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Relações entre Estado e economia

um enfoque sobre o modelo de Estado Regulador e aspectos de sua aplicação no Brasil

Relações entre Estado e economia: um enfoque sobre o modelo de Estado Regulador e aspectos de sua aplicação no Brasil

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O exercício da atividade regulatória é feito, sucintamente, pelo sistema de proteção da concorrência, pelo sistema de proteção do consumo e pelas agências reguladoras.

SUMÁRIO: 1.  INTRODUÇÃO.. 2.  ESTADO E ECONOMIA..2.1  A ECONOMIA.. 2.1.1  Os Sistemas de Trocas.2.1.2  O Mercado. 2.1.2.1  Os Graus de Eficiência do Mercado para o Bem-Estar Social.2.1.2.2  Mercados Totalmente Competitivos.2.1.3 As Falhas de Mercado. 2.1.3.1  Poder de Mercado.2.1.3.2  Informações Incompletas. 2.1.3.3  Externalidades. 2.1.3.4  Bens Públicos.2.2  O ESTADO.. 2.2.1  O Estado Liberal.2.2.2  O Estado Social .2.2.3  O Estado Regulador .3  O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA BRASILEIRA DO SÉCULO XX.. 4  EMPRESA PRIVADA E EMPRESA PÚBLICA: UM ESTUDO COMPARATIVO DO DESEMPENHO ECONÔMICO.. 4.1  A TEORIA DO AGENTE-PRINCIPAL. 4.2 OS INCENTIVOS..4.3 comparação empírica do desempenho das empresas públicas e privadas . 4.4   estudo das empresas brasileiras privatizadas na década de 90 que passaram a figurar na lista das quinhentas maiores empresas privadas. 4.5  O ESTUDO DE PONTES LIMA E O ESTADO REGULADOR.. 5  O ESTADO REGULADOR..5.1  A PRESENÇA DA REGULAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988. 5.1.1  O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. 5.2  O DIREITO REGULATÓRIO.. 5.3  A ATIVIDADE REGULATÓRIA.. 5.3.1  A Intervenção do Estado na Economia e a Atividade Regulatória. 5.3.2  Características. 5.3.2.1  Independência do poder governamental. 5.3.2.2  Autonomia.5.3.2.3  Descentralização. 5.3.2.4  Subsidiariedade. 5.3.3  Normatividade. 5.3.3.1  A Legitimidade Democrática da Atividade Regulatória. 5.3.4  Meios da Atividade Regulatória.6  REGULAÇÃO ECONÔMICA NO BRASIL.. 6.1  Sistema de Proteção da Concorrência..6.1.1  CADE.. 6.1.2  SDE.. 6.2  Sistema de Proteção do Consumo..6.3  As Agências Reguladoras.. 6.3.1  As Agências Reguladoras no Brasil. 7  ESTADO REGULADOR NO BRASIL: ATUALIDADES. 8  CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.


1.  INTRODUÇÃO

Estado e Economia estão intimamente ligados. Há uma intersecção entre os seus objetivos e os meios para alcançá-los. Sem uma eficiente alocação dos recursos econômicos, o Estado não pode promover aos seus cidadãos nem mesmo os bens necessários para a sua sobrevivência, muito menos justiça social. A economia, por sua vez, se forma de um conjunto de relações entre pessoas, o qual sem normas claras impostas por um Estado soberano logo estaria em uma situação caótica, que obstaculizaria seu desenvolvimento.

Esse necessário relacionamento entre Estado e Economia pode ocorrer de várias formas. Historicamente pode-se citar o Estado Liberal, o Estado Social e o Estado Regulador. Por trás de cada uma dessas formas de Estado há diferentes realidades e objetivos econômicos.

Atualmente a realidade é de uma economia de mercado extremamente dinâmica e por vezes bastante técnica, em que predomina a lógica da economia capitalista de mercado. O objetivo, como define a Constituição da República brasileira, é uma ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social. Essa realidade econômica e esses objetivos estatais convergem para a implementação do modelo de Estado Regulador, o que já vem acontecendo. Prova disso são as privatizações e a criação de inúmeras Agências Reguladoras.

Desde o início da década de 1990 o Estado vem cedendo à iniciativa privada muitos dos serviços e bens que produzia. Atividades como geração e distribuição de energia (Eletropaulo), extração de reservas minerais nacionais (USIMINAS, CSN, Companhia Vale do Rio Doce), expansão e manutenção da infra-estrutura (TELEBRAS, privatização de rodovias e portos), etc. são deixadas nas mãos de agentes privados. Entretanto, por essas atividades serem de grande importância social, elas não podem ser exercidas de qualquer forma. A atuação privada nesses setores é regulada pelo Estado. Dentre as formas de se fazer essa regulação estão as Agências Reguladoras.

Em 1996 foi criada a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, primeira Agência Reguladora no Brasil, atuando em um setor extremamente importante e estratégico para a economia nacional. A partir de então criou-se inúmeras outras agências atuando em setores de não menos importância, como a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, a Agência Nacional do Petróleo – ANP, Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, a Agência Nacional de Águas – ANA, a Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC, entre outras.

Como se pode perceber, a realidade apresenta vários indícios de que o Brasil caminha em direção ao modelo regulador de Estado. E se caminha nessa direção, é imprescindível conhecer melhor o destino que ela reserva. Assim, o objetivo deste trabalho é fazer um estudo sobre a relação entre o Estado e a economia, com enfoque sobre o Estado Regulador, bem como sobre os aspectos da implementação desse modelo no Brasil.     


