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Embargos infringentes e questões de ordem pública

Embargos infringentes e questões de ordem pública

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Sumário: 1. Introdução. 2. Embargos infringentes - A evolução do instituto. 2.1. Procedimento dos embargos infringentes. 3. Questões de ordem pública. 4. Questões de ordem pública em sede de embargos infringentes.


1. Introdução

O tema ora abordado refere-se à questão polêmica que diz respeito à possibilidade de apreciação de questões de ordem pública em sede de embargos infringentes, ainda que não tenham sido referidas no voto divergente.

Para tanto, inicialmente, será analisada esta espécie de recurso e as chamadas questões de ordem pública e, assim, devidamente expostas as dificuldades trazidas pelas normas regulamentadoras dos dois institutos, serão apresentadas as posições doutrinárias e jurisprudenciais e nossas conclusões acerca desta interessante matéria.


2. Embargos infringentes

[1] — a evolução do instituto

Quando se inicia o estudo deste recurso [2], observa-se que, atualmente, os embargos infringentes só existem no ordenamento jurídico brasileiro, não havendo na legislação alienígena nenhum outro que a ele se assemelhe.

Suas origens remontam ao direito português. Moacyr Lobo da Costa, em detalhado estudo a respeito dos recursos existentes na legislação processual civil, concluiu que "... embora sem a denominação de embargos, já no reinado de D. Afonso III (1248-1279) era conhecido um meio de impugnação obstativo que guarda íntima semelhança com os embargos tal como vieram a ser acolhidos posteriormente nas Ordenações Afonsinas" [3].

No direito das Ordenações, os embargos infringentes eram verdadeiros pedidos de reconsideração, dada a dificuldade de interposição dos apelos verificada à época, com a extinção dos "Tribunais Itinerantes", conforme anota Gisele Heloísa Cunha [4]

A mesma Jurista noticia que os embargos infringentes chegaram a ser abolidos do sistema recursal em 1832, por renderem ensejo a "uma morosidade processual que não se coadunava com o dinamismo que seria desejável tivesse o processo" [5]..

De volta com o Regulamento 737 de 1850, os embargos infringentes permaneceram em nossa legislação processual civil até os dias atuais.

No Código de Processo Civil de 1939, o recurso em tela era previsto no art. 833, da seguinte forma: "Além dos casos em que os permitem os arts. 783, parágrafo 2º, e 839, admitir-se-ão embargos de nulidade e infringentes do julgado quando não for unânime a decisão proferida em grau de apelação, em ação rescisória e em mandado de segurança. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos a matéria objeto de divergência".

Apesar de parte da doutrina entender serem duas as espécies de embargos previstas no aludido dispositivo legal (de nulidade e infringentes), prevaleceu o entendimento de que os embargos eram só infringentes e a qualificação de nulidade tinha o sentido de autorizar a interposição do recurso no caso de nulidade dos acórdãos impugnados [6].

Ao lado disso, deflui do aludido dispositivo legal que os embargos infringentes eram admitidos somente contra os Arestos proferidos no julgamento de apelações — recurso que, à época, somente era cabível para impugnar sentenças que rendessem ensejo à extinção do feito com julgamento de mérito (o agravo de petição, de outra banda, era cabível para impugnar sentença que não tivesse apreciado o mérito da demanda).

Parcela expressiva da doutrina critica a manutenção do recurso em tela no sistema recursal brasileiro [7] (o direito português aboliu os embargos infringentes em 1939). O principal fundamento utilizado por aqueles que perfilham desse entendimento é que os embargos infringentes não seriam compatíveis com o vetor da celeridade, o qual deve orientar a prestação jurisdicional.

Afinado com esse entendimento, o Anteprojeto do atual Código de Processo Civil, apresentado pelo Prof. Buzaid restringia sobremaneira o cabimento dos embargos infringentes [8] [9]. Constava no item 35 da Exposição de Motivos, ulteriormente suprimido: "A existência de um voto vencido não basta por si só para justificar a criação do recurso; por que pela mesma razão se deve admitir um segundo recurso de embargos sempre que no novo julgamento subsistir um voto vencido; por esse modo poderia arrastar-se a verificação do acerto da sentença por largo tempo, vindo o ideal de justiça a ser sacrificado pelo desejo de aperfeiçoar a decisão".

A despeito da restrição que se lhe impunham os Juristas da época, exteriorizada no original da Exposição de Motivos do CPC/73, conforme exposto, os embargos infringentes reapareceram no projeto definitivo, guardando os mesmos contornos da codificação de 1939.

Assim, os embargos infringentes são um recurso que tem sido mantido e sobrevivido não obstante as inúmeras críticas que lhe são atribuídas [10].

Argumento favorável aos embargos infringentes é o de que o seu manejo colaboraria na busca do ideal de justiça, supostamente retratado nas decisões unânimes proferidas pelos Órgãos jurisdicionais colegiados.

Em que pesem os sólidos elementos colacionados por aqueles que entendem necessária a supressão dos embargos infringentes do sistema processual em vigor, parece-nos que esse recurso auxilia na relevante função de harmonizar as decisões judiciais.

Não raro, é possível verificar que um mesmo tribunal atribui à causas semelhantes, senão idênticas, soluções flagrantemente diversas. Ainda que "legitimada" pelo sistema processual em vigor, é certo que essa situação tangencia violação ao princípio da igualdade e a possibilidade de interposição de embargos infringentes auxilia na busca do ideal de justiça.

Também não se pode deixar de considerar que a demora no término dos processos verificada atualmente é sobremaneira contrária a qualquer segurança jurídica visada por meio dos embargos infringentes.

