, 2007, p. 228).

Percebe-se, então, que entre admitir parâmetros de indenização alternativos e conformar com a prática do padrão tudo ou nada, todos os esforços serão feitos para evitar o uso deste, mesmo que isso implique em inovação de conceitos e institutos bem consolidados no direito pátrio.

Advogando em favor desta concepção, em face do conceito de perda da chance como um dano autônomo, algumas críticas são lançadas a este segundo modelo.

A principal delas é tecida por John Makdisi, que questiona a autonomia do dano pela perda da chance, frente à necessidade da configuração de um dano final para que ela se torne indenizável. Ou seja, “Qual seria o dano sofrido pela vítima se o advogado, de forma negligente, esquecesse de comparecer ao julgamento marcado, mas, ainda assim, o seu cliente lograsse a procedência no recurso?”. O mesmo raciocínio também se aplica ao caso do médico que ministrou a terapêutica inadequada, mas, não obstante isso, o doente se recuperou perfeitamente (SILVA, 2007, p. 49-52).

Nesses casos, manifestando-se pelo dever de indenizar, certamente haverá enriquecimento indevido da vítima, que nada sofreu em virtude do suposto dano163. Em contrapartida, optando pela não indenização, aparentemente as chances perderiam o caráter autônomo defendido pela categoria.

Diante dessa situação, Jacques Boré sustenta que:

A necessidade de se esperar pela realização do dano final faz com que o prejuízo caracterizado pelas chances perdidas “não seja considerado como revestido de um caráter danoso próprio, mas somente como uma causa, tendo concorrido para a produção de um dano final, que é reparado somente em parte” (SILVA, 2007, p. 52).

O mesmo autor ainda assevera, na sequência, que a fixação de indenização pela perda da chance autônoma nada mais é do que reconhecer o nexo de causalidade parcial, entre a conduta em exame e o dano final. Segundo Boré, “[...] quando o juiz estima o valor da chance perdida, ‘ele aprecia estatisticamente a correlação existente entre o fato gerador da responsabilidade e o dano” (SILVA, 2007, p. 58, grifos do autor).

Filiando-se à impossibilidade do reconhecimento das chances como um bem jurídico autônomo, mas com referência aos casos “médicos”, Jean Penneau afirma que seria “[...] arbitrário querer isolar (...) um denominado prejuízo intermediário – a chance perdida – pois que o processo foi até o seu termo e o que se trata de regular, na verdade, é o prejuízo final” (NORONHA, 2010, p. 709).

Destaque-se, por oportuno, que, como se percebe, há uma nítida bipartição na forma de tratamento entre os casos em que o curso normal dos eventos atingiu o seu estado final (“médicos”) e aqueles em que, aparentemente, ele fora interrompido antes disso (clássicos). Muito embora alguns autores equiparem as duas situações, a maioria deles tece a sua crítica à autonomia das chances – e, consequentemente, adotam a causalidade parcial – especificamente nos casos em que sua a perda remete a um dano efetivamente ocorrido.

Finalizando o estudo das chances sob a perspectiva de causalidade parcial, imperioso mencionar o posicionamento adotado por parte dos juristas norte-americanos, dentre os quais se destaca Lori Ellis. Segundo a sua convicção, a responsabilidade pela perda de uma chance somente deverá incidir nos casos em que a probabilidade da conduta do suposto ofensor ter maculado o bem jurídico em apreço sejam menores do que 50% (cinquenta por cento). Excedendo esse montante, esta será presumida causa exclusiva do dano final (SILVA, 2007, p. 63-66)164.

Nota-se, então, que há o reconhecimento da causalidade parcial. Entretanto, ela somente ocorrerá nos casos em que um percentual máximo não seja transposto (cinquenta por cento). Isso ocorrendo, serão aplicadas as regras de presunções – presentes na teoria estudada na sequência.

Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 63) trata dessa vertente como sendo “causalidade parcial mitigada”, muito embora a referida autora não concorde com essa classificação165.

São esses, em síntese, os principais fundamentos suscitados pelos adeptos da causalidade parcial, para se regulamentar as espécies de dano pela perda de uma chance.

Também comungando parcialmente dessas diretrizes, mas com soluções diversas para a problemática, há quem defenda a aplicação da causalidade presumida para se chegar à reparação pela perda de uma chance.

Conforme exposto anteriormente (3.2.2), nessa hipótese a indenização também será direcionada ao dano final, mas isso será feito por meio de presunções, a partir da conduta que retirou as chances de outrem perceber uma vantagem ou evitar um prejuízo (futuro ou presente).

Abordado por autores como William Prosser e W. Page Keeton, o fator substancial é tido, nesse contexto, como o principal mecanismo para comportar os casos de perda da chance (SILVA, 2007, p. 68). Exemplo dessa aplicação ocorreu no leading case Hicks v. United States, citado por Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 68) nos seguintes termos:

[...] uma paciente que sofria de graves dores abdominais foi medicada pelo médico de plantão e liberada para voltar para casa, devendo retornar somente oito horas mais tarde, pois o diagnóstico era de gastroenteritis. Algumas horas depois a paciente veio a falecer devido a uma obstrução intestinal. O testemunho dos peritos deixou claro que o diagnóstico equivocado do médico fora um fator substancial para a morte da paciente. O dano final (morte) foi indenizado, mesmo sem a prova inequívoca da conditio sine qua non, isto é, a vítima poderia ter falecido devido ao normal desenvolvimento da doença, mesmo que adequadamente tratada.

Como se percebe, o simples fato da conduta do médico representar causa mais provável da morte da paciente (fator substancial) já foi suficiente para impor a ele a integral responsabilidade, muito embora apenas chances de vida tenham sido perdidas. Tratando-se de situação inversa, em que não ficasse comprovado o fator substancial (por meio da fórmula more likely than not), haveria total improcedência do pleito indenizatório, mesmo estando presente a perda de algumas chances.

Observa-se, então, que o padrão tudo ou nada é inerente a essa forma de tratamento do tema, o que, segundo Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 228) poderia gerar “graves injustiças”.

Nessa mesma vertente da teoria, mas limitando-se aos casos “médicos”166, Patrice Jourdain e Geneviève Viney traçam solução ainda mais radical para se reparar a perda da chance. Eles utilizam o parágrafo 323 do Restatement (second) of Torts para formular as presunções do julgador, de modo que não se faz necessário sequer a presença do fator substancial (SILVA, 2007, p. 70).

Remetendo novamente ao caso médico, tem-se que o simples equívoco responsável pela retirada de 10% (dez por cento) das chances de cura do paciente, por exemplo, já poderia ocasionar o dever de indenizá-lo integralmente – desde que isso tenha aumentado o risco do resultado danoso167. Persiste, assim, o padrão tudo ou nada.

Pode ser deduzido, então, que essas presunções com as quais trabalham a tese incidem até mesmo sobre a conditio sine qua non: antes de se presumir que o dano final mantém relação causal com a conduta que retirou as chances, é necessário se presumir que esta é condição sem a qual aquele não teria ocorrido.

Em defesa desses critérios, os citados Patrice Jourdain e Geneviève Viney argumentam que essas presunções são devidas para que a vítima não reste sem reparação, diante de “[...] uma situação de dano iminente ou objetivamente perigosa pelo ato ilícito do ofensor”. Para eles, a tese “[...] está absolutamente de acordo com uma tendência sistemática muito clara” (SILVA, 2007, p. 70-71).

Vê-se, portanto, que a perda da chance para essa teoria também é uma mera circunstância para se alcançar o dano final. O instituto continua sendo tratado como responsabilidade civil pela perda de uma chance, mas a indenização propriamente dita não é pela perda desta, mas, sim, pelo prejuízo não evitado ou perda da vantagem esperada.

Por fim, mostra-se pertinente mencionar sobre a postura de Fernando Noronha frente ao tema.

Este autor constrói seu posicionamento mesclando as teorias da causalidade parcial e causalidade presumida, assim como conferindo caráter autônomo ao dano em questão. Segundo os seus ensinamentos, o fato da teoria trabalhar com hipóteses de concorrência causal ou causalidade alternativa em nada impede sua aplicação. Conforme leciona:

Se a dúvida que fica subsistindo é apenas porque existe uma outra causa possível, terá de ficar a cargo do indigitado responsável o ônus da prova capaz de destruir a presunção de causação que milita contra ele: provado que o evento atribuído ao indigitado responsável foi uma condição do dano, fica presumido o nexo de causalidade adequada; se ele praticou um fato suscetível de causar o dano, sobre ele deve recair o ônus de provar que, apesar da condicionalidade, não houve adequação entre tal fato e o dano [...]. Resolvida a questão do nexo de causalidade, é preciso ver a questão do dano. E a solução desta terá que acompanhar a que vale para a perda da chance relativa a vantagens futuras (perda de chance clássica). Também aqui o dano só pode consistir na perda da própria chance que o lesado tinha, anteriormente ao fato antijurídico, perda esta que é um prejuízo distinto do benefício que era esperado. E também aqui o responsável vai ser obrigado a reparar uma fração do dano total, igual ao grau de probabilidade em que o seu fato contribuiu para o dano. Assim, se a falha médica subtraiu dois terços das chances de vida da vítima, a reparação deve guardar a mesma proporção em relação ao dano final verificado (NORONHA, 2010, p. 714).

Observa-se, desses dizeres, que o autor institui o critério de presunções relativas para alcançar o nexo de causalidade e, na sequência, ao mencionar que o ofensor será responsabilizado na medida da probabilidade da sua participação no dano final, aponta para aplicação da causalidade parcial168. Não obstante ambas as linhas de raciocínio conduzirem para a indenização do dano final, Noronha surpreende ao afirmar que o dano indenizável se dá pela perda da própria chance, o que a insere no contexto de dano autônomo.

Pela sua ideia, portanto, o dano pela perda da chance tanto pode advir de uma melhor análise do nexo causal, como também de uma ampliação do conceito de dano indenizável – na verdade, viria dos dois exercícios simultâneos. A tese confeccionada por Fernando Noronha está em um ponto intermediário entre a visão exposta neste tópico e a que será observada no subsequente.

4.5 A perda de uma chance no contexto de dano autônomo

Contrapondo os argumentos elencados pelos defensores da perda de uma chance no contexto das relações de causalidade, uma outra parcela, expressiva, dos juristas, nacionais e estrangeiros, defendem a sua apreciação sob a égide do elemento “dano”.

Sérgio Savi (2009, p. 2-3), por exemplo, assevera que:

Graças ao desenvolvimento do estudo das estatísticas e probabilidades, hoje é possível predeterminar, com uma aproximação mais que tolerável, o valor de um dano que inicialmente parecia entregue à própria sorte, a ponto de poder considerá-lo um valor nominal, dotado de certa autonomia em relação ao resultado definitivo. Diante desta evolução, hoje é possível visualizar um dano independente do resultado final. Se, por um lado, a indenização do dano consistente na vitória perdida (na causa judicial, por exemplo) é inadmissível, ante a incerteza que lhe é inerente, por outro lado, não há como negar a existência de uma possibilidade de vitória, antes da ocorrência do fato danoso. Em relação à exclusão da possibilidade de vitória, poderá, frise-se, dependendo do caso concreto, existir um dano jurídico certo e passível de indenização169.

Fernando Noronha (2010, p. 696), por sua vez, corrobora essas afirmações, dizendo que “[...] apesar de ser aleatória a possibilidade de obter o benefício em expectativa, nestes casos existe um dano real, que é constituído pela própria chance perdida, isto é, pela oportunidade, que se dissipou, de obter no futuro a vantagem ou de evitar o prejuízo [...]” (grifos do autor).

Na doutrina estrangeira, Joseph King Jr. também não destoa desta concepção. No seu entendimento, as chances perdidas pela vítima consistem em “[...] um dano autônomo e perfeitamente reparável, sendo despicienda qualquer utilização alternativa do nexo de causalidade”. Segundo leciona, a falha na identificação das chances perdidas decorre do fato de que os tribunais a “[...] interpretam apenas como uma possível causa para a perda definitiva da vantagem esperada pela vítima” (SILVA, 2007, p. 75).

Nesse mesmo sentido, mas com referência apenas aos casos clássicos da teoria, Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 75) também admite a noção de perda da chance como sinônima de dano autônomo170. Para o autor, a materialidade das chances estaria expressa, por exemplo, na compra de um bilhete de loteria – que nada mais é do que a sua exteriorização no mundo fático. Na sequência, ele ainda ensina que:

Em todos os casos típicos de responsabilidade pela perda de uma chance existe um prejuízo sofrido pela vítima bastante fácil de identificar: a perda da vantagem esperada pela vítima, também denominada de dano final. Esse dano final pode ser a perda do processo judicial, para o litigante; a perda da vida, para o paciente; ou a perda do concurso vestibular, para o estudante. Entretanto, a perda definitiva da vantagem esperada não pode ser indenizada, tendo em vista que a conduta do réu, nos casos de perda de uma chance, nunca se caracteriza como uma condição sine qua non. Desta forma, a indenização das chances subtraídas pela conduta do réu é o único caminho para que a vítima seja reparada de alguma forma. Como a doutrina tradicional não aceita a causalidade parcial, utilizando-se do conceito de “tudo ou nada”, as chances perdidas devem ser isoladas como um prejuízo independente171.