2.  ESTADO E ECONOMIA

2.1  A ECONOMIA

De acordo com a teoria do Big Bang toda a matéria existente hoje no universo encontrava-se centrada no átomo original, superdenso e extremamente quente. Em dado momento, há cerca de 20 bilhões de anos, teria ocorrido a explosão que deu origem ao universo (COELHO, 1996, p. 8). Apenas após 15 bilhões de anos teria surgido o planeta Terra, com características tais que permitiram a formação de seres vivos. Estes, ao longo dos anos, evoluíram pela seleção natural feita pelo ambiente e interação com outros seres vivos. Muitas espécies surgiram, muitas se extinguiram e algumas remanesceram por um período de tempo mais longo. Em meio a este processo, há cerca de cem mil anos, desenvolveu-se a espécie dos Homo sapiens, que assim como os outros seres vivos pode ser extinta e dar lugar a espécies mais adaptadas aos novos meios que surgirem. O próprio Sistema Solar não é eterno, sendo que alguns cientistas prevêem seu final daqui a cinco bilhões de anos.    

Durante a sua existência a espécie dos Homo sapiens, assim como qualquer outro animal, precisa suprir algumas necessidades que são essenciais para a sua sobrevivência (manter o seu corpo e mente funcionando): alimentar-se, abrigar-se das intempéries naturais, proteger-se contra o frio e o calor, etc. Interessante é o modo como esta espécie fez e vem fazendo isso. Sua capacidade de elaborar instrumentos e de planejar abstratamente as suas ações parece ter lhe conferido o poder de alterar o ambiente a sua volta mais do que qualquer outro ser vivo deste planeta. E as formas como cada grupo de seres humanos alteram o meio em que vivem dependerá da criatividade de cada um desses grupos e dos diferentes desafios que cada ambiente impõe aos seus hóspedes hominídeos. A consolidação da forma como um grupo soluciona suas dificuldades comumente dá origem a costumes, tradições e valores sociais que passam de geração para geração, dando origem a crenças, mitos, lendas, idiomas, diferentes formas de mercado e inclusive a formas de Estado, de Governo, de Sistemas de Governo, Regimes Políticos e leis[1].

As técnicas, instrumentos e instituições desenvolvidas por cada grupo com o decorrer da história humana, além dos recursos naturais presentes em cada região geográfica, tiveram e têm grande influência sobre o modo como a riqueza (material e intelectual) se distribui atualmente entre os países e entre as pessoas que neles vivem. Assim, a revolução neolítica (há cerca de 10.000 anos) em que homens e mulheres iniciaram o cultivo de plantas e a domesticação de animais, a invenção da escrita cuneiforme pelos sumérios (há 2000 anos), a elaboração do Código de Hamurábi no Primeiro Império Babilônico (2000 a.C. a 1750 a.C.), o desenvolvimento da filosofia e das artes na Grécia Antiga, o fortalecimento e expansão da religião católica na Idade Média, o início da expansão muçulmana no século VI, o mercantilismo, a expansão marítima lusa no século XV, as reformas religiosas, a Revolução Industrial e o Iluminismo do século XVIII, as doutrinas socialistas do século XIX, a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, a Guerra Fria, o desenvolvimento da Informática e a intensificação da globalização, são apenas alguns fatos e acontecimentos da história ocidental que determinam o atual estado das técnicas, instrumentos, instituições e distribuição de riqueza em alguns paises.  

A fabricação de objetos e a modificação de ambientes pode ser feita de várias formas, mas todas exigem matéria prima, trabalho (físico e intelectual) e tempo. O fato é que dependendo da forma escolhida, pode-se despender menos ou mais matéria prima, trabalho e tempo. Portanto, o desenvolvimento e aperfeiçoamento de instrumentos, técnicas e instituições é essencial para suprir as necessidades humanas de forma mais eficiente e eficaz[2]. O campo de estudo da ciência econômica abrange essas questões, sendo que de acordo com Paul Samuelson “economia é uma ciência social que estuda a administração dos recursos escassos entre usos alternativos e fins competitivos[3].”

2.1.1  Os Sistemas de Trocas

Imagine-se uma pessoa que vive sozinha em uma ilha dotada de grande variedade e abundância de recursos naturais. Se esta pessoa quiser água fresca, bastará ir até o rio de águas quase cristalinas, onde também poderá pescar deliciosos peixes que nele nadam em abundância. Para construir e reparar seu abrigo, madeira não faltará, há toda uma floresta repleta de grandes árvores, das quais também poderá colher frutas suculentas. A fauna da ilha não fica para trás, a diversidade de animais é grande, havendo carne em abundância para o habitante humano desta ilha. Muitos diriam que é uma ilha paradisíaca, mas esquecem que para desfrutar desses recursos naturais é preciso trabalho (ir até o rio, pescar, colher frutas, caçar, cortar madeira, construir e reparar o abrigo...) e uma vez que a pessoa deste exemplo vive sozinha nesta ilha, ela terá de fazer tudo ou a fome, o frio, a tempestade e os animais selvagens a matarão.