Parece-nos, inclusive, ser possível conciliar a manutenção dos embargos infringentes, pela sua destacada importância no sistema recursal, com a efetividade da prestação jurisdicional hodiernamente perseguida. Uma solução possível e inúmeras vezes preferível à sua exclusão do sistema recursal, seria eliminar o chamado efeito suspensivo que, em regra, é peculiar aos embargos infringentes, possibilitando que a decisão proferida em sede de apelação seja eficaz e, assim, possa ser objeto de execução provisória, se o caso, pela parte vencedora.

Feitas essas considerações, passa-se à analise da atual feição dos embargos infringentes.

II– OS EMBARGOS INFRINGENTES NO SISTEMA PROCESSUAL CIVIL EM VIGOR

Os embargos infringentes tem por escopo provocar a reforma de decisões não unânimes proferidas no julgamento de ação rescisória ou apelação [11].

Dispõe o artigo 530 do Código de Processo Civil vigente: "Cabem embargos infringentes quando não for unânime o julgado proferido em apelação e em ação rescisória. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência".

Nas exatas palavras de FREDERICO MARQUES, dois são "os pressupostos básicos dos embargos infringentes: primeiro, a sucumbência, e, em segundo lugar, o julgamento não unânime em ação rescisória ou em apelação" [12]

Têm legitimidade para recorrer não só autor ou réu, como também o terceiro prejudicado e o Ministério Público por força do artigo 499 do CPC.

Os embargos infringentes são julgados pelo próprio tribunal que proferiu o acórdão recorrido. Somente as decisões colegiadas, portanto, são susceptíveis de impugnação através dos embargos infringentes. Apesar da homonímia, o art. 34, da Lei das Execuções Fiscais [13], que dispõe pelo cabimento de embargos infringentes para impugnar sentença, não guarda qualquer relação com o instituto ora comentado.

Ressalte-se que somente poderão ser abordadas nos embargos infringentes as matérias sobre as quais houve divergência dos julgadores do recurso de apelação ou na ação rescisória. Ou seja, apenas a parte controvertida pode ser objeto dos embargos infringentes.

Sendo omisso o acórdão no que tange ao ponto divergente faz-se necessária a oposição de embargos declaratórios [14].

Realmente, como o objetivo dos embargos infringentes é fazer prevalecer o voto vencido, este deve ser necessariamente declarado. A necessidade da declaração do voto vencido consiste em uma maneira de delimitar o âmbito de devolutividade do recurso. Nessa esteira, o RITJSP, artigo 485, parágrafo único, determina ser obrigatória a declaração do voto vencido, nas hipóteses que comportarem embargos infringentes, justamente para delimitar o âmbito da devolutividade.

Nelson Nery Jr. perfilha o entendimento de que, remanescendo a omissão no acórdão a despeito da oposição de embargos declaratórios a matéria que será objeto dos embargos infringentes será aquela devolvida para o Tribunal em razão da apelação.

Ou seja, persistindo a omissão, mesmo após a oposição dos embargos declaratórios, e não sendo possível identificar-se a divergência do acórdão, presume-se total.

Prevalece, em qualquer hipótese de interposição de embargos infringentes, a proibição de reformatio in pejus. No julgamento dos embargos não se pode piorar a situação do embargante subtraindo-se algo que o órgão a quo lhe concedeu por unanimidade, ou por simples maioria se a outra parte não embargou.

O princípio do non reformatio in pejus está presente no âmbito dos embargos infringentes, sendo que sua aplicabilidade se limita ao âmbito de devolutividade da matéria a ser discutida nos embargos, baseada na extensão do voto vencido

Tanto divergência quanto ao mérito, como quanto às preliminares pode ensejar a interposição deste recurso, sendo, neste ponto, o mesmo cabível se o processo foi extinto com ou sem julgamento do mérito, diferentemente, portanto, do que ocorria na sistemática do CPC/39.

O que se deve observar é que só autoriza a interposição de embargos infringentes a divergência na parte dispositiva da decisão, não a divergência na motivação ou fundamentação do voto. Por esta razão no artigo 530 supra transcrito lê-se a expressão "julgado", , aludindo ao próprio dispositivo, e não a expressão "acórdão" como poderia parecer mais apropriado à primeira vista [15].

Já a fundamentação da decisão dos embargos infringentes não está adstrita à fundamentação dos votos do acórdão embargado. Para fazer prevalecer o entendimento sufragado no voto divergente, a parte sucumbente, ao opor os embargos infringentes, poderá incorporar às suas razões recursais argumentos inéditos em relação àquele pronunciamento judicial.

Com relação aos pedidos lastreados em mais de uma causa de pedir, veja-se a seguinte hipótese levantada por Barbosa Moreira: "o autor baseou a ação rescisória na tríplice argüição de ofensa à coisa julgada, violação de literal disposição de lei federal e de falsidade de prova, o pedido foi declarado improcedente quanto aos três fundamentos, mas em relação a cada qual houve um voto minoritário que o teria acolhido. O acórdão é embargável porque para cada causa de pedir correspondia, na verdade, a uma ação rescisória e nenhuma delas foi julgada por unanimidade. Se houvesse vencido apenas no tocante a um dos fundamentos, ou a dois, continuariam a caber embargos, mas neles já não se poderia insistir no fundamento unanimente rejeitado" [16].

