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A determinação da falência do devedor comerciante diante da não nomeação de bens à penhora dentro do prazo legal no processo de execução singular

A determinação da falência do devedor comerciante diante da não nomeação de bens à penhora dentro do prazo legal no processo de execução singular

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O artigo 2, inciso 1, da Lei de Falências estabelece que

Caracteriza-se, também, a falência, se o comerciante:


I – executado,... não nomeia bens à penhora, dentro do prazo legal;

Este artigo quando mal interpretado, ou seja, de forma restrita e literal acaba gerando um grande número de falências. Quando ele é interpretado de forma global, verificando se um comerciante está ou não em estado de insolvência, muitos comerciantes acabam sendo salvos da falência ( III ).

Desta forma, nos atendo ao fato do devedor não nomear bens à penhora dentro do prazo legal no processo de execução, iremos verificar se este fato por si só serve para demonstrar sua falência ( I ) e também se foram exauridos todos os meios necessários para o recebimento do crédito pleiteado no processo de execução ( II ) antes de ser declarada sua falência.


I - A ausência do estado de insolvência impede a declaração de falência do devedor comerciante

O artigo 4º prevê:

" A falência não será declarada, se a pessoa contra quem for requerida provar:

VIII – qualquer motivo que extinga ou suspenda o cumprimento da obrigação, ou exclua o devedor do processo de falência "

A ausência do estado de insolvência é o maior motivo ( art. 4, VIII LF ) que exclui o devedor do processo de falência.

A não nomeação de bens à penhora dentro do prazo legal no processo de execução não se confunde com o estado de insolvência ( C ), por isso, definiremos primeiramente o que é a insolvência ( A ) para sabermos se a falência do devedor deve ou não ser declarada ( B ).

A) A insolvência se demonstra pela irreversibilidade do estado econômico do devedor comerciante

A falência é um ato pelo qual o juízo declara que um devedor comerciante não tem mais condições de se recuperar, sua empresa é inviável, ele não tem mais condições de continuar com suas atividades, ele é insolvente.A insolvência revela que a situação do devedor comerciante é irreversível, sua dificuldade não é mais temporária e sim definitiva. Este é o moderno conceito de insolvência adotado na França, Itália, Bélgica e Brasil ( Robson Zanetti. A prevenção de dificuldades e a recuperação de empresas. Juruá, 2000, p. 41 usque 50 e Revue de Droit Commercial Belge/Tijdschrift voor Belgisch Handelsrecht. Belgique. Lluwer Editions Juridiques Belgique, 1998, p. 209; Neste sentido é o entendimento do Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, integrante da 4ª T do STJ ao proferir seu voto no Rec. esp. nº 157637-SC [ Reg. 97871894 ] em 01/09/98 ).

As maiores autoridades do Direito Comercial na França, RIPERT e ROBLOT, na obra Traité élémentaire de droit commercial, t. 2., atualizada por Philippe Delebecque e Michel Germain. Paris: LGDJ, 1998, nº 2873 esclarecem que:

" A idéia de cessação de pagamentos corresponde freqüentemente a uma " situação irremediável " [1], o que leva o devedor a uma liquidação de bens. "

PIERO PAJARDI, juiz junto a Suprema Corte Italiana, conceituadíssimo autor em matéria falimentar, in Manuale di diritto fallimentare, 5ª edizione. Milano: Giuffrè Editore, 1998, p. 687, lembrado por nós, in Robson Zanetti, Direito falimentar: A prevenção de dificuldades e a recuperação da empresa. Curitiba: Juruá Editora, 2000, p. 31, reconhece que:

" Na vida de uma empresa poderão existir crises que impeçam de pagar pontualmente e regularmente suas obrigações sem que se possa dizer que ela é insolvente ou então, que ela não poderá reencontrar seu equilíbrio financeiro "

Neste sentido é o entendimento do Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, integrante da 4ª T do STJ, que ao proferir seu voto no Rec. esp. nº 157637-SC ( Reg. 97871894 ) em 01/09/98, afirma que:

" Comungo da preocupação manifesta mais de uma oportunidade pelo r. Tribunal de origem, quanto ao desvirtuamento do processo de falência. Esta deve ser o resultado de uma situação de insolvência que não possa ser de nenhum modo superada a não ser com a quebra da empresa, com todos os danos daí decorrentes..."

A dificuldade que um devedor pode estar passando pode ser de disponibilidade imediata de caixa para fazer frente ao valor que lhe está sendo pleiteado e sendo sua dificuldade passageira e reversível não deve ser declarada sua falência.