Ao confeccionar tais ponderações, o autor, além de demonstrar o instituto sob a ótica em questão, destaca com muita clareza o principal problema enfrentado pela temática no Direito pátrio – e, também, o principal motivo da adoção dessa concepção de dano autônomo. A análise da perda de uma chance pela perspectiva do dano final (causalidade parcial, por exemplo) não preenche o requisito elementar exigido pelas teorias tradicionais de causalidade: a conditio sine qua non172. Destarte, considerando que a jurisprudência e doutrina brasileira têm adotado os critérios da causalidade direta e imediata173, a noção defendida neste tópico tem ganhado cada vez mais força atualmente.

Para tornar mais clara essa problemática, mostra-se necessário mencionar a respeito das predisposições da vítima, por ocasião do ato danoso. São elas que tornam prejudicada a análise da conditio sine qua non nos eventos que desafiam esta teoria.

Entende-se por predisposições os fatores que, por ocasião da conduta antijurídica, também agiam em face do bem jurídico violado. Eles podem ser apenas predisposições, como também causas concorrentes, ao mesmo tempo. Conforme ensina Joseph King Jr., “geralmente, uma predisposição da vítima (preexinting conditions) pode ser definida como uma doença, condição, ou força que se tornou suficientemente associada com a vítima para ser considerada no valor do interesse destruído [...]” (SILVA, 2007, p. 76).

Exemplificando uma dessas situações em que atua determinada predisposição, Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 76) faz referência ao caso Dillon v. Twin State Gas & Eletric Co., segundo o qual:

[...] um menino perdeu o equilíbrio enquanto atravessava uma ponte. Quando principiava a sua queda, o menino teve contato com cabos de alta tensão que se encontravam sobre a ponte, ocasionando um intenso choque que, além de causar-lhe a morte, o arremessou de volta para cima da ponte. Os representantes do menino falecido requereram indenização à companhia elétrica. A Suprema Corte de New Hampshire decidiu que, apesar de a descarga elétrica ter causado a morte do menino, o fato de a vítima ter perdido o equilíbrio e iniciado a queda da ponte deveria ser levado em consideração no momento da quantificação da responsabilidade do réu. Assim, a probabilidade de o menino restabelecer o seu equilíbrio ou mesmo de cair e sobreviver à queda seria decisiva para a quantificação final do dano devido pela companhia elétrica, já que o estado de perigo em que se encontrava o menino era um fato consumado e, portanto, uma predisposição.

Verifica-se desse episódio que não é possível estabelecer uma conditio sine qua non entre a negligência da companhia elétrica e a morte do menino. Uma vez retirada a interferência da eletricidade, não se pode afirmar que ele sobreviveria, tendo em vista que estava a cair de uma ponte, fato que, por si só, era suficiente a ensejar o mesmo desfecho – o que, inclusive, era o mais provável.

O alerta que deve ser feito, no entanto, é que essas predisposições devem incidir juntamente com a conduta antijurídica em questão. Nesse sentido, Willian Prosser e W. Page Keeton mencionam que “[...] haveria uma predisposição no caso de uma vítima, prestes a ser engolida por uma avalanche, alvejada pelo tiro do réu. Por outro lado, se um passageiro do Titanic fosse morto a tiros, logo no momento do embarque, não se teria uma predisposição” (SILVA, 2007, p. 77).

Percebe-se, então, que a responsabilidade do suposto ofensor pelo dano final é totalmente incerta diante de uma predisposição – seja ela apenas predisposição ou, concomitantemente, uma causa concorrente. Essa situação, portanto, faz com que ganhe força a teoria que admite a chance como um bem jurídico passível de violação, uma vez que a certeza entre a mesma conduta e a retirada de chances é facilmente encontrada. É impossível falar que o citado garoto não morreria sem a intervenção da eletricidade ou que a vítima da avalanche também não na ausência do tiro, mas em ambos os casos tem-se a certeza de que as chances de vida foram totalmente exterminadas174.

Corroborando esses argumentos, e diante das dificuldades impostas pelas predisposições da vítima, até mesmo o Superior Tribunal de Justiça se alinhou à vertente sustentada pelos adeptos da perda da chance como dano autônomo. Num julgado proferido em 04/12/2012, a Ministra Nancy Andrighi afirmou que “Não há necessidade de se apurar se o bem final (a vida, na hipótese deste processo) foi tolhido da vítima. O fato é que a chance de viver lhe foi subtraída, e isso basta”175 (STJ, Relatora: Min. Nancy Andrighi, Data do julgamento: 04/12/2013, Número do Processo: 2011/0078939-4 e REsp nº. 1.254.141) (2013)176.

Reforçando essa forma de observação das chances – mesmo que, às vezes, sem propor explicitamente esta alternativa de solucionar os casos –, têm sido elencadas várias críticas às teorias alternativas sobre o nexo de causalidade – sobretudo, à causalidade parcial, que é a mais preponderante naquele cenário.

Fernando Noronha (2010, p. 710), por exemplo, cita a contrariedade de Yvonne Lambert-Faivre com esse sistema de reparação mitigada (causalidade parcial). Conforme menciona, os casos médicos vistos sob esta perspectiva constituiriam “[...] um curioso julgamento de Salomão que traduz as incertezas do juiz sobre a causalidade: ele presume esta, mas diminui o dano”177. Em conclusão, a autora afirma que a indenização do dano final (não das chances) somente poderia seguir a regra do tudo ou nada: ou há causalidade comprovada e o agente repara todo o dano, ou não há e ele nada repara.

No mesmo rumo, René Savatier afirma que:

[...] a utilização da perda de uma chance no terreno médico hospitalar é o paraíso do juiz indeciso, devendo ser totalmente rechaçada, pois representa um desvirtuamento da utilização dos princípios da causalidade civil e um risco para a certeza de todo o sistema. Assim, sempre que o juiz não encontrar certeza para condenar o médico ou o hospital por todo o dano ocorrido, ou seja, a morte ou invalidez do paciente, deverá improceder totalmente a demanda indenizatória (SILVA, 2007, p. 87)178.

Também criticando a figura do “juiz indeciso”, Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 83), apesar de dizer que não se aplicaria à perda de uma chance (sem maiores fundamentos), afirma que uma causalidade parcial “[...] não mais se traduziria na improcedência da demanda, mas em uma condenação parcial medida pelo grau de incerteza que cerca o livre convencimento do juiz”.

Extrai-se, desses argumentos, que a teoria da causalidade parcial enseja, inclusive, fundamentos para que a perda da chance sequer seja reparada, fato este que dá ainda mais sustentação à adoção da perda da chance como um dano autônomo – diverso da ofensa final.

Pertinente mencionar, ainda, neste contexto, que (como já foi visto nos tópicos anteriores) há uma nítida ruptura no tratamento dos casos clássicos e “médicos”. Desses posicionamentos citados contra a causalidade parcial, fica claro que as críticas maiores são feitas aos casos em que a chance perdida foi de evitar um dano ocorrido (“perda da chance de cura”). Isso decorre do fato (também já visto) de que grande parte dos autores já tem admitido a aplicação de dano autônomo aos casos clássicos, mas continua defendendo que os casos “médicos” dependem da adoção de conceitos alternativos do nexo de causalidade179.

Diante dessa situação – e apontando para o equívoco em alterar os conceitos tradicionais do nexo de causalidade –, os defensores da autonomia das chances asseveram que sequer há divergências entre as duas hipóteses. O mencionado julgado do Superior Tribunal de Justiça, através do voto da Ministra Nancy Andrighi, dispõe que:

A solução para esse impasse, contudo, está em notar que a responsabilidade civil pela perda da chance não atua, nem mesmo na seara médica, no campo da mitigação do nexo causal . A perda da chance, em verdade, consubstancia uma modalidade autônoma de indenização, passível de ser invocada nas hipóteses em que não se puder apurar a responsabilidade direta do agente pelo dano final. Nessas situações, o agente não responde pelo resultado para o qual sua conduta pode ter contribuído, mas apenas pela chance de que ele privou a paciente. Com isso, resolve-se, de maneira eficiente, toda a perplexidade que a apuração do nexo causal pode suscitar (STJ, Relatora: Min. Nancy Andrighi, Data do julgamento: 04/12/2012, Número do Processo: 2011/0078939-4 e REsp 1.254.141, grifos no original) (2013)180.

Igual posicionamento já havia sido adotado por Yves Chartier e Georges Durry. Conforme menciona Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 95-96):

Yves Chartier assegura que a distinção realizada pela doutrina majoritária não merece respaldo, pois a chance é algo que sempre pertence, por definição, ao passado. Georges Durry, por seu lado, detém o pioneirismo na defesa da corrente que adota uma natureza jurídica unitária, sempre exercendo contraponto imediato às manifestações de René Savatier. Apesar de elogiar a argúcia do pensamento de René Savatier, Georges Durry não consegue vislumbrar diferenciação nítida entre os casos da perda de uma chance na seara médica e os demais casos de aplicação da teoria. Para aquele autor, “um candidato a uma vaga de piloto, bem como o ‘candidato à vida’, demandam que não lhes seja subtraída a possibilidade de tentar a sua chance”181.

Como se percebe, as críticas dos autores são pontuais no sentido de que, qualquer seja a modalidade sustentada (se é que existe pertinência nessas divisões), o que se tem são perdas de chances. O fato de envolver dano ocorrido ou vantagem futura em nada altera essa condição – o dano final é intangível diante da ausência de conditio sine qua non.

Por fim, enfrentando a indagação mais contundente tecida pelos defensores da causalidade parcial, os adeptos da perda da chance como dano autônomo asseveram que a possibilidade de o doente melhorar, mesmo após o erro médico, ou do pedido da ação ser procedente, mesmo diante da não interposição do recurso, não é capaz de retirar a autonomia das chances182.

Segundo entendimento exposto pela Ministra Nancy Andrighi, no citado caso “médico” julgado pelo Superior Tribunal de Justiça:

Se o processo causal chegou a seu fim e o paciente viveu, não obstante a falha médica, não se pode dizer que o profissional de saúde tenha lhe subtraído uma chance qualquer. Por questões afeitas à compleição física da vítima ou por quaisquer outros fatores independentes da conduta médica, as chances de sobrevivência daquele paciente sempre foram integrais. Vale lembrar que a oportunidade de obter um resultado só pode se considerar frustrada se esse resultado não é atingido por outro modo. Seria, para utilizar um exemplo mais simples, de “perda de chance clássica”, o mesmo que discutir a responsabilização de uma pessoa que impediu outra de realizar uma prova de concurso, na hipótese em que essa prova tenha sido posteriormente anulada e repetida (STJ, Relatora: Min. Nancy Andrighi, Data do julgamento: 04/12/2012, Número do Processo: 2011/0078939-4 e REsp 1.254.141, grifos no original) (2013)183.

Verifica-se, então, que na hipótese de o doente se recuperar ou do litigante “ganhar” a ação (inobstante a conduta antijurídica), não estaria adimplido um elementar requisito exigido para a atuação da teoria: a perda efetiva da chance. A referida Ministra expõe de forma clara essa situação, ao apresentar o exemplo do estudante que perde a chance de ser aprovado no vestibular, por não realizar o exame. Considerando que este é disponibilizado periodicamente aos candidatos, não há que se falar em perda da chance (do mesmo modo que o paciente que se recupera por outras razões não perdeu as chances de se recuperar).

Entretanto, ela ressalva, ainda, que eventual prejuízo decorrente dessa chance violada deverá receber a competente reparação. Ou seja, se em razão da incorreta medicação o paciente experimentar um processo de convalescência menos confortável ou mais moroso, também haverá atuação da perda da chance – mas não de cura, neste caso, e sim de uma recuperação mais confortável/digna ou mais rápida (STJ, Relatora: Min. Nancy Andrighi, Data do julgamento: 04/12/2012, Número do Processo: 2011/0078939-4 e REsp 1.254.141, grifos no original) (2013)184.

São esses, portanto, os principais fundamentos utilizados por parte da doutrina e jurisprudência para entender a perda da chance como um dano autônomo, diferente ao dano final (perda da vantagem ou prejuízo não evitado).

Sobretudo na jurisprudência pátria, essa corrente – que somente se aplicava às modalidades clássicas da teoria –, tem se estendido às demais hipóteses, ignorando a ruptura proposta pela doutrina majoritária francesa, entre os casos de dano ocorrido e vantagem futura. A exigência da conditio sine qua non fomentou a ótica em apreço.

Deve se observar, entretanto, que uma conclusão nesse sentido traz a lume outra discussão: identificar as características inerentes a esse dano autônomo pela perda da chance. Essa questão também é objeto de constantes controvérsias na aplicação da teoria, o que a caba por colocá-la em descrédito.