Doutra parte, no caso de acolher-se o pedido de rescisão, bastará a ocorrência de unanimidade quanto a uma das causas petendi para impossibilitar a possibilidade de interposição de embargos infringentes. Os embargos nenhuma utilidade prática teriam para o réu, faltando-lhe, portanto, interesse de agir para recorrer.

Babosa Moreira suscita outra hipótese de extrema relevância. Na hipótese de a rescisão ser decretada "com voto vencido, pelo primeiro fundamento, e negada no que tange aos demais, também por simples maioria. Isso quer dizer que das três ações rescisórias, se julgou procedente o pedido feito numa, e improcedentes os das outras duas, sem que em qualquer dos julgamentos ocorresse unanimidade. O autor, em princípio, não tem interesse em recorrer, porque obteve o resultado prático a que visava. O réu dispõe, sem dúvida alguma, de embargos quanto à rescisória acolhida. Mas, embargando o réu, surge para o autor o risco de ver prevalecer o voto vencido na primeira rescisória, sem o que órgão julgador dos embargos possa apreciar as restantes causas petendi, pois inexiste aqui regra correspondente à do art. 515, § 2º, peculiar à apelação. Em tais condições parece-nos que, se o réu embarga, passa o autor a ter igualmente, interesse em recorrer, quanto a ambas as rescisórias julgadas improcedentes - ou, o que é o mesmo, quanto a ambos os fundamentos repelidos, sem unanimidade, pelo órgão a quo. Socorre-o, na emergência, a possibilidade de aderir aos embargos do réu." [17]

Aplica-se aos embargos infringentes, diante do silêncio da lei, o chamado efeito suspensivo, salvante a hipótese de a decisão que antecedeu esse recurso já estar produzindo seus regulares efeitos [18]. Há que se atentar, todavia, para o prazo para a interposição de recurso especial e extraordinário com relação à parte unânime do acórdão, tendo em vista a súmula 355 do STF: "Em caso de embargos infringentes parciais, é tardio o recurso extraordinário interposto após o julgamento dos embargos, quanto à parte da decisão embargada que não fora por eles abrangida".

Verifica-se também nos embargos infringentes o efeito devolutivo, pois o tribunal terá de apreciar a matéria divergente versada nas razões recursais [19]. Neste particular, pedimos vênia para discordar de Humberto Theodoro Jr. afirma serem os embargos infringentes "recurso não devolutivo, porque provoca o reexame do caso decidido, pelo próprio tribunal que proferiu o acórdão impugnado, inclusive com participação de juízes que integraram o órgão fracionário responsável pelo primeiro julgamento" [20].

As razões recursais não poderão, apenas, exceder os limites da divergência. Daí o porquê se afirmar que os embargos infrigentes têm efeito devolutivo restrito.

Importante destacar que poderão ser versadas no bojo dos embargos infringentes também eventual divergência envolvendo matérias objeto de agravo retido, reiterados por ocasião do julgamento da apelação. Esse entendimento encontra-se cristalizado na recentíssima Súmula 255, editada pelo STJ, com o seguinte teor: "Cabem embargos infringentes contra acórdão, proferido por maioria, em agravo retido, quando se tratar de matéria de mérito".

Quanto ao efeito traslativo dos recursos, adiantamos nosso posicionamento no sentido de que se aplica também aos embargos infringentes, conforme será melhor analisado no decorrer deste trabalho.

Os embargos infringentes podem ser total ou parcialmente acolhidos, mas este julgamento, em princípio, deve cingir-se à questão da divergência.

2.1. Procedimento dos embargos infringentes

Os embargos devem ser interpostos por meio petição, acompanhada das razões do inconformismo e do pedido de nova decisão, para fazer prevalecer o voto vencido.

A novel redação atribuída aos artigos 531 e 532 pela Lei n. 8.950/94 — que se reportam à admissibilidade do recurso em tela — buscou dar-lhes uma redação mais clara e técnica, pouco alterando sua substância.

A redação antiga do artigo 532, estabelecia que contra o despacho do relator que indeferisse liminarmente os embargos infringentes, caberia recurso no prazo de 48 horas. Apesar de referido artigo fazer menção a despacho, o indeferimento liminar dos embargos era recorrível por meio de agravo (falava o Código em recurso que era inominado e nos regimentos internos dos Tribunais aparecia como agravo regimental).

Entretanto, com a nova redação deste artigo, no caso de não serem cabíveis os embargos infringentes, o relator os indeferirá de plano, decisãoda qual caberá recurso de agravo (chamado de agravo interno) ao órgão competente para o julgamento dos embargos infringentes. Esse recurso deverá ser interposto no prazo de 5 dias contados da intimação da parte (artigo 532, CPC). Nesse caso não há oportunidade para resposta.

Observamos, ainda, que o juízo positivo de admissibilidade dos embargos infringentes pelo relator do acórdão é irrecorrível.

O artigo 533 do CPC estabelecia que em sendo admitidos os embargos infringentes, realizar-se-ia o preparo do recurso e o sorteio do novo relator.

O texto anterior era expresso em exigir a necessidade do preparo, mas o atual silencia a respeito, ao contrário do caso dos embargos de declaração, em que, expressamente dispensou a necessidade do preparo. Atualmente, os embargos infringentes não necessitam de preparo nem no STJ, nem nos TRFs. No Estado de São Paulo o mesmo ocorre, excetuando-se os embargos infringentes interpostos em processos de competência originária dos Tribunais [21].

