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A busca da transparência na gestão pública: Lei de Acesso brasileira

A busca da transparência na gestão pública: Lei de Acesso brasileira

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No Brasil, no ano de 2011 foi aprovada a Lei nº 12.527, chamada Lei de Acesso à Informação e desde sua implementação em maio de 2012, o país vem trazendo algumas mudanças significativas, em órgãos governamentais em todas as esferas.

1 INTRODUÇÃO

O direito à informação sempre foi tema para discussão. A Declaração Universal dos Direitos do Homem, criada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro1948, estabelece, no parágrafo 5º que “Todo ser humano tem direito à liberdade na pesquisa da verdade (...) tem direito também à informação verídica sobre os acontecimentos públicos” [1].

Jardim (1999, p.2) aponta que o acesso à informação encontra no direito à informação o seu regime jurídico, a sua dimensão jurídica. A inclusão do direito à informação na Declaração dos Direitos Humanos de 1948 transforma o acesso aos arquivos em direito democrático de todos os cidadãos, e não mais uma reivindicação da pesquisa científica ou histórica.

Durante o século XIX, a consolidação dos ideais revolucionários proclamados no final do século anterior contribuíram para aumentar a abertura, ainda gradual, de acervos dos arquivos públicos que foram ganhando espaço e tornando generalizado o conceito de que os arquivos constituíam a base da pesquisa histórica, e, desse modo, os Estados tinham a obrigação de mantê-los acessíveis. Contudo, Duchein (tradução nossa, 1983, p.5) salienta:

 Em nenhum país – salvo na Suécia, caso único – o direito de acesso aos arquivos estava explicitamente vinculado ao exercício dos direitos democráticos, dito de outra maneira, as leis e os regulamentos foram concebidos para facilitar a investigação de índole histórica e erudita que se baseia nos documentos do passado, mas não para permitir que o cidadão comum conhecesse os procedimentos governamentais e administrativos recentes e atuais.

Durante a primeira metade do século XX, não é possível observar mudanças concretas com relação a esta questão. Todavia, no período posterior a II Guerra Mundial é possível então verificar uma mudança no contexto da documentação e seu estudo,  refletindo o conceito de acesso aos arquivos, iniciando também mudanças tanto na esfera pública quanto na privada. Principalmente as públicas, em direção a busca de uma transparência, alcançando alguns êxitos neste aspecto, principalmente aqueles países que buscavam reerguer-se após a guerra. Cabe salientar que nos dias de hoje, mais precisamente em 2010, o Conselho Nacional de Arquivos (CIA) (tradução nossa) estabeleceu na Declaração Universal sobre os Arquivos que:

[…] el carácter fundamental de los archivos en el apoyo a la conducción eficiente, responsable y transparente de negocios, protección de los derechos de los ciudadanos, fundamentación de la memoria individual y colectiva, comprensión del pasado, documentación del presente y orientación de las acciones futuras.[2]

O CIA estabelece ainda, princípios de acesso aos arquivos[3] que oferecem aos arquivistas uma base de referência internacional para avaliação das práticas e políticas de acesso existentes e um quadro para uso quando houver desenvolvimento ou modificação de regras de acesso. Sendo que os princípios de acesso aos arquivos abrangem também, os direitos de acesso pelo público, e a responsabilidade dos arquivistas em propiciar o acesso aos arquivos e às informações sobre eles. Porém, Fonseca (2007, p.1) destaca:

A questão do acesso aos arquivos não pode ser estudada do ponto de vista estritamente legal, embora não se possa negar a importância de serem estabelecidos legalmente os direitos de acesso aos documentos de arquivo e as exceções relativas ao direito de privacidade e de segurança do Estado.

O acesso é um elemento propulsor quando se busca o reconhecimento da transparência informativa. Pois o movimento do fornecimento das informações é essencial, cuja consequência mais importante é despertar no cidadão o sentimento de perceber-se como membro do contexto, atuando de maneira diferente, mais proativa. Cruz Mundet (2012, p.294, tradução nossa) afirma que “el derecho a la información es universal y no admite excepciones asumiendo así, la búsqueda del sentimiento del ciudadano sentirse integrado a su espacio.”.