Como foi observado no estudo do conceito e noções básicas da responsabilidade civil pela perda de uma chance (4.1), esta não se confunde com as hipóteses de lucros cessantes, uma vez que não é possível se fazer um retrospecto para identificar o que alguém razoavelmente ganharia e se concluir pelo que ela deixou de ganhar – aqui também se aplica a noção de que o dano final é inalcançável. Havendo a possibilidade de se fazer esse exercício, não se estará diante de uma situação em que chances são perdidas, haverá uma certeza do dano final, ainda que somente jurídica.

O dano pela perda da chance, portanto, só poderá ser emergente185, uma vez que retira do patrimônio da vítima um bem jurídico que ela antes possuía legitimamente: a chance. Valendo-se da citada “teoria da diferença” (2.2.2.3) basta observar a situação do patrimônio da vítima antes do dano e subtrair dela o que lhe restou depois. A chance será o resultado dessa subtração e, por consequência, o que se deve ao ofendido186.

Além de emergente, resta saber, também, se tal dano figura ao lado dos morais e materiais (e, para alguns, incluindo os estéticos) ou se trata de uma subespécie desses.

Sobre essa questão, Sérgio Savi (2009, p. 420) entende que poderá haver reflexo deste dano no campo patrimonial e extrapatrimonial, a depender do caso concreto. Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 201), com maior fundamento, corrobora essa concepção e afirma que a definição dependerá do bem jurídico a que remete a chance:

Bom exemplo poderia ser encontrado em uma demanda judicial em que a pretensão do autor fosse pela recuperação da guarda de um dos filhos, na qual a decisão prolatada em primeiro grau, desfavorável ao autor, possuísse boa chance de ser revertida em instância superior. Nessas hipóteses, caso o advogado perdesse o prazo para interpor o recurso de apelação, a chance perdida pelo autor teria natureza de dano moral, já que o bem perseguido pelo autor da demanda não possui valor patrimonial.

Em situação diversa, como no citado caso da perda da chance de se ganhar uma casa no sorteio – julgado pelo Superior Tribunal de Justiça – a reparação representaria caráter patrimonial, uma vez que o bem jurídico pretendido e não mais passível de alcance era representativo de ganho pecuniário187.

Nesse mesmo rumo, o Enunciado 444, da V Jornada de Direito Civil, também admite essa variação da natureza jurídica do dano em questão. Segundo consta do dispositivo, “A responsabilidade civil pela perda de chance não se limita à categoria de danos extrapatrimoniais, pois, conforme as circunstâncias do caso concreto, a chance perdida pode apresentar também a natureza jurídica de dano patrimonial” (2012)188.

Enfim, dependendo do caso em apreço, a chance perdida poderá manifestar-se nas duas formas de ofensa – patrimonial ou extrapatrimonial189 –, situação esta que não macula a sua autonomia. Prova disso é que o dano estético traduz-se em um dano moral em sentido amplo e, ainda assim, possui reparação específica e cumulativa.

No que concerne à quantificação deste dano autônomo, há, também, um campo aberto a grades debates. Mas o que se tem observado, nesse sentido, é a colocação do dano final como paradigma para se calcular o valor inerente à chance em questão. Ou seja:

Mesmo que se concorde com a corrente doutrinária que defende a independência das chances perdidas em relação ao dano final, é inegável que este será o grande referencial para a quantificação das chances perdidas. Como bom exemplo desta afirmação tem-se aquele do proprietário de um cavalo de corrida que esperava ganhar a importância de R$20.000,00 (vantagem esperada), proveniente do primeiro prêmio da corrida que seu cavalo participaria não fosse a falha do advogado, o qual efetuou a inscrição do animal de forma equivocada. Se as bolsas de apostas mostravam que o aludido cavalo possuía vinte por cento (20%) de chances de ganhar o primeiro prêmio da corrida, a reparação pelas chances perdidas seria de R$4.000,00 (SILVA, 2007, p. 138).

Percebe-se, então, que a apuração do valor das chances tem levado em conta o dano final e as predisposições, de modo que o percentual destas é subtraído daquele, tomando-se a diferença como o valor do dano experimentado pela vítima.

Esse raciocínio é criticado pelos defensores da causalidade parcial, por apresentar resultados práticos semelhantes à proposta por eles defendida. Rebatendo esse argumento, Fernando Noronha (2010, p. 706) afirma que:

[...] o fato de a reparação ser concedida sob a forma de percentagem incidente sobre o valor que teria o dano final não significa que se esteja concedendo uma indenização parcial. A reparação, mesmo aqui, tem como medida a extensão do dano (cf. Cód. Civil, art. 944), ou seja, é integral. O que acontece é ter a chance perdida um valor menor do que o dano dito final.

Muito embora não seja isento de objeções, esse entendimento, de fato, tem sido acolhido nos julgados atinentes ao tema. Tanto no citado caso em que houve a perda da chance de participar do sorteio da casa, quanto naqueloutro em que o paciente perdeu a oportunidade de cura190 – ambos julgados pelo Superior Tribunal de Justiça –, as indenizações se lastrearam nesse pressuposto.

Portanto, em sintética exposição, são essas as principais diretrizes que têm norteado a fixação do montante indenizatório direcionado às vítimas. A matéria, entretanto, requer uma análise mais profunda para se alcançar convicções mais consistentes a respeito, o que, por ora, não será objeto de estudo. Ficam registradas essas ponderações apenas para demonstrar a extensão do posicionamento difundido pelos adeptos da autonomia das chances, como também a título de elucidação sobre assunto.

Finalizando todos esses debates sobre as possibilidades e peculiaridades da autonomia do dano em questão, mostra-se pertinente ao contexto o pensamento de Judith Martins-Costa, segundo a qual:

[...] o que é ‘interesse jurídico’ é sempre aquele que determinada comunidade considera digno de tutela jurídica, razão pela qual, se modificado o que na pessoa e em sua personalidade considera-se digno de interesse, haverá imediato reflexo no conceito de dano (SILVA, 2007, p. 73).


5 CONCLUSÃO

Com o presente estudo, buscou-se fazer um levantamento dos principais entendimentos que recaem sobre a responsabilidade civil pela perda de uma chance, a fim de que pudessem ser repensadas soluções mais padronizadas, simples e, por conseguinte, aplicáveis a esta vertente do Direito Civil. Nesse exercício foi indispensável a apreciação da natureza jurídica dos institutos em questão.

É importante destacar que a análise das essências teóricas – sobretudo num Direito cuja evolução tem sido promovida pelas manifestações das cortes superiores – não é fator elementar para se colocar em prática as idéias emergentes. Entretanto, excetuando essa premissa, a procedência da teoria sob exame tem relação direta com a sua criteriosa inserção em meio aos demais institutos da responsabilidade civil, de modo que eventuais imprecisões nesse sentido podem afetar, irremediavelmente, a sua efetividade e eficiência.

Sob esta perspectiva, portanto, foram apreciados os pressupostos gerais da responsabilidade civil, assim como apresentadas as principais particularidades inerentes à perda da chance, donde pôde se extrair que os problemas que compõem esta modalidade estão intimamente vinculados à dúvida em compreendê-la como derivada de uma visão alternativa do nexo de causalidade ou como sendo uma nova espécie de dano indenizável.

Após ponderar os argumentos trazidos pela jurisprudência e doutrina especializada, a conclusão que se chega – sem menosprezo às demais – é que o conceito de chance como um bem jurídico autônomo e passível de violação se impõe a toda e qualquer situação, seja no tratamento das modalidades “médica” ou clássica – as quais, na verdade, sequer apresentam divergências relevantes ao tema. O que sempre se retira do patrimônio da vítima e que, portanto, devem ser reparadas (ou compensadas) são chances de algo. A atuação das predisposições não permite qualquer entendimento diverso.

Em defesa dessa afirmativa, o fundamento basilar a ser observado é a impossibilidade de se falar em reparação de dano sem a conditio sine qua non. Conforme fartamente exposto, a causalidade direta e imediata, adotada pelo sistema jurídico pátrio, ou mesmo a causalidade adequada e a equivalência das condições, são taxativas em apontar para a imprescindibilidade desse pressuposto.

Tornar relativo esse requisito, com base em jurisprudência alienígena, é colocar em descrédito e total inaplicabilidade a teoria em questão. Bastaria uma singela argumentação atentando o magistrado para essa ausência, que a maioria absoluta das demandas dessa natureza seria totalmente frustrada e a vítima, temerariamente, continuaria desamparada.

Ademais, mesmo no campo da lógica essa impossibilidade persiste: se a causa não é condição sem a qual o dano não ocorreria, como afirmar que ela o ocasionou? Simplesmente não é possível aos juízos humanos, seja por qualquer perspectiva adotada.

Apesar dessa assertiva não vir acompanhada de um robusto fundamento jurídico, os estudos mostraram que ela se mantém firme frente a todos os ataques lhe direcionados. As tentativas de colocá-la em xeque tentam tirar o foco dessa situação, mas acabam por apresentar soluções que não a abala. Além disso, apresentam alguns argumentos e métodos passíveis de vários questionamentos, como se passa a observar.

A teoria da causalidade parcial, por exemplo, apresenta a figura do juiz indeciso, que, frente a qualquer situação de dúvida quanto ao nexo de causalidade (ausência de conditio sine qua non), reduziria o montante indenizatório no limite de sua convicção, em vez de improceder totalmente a demanda. Esse fato poderia ocasionar grande insegurança jurídica, uma vez que as regras do ônus da prova (artigo 333 do CPC) ficariam totalmente desvirtuadas.

Como foi mencionado (4.5), o próprio Rafael Peteffi da Silva reconhece essa fragilidade na modalidade em questão. Entretanto, sem apresentar qualquer fundamento, diz que ela não incide sobre a perda da chance, com o que, data venia, não se concorda. Inexistem motivos para que esta deixe de experimentar as deficiências vistas nas demais espécies (isso se adotada tal concepção).

Também ligada a essa crítica à causalidade parcial, tem-se o fato de que esta maneja mal as ressalvas ao padrão tudo ou nada. Com base na aparente “injustiça” que este ocasiona, os adeptos dessa teoria tentam legitimar a indenização parcial do dano final, o que se entende não ser o caminho mais adequado a trilhar.

O fato de esse padrão não ser bem acolhido, por estabelecer um critério muito radical – e até mesmo desfavorável às vítimas –, não significa que seja possível compensar, por exemplo, a morte de meio doente, ou a perda de meia ação judicial. O sentido não é esse. Pode haver uma reparação que não alcance a integralidade do dano final, mas é necessária a comprovação inequívoca da relação de causalidade com algum outro dano intermediário – no caso, a chance.

Vinculando a esse contexto, registra-se, igualmente, a discordância quanto ao argumento de que a reparação das chances autônomas seria mero reconhecimento da responsabilidade parcial pelo dano final. É certo que, em termos práticos, pode haver grande coincidência entre as duas aplicações, dependendo da forma de quantificação das chances – no citado caso médico julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, o montante indenizatório fora fixado em 80% (oitenta por cento) do valor devido no dano integral (chance autônoma com o mesmo desfecho da causalidade parcial). Contudo, a situação se assemelha à de um aluno que chega ao resultado acertado da equação, apresentando os cálculos incorretos.

O fato do quantum debeatur poder se compatibilizar não pode ser considerado para equiparar as concepções. O an debeatur é totalmente diverso. Num caso se indeniza o dano certo e integral (perda da chance), observando as teorias tradicionais de causalidade, e noutro se estabelece uma responsabilidade desprovida de qualquer certeza (parte do dano final), valendo-se de regras estranhas ao ordenamento vigente no Brasil.

Assim, conclusão mais razoável é que a causalidade parcial indeniza, na verdade, as chances perdidas (de forma autônoma), mas valendo-se de fundamentos incorretos.

No que se refere à apresentação das evoluídas estatísticas para corroborar o cabimento da causalidade parcial, estendem-se as críticas à teoria. Para se dizer que houve a participação de uma conduta no evento final, de que adianta afirmar que isso se comprova no exato percentual de 59,5% (cinquenta e nove vírgula cinco por cento), por exemplo? Para este fim, de nada adianta, uma vez que os mesmos avançados cálculos são taxativos em afirmarem que há 40,5% (quarenta vírgula cinco por cento) de probabilidade dessa mesma conduta não ter surtido nenhum efeito sobre o mesmo evento.

Ou seja, sem menosprezar a importância das estatísticas (até porque são essenciais para se quantificar o valor da chance perdida), elas não apresentam qualquer contribuição para a aceitação da causalidade parcial.

Nesse contexto, merece esclarecimento um argumento utilizado por John Makdisi, para defender a possibilidade de adoção da causalidade parcial, através do uso das estatísticas. Conforme citado (4.4), tratou-se de uma situação hipotética em que as falhas médicas, comprovadamente, teriam sido responsáveis pela morte de quatro pacientes, num total de dez que já estavam acometidos por determinada doença (todos morreram, mas não se sabia qual deles em função da falha médica). No caso, a indenização seria por quatro mortes, dividida entre os familiares dos dez de cujos. Assim, conclui o autor que, na hipótese de ser apenas um paciente atendido (tendo falecido posteriormente), o médico seria responsável pelo pagamento de indenização no montante de 40% (quarenta por cento) do dano final em seu favor. Haveria simétrica paridade entre as duas situações.