Sempre que possível, o novo relator deverá ser juiz que nãotenha participado do julgamento do acórdão embargado. Nesse sentido, leciona Barbosa Moreira: "Em caso nenhum proíbe o Código, como tampouco exige, que participem do julgamento dos embargos quaisquer juízes que hajam funcionado no da apelação ou no da ação rescisória., mesmo em posição de relator ou de revisor. Procura apenas evitar, dentro das possibilidades existentes, que os embargos sejam relatados por algum participante no julgamento anterior. Quanto aos outros membros dos órgãos que vai julgar os embargos – inclusive o revisor destes –, é indiferente que hajam ou não proferido voto sobre a apelação ou a rescisória" [22] [23].

Ultrapassada a fase de admissibilidade e do sorteio do novo relator, será aberta vista para a parte contrária apresentar sua "impugnação" (15 dias).

Carreada aos autos a resposta aos embargos infringentes, ou, ainda, transcorrido in albis o prazo legal, a secretaria encaminhará os autos conclusos ao relator; "só então — anota Barbosa Moreira — é que o relator tomará contacto com o recurso, pois a abertura de vista ao embargado, feita logo após o sorteio, não dependeu de despacho (art. 534, ‘caput’)" [24]

Nos termos do art. 534, parágrafo único, do CPC, o relator terá 15 dias para analisar os autos, devolvendo-os à secretaria após esse período, para a providência prevista no art. 553, do mencionado Codex e ulterior conclusão ao revisor (CPC, art. 551).

Ulteriormente, os autos serão encaminhados ao presidente do Órgão julgador, "que designará dia para julgamento, mandando publicar a pauta no órgão oficial" (CPC, art. 552).


3. QUESTÕES DE ORDEM PÚBLICA

São questões de ordem pública aquelas em que o interesse protegido é do Estado e da sociedade e, via de regra, referem-se à existência e admissibilidade da ação e do processo. Trata-se de conceito vago, não podendo ser preenchido com uma definição. De acordo com Tércio Sampaio Ferraz, "é como se o legislador convocasse o aplicador para configuração do sentido adequado" [25]

Dentre as questões de ordem pública, além da da decadência, temos as nulidades absolutas que são as que devem ser decretadas de ofício [26], a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição (ordinária), justamente por dizerem respeito à ordem pública, ao contrário das nulidades relativas. Assim, não geram preclusão nem para o juiz, nem para as partes.

Nulidade absoluta é vício insanável, macula irremediavelmente o processo.

Partindo do pressuposto de que no processo podem haver dois tipos de vícios, os de forma e os de fundo, ancorados nos ensinamentos da Profa. Teresa Alvim Wambier [27], podemos afirmar que: a) as nulidades de forma só são absolutas se expressamente previstas em lei [28] (a tendência das nulidades de forma é de não serem absolutas); b) as nulidades de fundo, ligadas à estrutura da ação e do processo, são absolutas por natureza.

As nulidades de forma, quando previstas em lei como absolutas, são presunções absolutas de prejuízo. Deve se ter em mente que as formalidades são garantias para o direito das partes.

Nulidades de fundo são vícios que dizem respeito aos pressupostos de admissibilidade de julgamento do mérito, ligados às condições da ação [29], aos pressupostos processuais de existência [30] e validade [31], bem como aos pressupostos processuais negativos [32].

Assim como a Profa. Teresa Alvim Wambier, trata-se aqui dos casos de inexistência ao lado das nulidades absolutas por terem o mesmo regime jurídico dentro do processo [33] (tendo os atos nulos [34]e inexistentes vida artificial até o dia em que é efetivada sua invalidação).

Como visto, as questões de ordem pública não precluem. Mesmo quando já foram objeto de decisão e de recurso, podem ser revistas em grau ordinário. Nem o tribunal, em sede de apelação, fica vinculado a decisão anteriormente proferida em sede de agravo.

Neste sentido a Conclusão 9 do VI ENTA: "Em se tratando de condições da ação, não ocorre preclusão, mesmo existindo explícita decisão a respeito". e a Conclusão XV do Simpósio de Curitiba/75: "Não preclui a decisão que deixa de declarar extinto o processo nos casos dos ns. IV, V e VI".

Antônio Alberto Alves Barbosa tratando do tema nulidades e preclusão, lastreado em Chiovenda, afirma que: "O fato de a questão ser examinada novamente em segunda instância, não quer dizer de nenhum modo que a preclusão não se tenha verificado na primeira" [35].

Entendemos que não há que se falar em preclusão consumativa com relação à matérias de ordem pública. O magistrado não fica impedido de apreciar, ao proferir sentença, as condições da ação pelo fato de já ter se pronunciado quando do saneador. Não existe qualquer óbice em vislumbrar-se a legitimidade da parte quando da prolação da decisão de saneamento e, quando da prolação da sentença, considerá-la ilegítima. Nada impede, ainda, que seja esta decisão revista em grau de apelação, inclusive pelo mesmo órgão que tenha decidido a questão em sede agravo de instrumento.

Esse raciocínio apenas não se aplica aos recursos extraordinários, em razão do fundamento vinculado que lhes é peculiar


4. questões de ordem pública em sede de embargos infringentes

A questão que se coloca é a seguinte: as matérias de ordem pública que não foram objeto de divergência, poderiam ser apreciadas no julgamento dos embargos infringentes?

Nelson Nery Jr. leciona com propriedade que também nos embargos infringentes o Órgão Julgador poderá se pronunciar a respeito das matérias de ordem pública, ainda que não estejam inseridas no âmbito da divergência ocorrida no julgamento da apelação ou da rescisória [36] [37].