Imagine-se agora que ao invés de apenas uma pessoa, morasse na ilha um grupo de pessoas. Inicialmente, pode-se supor que cada uma cuidaria da sua própria sobrevivência, de modo que todos pescariam, caçariam, construiriam seus abrigos, etc. Mas, como as pessoas têm habilidades diferentes, alguns obteriam ótimos resultados da caçada, outros deixariam de almoçar, mas seriam capazes de construir belos e fortes abrigos. Alguns seriam exímios pescadores, outros conheceriam todos os segredos dos traiçoeiros caminhos pelas florestas e conseguiriam coletar as mais deliciosas e raras frutas. Assim, seria quase natural que os membros desse grupo começassem a fazer trocas: o bom construtor faria uma casa para o caçador e este caçaria para ele; o pescador entregaria alguns peixes para o coletor de frutas e este o recompensaria com suas frutas, etc. Assim, cada membro do grupo poderia desfrutar de todos os recursos naturais da ilha apenas se dedicando à atividade em que é habilidoso, o que não aconteceria se cada um se dedicasse a todas as atividades. O mecanismo que possibilita essa melhora no bem estar coletivo é a troca. Para complementar essa reflexão, interessantes são as palavras de Adam Smith (1983, p. 49):

Essa divisão do trabalho, da qual derivam tantas vantagens, não é, em sua origem, o efeito de uma sabedoria humana qualquer, que preveria e visaria esta riqueza geral à qual dá origem. Ela é a conseqüência necessária, embora muito lenta e gradual, de uma certa tendência ou propensão existente na natureza humana que não tem em vista essa utilidade extensa, ou seja: a propensão a intercambiar, permutar ou trocar uma coisa pela outra. (...)De qualquer maneira, essa propensão encontra-se em todos os homens, não se encontrando em nenhuma outra raça de animais, que não parecem conhecer nem essa nem outras formas de contratos. (...) Numa sociedade civilizada, o homem a todo momento necessita da ajuda e cooperação de grandes multidões, e sua vida inteira mal seria suficiente para conquistar a amizade de algumas pessoas. (...) O homem tem necessidade quase constante da ajuda dos semelhantes, e é inútil esperar esta ajuda simplesmente da benevolência alheia. Ele terá maior probabilidade de obter o que quer, se conseguir interessar a seu favor a auto-estima dos outros, mostrando-lhes que é vantajoso para eles fazer-lhe ou dar-lhe aquilo de que ele precisa.

E com o passar do tempo e evolução das sociedades humanas, essas trocas ocorrem em âmbitos cada vez maiores, como ensinam os respeitados economistas Paul R. Krugman e Maurice Obstfeld (2005, p. 7):

Os países participam do comércio internacional por dois motivos básicos, e cada um deles contribui para seu ganho do comércio. Primeiro, os países fazem comércio porque são diferentes uns dos outros. As nações, como os indivíduos, podem se beneficiar de suas diferenças chegando a um arranjo em que cada uma produza as coisas que faz melhor em relação aos demais. Segundo, os países fazem comércio para obter economias de escala na produção. Isto é, se cada país produz somente uma gama limitada de bens, pode produzir cada um desses bens em uma escala maior e, portanto, mais eficientemente do que se tentasse produzir tudo. No mundo real, os padrões do comércio internacional refletem a interação de ambos os motivos.

2.1.2  O Mercado

A sofisticação das trocas levam também à formação dos mercados. Uma boa definição de mercado foi elaborada por Robert S. Pindyck e por Daniel L. Rubinfeld (2004, p. 7):

Podemos dividir as unidades econômicas individuais em dois grandes grupos de acordo com sua função – compradores e vendedores. Os compradores abrangem os consumidores, adquirem bens e serviços; e as empresas, que adquirem mão-de-obra, capital e matérias-primas que utilizam para produzir bens e serviços. Entre os vendedores estão as empresas, que vendem bens e serviços; os trabalhadores, que vendem seus serviços; e os proprietários de recursos, que arrendam terras ou comercializam recursos minerais para as empresas. Nitidamente, a maioria das pessoas e das empresas atua tanto como comprador quanto como vendedor; verificaremos, contudo, que é prático pensar nelas simplesmente como compradores quando estão adquirindo, e vendedores quando estão vendendo alguma coisa. Em conjunto, compradores e vendedores interagem, originando os mercados. Um mercado é, pois, um grupo de compradores e vendedores que, por meio de suas reais ou potenciais interações, determina o preço de um produto ou de um conjunto de produtos.  

2.1.2.1  Os Graus de Eficiência do Mercado para o Bem-Estar Social

As trocas têm a capacidade de aumentar o bem-estar das pessoas. Se feitas de acordo com a vontade dos indivíduos (ambas as partes aceitam a troca por vontade própria) elas tendem a tornar a alocação dos recursos mais eficiente, fazendo com que a economia seja mais próspera. Há entretanto diferentes ambientes em que essas trocas podem ser feitas. Em determinado ambiente ideal, as trocas maximizarão o aumento de bem-estar dos indivíduos. Já em um ambiente desfavorável, ela pode até piorar a condição coletiva de uma comunidade. Qual seria então esse ambiente ideal?

Em seu manual de Microeconomia, o professor do Banco Mitsubishi de economia e finanças da Faculdade de Administração de Sloan no MIT, Robert S. Pincyck e o professor da Robert L. Bridges de direito e professor de economia da Universidade de Califórnia, Daniel L. Rubinfeld chegam às seguintes conclusões (2004, p. 595):

Em primeiro lugar, mostramos que, para qualquer alocação inicial de recursos, um sistema competitivo de trocas entre os indivíduos, seja no mercado de bens finais, no mercado de insumos ou no mercado de produção, levará a um resultado economicamente eficiente. O primeiro teorema do bem-estar econômico nos diz que um sistema competitivo, baseado nos próprios interesses de consumidores e produtores, bem como na capacidade que os preços de mercado têm para transmitir informações a ambas as partes, conseguirá uma alocação eficiente de recursos. Em segundo lugar mostramos que, com preferências convexas dos consumidores, qualquer alocação eficiente de recursos pode ser alcançada por meio de um processo competitivo com uma redistribuição viável desses recursos. (...) Ambos os teoremas do bem-estar econômico dependem crucialmente da suposição de que os mercados são competitivos. Infelizmente, nenhum desses resultados necessariamente se mantêm quando, por alguma razão, os mercados deixam de ser competitivos. (grifo nosso).