Se adotando o critério intitulado " da insolvência absoluta " ( defendido por dívidas ( Wanderley Pinto de Medeiros. In: Revista de Direito mercantil, industrial, econômico e financeiro, n. 72. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 49 ) para se determinar a liquidação de bens do devedor, sendo esta caracterizada pela insuficiência de bens para garantir suas a falência do devedor comerciante, não poderá ser declarada a falência do devedor diante da existência de bens suficientes para garantia do débito mesmo frente a sua nomeação intempestiva de bens no processo de execução singular.

B) É a insolvência que determina a falência do devedor e não a impontualidade prevista no artigo 1 ou a ausência de nomeação de bens à penhora dentro do prazo legal

O estado de insolvência é que serve para constituir o estado de insolvência do devedor ( a ) e ser declarada sua falência ( b )

a) A demonstração da falência através do estado de insolvência

Os artigos 1 e 2, inciso 1 da Lei 7661/45 que tratam da impontualidade e da ausência de nomeação de bens à penhora dentro do prazo legal pressupõe, porém, não determinam o estado de insolvência. Entendemos que os julgados abaixo que estejam se referindo somente a impontualidade também devam ser aplicados por analogia ao fato do devedor não nomear bens à penhora dentro do prazo legal.

É a insolvência e não a impontualidade do artigo 1 da LF que serve como condição para se declarar a falência do devedor conforme se manifesta o Superior Tribunal de Justiça através da 1ª Turma, tendo como relator o Exmo. Sr. Ministro José Delgado, ao julgar o Ag. 253376-MG, publicado no DJ em 17.12.1999:

" Portanto, embora o não pagamento de obrigação constante de título executivo possa ensejar o pedido de falência, não é a impontualidade que caracteriza a quebra do devedor comerciante. O que determina a falência é a insolvência. A impontualidade é somente um fenômeno capaz de configurar a situação de insolvência, e não propriamente a causa determinante... "

O STJ nesta decisão demonstra que a impontualidade não é a causa determinante da falência e sim o estado de insolvência. O STJ afirma que a impontualidade é apenas um " fenômeno ", o que podemos também chamar de presunção ou indício.

Da mesma forma que o processo de concordata preventiva não é aberto quando o devedor se encontra em estado de insolvência " sua falência não poderá ser declarada quando o devedor não está em estado de insolvência ", conforme decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo em 16.02.1989, através da 4ª Câm. Civ., MS nº 111.200-1, tendo esta decisão sido publicada na RT nº 643, pág. 81 e junto a obra Falências e concordatas, de Wilson de Campos Batalha e Silvia Marina Labate Batalha, publicado pela LTR em São Paulo, no ano de 1996, na p. 736.

Com sabedoria também julgou em 30.09.1999, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, através de sua 5ª Câmara Cível, tendo como relator o Exmo. Sr. Des. Clarindo Favretto, a Ap. civ. nº 599300217, ao permitir que o devedor prove através de sua contabilidade sua possibilidade de recuperação, impedindo-se a declaração de sua falência.

O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, através de sua 1ª Câm. Cív., tendo como relator o Exmo. Des. Walter Carlos Lemes, ao julgar no dia 13/03/2001 a Ap. civ. nº 55365-0/192 reconhece que a falência se caracteriza pela insolvência ao decidir que " o pedido falimentar consubstanciado no art. 2º, I, da legislação correspondente funda-se, precipuamente, no estado de insolvência ".

b) Não existe estado de insolvência do devedor, logo, não pode ser declarada sua falência em virtude da falta do elemento constitutivo da falência

A ausência do estado de insolvência que é o elemento constitutivo para que seja declarada a falência do devedor impede este acontecimento. A falência do devedor somente é declarada se estiver constituído seu estado de insolvência.

A natureza jurídica da falência possui efeito declaratório porque seu efeito constitutivo se dá com a insolvência.

O artigo 4º estabelece que:

" A falência não será declarada...

A natureza jurídica do processo de falência revela que a sentença proferida é declaratória e não constitutiva. Isto revela a importância de verificar se uma empresa está ou não em estado de insolvência para então ser declarada a sua falência.

Se uma empresa é viável não existe a condição constitutiva da insolvência, impedindo-se assim que seja declarada a falência do devedor em virtude da ausência do elemento constitutivo.

C) Não devem ser confundidos os conceitos de insolvência, impontualidade e da ausência em se nomear bens à penhora dentro do prazo legal prevista no artigo 2, inciso 1 da LF

Os conceitos de insolvência e impontualidade são distintos e o resultado desta distinção também deve ser aplicado para se diferenciar a insolvência da falta de nomeação de bens à penhora dentro do prazo legal no processo de execução.