O cidadão assume então um papel de corresponsável com a administração pública, pois com a aprovação da transparência no acesso a informação, ao constatar algum problema o cidadão pode encontrar soluções, de forma prática e acessível, amparados por leis que garantam seus direitos. A promoção da transparência e adoção de leis envolvendo a questão do acesso são aspectos que tem uma forte cobrança  mundial, para diferentes  países, principalmente aqueles que adotam regimes democráticos. Pois trata-se de passar maior credibilidade nas ações do governo, não somente para seus compatriotas como para o registro dos demais países com os quais mantém relações,  principalmente políticas, pois cerca de 90 países possuem leis que regulamentam este direito, o que demonstra que em várias partes do mundo já é reconhecido este Direito de acesso.

O acesso a informação como Direito fundamental também é reconhecido por importantes órgãos da comunidade internacional, como a Organização da Nações Unidades (ONU) e a Organização dos Estados Americanos (OEA). Neste contexto o Brasil não ficou indiferente a este panorama de elaboração de leis que venham a nortear e facilitar a transparência das informações que estão  nos setores, nos arquivos públicos ou privados, pois as entidades privadas sem fins lucrativos que recebam recursos públicos para a realização de ações de interesse público diretamente ou por meio de subvenções sociais, contrato de gestão,  termo de parceria, convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos similares, devem divulgar informações sobre os recursos recebidos e sua destinação.

2 LEI DE ACESSO A INFORMAÇÃO BRASILEIRA

Nos arquivos brasileiros a consulta por muitos anos foi regulamentada por normas institucionais, isto é, cada instituição fazia seu próprio regulamento em relação ao acesso. O governo não se preocupava com o acesso em si, e sim com o sigilo das informações, sendo que nos anos de 1964 a 1984 este país vivia no período da ditadura militar. Em 1988 na nova Constituição Federal aparece pela primeira vez no Brasil o tema Direito a Informação em uma constituição. O Artigo 216º, Capítulo III da constituição de 1988 dispõe que “Cabe a Administração Pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providencias para franquear a sua consulta a quantos dela necessitarem.” [4]

Considera-se que o grande impulso no sentido do acesso as informações para promover a transparência, no Brasil, foi em 1991, quando foi sancionada a Lei 8.159. Chamada, no Brasil, Lei dos Arquivos, na qual dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados e estabelece suas competências. Em seu artigo 4º - Capítulo I e aborda a questão do direito dos cidadãos a informação:

Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou de interesse coletivo ou geral, contidas em documentos de arquivos, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujos sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, bem como à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. [5]

Nesta mesma lei, no artigo 26º estabelece no capítulo V que “Fica criado o Conselho Nacional de Arquivos (CONARQ), órgão vinculado ao Arquivo Nacional, que definirá a política nacional de arquivos, como órgão central de um Sistema Nacional de Arquivos (SINAR)”.

No ano de 2002 a comunidade brasileira arquivística foi surpreendida por um novo Decreto – Decreto nº 4 553/2002[6], que aumentava os prazos e onúmero de autoridades competentes para atribuir sigilo aos documentos públicos, sendo isto inconstitucional, pois a lei determinava 30 anos como prazo máximo para a documentação e o novo decreto determinava 50 anos com o agravante de permitir sua renovação por tempo indeterminado, tornando-se assim antidemocrático.

Diante de tal fato, em 2003  o CONARQ  enviou ao presidente da república uma solicitação de revisão considerando todos os aspectos relativos ao acesso e busca pela transparência.  O presidente da época não revogou, e reafirmou o decreto com uma nova lei, Lei  nº11.111, de 5 de maio de 2005 como os prazos anteriormente apresentados ficaram em vigor até o ano de 2011 quando foi aprovada a conhecida Lei de acesso brasileira, a Lei nº 12.527. Esta lei foi sancionada pela Presidenta do Brasil em 18 de novembro de 2011 alterando a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1991 e revogando a Lei no 11.111, de 5 de maio de 2005[7]. Esta lei tem o propósito de regulamentar o direito constitucional de acesso dos cidadãos às informações públicas e seus dispositivos são aplicáveis aos três Poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). Esta lei foi regulamentada pelo Decreto nº 7.724, de 16 de maio de 2012.