Assim, o ambiente ideal seria aquele em que se permite abertamente que haja competição entre os agentes econômicos, isto é, que haja concorrência. E isso é simples de ser compreendido. Suponha-se que em um bairro afastado do centro da cidade só haja uma padaria num raio de dez quilômetros. O padeiro, se aproveitando da situação, cobra um preço bem mais alto pelo seu pão do que as padarias do centro. Os moradores acham o preço um absurdo, mas acabam comprando lá porque ir até o centro tomaria muito tempo e, além disso, haveria gasto com transporte. Observando tudo isso, um morador da região conclui que montar uma padaria é muito lucrativo e abre uma outra padaria na região. Um mês depois, o dono da primeira padaria vê que suas vendas estão diminuindo por causa da nova padaria e, querendo recuperar a freguesia, resolve abaixar um pouco o preço. O segundo padeiro reage e além de abaixar seu preço, faz um pão de melhor qualidade. E assim por diante. Enquanto isso, a comunidade local se beneficia com preços melhores e pães cada vez mais gostosos. Basta aplicar esse raciocínio para os diversos bens produzidos e os variados serviços ofertados em suas diferentes magnitudes, para compreender a razão pela qual um ambiente que permite a concorrência aumenta o bem-estar social.

 Se o mercado competitivo traz vantagens sociais em relação aos não-competitivos, é natural que se queira que o mercado regional ou nacional seja competitivo. Mas, qual são as características que tornam um mercado competitivo?

2.1.2.2  Mercados Totalmente Competitivos           

Mercados totalmente competitivos são o ideal de efetividade econômica quanto ao bem-estar social. Existem três características essenciais para que um mercado se enquadre nesse grupo: a aceitação de preços, a homogeneidade de produtos e a livre entrada e saída.

A aceitação de preços, segundo Robert S. Pindyck e Daniel L. Rubinfeld (2004, p. 250) pode ser esclarecida da seguinte forma:

Muitas empresas participam de mercados em que cada uma delas enfrenta um número significativo de empresas concorrentes. Como cada empresa vende uma parte suficientemente pequena do total da produção que vai para o mercado, as suas decisões não influenciam o preço ali fixado. Ou seja, cada empresa segue o preço de mercado. Em outras palavras, as empresas em mercados totalmente competitivos são aceitadoras de preços.

Para que a idéia da aceitação de preços fique mais clara, segue-se um exemplo. Um alimento bastante comum no Brasil é o feijão, de modo que muitos agricultores cultivam-no para atender a grande demanda. Como há muitos agricultores, se um deles resolver sozinho aumentar o seu preço, simplesmente os compradores vão comprar dos outros agricultores e ele provavelmente não venderá nem um quilo de feijão. Assim, ele terá que aceitar o preço de mercado.

Outra característica do mercado totalmente competitivo é a homogeneidade de produtos.  Robert S. Pindyck e Daniel L. Rubinfeld (2004, p. 250) assim a esclarecem:

A aceitação de preços usualmente ocorre em mercados nos quais as empresas produzem produtos idênticos ou quase idênticos. Quando os produtos de todas as empresas em um mercado são substitutos perfeitos entre si, isto é, quando eles são homogêneos nenhuma delas pode elevar o preço de seu próprio produto acima do preço praticado pelas outras empresas, porque, nesse caso, perderia todos ou a maior parte dos negócios. Muitos produtos agrícolas são homogêneos. Como a qualidade do produto é relativamente similar entre as fazendas de uma dada região, os compradores de milho, por exemplo, nunca perguntam em que pedaço de terra cresceram os grãos que pretendem adquirir. Petróleo, gasolina e matérias-primas como cobre, ferro, madeira, algodão ou folhas de aço são também bastante homogêneos. Os economistas costumam se referir a produtos caracterizados pela homogeneidade como commodities.

A última característica é a livre entrada e saída. Quando uma mercadoria a detém, significa que não há custos especiais que tornem difícil entrar nesse mercado e ao mesmo tempo, se o empreendedor não obtiver sucesso, não terá tantos prejuízos em deixar esse mercado. Deste modo, quando há livre entrada e saída, os mercados mais lucrativos vão atrair novos empreendedores, que poderão entrar facilmente nesses mercados e competir com as empresas que já estavam estabelecidas. Mais empreendedores em um ramo significa mais oferta, o que pode fazer o preço abaixar, diminuindo a lucratividade. Se esta se tornar muito baixa, algumas empresas tenderão a abandonar esse mercado, o que também não será difícil, pois não terão grandes prejuízos ao deixar o ramo. Neste livre entra e sai de empresas de acordo com a lucratividade de cada mercado, os preços vão encontrando sucessivos pontos de equilíbrio, não ficando nem muito altos nem muito baixos. Eis aí um dos mecanismos que tornam o mercado totalmente competitivo socialmente eficiente. As palavras de Robert S. Pindyck e Daniel L. Rubinfeld (2004, p. 251) complementam a explicação:

A suposição de livre entrada e saída é importante para que a competição seja efetiva. Ela significa que os consumidores podem mudar facilmente para uma empresa rival se o fornecedor usual aumentar o preço. Do ponto de vista dos negócios, significa que uma dada empresa pode entrar livremente em um ramo industrial se perceber que há oportunidade de lucro, podendo também sair caso esteja tendo prejuízos. Além disso, essa empresa está livre para contratar mão-de-obra e para adquirir capital e as matérias-primas necessárias, podendo livremente revender ou realocar esses fatores de produção caso tenha de encerrar o negócio ou mudar de ramo.