Não obstante seja atrativa a solução, ela não reflete a realidade da situação. No caso das dez supostas vítimas era certo que a conduta médica provocou a morte de quatro pacientes, só não se sabia quais deles. Já na falha envolvendo um só paciente não era certa a causação de qualquer dano final – o moribundo poderia estar dentre os seis que faleceram em virtude da evolução endógena da doença. O que se ocasionou, portanto, fora apenas a perda de chances de cura deste paciente, não de 40% (quarenta por cento) da vida – se, porventura, for comprovado (com a presença da conditio sine qua non) que a conduta médica teve interferência no dano final, não se estará diante da teoria da perda da chance, mas de uma causalidade concorrente, devendo ser indenizada o competente prejuízo causado, integralmente (mesmo que isso não corresponda à integralidade do dano final).

Verifica-se, então, que vários são os obstáculos contrários à causalidade parcial, o que reforça a adequação da perda da chance como dano autônomo.

Também advogando em favor desta modalidade, tem-se que os argumentos da causalidade presumida igualmente esbarram nos problemas de certeza. Não havendo como comprovar que determinada conduta maculou o patrimônio da vítima (material ou moral), fica impossível reconhecer a sua responsabilidade no dano final. Diante da atuação das predisposições da vítima, faltam subsídios para tanto.

Ademais, diferentemente do que preconiza o artigo 335 do Código de Processo Civil, as presunções defendidas por essa teoria se apresentam com uma arbitrariedade muito grande e fazem o uso desmedido do padrão tudo ou nada, o que a torna inadequada para os padrões jurídicos nacionais. Tanto o uso do parágrafo 323 do Restatement (second) of Torts, quanto da fórmula more likely than not (no fator substancial), prescindem totalmente da conditio sine qua non e podem ocasionar constantes enriquecimentos indevidos dos ofendidos. Com as suas aplicações, em alguns casos seria mais interessante para a vítima a ocorrência de uma conduta antijurídica, do que ter os fatos se desenvolvendo em seu curso normal – no erro médico, por exemplo, se aplicada essa teoria, o paciente seria integralmente compensado pela sua invalidez, ao passo que, sem o erro, a doença igualmente evoluiria para o mesmo desfecho e o paciente nada receberia. Em alguns casos o erro de alguém seria almejado, com o que não se pode concordar.

Encerrando a exposição dessas objeções às teorias alternativas sobre a relação de causalidade, não é possível deixar de falar sobre a contundente crítica à autonomia das chances, na possibilidade de melhora do doente, mesmo após a conduta antijurídica.

Conforme bem expôs a Ministra Nancy Andrighi, nesses casos não há efetiva perda de chances, o que torna inaplicável esta teoria. Se o doente sofresse uma recuperação mais dolorosa e demorada, por exemplo, haveria perda da chance de uma convalescença mais digna, mas, sem sequer esse agravamento, não há que se falar em aplicação da modalidade sob apreço.

Casos dessa natureza mais se aproximam da trabalhada responsabilidade pela criação de riscos (4.3). Ao ministrar terapêutica incorreta, o médico permitiu que a doença evoluísse para situação mais grave, implementando, assim, riscos de o paciente não se curar (não se pode comprovar que todas as chances foram retiradas). Destarte, se não for possível a reparação dos simples riscos criados, a vítima deverá aguardar o curso normal dos eventos, para que, posteriormente, seja avaliada a possibilidade de aplicação da perda da chance (a depender dos próximos eventos).

Esses casos, portanto, não abalam a autonomia das chances.

Enfim, diante dessas exposições, pode- se perceber que a concepção de chances perdidas deve nortear a teoria em questão, não sendo adequado posicionar-se em favor da reparação do dano final.

Conforme mencionado (4.5), tanto Rafael Peteffi da Silva quanto Fernando Noronha já admitiram essa concepção nos casos clássicos da teoria, mas relutaram em se manterem nesse exato rumo no tratamento dos casos “médicos”.

A crítica que se faz, nesse sentido, é que não há divergências relevantes entre essas duas modalidades (tampouco com a perda de uma chance pela falta do dever de informação). O que se repara em todas as situações de aplicação da teoria são chances perdidas – seja de evitar um dano ocorrido ou de aferir vantagem futura.

A justificativa, para tanto, é que em todas as situações estão presentes os danos finais ocorridos. A perda da vida está para o paciente (caso “médico”), assim como o não ganho da casa, no sorteio, está para a concorrente (caso clássico). Em ambas as situações há um curso normal dos eventos, que se depara com uma chance de algo melhor (viver por mais tempo ou o ganho do prêmio, por exemplo) – no primeiro caso esse novo caminho aleatório sequer é oportunizado à vítima (que continua no seu trajeto natural), enquanto, no segundo, ele lhe é oportunizado, mas interrompido na sequência, fazendo com que a vítima retorne ao curso original (permaneça sem uma casa própria).

Ou seja, independente da modalidade em questão, há um caminho tangencial ao natural, capaz de iniciar um processo aleatório, em que o resultado poderá ser vantajoso ou em nada alterar (como se ele nunca tivesse existido). Caso alguém não permita que a vítima ingresse nesse caminho tangencial (casos “médicos”) ou o interrompa depois de deflagrado (casos clássicos), haverá perda de chances.

Disso se extrai que, em ambas as modalidades, apenas chances de melhor sorte foram retiradas das vítimas, uma vez que estas, por força do fato antijurídico, foram obrigadas a percorrer o seu caminho natural - como se nunca tivessem defronte àquela oportunidade. As predisposições atuantes nos eventos retiram qualquer certeza contrária a essa afirmação.

Ressalte-se, novamente, que, se o tratamento médico fosse garantia de cura ou a sua falha ocasionasse a piora do paciente, não se estaria diante de um fato submetido às modalidades de chances perdidas, mas de certezas, indenizáveis pelos padrões tradicionais da responsabilidade civil (danos morais, materiais, estéticos etc.).

Por esses argumentos, portanto, fica desmistificada aquela concepção de que a indenização dos danos ocorridos deve obedecer à causalidade parcial, porque já se teria um dano final como paradigma a demonstrar quais causas o ocasionou. Ora, em todos os casos se tem um dano final como paradigma e, ainda assim, isso não soluciona o problema da causalidade entre a conduta antijurídica e a sua ocorrência. O que se vê são chances perdidas.

Sob esse entendimento é que não se considera pertinente a bipartição realizada pela doutrina majoritária francesa, corroborada por Rafael Peteffi da Silva.

Também incompatível com a visão proposta são os argumentos de Fernando Noronha. Apesar de reconhecer a autonomia das chances perdidas e equiparar a solução dessa situação à mesma da vertente clássica, o autor impõe, nos casos “médicos”, um ônus probatório totalmente desnecessário ao suposto ofensor – do qual dificilmente se desincumbirá.

Na sequência, entende-se, ainda, que há uma grande contradição. Se há presunção do dano final militando contra o agente, como ele será responsabilizado pela perda da simples chance? Ou se presume o dano final e o indeniza integralmente, ou, então, se reconhece a violação das chances autônomas e as indeniza integralmente (sem menção ao dano final).

Dessa forma, conclui-se que a vertente mais próxima da realidade do Direito pátrio, como, também, do objetivo da teoria, é aquela pregada por Joseph King Jr.

Quanto às benesses dessa concepção (chance autônoma), tem-se que todas aquelas apresentadas para justificar as demais também estão presentes: reparar/compensar a perda das chances autônomas se mostra economicamente eficiente e pedagogicamente eficaz (uma vez que desestimula a prática de condutas antijurídicas); encontra amparo nas precisas estatísticas para identificar a representatividade da chance maculada; assim como elimina o uso do radical padrão tudo ou nada – apesar de não se reparar parcialmente o dano final, isso não significa que a vítima restará sem proteção jurídica ou que se beneficiará do erro alheio (a tutela jurídica seguirá a exata extensão do dano, conforme premissa consagrada do artigo 944 do vigente Código Civil).

Por fim, no que concerne à classificação deste dano, entende-se que ele, de fato, é emergente, uma vez que a chance já integrava o patrimônio da vítima quando violada. A sua materialização através do bilhete de loteria demonstra muito bem essa condição. Trata-se de situação semelhante ao que ocorre com os direitos autorais – apesar de não serem fisicamente vistos, sofrem abusos e ofensas, legitimando a vítima a perseguir sua competente reparação (seja moral e/ou material). Tanto a chance quanto os direitos autorais são bens incorpóreos da vítima.

Concernente à classificação entre patrimonial e extrapatrimonial, seguindo o entendimento de Rafael Peteffi da Silva, entende-se que a ofensa da chance pode repercutir em ambas as esferas (concomitantemente ou não), a depender do bem jurídico ao qual esta se vincula. Apesar de ser ela autônoma, não se pode ignorar certa comunicação com o dano final – a chance é “chance de algo”. Desta forma, a perda da chance de cura refletiria, a princípio, na esfera extrapatrimonial em sentido amplo, ao passo que a perda da chance de ser ganhador de um sorteio teria reflexo no campo patrimonial.

O que deve ficar claro é que se trata de dano pela perda da chance, com esta revestida de caráter moral ou/e material. Não se trata de dano moral ou dano material pela perda de uma chance. Essa inversão da terminologia, apesar de semanticamente resultar na mesma conclusão, pode levar a erro o observador da teoria, que confundiria o instituto com uma mera circunstância de incidência dos referidos danos tradicionais (moral em sentido estrito, por exemplo).

Tornando mais clara essa questão, acredita-se que pode haver, inclusive, cumulação de dano pela perda da chance com dano moral em sentido estrito. A especificidade da situação permite essa conclusão. Trata-se da mesma regra aplicada às hipóteses de dano estético – que é um dano moral em sentido amplo, combinável com um dano moral em sentido estrito.

Um episódio que mostra clara possibilidade dessa cumulação pode ser imaginado da seguinte forma: um paciente, após seu médico descumprir o dever de informar os riscos de uma cirurgia (facultativa), se submete a ela, restando inválido, posteriormente. Mesmo não havendo falha médica no procedimento em si, haverá responsabilidade pela perda da chance de optar por procedimento alternativo, como também um dano moral em sentido estrito, em razão da falta de preparação psíquica daquele paciente para o terrível resultado.

Por todo o exposto, verifica-se, então, que a reparação das chances não sobeja a realidade dos institutos já consagrados no Direito brasileiro, podendo ser inserida pacificamente em meio a eles.

A pertinente ressalva posta por Rafael Peteffi da Silva, e que merece especial atenção, é que o uso indiscriminado da responsabilidade civil pela perda de uma chance não está em seus propósitos. O que a ensejou foi a necessidade de amparar as vítimas, frente a uma lacuna do ordenamento jurídico, do que se conclui que a adoção da tese é subsidiária – destinada às situações que as tutelas tradicionais não possam alcançar (quando for impossível se encontrar as certezas dos danos finais).

Naquelas situações limítrofes, em que o uso do artigo 335 do Código de Processo Civil possibilitar uma presunção motivada do julgador, a improcedência ou procedência integral do pleito deverá se impor. Não se fala aqui da aludida causalidade presumida, mas de casos tradicionais em que regras seguras permitam se inferir que há certeza de algo, e não meras chances.

A teoria, portanto, busca solucionar os problemas enfrentados por vítimas outrora ignoradas. Não se dispõe a impor ainda mais incertezas nos casos que já desafiam as tutelas incontroversas. Entretanto, esse tênue liame somente poderá ser identificado e valorado frente ao caso concreto, sendo indispensável o prudente e motivado arbítrio dos magistrados, assim como o manejo das mais apuradas técnicas, pelos operadores do Direito de um modo geral.


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Notas

1 Diz-se convencional, por tratar-se de uma construção humana. Em alusão à concepção de Karl Popper, o professor Francis Vanine de Andrade Reis (2009, p. 38, grifos no original) manifesta que: [...] são os próprios cidadãos os responsáveis pelo construir do seu viver através das instituições por eles mesmos desenvolvidas. É a conclusão de que as instituições humanas são convencionais e, assim, podem ser analisadas criticamente, de forma desmitificada por não serem mais produtos da observação da natureza ou da concessão dos totens.

2 Em regra, mais gravosas no Direito Penal.

3 Os danos resultantes dessa violação são devidamente examinados no item 2.2 deste trabalho.

4 Os dispositivos legais citados apontam também para a necessidade (além da conduta humana) dos outros dois elementos que compõem a responsabilidade civil: o dano e o nexo causal. Todavia, serão estes estudados, respectivamente, no título 2.2 e no segundo capítulo deste trabalho.