A publicação da Lei de acesso as informações públicas significou um importante passo para a consolidação democrática do Brasil e também para o sucesso de ações de prevenção da corrupção no país. Por tornar mais transparentes a máquina administrativa nos diferentes poderes, também tornando possível uma maior participação da população e o controle social das ações governamentais, o acesso da sociedade as informações públicas permite que ocorra uma melhoria na gestão pública. Jardim (1999, p.3) ressalta:

Do ponto de vista do direito à informação, os aparelhos de Estado devem, portanto, comunicar suas atividades e o impacto que estas produzem na sociedade civil, à qual, por sua vez, deve ter assegurado o livre acesso a tais informações. O direito à informação transforma, ao menos teoricamente, o território administrativo em território partilhado, em espaço de comunicação.

A Lei de acesso ampliou os horizontes do cidadão, todavia o grande impacto foi as transformações necessárias para que a lei fosse cumprida e na forma de atuar e trabalhar com a informação não somente nesta esfera pública como na privada. A nova lei regulamenta o Direito de acesso a informação pública que ja estava prevista na Constituição Federal, no inciso XXXIII do Capítulo I – dos  Direitos e Deveres Individuais e Coletivos que dispõe que:

[...] todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.

A Constituição dispõe sobre os procedimentos a serem observados com relação ao acesso a informação pública no artigo 5º, inciso XIV, art. 37, § 3º, inciso II e no art. 216, § 2º. São exatamente estes os dispositivos que a Lei de acesso a informação regulamenta, estabelecendo requisitos mínimos para a divulgação de informações públicas e procedimentos para facilitar e agilizar o acesso por qualquer pessoa.  A grande aliada no cumprimento dos dispositivos das leis de acesso nos diferentes países são as tecnologias, dentre as quais, podemos destacar, por exemplo, o Portal da Transparência do Governo Federal Brasileiro.

Cada vez mais órgãos do governo da esfera federal, estadual ou municipal buscam criar páginas com links  que levem ao cidadão as informações que buscam, cumprindo assim os preceitos estabelecidos na Lei 12.527.  A partir de maio de 2012, estabeleceu-se um prazo para o governo por em prática a lei, várias ações foram adotadas e também está em um período de ajustes onde foi estabelecido que o dirigente máximo de cada órgão da Administração Pública designaria um responsável para acompanhar a implementação e desenvolvimento dos procedimentos previstos, bem como orientar sobre a aplicação das normas. Um exemplo é o Sistema Eletrônico de Serviço de Informação ao Cidadão (e-SIC), este serviço tem 20 dias podendo ser prorrogado por mais 10 dias para enviar uma resposta ao cidadão que o consulta.

3 CONCLUSÃO

A Lei de acesso possibilita dar a resposta que a sociedade merece ter, cabendo a sociedade fazer valer de seus direitos, pois somente uma administração transparente será capaz de lidar com eficiência e eficácia para atender as necessidades que a atual sociedade possui. O acesso aos dados que compõem os documentos e os fundamentam, contribuem para a democracia permitindo assim que os cidadãos participem de modo efetivo nas decisões da gestão. O cidadão bem informado tem melhores opções e condições de conhecer e exigir outros direitos essenciais, como saúde, educação e benefícios sociais. Por estes motivos, o acesso à informação pública vem sendo, cada vez mais, reconhecido como um direito em várias partes do mundo. Todavia, temos de concordar que quanto o acesso às informações administrativas, as possibilidades de uso são seletivas, ou seja, as demandas vêm ainda de um círculo limitado de cidadãos familiarizados com a administração, seus procedimentos e tecnologias. Neste contexto o papel do profissional da informação é garantir que nada ou qualquer outro instrumento impeça o cidadão de ter conhecimento de assuntos públicos. Desta forma, criando condições para  que sua circulação e acesso sejam da melhor forma, pois nossos instrumentos de acesso repercutem diretamente na forma e alcance da participação da sociedade na tomada de decisões sobre assuntos que lhe afetam. Assim, os arquivistas que junto a órgãos públicos são responsáveis que o direito a informação seja exercido no momento de atender ao cidadão tem-se configurado neste momento também como um Direito social, assumindo assim um papel como um profissional encarregado de  promover uma nova visão da cidadania.