São essas as três características básicas para que um mercado seja e se mantenha totalmente competitivo e seja um ambiente propício a um maior bem-estar social. A questão é que no mundo real, são raros os mercados que por si próprios apresentam essas características. Ou seja, poucos são os mercados socialmente efetivos. A razão para isso são o que se chama de falhas de mercado.      

2.1.3 As Falhas de Mercado

Como se viu, o mercado ideal do ponto de vista do bem-estar social é aquele em que há competitividade, concorrência sem entraves. Entretanto, intrínseco à própria estrutura dos mercados, há falhas de mercado. De tal modo que, se o mercado for deixado por si próprio, sem maiores intervenções[4], não se produzirá no mundo real aquilo que se classifica como mercado ideal.

  Segundo Robert S. Pindyck e Daniel L. Rubinfeld, as falhas de mercado são causadas por quatro razões básicas: poder de mercado, informações incompletas (ou assimetria de informações), externalidades e bens públicos.        

2.1.3.1  Poder de Mercado

O poder de mercado é a capacidade que alguns agentes econômicos podem ter de influenciar o preço e a demanda de uma mercadoria dependendo do seu comportamento no mercado. As principais formas de poder de mercado são o poder de monopólio e o poder de monopsônio.

O poder de monopólio é o poder que os vendedores têm de influenciar o preço de sua mercadoria. Já o poder de monopsônio é o poder que os compradores têm de influenciar o preço da mercadoria a ser comprada de acordo com a quantidade que vão comprar[5].

Quando um agente econômico tem poder de monopólio ele vende menos mercadorias e a um preço maior do que se o mercado fosse totalmente competitivo. E no caso de poder de monopsônio o agente econômico compra mais mercadorias a um preço menor do que se estivesse submetido às regras de um mercado competitivo. Isso é claramente prejudicial ao bem-estar social.

Assim, é interessante que se estude as fontes do poder de monopólio e do poder de monopsônio. As fontes do poder de mercado são: a elasticidade da demanda de mercado, o número de empresas e a interação entre as empresas.

a) Elasticidade da demanda de mercado

 A elasticidade da demanda de mercado é um índice econômico que mede o quanto a demanda de uma mercadoria aumenta ou diminui (em percentual) quando o preço dessa mercadoria diminui ou aumenta em uma unidade porcentual. Veja-se um exemplo. Sabe-se que ao preço de 10 unidades monetárias vende-se 100 unidades de uma mercadoria e se o preço subir para 10,50 unidades monetárias, vende-se apenas 90. Assim, quando o preço aumenta em 5% vende-se -10% unidades da mercadoria. Quanto mais um mercado é elástico significa que um aumento (diminuição) de preço causa uma grande diminuição (aumento) no número de unidades vendidas. Quanto mais um mercado é inelástico significa que um aumento (diminuição) de preço causa uma pequena diminuição (aumento) no número de unidades vendidas. 

O que gera poder de mercado é a inelasticidade da demanda de um mercado[6]. Assim, essa empresa pode aumentar o preço de sua mercadoria sem que as vendas diminuam muito. Isso faz com que aumentar o preço e vender um pouco menos possa ser mais lucrativo do que manter um preço baixo e vender apenas um pouco a mais. E como, nessa lógica, os empresários serão incentivados pelo próprio mercado a vender a um preço mais alto, isso diminui o bem-estar social. Se houvesse concorrência aberta ela impediria esse aumento de preço, mas se uma empresa atuar sozinha no mercado, ela tenderá a escolher o caminho que mais lhe gere lucros.

Um caso de demanda inelástica é a do petróleo na década de 1970. Nessa época, mais do que hoje, não havia muitas alternativas para combustível sem ser os derivados de petróleo. Some-se a isso que o combustível é essencial para muitas atividades e pronto, já se tem caracterizado um caso de mercado com poder de monopólio. Mesmo que o preço do petróleo aumentasse, muitas pessoas continuariam a ter que comprar a mesma quantidade de quando o preço era menor. Bastou que os países da Opep aumentassem o preço de seu “ouro negro” para que muitos países, tendo que comprar os barris a preços astronômicos, entrassem em recessão. Graças ao poder de monopólio advindo da inelasticidade da demanda do mercado de petróleo, os países da Opep tiveram grandes lucros. A coletividade, entretanto, saiu perdendo.

b) O número de empresas

Apenas vender um produto cujo mercado tenha baixa elasticidade (é a mesma coisa que dizer que o mercado é inelástico) não é suficiente para que o empresário tenha poder de monopólio. O produto pode ser extremamente essencial para as pessoas, de modo que ninguém deixaria de comprá-lo, mas se houver muitas empresas vendendo este produto, se uma empresa aumentar o seu preço, simplesmente os consumidores comprarão dos outros. Ou seja, quando há várias empresas participando de um mercado, quando apenas uma aumenta o seu preço, esta perde seus clientes para as outras. Assim, outra fonte do poder de monopólio é o número de empresas que participam de um mercado[7].