De acordo com mencionado jurista, a apreciação das questões de ordem pública no julgamento do recurso ora analisado estaria franqueada pelo efeito translativo, também verificado nos embargos infringentes, fundamentado no art. 267, §3º, do CPC: "O juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a sentença de mérito, da matéria constantes dos ns. IV[pressupostos processuais], V [perempção, litispendência e coisa julgada] e VI [condições da ação: possibilidade jurídica do pedido, legitimidade e interesse processual]; todavia, o réu que não a alegar na primeira oportunidade em que lhe caiba falar nos autos, responderá pelas custas do retardamento".

No mesmo sentido é o magistério de Teresa Alvim Wambier: "a estreiteza do efeito devolutivo dos embargos infringentes, decorrente de seu objetivo e da especificidade de suas hipóteses de cabimento, não é suficiente para impedir que a parte levante e mesmo que o órgão ad quem conheça, sem provocação, de nulidades processuais absolutas" [38].

Perfilham do mesmo entendimento Arruda Alvim [39], Nelson Luis Pinto [40], Gisele Heloísa da Cunha [41] e Luiz Rodrigues Wambier [42] .

A jurisprudência do STJ chancela esse entendimento, conforme deflui do julgamento do Recurso Especial nº 284.523/DF, da relatoria da Ministra Nancy Andrighi: "Processo civil. Recurso especial. Ação de conhecimento sob o rito ordinário. Embargos infringentes. Matéria de ordem pública. Acórdão. Ausência de fundamentação. Nulidade. - O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que, em sede de embargos infringentes, deve-se conhecer de ofício a matéria de ordem pública, ainda que esta não esteja inserida no âmbito devolutivo deste recurso, isto é, ainda que a questão de ordem pública não se inclua nos limites da divergência. Precedentes. Em decisão colegiada tomada por dois votos a um, estando o voto condutor do acórdão ausente de fundamentação, deve ser declarada a nulidade do julgamento proferido, diante do manifesto prejuízo ocasionado à parte sucumbente. Recurso especial a que se dá provimento" (STJ, 3ª Turma, Resp 284.523-SF, DJ 25/06/2001).

No mesmo sentido, entre outros, os julgados atinentes ao Recurso Especial n.61.984-0/MG [43] e os Embargos em Ação Rescisória n.º 195/DF, também do STJ [44].

Com base na lição doutrinária e na jurisprudência colacionada, entendemos que o órgão julgador dos embargos infringentes poderá (rectius: deverá), com base no art. 267, §3º, do CPC, apreciar questões de ordem pública ainda que não sejam objeto da divergência.

Conforme observa com propriedade Nelson Luís Pinto, "Agindo dessa maneira, o Tribunal estará tão-somente observando a hipótese prevista no parágrafo do art. 245 e no §3º, do art. 267 do CPC" [45]

Além disso, não se pode olvidar que o zelo pela regularidade do processo na solução da lide deve sempre ser observado no âmbito dos recursos ordinários — como é o caso dos embargos infringentes —, porquanto de interesse da própria atividade jurisdicional.

Portanto, mesmo que não tenha sido ventilado em qualquer momento processual a inexistência, por exemplo, de uma das condições da ação, o embargante poderá interpor embargos infringentes, objetivando a análise não só do ponto divergente, como também da matéria de ordem pública. Também o próprio Órgão Julgador poderá conhecer de tais matérias oficiosamente, dada a permissão contida no mencionado artigo 267, § 3º CPC.

Importante destacar, com supedâneo nas lições de Barbosa Moreira [46], que, conquanto seja possível a análise das questões de ordem pública no bojo dos embargos infringentes, ainda que não haja divergência a respeito, isto somente será possível na hipótese de o órgão julgador conhecer do recurso.

Ou seja, primeiramente, deverá ser realizado pelo órgão julgador o juízo (definitivo) de admissibilidade do recurso, para somente então, com a via dos embargos infringentes franqueada, proceder à análise das questões de ordem pública.

Existe, de outra banda, uma hipótese em que o órgão julgador dos embargos infringentes, nem mesmo após a sua admissão, poderá conhecer de determinadas matérias de ordem pública.

Isto ocorrerá quando tais matérias tiverem sido expressamente julgadas pelo aresto recorrido, sem qualquer divergência entre os julgadores.

Dessa forma, tendo sido ventilada a matéria quando do julgamento da apelação ou da rescisória, a unanimidade de votos constitui óbice — mesmo sendo matéria de ordem pública e não sujeita à preclusão — para o conhecimento dos embargos infringentes quanto a este ponto.

Nesse caso, houve exaurimento da atividade jurisdicional do tribunal, ainda que sobre questões de ordem processual, pelo fato de ter ocorrido um posicionamento unânime quanto aquela questão. Preenchidos os requisitos, esta questão poderá ser objeto de recurso especial.

Com relação à discussão que se coloca com relação às questões de ordem pública já decididas em agravo retido e a possibilidade de sua argüição em embargos infringentes, Moacyr Amaral Santos afirma: "Os embargos infringentes poderão ter por objeto questão preliminar, ou prejudicial, inclusive quando apreciada e decidida em agravo retido, e de cuja solução possa resultar a extinção do processo sem julgamento do mérito... Essencial é, sempre, que o julgado da questão não se tenha dado por unanimidade de juízes" [47].

À luz da já mencionada Súmula 255, do STJ, se o Tribunal tiver apreciado matéria de ordem pública no julgamento do agravo retido e houver divergência no julgamento, estará franqueada a discussão em sede de embargos infringentes.