Segundo afirmam outros grandes nomes do direito italiano em matéria falimentar GIUSEPPE RAGUSA MAGGIORE e CONCETTO COSTA, in Le procedure concorsuali: Il fallimento. Torino: UTET, 1998, p. 262: " o inadimplemento é somente um indício " que deve ser avaliado dentro de um quadro mais amplo da empresa para saber se ela é ou não insolvente.

Como muito bem afirma DOMENICO MAZZOCCA, presidente da Corte de Cassação Italiana, in Manuale di diritto fallimentare, 3ª ed. Napoli: Jovene Editore, 1996, nas pags. 54 e 55 o inadimplemento não se confunde com o estado de insolvência, " O pressuposto objetivo da falência é o estado de insolvência...o inadimplemento por si só representa uma lesão a um direito subjetivo do credor, que encontra no ordenamento jurídico a sua tutela na execução forçada individual, através da qual se pode ou não obter a satisfação do crédito...é errado igualar inadimplemento e insolvência ".

Para um aprofundamento maior na questão da impontualidade ver o artigo publicado pelo autor A flexibilização do depósito elisivo no direito falimentar. São Paulo: RT ano 90, março de 2001, vol. 785, p. 135 e s.

DOMENICO MAZZOCA ( cit. prec. ) ainda afirma na p. 59 que:

" aos fins da falência pode se afirmar que não integra de modo completo o estado de insolvência ao qual se refere o artigo 5 um ocasional momento de dificuldade de caixa, que tenha determinado o inadimplemento ".

Sem sombra de dúvidas também podemos afirmar que é errado igualar a falta de nomeação tempestiva de bens à penhora dentro do prazo legal a insolvência. Os conceitos e as decisões acima mencionadas devem ser estendidos ao artigo 2, inciso 1 da Lei de Falências, ou seja, não é a ausência de nomeação de bens à penhora dentro do prazo legal que demonstra a falência do devedor comerciante, mas sim, seu estado de insolvência.


II - DA NECESSIDADE DO EXAURIMENTO DE TODOS OS MEIOS DE SATISFAÇÃO DO CRÉDITO

Antes de buscar a ação falimentar " o credor deve buscar todos os meios de satisfação do crédito ", como decidiu no dia 05.09.1995 o Tribunal de Justiça de São Paulo, através de sua 1ª Câm. Cív., no ac. nº 258.141-1, tendo como relator o Exmo. Sr. Des. Guimarães e Souza.

Na ação executiva singular quando o devedor não nomear bens à penhora dentro do prazo legal cabe ao Sr. Oficial de Justiça dar cumprimento integral ao mandado para encontrar bens a serem penhorados ( A ), podendo ele encontrar ( B ) ou não ( C ) estes bens.

A – Da obrigação legal do Sr. Oficial de Justiça realizar uma segunda diligência quando não houver nomeação de bens no processo de execução singular

Quando não houver nomeação de bens à penhora dentro do prazo legal, cabe ao meirinho diligenciar para obter bens passíveis de constrição para penhorá-los e se assim ele não o fizer, mas simplesmente comunicar o juízo da execução singular que o devedor não nomeou bens à penhora dentro do prazo legal, seu mandado não estará sendo cumprido de forma integral.

Diante da ausência de nomeação de bens à penhora na primeira diligência realizada pelo Sr. Oficial de Justiça este deverá realizar um segunda diligência para penhorar tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal, juros, custas e honorários advocatícios ( art. 659 ), como ensina Humberto Theodoro Júnior:

" Passadas as vinte e quatro horas da citação sem que o devedor resgate a dívida ou nomeie bens à penhora, o oficial de justiça encarregado do mandado " penhorar-lhe-á tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal, juros, custas e honorários advocatícios " ( art. 659 ).

O mandado executivo é um só, para citação e penhora, de modo que, após a primeira diligência não é juntado aos autos. Permanece em poder do Oficial que, comprovando em cartório que não houve no prazo legal o pagamento ou a nomeação de bens, realizará a segunda diligência: a penhora de bens que encontrar ".

" Na escolha dos bens a penhorar, o oficial procurará evitar prejuízos desnecessários ao devedor, atentando para a regra do art. 620, que determina seja a execução feita pelo modo menos gravoso para o executado. Dará preferência aos bens livres e observará, quanto possível, a gradação legal " ( " Curso de Direito Processual Civil ", vol. II, Forense, Ed. Universitária, nº 822, p. 929 ).