c)  A interação entre as empresas

A interação entre as empresas é talvez a fonte mais determinante de poder de mercado. A forma como as empresas se comportam uma em relação à outra define, muitas vezes, se elas terão ou não poder de mercado[8]. Imagine-se que haja três empresas atuando em uma mesma atividade econômica. É um número baixo, mas se elas concorrerem ferozmente entre si, competindo para ver quem consegue vender pelo menor preço e com mais qualidade para tomar os clientes das outras, nenhuma delas terá poder de mercado. Será, na verdade, um mercado muito próximo ao totalmente competitivo.  Por outro lado, essas empresas podem agir em conjunto, formulando estratégias comuns etc. Em casos extremos podem formar um cartel, concordando explicitamente em limitar os níveis de produção e aumentar os preços; o aumento coordenado de preços pelas empresas, em vez de um aumento individual, apresenta maiores probabilidades de lucro, portanto a união das empresas pode gerar um substancial poder de monopólio[9]

2.1.3.2  Informações Incompletas

Uma outra causa para que muitos mercados não sejam abertamente competitivos são as informações incompletas ou informações assimétricas. A idéia é simples e instintiva: a quantidade de informações que vendedores e compradores têm sobre o produto a ser negociado é diferente. Comumente o vendedor conhece mais o produto do que o comprador.

Imagine-se, por exemplo, o mercado de carros usados. Nesse mercado, muitas vezes o vendedor é o antigo dono. Com certeza ele conhece mais sobre o estado do veículo do que o comprador. Sabe se ocorreram batidas, se depois de estar um tempo funcionando o motor esquenta excessivamente, se há algum defeito oculto etc. Já o comprador sempre terá dúvidas do que pode ter acontecido com o carro. Há informações assimétricas. A dificuldade que isso gera é que o comprador desconfiará tanto dos carros usados em ótimo estado quanto daqueles com diversos defeitos ocultos. E isso ocorre simplesmente porque ele não pode saber o que realmente aconteceu. Decorre que, ao invés de carros bem conservados serem vendidos por preços mais altos do que carros com defeitos ocultos, ambos acabam sendo vendidos por preços muito próximos.

O problema gerado pela assimetria de informações é simples de ser constatado. Imagine-se duas pessoas, João e José. Ambos compraram um carro novo da mesma marca e modelo em março do ano passado. Após um mês, ambos tinham rodado 250 quilômetros. O carro de João estava totalmente conservado, sem nenhum defeito oculto. Já o carro de José,  pelo seu hábito de participar de rachas, já tinha alguns problemas, mas aparentemente estava tão bom quanto o de João. Coincidentemente, ambos decidem vender seus carros. Como não há meios simples de se verificar as reais condições dos carros, os compradores desconfiam do carro de João tanto quanto do carro de José. E ambos vendem por praticamente o mesmo preço. Se os compradores soubessem que o carro de João estava em melhores condições do que o de José, certamente João teria vendido seu carro por um preço bem melhor do que José, o que também seria mais justo.

Para esclarecer como tudo isso acarreta em perda de bem-estar, segue a explicação de Pindyck e Rubinfeld (2004, p. 604):

No exemplo com automóveis usados[10] fica claro como as informações assimétricas podem resultar em falha do mercado. Em um mundo ideal, com mercados em pleno funcionamento, os consumidores teriam a possibilidade de escolher entre automóveis de baixa qualidade e de alta qualidade. Enquanto alguns escolherão os automóveis de baixa qualidade devido ao fato de custarem menos, outros preferirão pagar mais e obter automóveis de alta qualidade. Infelizmente, no mundo real, os consumidores não podem determinar facilmente a qualidade de um automóvel  usado antes que o tenham adquirido. Consequentemente, o preço dos automóveis usados cai e os automóveis de alta qualidade são afastados do mercado. A falha de mercado ocorre, portanto, porque há donos de automóveis de alta qualidade que os avaliam por um preço maior do que o fazem seus compradores potenciais. Como resultado, há ganhos derivados da troca que ambas as partes poderiam obter em princípio. Infelizmente, a falta de informações por parte dos compradores impede que a troca mutuamente vantajosa ocorra.

2.1.3.3  Externalidades           

Diversos produtos só são produzidos e diversos serviços só são ofertados porque há empresas e pessoas atuando na economia. Cada vez que alguém pratica atos, há conseqüências. Essas conseqüências podem ser boas ou ruins. Muitas delas retornam para aquele que pratica os atos, mas há aquelas que atingem apenas terceiros. Essas conseqüências de uma ação ou omissão cujos custos ou cujos benefícios o autor da ação não recebe são as externalidades. Quando elas beneficiam terceiros são chamadas de externalidades positivas e quando prejudicam terceiros de externalidades negativas[11].

Veja-se o caso de uma indústria de beneficiamento de metais recém instalada. Desde que começou a funcionar, a indústria joga seus efluentes diretamente em um rio, sem nenhum tratamento prévio. Ocorre que alguns quilômetros correnteza abaixo reside um povoado ribeirinho, cuja principal fonte de renda é a pesca. Apenas alguns meses depois da indústria ter começado a sua atividade, devido aos efluentes jogados no rio, a quantidade de peixes nas águas havia se reduzido drasticamente. Além disso, os poucos peixes que os ribeirinhos conseguiam pescar estavam deformados ou impróprios para consumo. Eis aí uma externalidade negativa. O prejuízo que a indústria causa ao povoado ribeirinho não a atinge diretamente, pois a morte dos peixes não lhe acarreta nenhum custo financeiro[12]. Economicamente, o dono da indústria não tem incentivos para se preocupar com as conseqüências de jogar dejetos no rio.