Quanto ao registro e armazenamento dos arquivos, a Lei de acesso a informação praticamente não toca no assunto. Tendo apenas uma menção à  arquivo, mas não trata da gestão documental em si.           

A Lei de acesso mesmo com os ajustes que ainda estão fazendo foi um grande avanço para o Brasil, pois vem provocando mudanças na União, Estados, Distrito Federal e Municípios também estas esferas não tem em sua totalidade a prática de guardar as informações em áreas nobres. Aspecto que se pode complicar a implantação da Lei de acesso a informação. Não podemos  desejar dar acesso a informação se o arquivista não encontra a informação por ela estar desorganizada, caótica, ou guardada em depósitos em péssimas condições. Então, se espera  que com as novas tecnologias da informação as questões em torno dos arquivos como instrumentos de capacidade governamental na sociedade sejam cada vez mais contempladas e estudadas a fundo.

REFERENCIAS

FONSECA, Maria Odila. Direito à informação: acesso aos arquivos públicos municipais. 2007.

_____________________ Informação e direitos humanos: acesso às informações arquivísticas. Tese de Mestrado em Ciência da Informação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1996.

CRUZ MUNDET, José Ramón. Archivística: Gestión de documentos y administración de archivos. Madri, 2012.

DUCHEIN, Michel. Los obstáculos que se oponen al acceso, a la utilización y a la transferência de la información conservada em los archivos: um estúdio del Ramp. Paris: Unesco, 1983.

JARDIM, José Maria. O acesso à informação arquivística no Brasil: problemas de acessibilidade e disseminação. Mesa Redonda Nacional de Arquivos, 1999.

URBANETTO, Rosanara Pacheco. A recuperação da informação dos arquivos municipais no contexto normalizado.  Um estudo aplicado ao estado do rio grande do sul (brasil). Tese de Doutorado em Biblioteconomia e Documentação, Universidade de Salamanca, Salamanca, 2011.


[1] Disponível em: http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>.  Acesso: em 07 de maio 2013.

[2] Disponível em:<www.ica.org/download.php?id=2725>‎. Acesso em: 06 de maio 2013.

[3] Considera-se a palavra “arquivo” referente ao acervo arquivístico de uma instituição, e não à instituição em si.

[4] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso: em 05 de maio 2013.

[5] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8159.htm>. Acesso: 07 de maio 2013.

[6] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4553.htm>. Acesso: 05 de maio 2013.

[7] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm>. Acesso em 05 de maio 2013.


Autores

  • Tatiana Costa Rosa

    Possui Graduação em Marketing, educação a distância pela Faculdade de Tecnologia Internacional do Grupo Uninter (2010) e Graduação em Arquivologia pela Universidade Federal de Santa Maria (2013). É aluna do Curso de Especialização em Gestão de Arquivos da Universidade Federal de Santa Maria - Polo de Restinga Seca/RS. Tem interesse por pesquisas nas áreas: Arquivologia; Legislação e normalização arquivística.

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  • Rosanara Pacheco Urbanetto

    Rosanara Pacheco Urbanetto

    Possui graduação em Curso de Arquivologia pela Universidade Federal de Santa Maria (1982), mestrado em Pós Graduação Em Biblioteconomia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1997) e doutorado em Líneas de metodología de biblioteconomia e documentación pela Universidade de Salamanca (2011). Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal de Santa Maria e coordenadora do Curso de Arquivologia da UFSM. Tem experiência na área de Ciência da Informação, com ênfase em Organização de Arquivos, atuando principalmente nos seguintes temas: arquivologia, gestão de arquivos públicos, arquivo administrativo, legislação e normalização dos arquivos.

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