No mesmo sentido, o magistério de Amílcar de Castro:

" O mandado executivo, depois de citado o devedor, não deve ser junto aos autos, logo que volte a cartório com a fé de citação, uma vez que, após o decurso das vinte e quatro horas assinadas ao executado, deverá ser devolvido ao oficial de justiça, se houver necessidade de efetiva a apreensão dos bens " ( " Comentários ao Código de Processo Civil, vol. III, Revista dos Tribunais, 1974, nº 306, p. 277 " ).

Ainda leciona Paulo Furtado ( " Execução ", Saraiva, 2ª ed., 1991, nº 150/152, p. 215/218 ):

" Costuma-se dizer que a nomeação se devolve ao credor em duas hipóteses: a) quando não feita pelo devedor, em 24 horas da citação; b) quando declarada ineficaz ou inválida. Em verdade, porém, nada autoriza a sustentar que a nomeação se devolve ao credor, quando não a faça o devedor, no prazo. Neste caso, a penhora se dará pelo Oficial de Justiça ( art. 659 ), tanto que este serventuário continua, feita a citação, de posse do mandado, que é também de penhora, para prosseguir na diligência, omisso que seja o devedor no exercício do direito de nomear.

A nomeação devolve ao credor, sim, apenas verificada a situação prevista no art. 657, do Código de Processo Civil, segundo o qual, " cumprida a exigência do artigo antecedente ", isto é, o art. 656 ( fazer a nomeação eficaz e exibir certidão negativa de ônus ), " a nomeação será reduzida a termo, havendo-se por penhorados os bens: em caso contrário, devolver-se-á ao credor o direito à nomeação " ( grifamos ). A que " caso contrário " se reporta a norma? Evidente que se trata da nomeação ineficaz e incomprovação da propriedade e do desembaraço dos bens.

Se o devedor não pagar, nem fizer nomeação válida, o Oficial de Justiça penhorar-lhe-á tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal, juros, custas e honorários advocatícios ( art. 659 ).

Neste caso, confirmando o Oficial que o executado não compareceu em cartório para pagar ou proceder a nomeação válida, toma a iniciativa ( porque não se devolveu, como afirmam muitos, ao credor o direito de nomear ) de realizar a penhora, em bens do devedor, tantos quantos bastem ( evitando penhora excessiva e penhora inútil ) ao pagamento do principal e acessórios ".

Segundo decidiu o Superior Tribunal de Justiça no Resp. 17765/RS, em 31/05/1993, cuja decisão foi publicada em 28/06/1993 no DJ, através da 4ª Turma, tendo como relator o Exmo. Sr. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira:

" Processo civil. Execução. Nomeação intempestiva de bens a penhora. Arts. 657 e 659, CPC. Recurso desacolhido. – Se o devedor, citado para execução deixa de pagar ou nomear bens a penhora no prazo legal de ( 24 horas ), deve o oficial de justiça, munido do mesmo mandado utilizado para efetivação da "ius vocatio", penhorar-lhe " tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal, juros, custas e honorários advocatícios " ( art. 659, CPC )". Nesses casos de nomeação inexistente ou intempestiva, não se devolve ao credor o direito de indicar os bens do executado que devam sujeitar-se a constrição, diversamente do que ocorre nas hipóteses de nomeação ineficaz ( art. 657, CPC ). "

Havendo nomeação intempestiva de bens deve se aplicar o artigo 659 do CPC e mesmo que esta nomeação não venha a ser aceita, cumpre ao Sr. Oficial de Justiça com base no mesmo mandado no qual procedeu a citação, a obrigação de procurar bens em nome do devedor, conforme se verifica abaixo no voto do Exmo. Sr. Min. Sálvio de Figueiredo e penhorá-los. Se isto não for feito não se pode presumir o estado de insolvência do devedor e nem sua falência ser declarada.

" não se havendo de conceder ao credor oportunidade para apontar bens do devedor sobre os quais entenda deva recair a penhora. Esta, uma vez verificado o transcurso in albis das 24 horas, é levada a efeito, ato contínuo, pelo meirinho, valendo-se este, para tanto, do mesmo mandado com base no qual procedeu a citação".

Não sendo indicados bens à penhora dentro do prazo legal ou feita esta nomeação intempestivamente e não aceita pelo credor, cabe ao Sr. Oficial de Justiça realizar a diligência constritiva, podendo inclusive penhorar o bem indicado pelo devedor intempestivamente.