O mesmo raciocínio se aplica em relação aos donos de carros em relação ao meio ambiente (como a poluição do carro não causa prejuízos diretos e significativos ao motorista, ele tende a não se preocupar com isso), a todas as fábricas e indústrias que poluem o meio ambiente, aos fumantes em relação aos não fumantes (a fumaça dos fumantes prejudica os não fumantes, mas sem nenhum custo direto para quem esta fumando) etc. Há também casos ambíguos, como a construção de um aeroporto em uma cidade. Ter um aeroporto na cidade traz inúmeras vantagens em termos de infra-estrutura e transporte para a população local, que não reverte necessariamente em lucro para o aeroporto (em casos de aeroportos privados). Entretanto, caso o aeroporto tenha sido construído nas proximidades de um bairro residencial, provavelmente o valor dos imóveis abaixará, devido aos freqüentes e incômodos ruídos causados pela decolagem e pouso dos aviões. Esse prejuízo também não se reverte em custos para o aeroporto, sendo uma externalidade negativa. 

Imagine-se também a construção de um grande shopping em um bairro um pouco afastado do centro da cidade. Com a esperada inauguração, pessoas de várias regiões da cidade começam a ir mais frequentemente àquele bairro. Como ele se torna mais movimentado, redes de supermercado também resolvem desfrutar daquele mercado. Pouco a pouco os imóveis daquele bairro vão se valorizando, além de tornar mais prática a vida dos moradores locais. Todas essas vantagens, embora impulsionadas pelo shopping, não são revertidas para os seus donos. São externalidades positivas.

Tantos as externalidades negativas quanto as positivas são falhas de mercado. As negativas são falhas porque elas permitem que pessoas causem prejuízos aos outros sem nenhuma conseqüência, incentivando a permanência dessa situação. Claramente elas diminuem o bem-estar social. Se cada um fosse concretamente responsabilizado pelos prejuízos que causa, as pessoas tenderiam a evitar tais atos ou a pensar em alternativas. Já em relação às externalidades positivas, se aqueles que beneficiam terceiros recebessem um retorno em troca, mais pessoas pensariam em como atuar de forma a aumentar o bem-estar social. Como, para aqueles que o fazem não há retorno, poucos atuam nesse sentido, e os que o fazem, muitas vezes acabam fazendo sem querer.         

2.1.3.4  Bens Públicos

Para suprir as diversas necessidades humanas diferentes bens são produzidos ou ofertados. Cada um tem as suas peculiaridades. Os que são chamados de bens públicos têm duas características específicas: são bens não disputáveis e não exclusivos[13].

Ser não disputável significa que não há custos adicionais para que mais pessoas usufruam de um bem. É o caso da iluminação pública. Uma vez iluminada a rua, tanto faz se isso beneficia dez ou vinte pessoas, o custo é o mesmo. Outro exemplo é a segurança nacional. Não é porque nasce mais um cidadão que o exército que cuida das fronteiras nacionais da região amazônica terá mais custos. Outro exemplo são os canais de televisão abertos. Não importa quantas pessoas estejam assistindo aos programas, o custo das emissoras é o mesmo.

A outra característica de um bem público é ser não exclusivo. Isso significa que não se pode impedir as pessoas de consumi-los. O exemplo é novamente a iluminação pública. Não há como determinar que um poste iluminará a rua apenas para determinadas pessoas. Qualquer um que passar por ali automaticamente estará sendo iluminado pelo poste. Assim como ocorre com a defesa nacional. Uma vez que se está dentro do território nacional, não há como não estar sendo beneficiado pelos exércitos de fronteira.

Há bens que são não disputáveis, mas que são exclusivos. É o caso de uma ponte. Em geral, não há custos adicionais se mais um ou dois carros a atravessarem. Entretanto, é fácil de imaginar que alguns veículos sejam impedidos de atravessá-la por serem excessivamente pesadas. Assim, seu uso pode ser limitado.

Por outro lado, pode haver bens não exclusivos, mas que são disputáveis. Segundo Ronald S. Pindyck e Daniel L. Rubinfeld (2004, p. 656):

O mar ou um grande lago são não exclusivos, todavia a pesca é um bem disputável, porque impõe custos a outras pessoas: quanto maior for o número de peixes pegos, menor será a quantidade disponível para outros pescadores. O ar é um artigo não exclusivo e muitas vezes não disputável, mas pode tornar-se disputável quando as emissões de poluentes de uma determinada empresa passam a prejudicar sua qualidade e a possibilidade de outras pessoas desfrutarem seu uso.

Os bens que ao mesmo tempo são não disputáveis e não exclusivos são os bens públicos. E a razão de eles serem considerados falhas de mercado é que, embora muitos deles sejam de grande importância para as pessoas, as empresas privadas normalmente não os produzem.

O problema não é má-vontade, mas as próprias características desses bens. Imagine que um empresário está disposto a prestar o serviço de combate a mosquitos transmissores de doenças. Ele começa a estudar o mercado. Calcula que para que seu empreendimento compense precisa receber ao menos 50 mil unidades monetárias. E como há 10 mil famílias na comunidade, resolve cobrar 5 unidades monetárias de cada uma. Após passar em cada residência, apenas 6 mil famílias concordaram com a idéia e lhe pagaram o preço. Ora, com 30 mil unidades monetárias ele terá um grande prejuízo. Assim, o empresário insiste para as outras famílias, mas somente outras 2 mil famílias aceitam o serviço. As outras famílias não pagam de forma alguma, e o empresário não pode obrigá-las. Ele terá prejuízo, mas como as famílias que pagaram estão cobrando, terá que realizar o serviço. Com muito esforço ele consegue eliminar os mosquitos. Quem pagou está satisfeito. O empresário está falido. E as famílias que não pagaram também foram beneficiadas. Eis porque normalmente o setor privado não se anima a ofertar bens públicos. É a mesma história com a iluminação pública, a segurança nacional e outros bens que sejam não disputáveis e não exclusivos.