5 Não se pode esquecer, entretanto, que em alguns episódios sequer haverá essa vontade na conduta propriamente dita e, ainda assim, poderá haver responsabilidade. São situações em que há um vício na vontade, como, por exemplo, nas condutas praticadas em estado de necessidade e na responsabilidade subsidiária de incapazes. Em ambas as circunstâncias a responsabilidade será impositiva, mesmo sem a pretensão daquela prática – na primeira, por impossibilidade de determinação diversa e, na segunda, por falta de autodeterminação. Nesses casos, a responsabilização emana de norma legal (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 74-76).

6 Com ressalvas, conforme será exposto adiante.

7 Soma de dolo e culpa em sentido estrito.

8 Isso para a responsabilidade civil.

9 No vernáculo: a culpa grave se equipara ao dolo.

10 A expressão refere-se ao bom chefe de família (na letra: pai da família).

11 Ressalte-se que, segundo entendimento majoritário, em se tratando de dano material, não haverá essa diminuição – a indenização se medirá pela exata extensão do dano. Em regra, referida classificação tem como foco os danos extrapatrimoniais (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 178).

12 Principalmente no dano moral.

13 A correta compreensão deste requisito “previsibilidade” se mostra importante no estudo do tema central da pesquisa, tendo em vista que em muitas situações em que a teoria da perda da chance é chamada a atuar o demandado pode tentar afastar o dever de indenizar, sob o argumento de que o resultado danoso não era previsível ao tempo da ação.

14 Uma ressalva que deve ser feita a essa regra é que na esfera contratual os riscos poderão ser assumidos pelas partes contratantes, conforme previsão contida no artigo 393 do Código Civil de 2002, que assim dispõe: “O devedor não responderá pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado” (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 175). Assim, nessa hipótese excepcional, haverá responsabilidade, mesmo estando ausente a previsibilidade.

15 Por não ser tão pertinente à temática estudada, o trabalho não se aprofunda no tratamento dessas espécies. Para maior esclarecimento sobre esta questão, vide Silvio de Salvo Venosa (2008, p. 29-32).

16 Essas demandam uma maior cautela, por serem mais ocorrentes e relevantes na prática.

17 Observa-se que a aceitação desta teoria resultou da evolução da mencionada teoria da culpa presumida (VENOSA, 2008, p. 6).

18 Por exemplo, o Decreto nº. 2.681, de 1912 (responsabilidade civil por fatos ocorridos em estradas de ferro).

19 Sergio Cavalieri Filho dedica o capítulo XVI de sua obra exclusivamente à responsabilidade civil nas relações de consumo (2006, p. 483-524).

20 Como exemplo, o serviço de acesso à conta bancária pela internet.

21 Para um estudo mais voltado para a teoria do risco, ver Sergio Cavalieri Filho (2006, p. 155-160).

22 Dirigir um carro, por exemplo.

23 Observa-se da parte final do texto, que o citado autor menciona as expressões “dano” e “elo de causalidade”. Esses elementos serão objeto de estudo do próximo título e capítulo, por isso não são dissecados neste momento.

24 Estas causas estão dispostas no item 3.4.

25 Isso ocorrerá no caso de se garantir determinado resultado na avença, em que o risco dessa garantia, por si só, torna a responsabilidade objetiva (GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2012, p. 186-192).

26 Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 203).

27 Silvio de Salvo Venosa (2012, p. 24), por exemplo, entende dessa forma. Ele associa reparação a um ilícito.

28 Expressão utilizada por Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona (2012, p. 77).

29 Imagine-se a perda da chance de um empregado progredir na carreira quando, concorrendo a uma vaga de chefia, perde o seu braço manuseando uma das máquinas da empresa. A priori, não há ato ilícito, mas caberá ao empregador reparar e compensar os danos oriundos desse sinistro.

30 Por exemplo, as causas excludentes de responsabilidade, que serão apreciadas no segundo capítulo.

31 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 164).

32 Art. 927. Aquele que, por ato ilícito, (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 203).

33 De forma isolada, César Fiuza (2008, p. 278) assevera que pode haver responsabilidade sem dano, em algumas hipóteses que for entabulada a multa pela mora no contrato. Segundo o autor, essa multa enseja responsabilidade mesmo que não haja qualquer dano em decorrência do descumprimento contratual. Apesar de respeitar tal entendimento, ele não se adéqua à vertente adotada neste trabalho, pela qual, sempre que a multa for devida é porque o dano já foi ocasionado em decorrência do descumprimento contratual. Foi cerceado do credor o direito de dispor da coisa ou serviço ajustado no contrato. Em consonância ao exposto por Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p. 81), acredita-se que essa multa é apenas uma forma de predeterminar o montante das perdas e danos, haja vista que estes (os danos) já estão presentes pela simples indisponibilidade do que era devido ao credor.

34 Em definição a essas duas espécies de bens, César Fiuza (2008, p. 182) aponta que “[...] Corpóreos são bens possuidores de existência física, como uma mesa, um carro, um alfinete ou um navio. Incorpóreos são bens abstratos, que não possuem existência física, como os direitos autorais, a vida, a saúde etc.”

35 Art. 188. Não constituem atos ilícitos: [...] II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 164).

36 Linha telefônica, por exemplo.

37 Por oportuno, deve ser esclarecido que os danos exclusivamente a coisas estão excluídos dessa comparação.

38 Essa classificação do dano corporal entre “interno” e “externo” não é tecnicamente adotada pela doutrina, tendo sido utilizada apenas para facilitar a compreensão da referência feita.

39 Apenas para elucidar, deve ser destacado que a expressão “danos materiais” contida neste trecho faz referência aos “danos a coisas”, não aos danos patrimoniais frequentemente assim identificados.

40 Vislumbrada frequentemente como dano material e dano moral.

41 Fernando Noronha (2010, p. 591) utiliza o termo “dano moral em sentido amplo” para se referir ao instituto.

42 Sobre o cabimento da indenização não há qualquer dúvida. A vigente Constituição Federal, em seu artigo 5º, incisos V e X, dispõe, respectivamente, que “[...] é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem [...]” e “[...] são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação [...]” (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 8). O Código Civil de 2002, por sua vez, preconiza, em seu artigo 186, que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 164) e, na sequência, assevera, em seu artigo 927, que “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo” (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 203).

43 Os danos diretos, indiretos e em ricochete serão estudados separadamente no título 2.2.4.1.

44 Em que pese ser de grande relevância esta temática, o seu exame mais aprofundado foge ao objeto da pesquisa. Para uma maior compreensão sobre o assunto, ler “Programa de responsabilidade civil”, de Sergio Cavalieri Filho (referência completa ao fim da monografia).

45 Termo utilizado para se referir ao “estado em que as coisas estavam antes” (neste caso, antes do dano).

46 Até mesmo este termo é contestável, diante da impossibilidade de reparar (tornar indene) o dano moral causado.

47 Apesar de ser mais ligada ao direito processual, uma questão importante a ser estudada são os critérios utilizados para a fixação do montante da indenização por danos morais. Sobre esse assunto, confira Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, em “Novo curso de direito civil, volume 3: responsabilidade civil” (referência completa ao fim da monografia).

48 Como visto antes, o reflexo desse dano provavelmente será extrapatrimonial e também patrimonial, a depender do estilo de vida levado pelo ofendido (se comerciante, certamente teria inúmeros reflexos financeiros negativos, além do abalo emocional).

49 Faz-se uma média dos seus ganhos no último ano, por exemplo.

50 Art. 403. Ainda que a inexecução resulte do dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 175).

51 Disponível em: http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=106255. Acesso em: 10 jan. 2013.

52 Disponível em: http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=106255. Acesso em: 10 jan. 2013.

53 Súmula 403 do STJ: “Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada da imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais” (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 1560).

54 Disponível em: http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=106255. Acesso em: 10 jan. 2013.

55 Súmula 385 do STJ: “Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento” (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 1560).

56 Essa ressalva é totalmente pertinente, haja vista não poder ser maculado aquele bem que não mais compunha o patrimônio do suposto ofendido.

57 Disponível em: http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=106255. Acesso em: 10 jan. 2013.

58 Disponível em: http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=106255. Acesso em: 10 jan. 2013.

59 Disponível em: http://www.lfg.com.br/material/OAB/OABEXTENSIVO_FinaldeSemana_CIVIL_PROF_And re_Barros_26_09_2009_AULA_5_Renata_Cristina.pdf. Acesso em: 11 jan. 2013.

60 Disponível em: http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavrasEspelhoAcordao.do?&numeroRegistr o=2&totalLinhas=3&paginaNumero=2&linhasPorPagina=1&palavras=dano%20est%E9tico%20%E9%20cab%EDvel%20quando&pesquisarPor=ementa&orderByData=1&referenciaLegislativa=Clique%20na%20lupa%20para%20pesquisar%20as%20refer%EAncias%20cadastradas...&pesquisaPalavras=Pesquisar&. Acesso em: 11 jan. 2013.

61 Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=&livre=dano+est%E9tic o&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=21. Acesso em: 11 jan. 2013.

62 No terceiro capítulo será analisado se o dano decorrente da perda de uma chance consiste em uma quarta espécie de dano autônomo indenizável.

63 Poderá haver também danos corporais anímicos em decorrência da lesão estética, contudo, será apenas indiretamente, pois perderá a sua característica de estéticos propriamente ditos e ganhará o caráter de dano moral.

64 A citada autora discorre sobre o tema em sua tese de mestrado confeccionada sob orientação da professora Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (referências completas ao fim da monografia).

65 Ou seja, para ele o caráter da indenização é estritamente punitivo, visto que a sociedade (que é a real vítima deste dano) não receberá qualquer compensação pela lesão enfrentada.

66 Por óbvio, fazendo exceção ao dano decorrente da perda de uma chance, que será estudado no terceiro capítulo.

67 Conforme destacado anteriormente (2.2.2.3), o STJ, inclusive, editou a súmula 403, dispondo sobre algumas situações em que este dano será presumido. Pelo seu texto, “Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada da imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais” (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 1560).

68 Isso sem levar em consideração a posterior análise do dano decorrente da perda de uma chance.

69 Disponível em: http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/2655130/o-que-se-entende-por-uso-anormal-da-propriedade -aurea-maria-ferraz-de-sousa. Acesso em: 15 jan. 2013.

70 Disponível em: http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/2655130/o-que-se-entende-por-uso-anormal-da-propriedade -aurea-maria-ferraz-de-sousa. Acesso em: 15 jan. 2013.

71 Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/8117/responsabilidade-pre-contratual-pela-ruptura-das-negociac oes-preparatorias-na-formacao-do-contrato-de-compra-e-venda-internacional-de-mercadorias. Acesso em: 15 jan. 2013.

72 Disponível em: http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavrasEspelhoAcordao.do?&numeroRegistr o=8&totalLinhas=21&paginaNumero=8&linhasPorPagina=1&palavras=danos%20indiretos&pesquisarPor=ementa&pesquisaTesauro=true&orderByData=1&referenciaLegislativa=Clique%20na%20lupa%20para%20pesquisar%20as%20refer%EAncias%20cadastradas...&pesquisaPalavras=Pesquisar&. Acesso em: 16 jan. 2013.

73 Disponível em: http://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaPalavrasEspelhoAcordao.do?palavras=dano% 20direto%20e%20indireto&pesquisarPor=ementa&pesquisaTesauro=true&orderByData=1&referenciaLegislativa=Clique%20na%20lupa%20para%20pesquisar%20as%20refer%EAncias%20cadastradas...&pesquisaPalavras=Pesquisar&&linhasPorPagina=10&linhasPorPagina=10&paginaNumero=2. Acesso em: 16 jan. 2013.

74 O dano individual propriamente dito é aquele que tem sido estudado até aqui. Nas palavras de Fernando Noronha (2010, p. 596): “Danos individuais são aqueles que afetam pessoas certas e determinadas, na sua integridade (física, psíquica, moral) ou nas coisas que compõem o seu patrimônio” (grifos do autor).

75 O sentido de “definir a natureza da ação” faz referência às quatro espécies estudadas neste contexto, não às demais categorias de danos.

76 Por essa razão, há quem entenda que a sua natureza também é individual. Este é, inclusive, o posicionamento de Fernando Noronha (2010, p. 597-598).

77 Além desses aspectos teóricos, deve ser observado que, na prática, o modo de se identificar que a demanda ajuizada versa sobre tutelas coletivas é o pedido na ação judicial. Nesse sentido, Thiago Moraes Bertoldi (seguindo posicionamento firmado por Hugo Nigro Mazzilli e Ricardo de Barros Leonel) afirma que: “Além da necessidade de descrever a situação fática e os fundamentos jurídicos da pretensão, um plus deverá ser inserido, de maneira a individualizar a demanda, conferindo-lhe características e gênese próprias e diferenciando-a de outras semelhantes. Nesta seara, é necessário que o autor afirme, de maneira genérica, os fatos, os fundamentos de fato e jurídicos e, de certa forma, mesclados nesta categoria, mas com especificidade, os fundamentos valorativos não jurídicos, ou seja, a importância ou relevância, naquele caso, da tutela almejada, para que seja possível ao julgador optar pela solução desejada pelo autor.[_27_] Esse plus, portanto, trata-se da causa de pedir próxima, que não se refere apenas a fatos secundários do conflito, mas sim a fato essencial, que serve à própria individuação da demanda. Sem a sua dedução na inicial, estar-se-ia diante de semelhante demanda, mas não da mesma, eis que a causa de pedir não seria integralmente idêntica”. Disponível em: http://www.processoscoletivo s.net/revista-eletronica/23-volume-2-numero-1-trimestre-01-01-2011-a-31-03-2011/113-objeto-das-acoes-coletiv as-causa-de-pedir-pedido-e-interesse-de-agir. Acesso em: 02 abr. 2013.