B- Da existência de bens a serem penhorados no processo de execução singular

Ainda que fora do prazo legal e antes do cumprimento integral do mandado, poderá haver a nomeação de bens à penhora no processo de execução singular e posteriormente ser lavrado o auto de penhora garantindo-se em valor suficiente o crédito pleiteado. Esta nomeação retira a presunção do estado de insolvência do devedor.

A presunção de insolvência não existe quando o credor sabe que o devedor possui bens livres para nomear à penhora e resolve pedir a suspensão do processo de execução antes que o oficial de justiça tenha realizado de forma integral o cumprimento de seu mandado.

Se dentro do prazo de suspensão e na ausência da continuidade do meirinho em diligenciar na busca de bens em nome do devedor, ainda que intempestivamente o devedor vier a nomear bens à penhora no processo de execução singular sua presunção de insolvência é descaracterizada.

Ao ser nomeado este bem, ainda que fora do exíguo prazo legal o devedor está descaracterizando a falência demonstrando que tem bens para garantir seus débitos e continuar suas atividades.

O Exmo. Sr. Ministro da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, Ruy Rosado de Aguiar, ao julgar o Resp. nº 316232/SP, publicado em 05/11/2001, em seu voto demonstra que a existência de bens a serem penhorados desconstitui o estado de insolvência diante do desinteresse do credor

" Na espécie, a requerente da falência apresentou título e comprovou que estava movendo processo de execução ( certidão de fls. 19 ), mas o egrégio Tribunal rejeitou o pedido de quebra, pois " não houve penhora, segundo certidão de fls. 20, porque o requerente não se interessou pelos bens da requerida, que lhe foram exibidos pelo Oficial de Justiça. Essa situação descaracteriza a hipótese legal que autoriza o pedido de quebra. Ela não é o não pagamento ou a não indicação de bens à penhora em execução, mas, se há bens a serem penhorados e a credora não se interessa por eles, o estado de falência não se caracteriza ".

A existência de bens para garantir de forma suficiente o valor pleiteado na execução singular afasta o estado de insolvência do devedor e sua falência não pode ser declarada, como muito bem decidiu o Superior Tribunal de Justiça, através da 3ª Turma, tendo como relator o Exmo. Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, ao julgar no dia 12/06/2001 o Resp. 233569/SP, cuja ementa é a seguinte:

Falência. Execução. Art. 2°, I, da Lei falimentar.

1. Havendo execução em curso, efetivada a constrição, sem a prova de sua insuficiência, não deve ser decretada a quebra.

2. Recurso especial não conhecido.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no dia 13/05/1997, através de sua 6ª Câm. Cív., tendo como rel. o Exmo. Sr. Des. Osvaldo Stefanello, ao julgar o recurso de Ap. civ. nº 597046051, reconhece que a falência é caracterizada pela insolvência do devedor e decide que:

" Ementa: pedido de falência com fulcro no inc. I do art. 2º da lei de quebras, enquanto pendente execução do valor, suspensa a pedido do credor em face a nomeação tardia de bem a penhora. Insolvência da devedora não comprovada. Sentença que desacolhe pedido. Confirmação. "

Sendo verificado após à penhora que os bens não são suficientes para garantir a execução singular deverá haver o reforço de penhora, para que novos bens possam ser penhorados para garantir a execução singular.

C) Da inexistência de bens em valor suficiente para garantir a execução singular

Não havendo bens livres para serem penhorados em valor suficiente para garantir a execução singular estará caracterizada a insolvência do devedor.Se o devedor não tem bens para serem penhorados, como falar da viabilidade econômica de sua empresa?


III - A lei de falência atualmente deve ser interpretada de forma a preservar e não de falir empresas

A atual legislação falimentar não pode ser utilizada como um instrumento rápido de cobrança de dívidas ( A ), mas ela deve ser interpretada de forma global para que as empresas viáveis sejam preservadas ( B ).

A) A falência não pode ser considerada o mecanismo mais rápido existente no direito brasileiro para se cobrar dívidas de comerciantes

A lei de falências vem sendo utilizada muitas vezes como o mecanismo mais rápido de cobrança de dívidas de comerciantes existente no direito brasileiro porque ao requerer a falência do devedor o credor obriga o devedor a realização do depósito elisivo ou a efetuar o pagamento do valor pleiteado. Quando não há o pagamento e é feito o depósito elisivo o recebimento do crédito pleiteado fica facilitado e o problema de se verificar se o devedor é ou não insolvente é esquecido, o que passa a ser analisado é somente o crédito pleiteado, ou seja, o direito subjetivo de crédito.