Somente no caso de unanimidade da decisão, conforme já aduzido, é que a via estaria trancada, pois cabível nesta hipótese, segundo nos parece, apenas a interposição de recurso especial ou extraordinário, preenchidos os requisitos que lhes são inerentes.


Notas

1...Súmulas versando embargos infringentes:

Súmula 211 do STF: "Contra a decisão proferida sobre o agravo no auto do processo, por ocasião do julgamento da apelação, não se admitem embargos infringentes ou de nulidade".

Súmula 293 do STF: "São inadmissíveis embargos infringentes contra decisão em matéria constitucional submetida ao plenário dos tribunais".

Súmula 295 do STF: "São inadmissíveis embargos infringentes contra decisão unânime do STF em ação rescisória".

Súmula 354 do STF: "Em caso de embargos infringentes parciais, é definitiva a parte da decisão embargada em que não houve divergência na votação".

Súmula 355 do STF: "Em caso de embargos infringentes parciais, é tardio o recurso extraordinário interposto após o julgamento dos embargos, quanto à parte da decisão embargada que não foram por eles abrangidas".

Súmula 455 do STF: "Da decisão que se seguir ao julgamento de constitucionalidade pelo Tribunal Pleno, são inadmissíveis embargos infringentes quanto à matéria constitucional".

Súmula 518 do STF: "A intervenção da União, em feito já julgado pela segunda instância e pendente de embargos, não desloca o processo para o Tribunal Federal de Recursos".

Súmula 597 do STF: "Não cabem embargos infringentes do acórdão que, em mandado de segurança decidiu, por maioria de votos, a apelação".

Súmula 88 do STJ: "São admissíveis embargos infringentes em processo falimentar".

Súmula 169 do STJ: "São inadmissíveis embargos infringentes no processo de mandado de segurança".

Súmula 207 do STJ: "É inadmissível recurso especial quando cabíveis embargos infringentes contra acórdão proferido no tribunal de origem". Súmula 255: "Cabem embargos infringentes contra acórdão, proferido por maioria, em agravo retido, quando se tratar de matéria de mérito".

2...Definição de recurso por Teresa Arruda Alvim Wambier: "é um meio de que dispõe a parte para insurgir-se contra uma decisão do Poder Judiciário, provocando o reexame da matéria e a prolação de uma nova decisão que anule ou substitua a impugnada" (Teoria geral dos recursos, in RePro 58/151)

3...Moacyr Lobo da Costa e Carlos de Azevedo. História do Processo: Recursos, São Paulo, Joen, 1996, p. 165.

4...Gisele Heloísa Cunha, Embargos Infringentes, RT, p. 13.

5...Gisele Heloísa Cunha, ob. cit., p. 15.

6...Moacyr Amaral do Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, 3º vol., 16ª edição, São Paulo, Editora Saraiva, 1997, p. 140.

7...Posicionam-se contra a manutenção do instituto em nossa legislação grandes juristas: Moniz de Aragão (lembrando que o direito português o aboliu por sua impropriedade), Carlos Alberto Carmona (porque este recurso quebra a harmonia do nosso sistema de impugnações), Sérgio Bermudes (por ser o recurso obsoleto e injustificável), Sérgio Sahione Fadel, José Carlos Barbosa Moreira. Sobre o tema, Luiz Rodrigues Wambier, Embargos infringentes e questões de ordem pública de natureza processual, in RePro 67/26 e Gisele Heloísa Cunha, Embargos infringentes, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1993.

8...De acordo com Barbosa Moreira, antes mesmo de elaborar o Anteprojeto do Código de Processo Civil de 1973, o Prof. Alfredo Buzaid já perfilhava o entendimento de que os embargos infringentes não poderiam subsistir na legislação da forma como era prevista no CPC/39 (in Barbosa Moreira, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil, volume V, Rio de Janeiro, Forense, 1998, p. 506).

9...Deflui da Exposição de Motivos do CPC/73 grande preocupação em dar agilidade ao sistema processual civil nacional: "o processo civil deve ser dotado exclusivamente de meios racionais, tendentes a obter a atuação do direito".

10...O Prof. Carlos Alberto Carmona, opinando contrariamente à manutenção dos embargos infringentes no sistema processual civil em vigor, assim escreveu: "Etimologicamente, embargar significa embaraçar, reprimir; infringir, por sua vez é sinônimo de violar, quebrar. Pois bem: o recurso de embargos infringentes aí está em nosso ordenamento para embaraçá-lo, quebrando a harmonia do sistema de impugnações às decisões criadas pelo CPC. É curial deixar claro – logo no início desta exposição, minha antipatia quanto a este velho recurso que ainda se mantém (sabe-se lá porque) em nosso ordenamento processual. Trata-se – parafraseando Pontes de Miranda – de velharia bolorenta, que não deveria mais encontrar lugar em nossa legislação." (Embargos Infringentes, Revista do Advogado, AASP n. 27, fev/89, pp 20 e ss).

11...Gisele Heloísa da Cunha, obra citada, p. 43.

12...Moacyr Amaral Santos. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, 3º vol., 16ª edição, São Paulo, Editora Saraiva, 1997, p. 140.

13...José Frederico Marques, Manual de Direito Processual Civil, vol. III, Saraiva, 1975, p. 159.

14...Artigo 34 da Lei de Execuções fiscais (Lei 6.830/80): Das sentenças de primeira instância proferidas em execução de valor igual ou inferior a 50 (cinqüenta) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTN só se admitirão embargos infringentes e de declaração.

15....O julgado publicado na RTJ 126/826 exterioriza posição jurisprudencial minoritária no sentido de que a omissão do acórdão a respeito do voto vencido autorizaria a oposição de embargos infringentes sem a necessidade de anterior oposição de embargos declaratórios.