78 Sobre essas formas de danos extrapatrimoniais, vide título 2.2.2.1 desta monografia.

79 No próximo subtítulo será estudado o chamado “dano futuro”.

80 Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.

Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 204).

Súmula 490 do STF: “A pensão correspondente à indenização oriunda de responsabilidade civil deve ser calculada com base no salário mínimo vigente ao tempo da sentença e ajustar-se-á às variações ulteriores” (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 1540).

81 Isso vale para os demais ramos do Direito (Penal, Trabalhista, Administrativo etc.).

82 Silvio Rodrigues manifesta o seu mesmo posicionamento (2003, p. 163).

83 Também chamadas de “ortodoxas” por Rafael Peteffi da Silva (2007).

84 Ao se analisar o estudo das teorias sobre o nexo de causalidade deve ficar clara a distinção existente entre os termos causa e condição. Nesse exemplo do homicídio pode se verificar que é evidente ser o revólver uma CONDIÇÃO para o crime (ele foi essencial para retirar a vida da vítima). Entretanto, a CAUSA da morte foi o disparo realizado pelo agente. A simples existência do revólver é inofensiva, sendo assim, não pode ser tido como causa.

85 Art. 13. O resultado, de que depende a existência de crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 480).

86 De fato mostra-se pertinente a crítica, tendo em vista que o excesso de discricionariedade pode tornar um direito tão distante quanto a falta dele.

87 Repita-se, tudo isso deve ser analisado sob a perspectiva do caso concreto, não apenas por critérios já delimitados objetivamente, como na teoria anterior.

88 Expressão aludindo à conditio sine qua non, utilizada para definir aquelas condições sem as quais o dano não ocorreria.

89 Essa espécie de dano foi trabalhada no título 2.2.4.1 do capítulo anterior.

90 Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp. Acesso em: 15 out. 2012.

91 Transcrição idêntica à original.

92 Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28dano+direto+e+i mediato+e+contratual%29&base=baseAcordaos. Acesso em: 15 out. 2012.

93 Vide AI 618327/MG e AI 599127/RS, ambos de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, com decisão proferida no ano de 2010 (Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1 =%28%28dano+direto+e+imediato+e+contratual%29%29+NAO+S.PRES.&base=baseMonocraticas. Acesso em: 15 out. 2012).

94 Muito embora esta teoria da conditio sine qua non não possa ser utilizada em caráter absoluto para identificar a causa, para o autor ela é fórmula de eliminação do que não será causa (conforme já disposto retro).

95 Também denominada “causalidade concorrente” na lição de Fernando Noronha (2010, p. 682).

96 Como será observado adiante, essa probabilidade seria alcançada através de exame técnico da situação, com o envolvimento dos evoluídos cálculos estatísticos que podem ser manejados atualmente.

97 Destaques para o termo probabilidade de participação, porque a certeza é impossível nesses casos.

98 No posterior estudo da natureza jurídica da perda de uma chance, objeto da pesquisa, esta teoria será de fundamental importância, tendo em vista que é tida por muitos como a ideal concepção a ser adotada, sobretudo no que se refere aos casos em que abrange a denominada “seara médica” (o próprio citado Rafael Peteffi assim entende). No momento oportuno serão tecidas as necessárias ponderações sobre o instituto.

99 Tratado pelos juristas anglo-saxônicos como um melhoramento da conditio sine qua non (lá chamada de condição but for) (SILVA, 2007, p. 32-33).

100 Entende-se por substancial aquilo que é fundamental/essencial.

101 Salvo no que concerne à necessidade da certeza que se faz presente no direito romano-germânico, a utilização isolada do fator substancial se aproxima dos métodos utilizados no sistema pátrio para se alcançar a causa, tendo em vista que na definição da proximate cause o julgador irá analisar o potencial abstrato de determinado fator ser causa do dano e isso será feito frente ao caso concreto, ou seja, corroborando as afirmações de Peteffi (2007, p. 36), o método se equivale à unificação das já estudadas causalidade adequada e causalidade direta e imediata.

102 Que, no português, significa “mais provável que não”.

103 O Restatement (second) of Torts se assemelha às jornadas realizadas no Direito pátrio, consistindo, sinteticamente, em um movimento de reformulação da legislação norte-americana, realizado por meio de tratados, a fim de orientar Advogados, Juízes e demais aplicadores do direito sobre os principais aspectos de determinado tema. Trata-se de uma espécie de compêndio/de uma compilação de jurisprudência. Além do citado Restatement, outros que discorrem sobre temáticas diferentes também já foram confeccionados e publicados pela organização de acadêmicos American Law Institute (Disponível em: http://en.wikipedia.org/wiki /Restatements_of_the_Law. Acesso em: 18 dez. 2012).

104 O texto original é disposto da seguinte forma: “One who undertakes, gratuitously or for consideration, to render services to another which he should recognize as necessary for the protection of the other's person or things, is subject to liability to the other for physical harm resulting from his failure to exercise reasonable care to perform his undertaking, if: his failure to exercise such care increases the risk of such harm, or the harm is suffered because of the other's reliance upon the undertaking” (Disponível em: http://www.justia.com/trials-litigation/docs/caci/400/450.html. Acesso em: 08 nov. 2012).

105 Ressalte-se que a simples negligência não será suficiente para que haja a responsabilidade do agente, sendo imperativo que haja um aumento dos riscos, mesmo que em patamar reduzido.

106 Em regra, as situações acobertadas por esse princípio da confiança já são regulamentadas pelo “fato de terceiro”, como excludente do nexo de causalidade, conforme pode ser observado no próximo título.

107 Nas palavras do texto original: “Note-se, entretanto, que, se o terceiro atingido não for o causador da situação de perigo, poderá exigir indenização do agente que houvera atuado em estado de necessidade, cabendo a este ação regressiva contra o verdadeiro culpado (o pai do bebê que o deixou sozinho, por exemplo) (arts. 929 e 930 do NCC e arts. 1.519 e 1.520 do CC-16). Nesse sentido, o STJ, em acórdão da lavra do Min. Aldir Passarinho Jr. (REsp 124.527, DJ, 5-6-2000): “A empresa cujo preposto, buscando evitar atropelamento, procede à manobra evasiva que culmina no abalroamento de outro veículo, causando danos, responde civilmente por sua reparação, ainda que não se configure na espécie a ilicitude do ato, praticado em estado de necessidade. Direito de regresso assegurado contra o terceiro culpado pelo sinistro, nos termos do art. 1.520 c/c o art. 160, II, do Código Civil”. Esse dever de reparação assenta-se na ideia de equidade e solidariedade social. Analisando essas regras, WILSON MELO DA SILVA pondera: “Mas... e se a situação econômica do autor material do evento for de insolvência, enquanto que, paralelamente a isso, portador de fortuna fosse o terceiro por cuja culpa o dano teve lugar? Pela lei não parece que a vítima tivesse ação direta contra o terceiro. Dos termos da lei claramente se infere que seu direito seria contra o autor material do dano. Este, sim, é que, regressivamente, poderia voltar-se, em tese, contra o terceiro culpado para, dele, haver o que houvesse desembolsado em proveito do dono da coisa lesada”. Nota-se, pois, aí, conclui o culto autor, com inegável razão: “mais outra incongruência de nossa lei”, que se revelaria “na sua defeituosa e contraditória determinação no que diz respeito ao estado de necessidade” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 151, grifos no original).

108 Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. [...]

§ 3.º O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: [...]

III – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 693).

109 Súmula 28. O estabelecimento bancário é responsável pelo pagamento de cheque falso, ressalvadas as hipóteses de culpa exclusiva ou concorrente do correntista (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 1531).

110 Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram.

Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 203).

111 Atualmente fala-se, inclusive, na responsabilidade civil pela perda do tempo. Nas palavras de Pablo Stolze Gagliano: “Em verdade, o que não se pode mais admitir é o covarde véu da indiferença mesquinha a ocultar milhares (ou milhões) de situações de dano, pela usurpação injusta do tempo livre, que se repetem, todos os dias, em nossa sociedade”. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/23925/responsabilidade-civil-pela-perda-do-tempo. Acesso em: 21 mar. 2013.

112 Subespécie do basilar princípio da dignidade da pessoa humana, previsto expressamente no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988 (SCHMIDT, 2011).

113 Destaques para a expressão “em regra”, uma vez que não é possível asseverar que nenhuma situação estará totalmente vinculada à referida conduta.

114 Art. 2º Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. Parágrafo único.  São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros: I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; II - dificultar o exercício da autoridade parental; III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor; IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente; VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 1466).

115 Seja no campo contratual ou aquiliano, subjetivo ou objetivo (SILVA, 2007, p. 11).

116 Por óbvio, esses exemplos não fazem regra nas matérias neles contidas. Cada caso de natureza semelhante deverá ser analisado exclusivamente, destinando-se as menções realizadas acima apenas a situar e auxiliar na compreensão do tema em questão. Um caso médico, por exemplo, poderá resultar em prejuízos da segunda classe citada (perda da vantagem em potencial).

117 Ao dizer dano final, a referência é feita à perda da vantagem que a vítima esperava ter (o êxito com o recurso de apelação, por exemplo) ou ao prejuízo efetivamente experimentado após o não manejo do mecanismo que potencialmente o evitaria (morte do paciente). Não se trata de um dano pela perda da “chance” em si mesma (SILVA, 2007, p. 102). Isso deve ficar bem claro no estudo, uma vez que adiante será observado o conceito de dano autônomo pela perda da chance (não pela perda da vantagem esperada ou pelo dano aparente). Portanto, “dano final” não se associa à perda da chance propriamente dita – trata-se apenas do dano convencional (seja material, moral etc.).

118 Fernando Noronha (2010, p. 707), por exemplo, inclui nesta categoria de perda da chance o caso de um estabelecimento comercial que fora furtado sem que o alarme disparasse, retirando chances de dispersar os meliantes. Mesmo não se tratando de assunto médico, persegue-se estabelecer um liame entre o dano final já ocorrido e as possíveis causas que retiraram chances de evitá-lo.

119 Não pretendem qualquer alteração no conceito de causalidade nesses casos.

120 Ou seja, apenas em circunstâncias extraordinárias o prejuízo sofrido seria relacionado à perda da chance como dano autônomo. Em regra, impera uma flexibilização dos conceitos tradicionais sobre o nexo de causalidade.

121 Destaque para a expressão “aparente”, uma vez que o tema é controverso, conforme será visto adiante.

122 Processo de Thyrén, estudado no tópico 3.1.1 deste trabalho.

123 Mas também presente nas demais teorias tradicionais (3.1).

124 É possível que ele se envolvesse em um acidente no dia seguinte e viesse a óbito. Mas isso é bem mais improvável do que a simples continuação de sua rotina, não podendo o agente causador da paralisação de suas atividades ser beneficiado por essas vagas possibilidades.

125 No supracitado exemplo da paciente que morre em decorrência da inadequada terapêutica, levando-se em consideração a possibilidade de infecção hospitalar e de evolução da própria doença, é impossível afirmar que a conduta do médico razoavelmente retirou a sua vida, ou lhe causou invalidez. A afirmação que se tem é que o médico lhe retirou chances de sobreviver aos ataques da enfermidade.

126 Fernando Noronha (2010, p. 704) ensina que, no caso de perda da chance, “[...] para que se possa dar como existente um nexo de causalidade adequada, é suficiente que se consiga demonstrar que um fato antijurídico interrompeu o processo que estava em curso e que este podia conduzir ao resultado almejado [...]”.

127 Muito embora não seja objeto da pesquisa, cumpre registrar, a título de esclarecimento, que a indenização pela perda de uma chance terá como base de cálculo a possível vantagem perdida – ou prejuízo não evitado –, mas não poderá corresponder a ela, uma vez que se está diante de uma simples chance, que não pode ser tida como verificada. Ou seja, a chance de ganhar R$20.000,00 (vinte mil reais) jamais pode equivaler-se a tal montante. Os julgados têm apresentado frequentemente o critério da proporcionalidade, de modo que a chance de 20% (vinte por cento), nesta mesma situação, corresponderia ao valor de R$4.000,00 (quatro mil reais) em favor da vítima (SILVA, 2007, p. 138). Essa questão, no entanto, traz diversas peculiaridades que sobeja o tema proposto, ficando, assim, limitados os esclarecimentos a esta sintética exposição. Trazendo pertinentes ensinamentos sobre esse assunto, tem-se, dentre outros, Rafael Peteffi da Silva (2007), Sérgio Savi (2009) e Fernando Noronha (2010).