Para receber seu crédito de forma rápida o credor converte um processo ( executivo – ação de execução ) em outro ( cognitivo – ação de falência ) para forçar o devedor a efetuar de forma rápida o pagamento e isto não pode ser feita segundo o entendimento do Tribunal de Justiça de Goiás, que ao decidir no dia 16.12.97 através da 1ª Câm. Cív., tendo como relator o Exmo. Sr. Des. Arivaldo da Silva Chaves o recurso de agravo de instrumento nº 13110-5/180 afirma:

" Ementa: Execução. Conversão em falência. Art. 2ª, inc. I da LF. IMPOSSIBILIDADE. I- Incomportável em nosso ordenamento jurídico a conversão de um processo ( executivo – ação de execução ) em outro ( cognitivo – ação de falência ), que só admite conversão de procedimento dentro do mesmo processo. II – O art. 2º, inciso I da Lei de Falências caracteriza o estado falencial do executado que " não paga, não deposita a importância, ou não nomeia bens à penhora dentro do prazo legal ", sem contudo, autorizar a conversão do processo executivo em ação falimentar. Agravo conhecido e improvido. "

O Sr. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, integrante da 4ª T do STJ, ao proferir seu voto no Rec. esp. nº 157637-SC ( Reg. 97871894 ) em 01/09/98 demonstra sua preocupação com o desvirtuamento do processo de falência, onde credores apressados se utilizam deste instituto como o meio mais rápido para se cobrar dívidas judicialmente e esta atitude vem sendo reprimida:

" Comungo da preocupação manifesta mais de uma oportunidade pelo r. Tribunal de origem, quanto ao desvirtuamento do processo de falência. Esta deve ser o resultado de uma situação de insolvência que não possa ser de nenhum modo superada a não ser com a quebra da empresa, como todos os danos daí decorrentes; no entanto, tem servido a mais das vezes como instrumento de coação para a cobrança das dívidas. É preciso, portanto, examinar com certo rigor os pedidos de falência, para que não seja desvirtuada por credores apressados. "

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, através da 19ª Câm. Cív., tendo como relatora a Exma. Sra. Desembargadora Elba Aparecida Nicolli, ao julgar o recurso de agravo de instrumento nº 70000245068, decide no dia 21/12/1999 que " não pode o devedor sofrer os efeitos da quebra, nem esta servir como meio coercitivo para a obtenção de crédito que pode ser recebido através de ação executiva. Agravo provido. "

B) O formalismo da legislação falimentar felizmente vem sendo superado com observação a função social da atividade econômica

A legislação brasileira até pouco tempo atrás vinha sendo considerada extremamente formalista, mas hoje, após tantas falências injustamente declaradas por este apego ao formalismo, o judiciário começa a deixar de lado a questão formalista para salvar as empresas da falência ( a ), preservando os empregos e atendendo o interesse social de toda a coletividade (b ).

a) O formalismo da legislação falimentar vem sendo superado

A não indicação de bens à penhora dentro do prazo legal de 24 horas não prova, a priori, que o comerciante esteja em estado de insolvência. Mas, porque o credor pede a suspensão da ação executiva singular antes do cumprimento integral do mandado?

Certamente que se atendo a uma interpretação restrita e literal do artigo 2, inciso I da LF, no que se refere a ausência desta nomeação de bens à penhora dentro do prazo legal, ele requerer a falência do devedor para buscar receber seu crédito com urgência porque ele não quer esperar pelo procedimento normalmente demorado do processo de execução singular.

Até há pouco tempo atrás a legislação falimentar vinha sendo interpretada de forma restrita e literal. Esta forma de interpretação trouxe inúmeros problemas a muitas empresas, vindo a falí-las aos invés de recuperá-las. Atualmente, muitos de nossos julgadores, conscientes do papel que as empresas possuem para as coletividades, começam a interpretar a legislação falimentar visando a preservar a continuidade das atividades dos comerciantes que passam por dificuldades reversíveis. Vejamos alguns artigos que seguem esta nova orientação:

-O artigo 8º estabelece que:

" Art. 8º.- O comerciante que, em relevante razão de direito, não pagar no vencimento obrigação líquida, deve, dentro de 30 ( trinta ) dias, requerer ao juiz a declaração da falência, expondo as causas desta e o estado dos seus negócios e juntando ao requerimento..."