16....RTJ 126/826.

17....Neste sentido, Hermann Homem de Carvalho Roenick, Recursos no Código de Processo Civil, Rio de Janeiro, Aide Editora, 1997, p. 109, fazendo referência à crítica formulada por Sérgio Bermudes no tocante à terminologia empregada pelo legislador.

18...José Carlos Barbosa Moreira, Comentários do Código de Processo Civil, vol. V, 6ª edição, Forense, p. 480

19....Obra citada, p. 481

20....O chamado efeito suspensivo dos recursos há de ser entendido como a propriedade de manter suspensa (=sem produzir seus efeitos peculiares) a decisão impugnada. Não é, assim, o recurso que suspende a decisão; ele mantém um estado que já lhe era peculiar.

21....Nesse sentido, leciona Nelson Nery Júnior: "Pela interposição dos embargos infringentes fica devolvido o conhecimento de toda a matéria objeto da divergência para o órgão ‘ad quem’" (in Princípios Fundamentais – Teoria Geral dos Recursos, Editora RT, 4ª edição, p. 370).

22....Humberto Theodoro Jr., Curso de Direito Processual Civil, vol. I, 20ª edição, Rio de Janeiro, Editora Forense, 1997, p. 581.

23....Theotonio Negrão, Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 32ª edição, São Paulo, Editora Saraiva, 2001, p. 595.

24....José Carlos Barbosa Moreira, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, Editora Forense, 8ª edição, p. 528.

25.....José Frederico Marques, afirma ao interpretar o art. 533, do CPC: "Ante o silêncio da lei processual, indiscutível que os juízes que participaram do julgamento da apelação ou da ação rescisória devem também participar da turma julgadora dos embargos. É que estes contêm, imanente, o juízo de retratação, pelo que, de outro modo não dispondo o ‘ius scriptum’, indeclinável é que se aceite a estrutura com que o recurso foi construído em suas origens e evolução histórica, bem como pela doutrina processual" (in Manual de Direito Processual Civil, vol III, Saraiva, 1975, p. 159.

26....José Carlos Barbosa Moreira, ob. cit., p. 529.

27....Gisele Heloísa Cunha, ob. cit., p. 276.

28.....O conjunto de matérias examináveis de ofício é maior do que o das matérias de ordem pública. Toda matéria de ordem pública pode ser examinada de ofício, mas nem tudo o que pode ser examinado de ofício é matéria de ordem pública (Ex.: irregularidades - abreviaturas nas peças; numeração errada das páginas do processo).

29.....Teresa Arruda Alvim Wambier, Nulidades do processo e da sentença, 4ª edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1997.

30....Conclusão, segundo a citada professora, autorizada pela interpretação dos artigos 243 e 244 do CPC.

Artigo 243: Quando a lei prescrever determinada forma, sob pena de nulidade, a decretação desta não pode ser requerida pela parte que lhe deu causa.

Artigo 244. Quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade.

31...Possibilidade jurídica do pedido, legitimidade ad causam e interesse de agir.

32...Jurisdição, capacidade postulatória, petição inicial e citação.

33...Juízo competente (competência absoluta), juiz imparcial, capacidade e legitimidade processual, petição inicial válida e citação válida.

34...Listispendência, coisa julgada e cláusula compromissória.

35...Extra-processualmente temos que, forma-se coisa julgada em caso de processos e sentenças nulas, o que não ocorre em caso de processos e sentenças inexistentes.

36....A circunstância do ato ser nulo ou anulável significa que está sujeito a tornar-se ineficaz, não produzir efeitos. Caso os produzam, estes devem ser anulados.

37....Devolução ao tribunal ad quem do conhecimento da matéria impugnada, o recurso só poderá julgar o que o recorrente tiver requerido em suas razões de recurso.

38....Nelson Nery Jr., Princípios fundamentais - teoria geral dos recursos, 4ª edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 153.

39....Antônio Alberto Alves Barbosa, Da preclusão processual civil, 2ª edição, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1992, p. 137.

40...Assim: "As questões de ordem pública, como não são susceptíveis de preclusão (v.g. CPC 267 §3º e 301, §4º), ficam transferidas ao exame do tribunal, que sobre elas deverá pronunciar-se quando do julgamento de embargos infringentes, mesmo que não tenham sido objeto da divergência, pois o efeito traslativo não se confunde com o efeito devolutivo dos embargos" Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Comentários ao CPC, 3ªedição, p. 777.

41...Esse mesmo jurista, em alentada obra acerca da "Teoria Geral dos Recursos", consignou a seguinte lição sobre o tema: "Questão importante é aquela relativa às matérias de ordem pública que não foram objeto da divergência e que, portanto, não ensejariam os embargos infringentes. A indagação que se faz é se o tribunal pode manifestar-se sobre essas questões no julgamentos dos infringentes. A resposta deve ser afirmativa. Quanto se tratar de questão de ordem pública, a cujo respeito não se exige iniciativa da parte e que não se sujeita à preclusão, deve o tribunal, no julgamento dos embargos infringentes, sobre ela pronunciar-se de ofício, nada obstante não tenha sido matéria objeto da divergência. Não por força do efeito devolutivo dos embargos, que no caso não ocorre, mas sim ‘ex vi’ do efeito traslativo..." Cf. Nelson Nery Júnior, Teoria Geral dos Recursos, 4ª edição, p. 371..

42...Obra citada, p. 371.

43...Obra citada, p. 210.