128 Exemplificando e criticando uma situação em que a suposta vítima ajuizou ação com assento em vaga esperança subjetiva, Sergio Savi (2009, p. 64-65) mencionou um caso em que uma vendedora de produtos de beleza, após tornar-se parcialmente incapaz, em função de atropelamento, perseguiu indenização pela perda da chance de se tornar pedagoga e receber os respectivos proventos. O autor afirmou que tal caso evidenciava nítido disparate com o objetivo da teoria em questão, uma vez que nada indicava que a vítima seguiria esta carreira e, assim, aumentaria a sua renda. No caso, a litigante sequer cursava graduação nesta área ou se preparava para tanto (ou seja, tratava-se de uma mera esperança subjetiva que possuía). Inobstante tais circunstâncias, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, para surpresa dos teóricos desta área, julgou procedente o pedido, que se mostrava extremamente vago e incerto.

129 Disponível: http://www.jf.jus.br/cjf/cej-publ/Compilacao%20enunciados%20aprovados1.pdf. Acesso em: 17 mai. 2012.

130 O que não se pode esquecer é que essa convicção é motivada.

131 Conforme já foi estudado no item 2.2.5, os danos devem conter, em regra, três características: violar um interesse jurídico, patrimonial ou moral em sentido amplo (seja à pessoa física ou jurídica); serem certos ou efetivos; e subsistentes (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 86). Fernando Noronha (2010, p. 609-610) ainda elenca a previsibilidade como quarto requisito.

132 Disso se extrai que o referido parágrafo não se aplica às hipóteses de responsabilidade objetiva, que prescindem de culpa.

133 O perigo está em se pensar que a álea envolvida nos casos de perda da chance tornaria desproporcional a indenização, quando a questão não é essa. Esse fator dificulta o alcance do nexo de causalidade, mas, uma vez que este é encontrado, não há que se falar em desproporcionalidade (pelo menos, não por essa razão). Haverá estrita proporção entre o dano injusto e sua causa – até porque a responsabilidade do agente se limita ao dano ocasionado. A questão da culpa desproporcional, portanto, incidirá quando a culpa propriamente dita (sem a desvirtuação que às vezes se faz) for ínfima perante o dano – serão as hipóteses de culpa levíssima causando danos catastróficos. Nessas situações, a regra a ser seguida é a mesma para esta ou qualquer outra modalidade de responsabilidade civil – salvo as objetivas.

134 Destaques para a expressão “futuro”, haja vista esta espécie excluir os prejuízos já ocorridos (casos médicos).

135 Acerca dos prejuízos futuros, é necessário que não sejam eles confundidos com os danos pela criação de risco, que serão estudados no tópico 4.3. Conforme será visto, os prejuízos futuros são certos, enquanto os riscos podem nunca se efetivar.

136 Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?newsession=yes&tipo_visualizacao=RESUMO&b

=ACOR&livre=perda%20da%20chance%20perguntas%20e%20respostas. Acesso em: 21 fev. 2013.

137 Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=2106153&s Reg=200501724109&sData=20060313&sTipo=51&formato=PDF. Acesso em: 21 fev. 2013.

138 A recorrente já havia ganhado o montante de R$500.000,00 (quinhentos mil reais), pois parou de jogar, diante da referida pergunta. Considerando que essa assertiva final valia mais R$500.000,00 (quinhentos mil reais) e que havia quatro alternativas de resposta, o montante fixado baseou-se na proporcionalidade (25% de chances de acerto).

139 E, de fato, mais fiel aos conceitos em questão (estudados no item 2.2.5.1 deste trabalho).

140 Ao mencionar “causalidade alternativa”, a menção é feita aos casos da perda da chance de evitar um prejuízo efetivamente ocorrido. Nos tópicos subsequentes o sentido dessa expressão neste contexto será estudado.

141 Que também é conhecida, dentre outras denominações, por “perda de uma chance de cura” ou “perda de uma chance na seara médica”.

142 Sobre causalidade tradicional, vide tópico 3.1 deste trabalho.

143 Imprescindível o uso da expressão “aparentemente”, uma vez que esse ponto é o centro dos mais conturbados debates sobre a natureza jurídica do instituto em questão. Sendo assim, qualquer juízo definitivo esposado neste momento se mostra leviano, frente à necessidade do aprofundamento em matérias de igual importância para um posicionamento mais apropriado. Os tópicos que se seguem serão marcados pelo incisivo estudo dessa questão.

144 Nesses casos, o único dano passível de incidência seria de natureza exclusivamente moral (em sentido estrito), uma vez que o paciente se viu diante de uma situação para a qual não se preparou psicologicamente. A falta do dever geral de informação, por si só, já se mostra antijurídica, devendo ser responsabilizado o sujeito negligente que causa danos em função disso (NORONHA, p. 715-718).

145 Dos conceitos expostos, extrai-se que as relações e contratos comerciais são passíveis de diversas ocorrências desta espécie.

146 Esses riscos não podem ser confundidos com aqueles abordados no tratamento da responsabilidade objetiva (2.1.2). Lá eles compõem a conduta humana, enquanto aqui é o dano que está em foco, conforme será visto.

147 E, portanto, já há algum dano consumado: final ou/e pela perda das chances propriamente dita.

148 Esta será conditio sine qua non daquele.

149 Essas causas são as predisposições da vítima, que serão vistas adiante.

150 Destaques para a expressão “sentido vulgar do termo”.

151 Pelo menos para os fins da teoria da perda da chance, essa implementação, por si só, não consiste em um dano autônomo. Portanto, ainda que este assim o possa ser considerado sob outro entendimento, persiste a divergência suscitada pelo referido autor.

152 Essa questão deve ser ponderada, a fim de que ninguém tente se aproveitar de um risco anterior para obter ganho indevido (má-fé). O dono das obras de arte, por exemplo, não seria indenizado se retirasse toda a sua segurança, com o intuito de auferir algum benefício pela concretização do risco. A excludente da relação de causalidade prevista na culpa exclusiva da vítima (3.4.5) seria chamada a atuar.

153 O segundo capítulo deste trabalho versa sobre as situações em que problemas de causalidade podem comprometer a reparação da suposta vítima.

154 Perda da chance versus risco criado.

155 Os danos pela criação de riscos possuem diversas peculiaridades a serem observadas, principalmente na sua forma de reparação. Entretanto, considerando não ser este o foco da pesquisa, ficam registrados apenas esses sintéticos esclarecimentos que afetam diretamente a perda de uma chance. Para um estudo mais específico sobre tema, tem-se a obra de Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 111-133) – referências completas ao fim do trabalho.

156 René Savatier é um dos que se destacam por negar veemente a aplicabilidade da teoria em questão nos casos conhecidos pela prévia ocorrência do dano final. No seu entendimento, o dano final deverá ser indenizado na sua totalidade ou não ser contemplado com qualquer quantia (padrão tudo ou nada), uma vez que não se aplica a eles a teoria da perda de uma chance (SILVA, 207, p. 50).

157 Isso não significa que a perda da chance não será reparada. Faz menção apenas ao fato de que a violação da chance propriamente dita não seria um dano autônomo, mas uma circunstância que ensejaria a configuração dos tipos tradicionais de danos (como será mais bem visto adiante).

158 Tudo isso levando em consideração o fato de que as concepções tradicionais sobre o nexo de causalidade (3.1) não admitem as incertezas presentes nas situações que serão trabalhadas adiante.

159 Ressalte-se, entretanto, que, em regra, o instituto continua sendo chamado de perda da chance.

160 Estimativa esta alcançada por pareceres técnicos, emitidos por profissionais da respectiva área, que poderá ocorrer, inclusive, em liquidação de sentença por arbitramento.

161 Conforme será observado adiante (4.5), a doença seria uma predisposição da vítima.

162 Essa bipartição entre os casos clássicos e “médicos” segue a linha da doutrina francesa majoritária: “Os autores que respaldam essa posição doutrinária fundam suas críticas na impossibilidade de se perquirirem as chances perdidas após o término do processo aleatório. Assim, a análise das chances perdidas não será mais uma suposição em direção ao futuro e a um evento aleatório cujo resultado nunca se saberá, mas uma análise de fatos já ocorridos, pois é absolutamente certo que o paciente restou inválido ou morto. [...] cabe pesquisar se as chances de cura perdidas estão localizadas antes ou depois da consolidação do acidente. No primeiro caso, se estaria diante de uma causalidade clássica, do contrário, se estaria utilizando uma causalidade parcial para determinar o dano” (SILVA, 2007, p. 82-83).

163 John Makdisi afirma que isso seria indenizar a “negligência no ar” (SILVA, 2007, p. 52).

164 Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 63) ilustra esse entendimento com a seguinte situação: “Em Donnini v. Ouano, a Suprema Corte de Kansas respaldou esse entendimento quando rejeitou a tentativa de um médico, que respondia a uma ação de reparação de danos, de utilizar a teoria da perda de uma chance como matéria de defesa, no intuito de não indenizar a integralidade do dano final. Na espécie, ficou comprovado que o diagnóstico equivocado efetuado pelo médico havia retirado cinqüenta e cinco por cento (55%) das chances de vida do paciente. O tribunal afirmou que a conduta médica havia sido a causa “more likely than not” da morte do paciente e reconheceu que a teoria da perda de uma chance deve ser aplicada apenas nos casos em que a conduta do réu retirou menos de cinquenta por cento (50%) das chances de a vítima auferir a vantagem esperada”.

165 Como se passa observar, a partir do estudo da próxima teoria, nada obsta que esse entendimento da doutrina norte-americana seja conhecido também como “causalidade presumida mitigada”, uma vez que ela reúne tanto elementos desta, como da causalidade parcial – há extrema simetria de atuação das duas vertentes neste caso.

166 “Nos casos de perda de uma chance clássica, que são considerados como uma especificidade do conceito de dano, Geneviève Viney advoga pela reparação exclusiva das chances perdidas” (SILVA, 2007, p. 70).

167 Pode se extrair desse cenário que há uma confusão entre chances perdidas e riscos criados. Aparentemente essas presunções mais se norteiam pelos critérios deste último instituto, uma vez que consta, inclusive, de seu dispositivo base essa premissa. Assim é o texto do referido parágrafo 323: “Aquele que se incumbe de prestar, de forma gratuita ou onerosa, serviços que são reconhecidos como necessários para garantir a segurança pessoal e patrimonial de outrem deverá ser responsabilizado pelos danos físicos causados à vítima, se a sua negligência tiver aumentado os riscos para a consecução do dano” (SILVA, 2007, p. 68).

168 Como se percebe, apesar do uso das presunções, o autor rejeita a aplicação do padrão tudo ou nada, de modo que, mesmo presumida a causalidade, a indenização se vinculará ao percentual de probabilidade de causação do dano final.

169 Segundo o mesmo autor: “Adriano De Cupis foi, em nosso sentir, o responsável pelo início da correta compreensão da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance no Direito Italiano. Este autor conseguiu visualizar um dano independente do resultado final, enquadrando a chance perdida no conceito de dano emergente e não de lucro cessante, como vinha sendo feito pelos autores que o antecederam” (SAVI, 2009, p. 10).

170 Como já foi mencionado, Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 102), acompanhando o posicionamento da doutrina francesa majoritária, é taxativo em diferenciar os casos clássicos da perda de uma chance dos casos conhecidos por “médicos”. Para ele, estes últimos irão decorrer de uma causalidade parcial. Contrariando o seu posicionamento (e acompanhando a vertente proposta por Joseph King Jr.), “Georges Durry e Yves Chartier elaboraram seus comentários em forma de resposta à corrente majoritária, afirmando que todos os casos de perda de uma chance podem e devem ser resolvidos pela noção de dano, sendo desnecessária qualquer modificação do padrão tradicional de causalidade. Assim, os referidos autores acreditam que a responsabilidade pela perda de uma chance ocorrerá sempre que for constatado o ‘desaparecimento da probabilidade de um evento favorável” (SILVA, 2007, p. 80-81).

171 No mesmo contexto, o autor ainda assevera que “[...] a chance pode ser isolada como uma propriedade anterior da vítima, que está incluída no seu patrimônio e se encontra totalmente independente do dano final” (SILVA, 2007, p. 84).

172 Em várias situações será impossível afirmar que o dano final mantinha qualquer vínculo com a conduta humana em apreço. O simples fato de existir causalidade alternativa impede que a conditio sine qua non seja alcançada: no caso do advogado que perdeu o prazo para interpor o recurso, essa negligência poderia ter sido causa da perda da demanda (uma vez que o recurso poderia ter sucesso), mas, da mesma forma, não se pode afirmar que o êxito viria com a sua devida interposição. Assim, em que pese a capacidade lesiva do ato, a “condição sem a qual” seria inalcançável, fazendo com que qualquer tentativa de se indenizar o dano final (improcedência da demanda, por exemplo) restasse prejudicada.

173 Nesse sentido, e rechaçando a reparação de danos sem a presença da conditio sine qua non, destaque-se novamente o disposto no artigo 403 do vigente Código Civil: “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual” (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 175).