Como podemos ver, o legislador impõe ao devedor a obrigação de requerer sua própria falência se ele não pagar sua obrigação após 30 ( trinta ) dias da data de seu vencimento. Certamente que se este artigo fosse aplicado por todos os comerciantes de forma literal e restrita teríamos muitas empresas falidas.

Este artigo não é interpretado de forma restritiva, com exceção do pedido de autofalência e os devedores em atraso procuram seus credores para resolver seus problemas e evitam de pedir sua própria falência, demonstrando assim, que suas dificuldades são passageiras dando prosseguimento as suas atividades.

-Esta interpretação também deixa de ser literal quando se trata de aplicarmos o artigo 140, inciso II, da Lei Falimentar, o qual estabelece que:

Art. 140.- Não pode impetrar concordata:

II – o devedor que deixou de requerer a falência no prazo do artigo 8º;

Imagine só se este artigo fosse interpretado de forma limitada quantas empresas não teriam falido? A Lei de Falência não pode ser utilizada como um instrumento necessariamente destinado a falir o devedor comerciante, mas ela deve também ser vista como uma forma de preservar suas atividades e a recuperá-lo dos momentos econômicos difíceis e transitórios.

-O artigo 158, inciso IV da Lei 7661/45 estabelece que o devedor para pedir concordata preventiva não poderá ter títulos protestados:

Art. 158.- Não ocorrendo os impedimentos enumerados no art. 140, cumpre ao devedor satisfazer as seguintes condições


IV- não ter título protestado por falta de pagamento. "

Não é o número de protestos que impede o devedor comerciante de requerer concordata e sim o grau de sua dificuldade, ou seja, o devedor pode ter um título protestado por falta de pagamento no valor de R$ 5.000,00 ( cinco mil reais ) ou 10 ( dez ) de R$ 500,00 ( quinhentos reais ) e ser lhe concedida a concordata preventiva ou então ter somente um título protestado de R$ 50.000,00 ( cinqüenta mil ) e ter seu pedido negado. Tudo depende do estado econômico do devedor e de sua capacidade de recuperação.

-Assim como os artigos mencionados acima deixam de ser interpretados de forma restrita e literal, o mesmo deve ocorrer na falta de nomeação de bens à penhora dentro do prazo legal no processo de execução.

O artigo 2, inciso 1 no que se refere a parte de nosso estudo, não pode ser interpretado de forma simples, pois, a falência do devedor esta ligada ao seu conteúdo " estado de insolvência " e não a sua forma " o fato do devedor não ter nomeado bens à penhora ". É preciso que o mandado tenha sido integralmente cumprimento, pois, se não o foi, não se pode declarar a falência do devedor.

O Superior Tribunal de Justiça vem reconhecendo que não deve ser feita uma interpretação literal do artigo 2, inciso 1 da LF, evitando-se " a destruição da empresa ", como ficou expresso no julgamento do Resp nº 125398/RS proferido em 27/03/2000 pela Terceira Turma, tendo como rel. o Exmo. Sr. Min. Eduardo Ribeiro ficando claro que neste caso mesmo diante da nomeação intempestiva de bens " se recomenda que se prossiga a execução " e não se declare a falência. O Exmo. Sr. Min. Eduardo Ribeiro, no julgamento do Resp. 125399/RS realizado em 12/06/2000, através da Terceira Turma afirmou que " deve-se, entretanto, recusar interpretação literal ao constante desse dispositivo ( artigo, 2º, inciso 1 da LF ) ".

O artigo 2º, inciso 1 se for interpretado literalmente não permite que o devedor faça o depósito elisivo porque a defesa quando o pedido de falência for formulado com base no artigo 2, deve ser apresentada conforme o artigo 12 e este artigo não prevê a possibilidade da realização do depósito elisivo, previsto somente no artigo 11, §2º, quando o pedido for feito com base no artigo 1. A interpretação literal deste artigo também foi superada, admitindo-se o depósito elisivo ou o pagamento no caso do artigo 2, inciso 1, conforme se verifica na decisão proferida no Resp. nº 51855, proveniente da 3ª Turma do STJ, tendo como relator o Exmo. Sr. Min. Nilson Naves e publicada em 13/02/95. Ainda neste sentido vemos as seguintes decisões: Rec. Extr. 90.764-RJ, in RTJ 94/362-366; STJ, Resp. 6782-0-RS, RT, vol. 699/177-183.