44...."Em se tratando de embargos infringentes ao julgado, cuja profundidade legal da devolução é menor do que na apelação – art. 515, §§ 1º e 2º - opostos com fundamento em voto vencido, o poder o órgão competente para o julgamento de tais embargos confinar-se-á tão-só ao âmbito da divergência do voto vencido para com dispositivo no acórdão (art. 530), salientando-se que em todos os casos os recursos considerados até o momento, o órgão de segundo grau tem poderes de reexame do direito, bem como dos fatos, embora, nesses embargos, se a divergência não tiver sido total, dito reexame, de fato e de direito, confinar-se-á à extensão da divergência, e na medida dos próprios embargos, salvo em se tratando de matéria de conhecimento oficioso, ‘v.g.’, art. art. 267, §3º" (Arruda Alvim, Código de Processo Civil Comentado, vol. V, Editora RT, p. 22).

45...."Somente as questões de ordem pública poderão ser conhecidas quando do julgamento dos embargos infringentes, por provocação da parte ou de ofício, ainda que não tenham sido objeto de apreciação no acórdão embargado, ou mesmo que o tenham e a seu respeito não tenha havido divergência, por se tratar de questões que não ficam acobertadas pela preclusão, exceto para o mesmo órgão que a apreciou (...)"Existe, pois, a possibilidade de que no julgamento dos embargos infringentes venha a ser decretada nulidade que sequer fora objeto de apreciação nas decisões anteriores (STJ, 1ª S, Eiinfrs ba AR 195-0DF, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. 13.04.93, v.u., SJU 3.5.93, p. 7.752, 2ª col., em. - destacou-se) (Nelson Luís Pinto, Recursos Cíveis, 1ª edição, p. 142).

46.... "Voltando à questão dos embargos, seria possível argumentar que o seu âmbito de devolutividade impossibilitaria a apreciação das questões de ordem pública. Não pensamos, porém, dessa forma. A nosso ver, o art. 267, §3º, inviabiliza essa interpretação. Invocamos, além disso, os princípios que informam o processo, tudo em função da melhor aplicação do direito, sob pena de ter sido apreciado o mérito de uma relação jurídica inexistente ou qualquer outro motivo dessa espécie. E, afinal, pensamos que o art. 530, ‘in fine’, não pode ter interpretação restritiva diante das matérias de ordem pública" (in Embargos Infringentes, Editora RT, p. 119).

47...."Nada obsta, então, que o juízo ad quem, quando do conhecimento dos embargos infringentes, localizando questão de ordem pública, declare a nulidade, independente do contido no voto vencido e, portanto, no limite de abrangência do recurso, a teor da competência que o sistema processual lhe confere" Luiz Rodrigues Wambier, Embargos infringentes e questões de ordem pública de natureza processual, in RePro 67, p. 34.

48....."Embargos Infringentes. Possibilidade de exame de temas pertinentes a pressupostos processuais e condições da ação, ainda que não tenham sido objeto da divergência. Hipótese em que, entretanto, não se cuidava de ilegitimidade para a causa, como condição de exame do mérito, mas da própria titularidade do direito, o que a ele diz respeito.

Condômino – Alienação judicial – Preferência.

Pretendendo o condômino gozar de preferência na alienação de coisa comum, haverá de comparecer ao leilão e ali exercitar seu direito, tendo em vista o valor concretamente oferecido. Não poderá fazer, já findo o leilão, quando ao licitante não mais era dado aumentar a oferta" (STJ, 3ª Turma, Resp 61.984-0/MG, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 26/02/1996, RSTJ 83/186).

49....."Processual Civil. Embargos Infringentes. CPC, art. 530. Conhecimento de ofício de matéria relativa à falta de pressupostos processuais, não objeto do dissídio justificador dos embargos. Possibilidade.

I – Cabe à Seção deste Tribunal ao conhecer os embargos infringentes, examinar de ofício questões relativas à falta de pressupostos processuais, ainda que, no acórdão embargado, não tenha havido dissídio quanto a essas questões

(...)

(STJ, 1ª Seção, EAR 195/DF, Rel. Min. Pádua Ribeiro, DJ 03/05/1993).

50...Nelson Luis Pinto, in REPro 67/26, especificamente na página 31.

51..."... Convém ressaltar que ao colegiado só é lícito examinar quaisquer questões relativas ao processo e às ‘condições da ação’ se e na medida em que puder conhecer dos embargos, por satisfeitos todos os requisitos de admissibilidade do recurso, inclusive e notadamente a divergência no seio do órgão ‘a quo’. Nesse caso (e na medida), contudo, antes de entrar na apreciação da matéria impugnada, o colegiado não apenas pode, mas deve proceder ao exame das aludidas questões, desde que, é claro, não estejam preclusas. Assim, por exemplo, quanto a eventuais nulidades que atinjam o feito de modo genérico (v.g. falta de intimação do Ministério Público, se era obrigatória: art. 246, parágrafo único), ou que atinjam especificamente o acórdão embargado (v.g. incompetência absoluta do órgão ‘a quo’, julgamento ‘ultra’ ou ‘extra’ petitum’ na apelação ou na ação rescisória). De modo algum é preciso que no órgão ‘a quo’ tenha ocorrido dissídio acerca das questões" (in Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, Editora Forense, 8ª edição, p. 531).

52...Obra citada, p. 142.

53..Arruda Alvim, Código de Processo Civil Comentado, p. 22


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Andréia Lopes de Oliveira. Embargos infringentes e questões de ordem pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2841. Acesso em: 29 mar. 2024.