174 Segundo ensina Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 137): “[...] a responsabilidade pela perda de uma chance somente é utilizada porque a vítima está impossibilitada de provar o nexo causal entre a conduta do agente e a perda definitiva da vantagem esperada. Por exemplo, o empresário não logra provar que o seu negócio não se realizou pela falha de seu contador, assim como o cliente não consegue provar o nexo causal entre a ação ou a omissão do seu advogado e a improcedência da demanda. Resta para a vítima, portanto, a reparação pela perda de uma chance, já que poderá provar o nexo causal entre a conduta do agente e as chances perdidas”.

175 Caso semelhante ocorreu em outro julgado, também proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, em que determinada consumidora foi contemplada com um bilhete premiado, recebendo, além do prêmio de R$100,00 (cem reais), o direito de concorrer a 30 (trinta) casas, no valor de R$40.000,00 (quarenta mil reais) cada uma. Não obstante a grande sorte, foi ela surpreendida com a sua não inclusão no sorteio, uma vez que esse já havia acontecido, sem a sua devida ciência. Frente ao caso, a Ministra Maria Isabel Gallotti manifestou o seguinte entendimento no seu voto: “Penso, portanto, que o panorama de fato descrito no acórdão recorrido conduz à conclusão de que houve dano material, caracterizado pela perda da chance de correr, entre 900 participantes, a um dos 30 prêmios em disputa. A reparação deste dano material corresponde ao pagamento do valor de 1/30 do prêmio, ou seja 1/30 de R$ 40.000,00, corrigidos desde a época do segundo sorteio. [...] No caso presente, o dano consistiu não na perda do direito à casa, mas apenas na perda de trinta chances em novecentas de obter o direito ao prêmio (casa no valor de R$ 40.000,00)” (STJ, Relatora: Min. Maria Isabel Gallotti, Data do julgamento: 10/04/2012, Número do Processo: 2009/0104129-6 e EDcl no AgRg no Ag 1196957, grifos no original). Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=1880 1659&sReg=200901041296&sData=20120418&sTipo=51&formato=PDF. Acesso em: 18 mar. 2013.

176 Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=20064081& sReg=201100789394&sData=20130220&sTipo=51&formato=PDF. Acesso em: 16 mar. 2013.

177 Apesar de ser outro o contexto e o propósito de tal julgamento, o que ocorreu no mundo fático realmente foi a aplicação da causalidade parcial – a suposta mãe teria direito de ficar com a criança, mas, frente às incertezas de que suas alegações eram verdadeiras, apenas 50% (cinquenta por cento) dela ser-lhe-ia concedido.

178 Nesse caso a menção é específica à utilização da causalidade parcial.

179 É o exemplo dos citados Rafael Peteffi da Silva, Fernando Noronha, Geneviève Viney etc.

180 Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=20064081& sReg=201100789394&sData=20130220&sTipo=51&formato=PDF. Acesso em: 16 mar. 2013.

181 O mesmo autor ainda menciona que Joseph King Jr. também entende dessa forma. Para este, “[...] em ambos os casos, a perda definitiva da vantagem esperada existiu e ninguém é capaz de responder se a vítima poderia escapar do dano se a conduta do réu não fosse observada, ou seja, se a conduta do réu deixasse o processo aleatório seguir o seu curso normal” (SILVA, 2007, p. 95).

182 Conforme visto no tópico anterior, essa indagação colocaria em xeque a autonomia das chances: sendo a resposta pela reparação, haveria enriquecimento indevido da vítima (indenização da “negligência no ar”); optando-se por aguardar eventual dano final, o caráter autônomo das chances seria maculado.

183 Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=20064081& sReg=201100789394&sData=20130220&sTipo=51&formato=PDF. Acesso em: 16 mar. 2013.

184 Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=20064081& sReg=201100789394&sData=20130220&sTipo=51&formato=PDF. Acesso em: 16 mar. 2013.

185 Sérgio Savi (2009, p. 65-66) – muito embora contrarie as diretrizes majoritárias, ao apresentar critérios estáticos para a identificação das chances sérias e reais –, é expresso em afirmar que o dano em questão, de fato, é emergente: “Apenas naqueles casos em que a chance for considerada séria e real, ou seja, em que for possível fazer prova de uma probabilidade de no mínimo 50% (cinquenta por cento) de obtenção do resultado esperado (o êxito no recurso, por exemplo), é que se poderá falar em reparação da perda da chance como dano material emergente”.

186 Contrariando essa concepção, Silvio de Salvo Venosa (2012, p. 304) entende que a “[...] ‘perda da chance’ pode ser considerada uma terceira modalidade nesse patamar, a meio caminho entre o dano emergente e o lucro cessante”. O autor, no entanto, não apresenta maiores fundamentos para esse entendimento, motivo pelo qual não se realiza um estudo mais incisivo com esse escopo. Considerando a forma defendida pelos demais juristas, mesmo que indiretamente, a perda de uma chance mais se adéqua à modalidade de dano emergente – o simples fato de ser ela um bem jurídico passível de violação reforça essa assertiva.

187 Nos termos da citada decisão: “A reparação deste dano material corresponde ao pagamento do valor de 1/30 do prêmio, ou seja 1/30 de R$ 40.000,00, corrigidos desde a época do segundo sorteio”. (STJ, Relatora: Min. Maria Isabel Gallotti, Data do julgamento: 10/04/2012, Número do Processo: 2009/0104129-6, grifos no original). Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=1880 1659&sReg=200901041296&sData=20120418&sTipo=51&formato=PDF. Acesso em: 18 mar. 2013.

188 Disponível: http://www.jf.jus.br/cjf/cej-publ/Compilacao%20enunciados%20aprovados1.pdf. Acesso em: 17 mai. 2012.

189 Sérgio Savi (2009, p. 57-58) aponta para um exemplo em que os dois danos foram verificados no mesmo episódio: “[...] os autores, artistas no melhor momento de suas carreiras, quando integravam uma banda que acabara de receber o “Prêmio Sharp de Melhor Grupo” e de gravar uma música que passou a fazer parte da trilha sonora de uma novela, receberam uma proposta da gravadora ré, lhes oferecendo um contrato mais favorável do que aquele que mantinham com uma outra gravadora, no qual, dentre outras coisas, constava a promessa de gravação de três Lps. A empresa ré, além de descumprir os compromissos assumidos contratualmente, ao incluir no contrato uma cláusula de exclusividade quem nas palavras do prolator desta sentença “amarra o artista de tal modo, que só não necessita de autorização para cantar em som diminuto e no banheiro de sua casa, pois de resto, todo o instante e qualquer passo, até a passeio, precisa dar ciência a R.”, arruinou a carreira artística dos autores. Após examinar cuidadosamente os importantes elementos de prova no curso da instrução, o juiz reconheceu que a atitude da gravadora ré frustrou a possibilidade de sucesso e de ganho dos autores, configurando a perda de uma chance. Após fixar a indenização pelos danos materiais decorrentes da perda de uma chance com base no princípio constitucional da razoabilidade, o Juiz afirmou que os autores “suportaram também dano de natureza moral, pela dor, pelo sofrimento, humilhação, sentimento de perda de uma carreira, o que não se confunde com o dano decorrente de uma perda que tem natureza patrimonial”.

190 Neste caso, a Ministra Relatora Nancy Andrighi, assim se manifestou: “Assiste razão à recorrente nesse ponto. Conforme pondera o i. Des. Miguel Kfouri Neto (que, vale frisar, é autor de obra de extrema envergadura acerca do tema - "Responsabilidade Civil do Médico", Ed. Revista dos Tribunais, 1994, 7ª edição: 2010), em acórdão citado no recurso especial (TJ/PR, 8ª Câmara Cível, EIC 0275929-5/01), "em se tratando da perda de uma chance, a indenização jamais poderia corresponder ao prejuízo final, mas tão-somente à chance perdida". Assim, ainda que se leve em consideração, para além da reparação devida à vítima, também o indispensável efeito dissuasório da condenação por dano moral, o montante fixado tem de observar a redução proporcional inerente a essa modalidade de responsabilidade civil. O acórdão recorrido não reconheceu ao médico responsabilidade integral pela morte da paciente. Não pode, assim, fixar reparação integral, merecendo reparo nesta sede. É, portanto, necessário dar solução à causa aplicando o direito à espécie, conforme determina o art. 257 do RI/STJ. Na hipótese dos autos, há diversos momentos do tratamento em que podem ser identificadas falhas do médico responsável. No momento inicial, quando do diagnóstico do câncer, a primeira falha está na realização de uma quadrantectomia, em lugar de uma mastectomia radical. Se esse equívoco não tivesse sido cometido, talvez o tumor tivesse sido, de pronto, extirpado. A segunda falha, segundo se apurou em perícia, está no protocolo de sessões de quimioterapia. Se, além da mastectomia radical, esse protocolo tivesse sido seguido, é possível afirmar que as chances de cura fossem bem maiores. A terceira falha está na falta de orientação à paciente quanto aos riscos de gravidez. E a quarta falha está no protocolo seguido após a recidiva da doença. Nesse sentido, o Perito Judicial apurou que "não se pode afirmar que a existência de metástases foi pela conduta utilizada pelo recorrido, pois em qualquer tratamento, mesmo nos mais preconizados, estas podem ocorrer, embora numa incidência menor" (fl. 272, e-STJ). Todavia, também não se pode negar que a perícia estabeleceu,categoricamente, que se o procedimento correto tivesse sido adotado, haveria possibilidade de cura para a paciente (fl. 274, ' e-STJ) e que "na doença neoplásica a escolha de tratamento ideal se baseia em dados estatísticos, mas, mesmo com o tratamento ideal, existem casos com evolução desfavorável. A diferença é que o Requerido optou por oferecer um tratamento, em que a chance de êxito ficou diminuída". Ponderando-se todas as circunstâncias da hipótese sob julgamento, é adequado dizer que as chances perdidas, por força da atuação do médico, têm conteúdo econômico equivalente a 80% do valor fixado pelo acórdão recorrido, a título de indenização final. Relembro, contudo, que essa redução se reporta aos termos da sentença, na qual a indenização foi fixada, de modo que a correção monetária deve incidir desde a data de sua publicação. Forte nessas razões, conheço do recurso especial e lhe dou parcial provimento, exclusivamente para reduzir em 20% a indenização fixada pela sentença, mantida pelo TJ/PR, com correção monetária a partir da publicação da sentença”. (STJ, Relatora: Min. Nancy Andrighi, Data do julgamento: 04/12/2012, Número do Processo: 2011/0078939-4, grifos no original) Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=20 064081&sReg=201100789394&sData=20130220&sTipo=51&formato=PDF. Acesso em: 16 mar. 2013. Percebe-se, desta situação, que o referido Tribunal considerou que a reparação integral do dano final não era possível, tendo em vista que havia 20% (vinte por cento) de chances do mesmo resultado ser observado pela atuação das predisposições. Assim, a responsabilidade consistiu na reparação das chances autônomas, valoradas em 80% (oitenta por cento) do montante correspondente ao dano final.


Autor

  • Flávio Cabral Fialho Pereira

    Advogado graduado em Direito pela Faculdade Pitágoras (Unidade FADOM); Pós-Graduado em Direito Processual Civil (sob a vigência do Novo Código – Lei nº. 13.105/2015) pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus; Capacitando em Gestão e Direito da Saúde pela Escola Nacional da Advocacia (Conselho Federal da OAB/ENA – SATeducacional); e Cursou Modelo de Negócios junto ao SEBRAE. Em sua formação acadêmica, foi o autor das obras: “Análise da natureza jurídica da responsabilidade civil pela perda de uma chance”; e “Da (im)propriedade da manutenção do efeito suspensivo ope legis no recurso de apelação, à luz das inovações trazidas pelo vigente Código de Processo Civil (Lei nº. 13.105, de 16 de março 2015)”. Atuou junto ao Tribunal Superior Eleitoral e ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (inclusive como conciliador), entre os anos de 2010 a 2013. Foi o representante da 187ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil no Conselho Municipal de Desenvolvimento Ambiental (CODEMA) de Santo Antônio do Monte (entre janeiro/2016 a 23/08/2018), órgão do qual também foi eleito para compor a diretoria, como secretário; e Conselheiro Fiscal do Centro de Memória “Dr. José de Magalhães Pinto” (entre 22/06/2017 a 23/08/2018). Atualmente, além de atuar como advogado, mantendo escritório profissional nas cidades de Santo Antônio do Monte/MG e Divinópolis/MG, exerce o cargo de Assessor Jurídico da Santa Casa de Misericórdia de Santo Antônio do Monte, bem como assessora outras instituições da área de saúde e do terceiro setor, sendo, ainda, membro titular do Conselho Municipal de Saúde (CMS) de Santo Antônio do Monte e Associado Fundador da Associação dos Advogados do Centro Oeste de Minas Gerais, sediada em Divinópolis.

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PEREIRA, Flávio Cabral Fialho. Análise da natureza jurídica da responsabilidade civil pela perda de uma chance. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3969, 14 maio 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28378. Acesso em: 28 mar. 2024.