Se o artigo 2, inciso I, da LF fosse interprestado em sentido estrito não precisaria nem haver defesa do devedor no processo falimentar porque o comerciante seria considerado falido pelo apego ao formalismo, pouco importando tomar conhecimento da sua situação econômica. Uma empresa com um patrimônio de R$ 10.000.000,00 ( dez milhões de reais ) e devendo somente R$ 100.000,00 ( cem mil reais ) seria considerada falida. Ao invés da empresa ser preservada a lei estaria sendo a maior produtora de falências de empresas viáveis!!!

Todos estes artigos não devem ser interpretados de forma literal e restrita porque o devedor que deixa de pagar sua obrigação pontualmente ou mesmo após 30 dias do seu vencimento, não pode, em princípio, ser considerado falido. Esta mesma situação se passa com o devedor comerciante que tem títulos protestados porque se sua dificuldade for passageira e não definitiva ele não pode ser considerado falido. Esta mesma interpretação deve ser feita dos artigos 1 ( ver Robson Zanetti. A flexibilização do deposito elisivo na legislacao falimentar. Cit. prec. ) e 2, inciso 1 da Lei Falimentar diante da ausência de nomeação de bens à penhora dentro do prazo legal, ou seja, quando a dificuldade do devedor for passageira e reversível, sendo a empresa viável, ela não pode ter sua falência declarada.

b) A lei falimentar deve preservar a continuidade das empresas viáveis

A Lei de Introdução ao Código Civil em seu artigo 5º estabelece que:

" Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum ".

CONCETTO MARIA RUGGERI, L’amministrazione controllata dopo la novella legislativa del 1978: bilanci ed esigenze di mutamento, in Il fallimento nº 4/1.190, p. 357, renomado autor italiano ( Robson Zanetti, obra citada anteriormente, p. 31 ) escreve:

" O interesse em salvar a empresa e demonstrar sua viabilidade não pode se restringir somente aos interesses dos credores e do devedor mas, da coletividade ".

O interesse que vem movendo a atual legislação falimentar é de preservar a empresa e não destruí-la. Os interesses particulares não estão acima dos interesses da coletividade.

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina decide através da sua 4ª Câm. Cív., tendo como rel. o Exmo. Sr. Des. Trindade, no ac. nº 00.007541-8, publicado no DJ em 05.02.2001 que:

" De todo inadmissível é que os credores de determinada empresa comercial, apenas em razão de disporem de título executivo levado a protesto, se utilizem do processo falitário como meio coercitivo de cobrança quando esgotados os meios suasórios para haver o crédito que têm. Na atual conjuntura econômica atravessada pelo país, faz-se inadmissível que o interesse de um único credor sobrepuje o interesse coletivo, levando à bancarrota,... , uma empresa comercial, gerando o caos social para aqueles que, diretamente ou indiretamente, dela dependem e que, por certo, engrossarão mais ainda a já interminável fila dos desempregados ".

O Exmo. Sr. Min. Nilson Naves, da 3ª Turma do STJ, ao julgar o Resp. nº 51855/SP em 13/02/1995, afirmou que:

" Pondere-se que a falência não há de ser perseguida como um fim em si mesmo, pois o escopo primordial reside na preservação da atividade empresarial. "

O interesse em preservar a empresa esta acima dos interesses individuais do credor e do devedor, pois deve ser do interesse da coletividade esta preservação.


Conclusão

A falência do devedor comerciante não deverá ser declarada diante da ausência de seu estado constitutivo de insolvência.

Entendemos que não é possível ser declarada a falência do devedor comerciante somente porque ele não nomeou bens à penhora dentro do prazo legal se não for dado cumprimento integral ao mandado na busca de bens a serem penhorados.

Não devemos nos apegar estritamente aos aspectos formais da atual legislação falimentar somente avaliando seu rótulo esquecendo-se do seu conteúdo, pois, se sempre nos prendermos aos seus aspectos formais, muitas empresas viáveis falirão.


Notas

1.Todos os grifos realizados neste artigo são de nossa autoria.


Autor

  • Robson Zanetti

    Robson Zanetti

    Advogado. Doctorat Droit Privé pela Université de Paris 1 Panthéon-Sorbonne. Corso Singolo em Diritto Processuale Civile e Diritto Fallimentare pela Università degli Studi di Milano. Juiz arbitral. Palestrante. Autor de mais de 150 artigos. Autor dos livros "Manual da Sociedade Limitada", "A prevenção de dificuldades e Recuperação de Empresas" e "Assédio Moral no Trabalho" (E-book).

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZANETTI, Robson. A determinação da falência do devedor comerciante diante da não nomeação de bens à penhora dentro do prazo legal no processo de execução singular. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2860. Acesso em: 28 mar. 2024.