 Assim, embora importantes, esses bens não são ofertados pelo mercado. O bem-estar é menor do que poderia ser.

2.2  O ESTADO

A constatação de que o mercado possui falhas, que diminuem o bem-estar coletivo que poderia ser alcançado, fez com que muitas pessoas se perguntassem se e como essas falhas poderiam ser corrigidas.

Naturalmente, seria preciso que alguém se dispusesse a intervir na economia para suprimir as falhas. E esse alguém teria que ter poder suficiente para tamanha intervenção. Nas economias de mercado, geralmente há dois agentes que poderiam ser suficientemente fortes para tal empreendimento: o Estado e um ou um grupo de grandes empresários.

Quanto aos empresários, seria muito improvável que um agente econômico privado corrigisse essas falhas, pela sua própria natureza. Se um empresário é tão rico e poderoso, ele mesmo é fruto de uma falha de mercado. Além disso, a sua posição privilegiada na sociedade depende das falhas de mercado. Sem a assimetria de informações, as externalidades e o poder de mercado, ele não teria se tornado tão rico. Assim, a correção das falhas por um empresário dependeria da compaixão e solidariedade deste para com a sociedade.

Mesmo na remota hipótese de que um empresário se convença da importância social de combater as falhas de mercado, se ele chegar a esse objetivo, ele não terá mais poder para corrigir nenhuma falha, pois seu poder advinha das próprias falhas, e como as falhas são intrínsecas ao mercado, sem o seu poder para suprimi-las, o mercado produzirá novamente as mesmas falhas.

O Estado, por outro lado, pode existir com ou sem falhas de mercado. A sua existência não depende delas. Assim, para que um Estado buscasse corrigir as falhas de seu mercado, bastaria que ele se propusesse a tal objetivo. O método para chegar a esse objetivo, entretanto, pode variar segundo a teoria econômica que se adota e o viés político daqueles que estão no comando do governo.

A história exemplifica diversas formas pelas quais o Estado interagiu com a economia. Dentre os principais, pode-se citar o Estado Liberal, o Estado Social e o Estado Regulador.   

2.2.1  O Estado Liberal

Segundo o pensamento econômico liberal, as forças de mercado, entregues a si próprias, são suficientes para alcançar uma situação que não pode ser melhorada por intervenções exercidas do exterior sobre o próprio mercado e, em particular, que não podem ser melhoradas por intervenções operadas pelo Estado (NAPOLEONI, 1990, p. 93). Neste enfoque, cabe ao Estado apenas se ocupar de tarefas que assegurem o quadro institucional dentro do qual a atividade econômica privada deveria encontrar a garantia de um desenvolvimento ordenado (defesa, justiça, instrução etc.). Como diz Alexandre Santos de Aragão (2005, p. 49):

Sob o ângulo da atividade econômica privada os principais fundamentos do Estado liberal-burguês eram a propriedade, pela qual se assegurava a titularidade, o gozo e a fruição dos bens, e os contratos, veículos da circulação destes bens. Sobre ambos à Administração Pública não competia impor qualquer restrição, salvo se necessária para que os direitos de outros cidadãos não fossem prejudicados. Acreditava-se que o mercado seria muito mais benéfico para o conjunto da sociedade se agisse livremente, não devendo ser funcionalizado por qualquer finalidade coletiva.

Assim, na lógica do Estado Liberal, a economia funciona melhor (produz mais riqueza) se for deixada à própria sorte. Quando o Estado intervém, cria situações artificiais que só serão mantidas a muito custo, o que acaba trazendo mais prejuízos do que benefícios. Por outro lado, cabe ao Estado manter um ambiente social minimamente ordenado, sem a qual a prosperidade econômica fica comprometida (se o roubo tornar-se uma prática comum, o incentivo à produção diminui; se poucas pessoas sabem matemática, torna-se impossível implementar um sistema financeiro mais sofisticado etc.). Entretanto, não cabe ao Estado oferecer justiça social. Se a mão invisível do mercado levar a uma sociedade em que há poucos ricos e muitos pobres, o Estado não deve intervir, pois sozinho o mercado chega aos melhores resultados (do ponto de vista da produção de riquezas)[14].

2.2.2  O Estado Social

O Estado Social, como o próprio nome diz, dá mais ênfase à justiça social. Neste modelo, coloca-se de um lado da balança acréscimos de riqueza econômica e do outro ganhos em bem-estar social. Ao Estado não interessa apenas riqueza, esta deve vir acompanhada de desenvolvimento na esfera social, mesmo que para isso tenha que abdicar de maiores ganhos econômicos.

O Estado cria, então, leis que protejam as partes mais fracas e oprimidas nas relações econômicas, como as leis trabalhistas (determinando jornada de trabalho, salário mínimo, hora-extra, adicional noturno etc.). Além disso, toma medidas como cobrar tributos maiores dos ricos e menores dos pobres, melhorando a distribuição de renda através de gastos socialmente direcionados (sistema de educação e saúde disponível para todos, sistema público de aposentadoria, acesso gratuito à justiça etc.). Placha (2007, p. 39) escreveu ao refletir sobre o assunto:

Neste caso, a atuação estatal está voltada para garantir os recursos essenciais para que a parcela menos favorecida da sociedade possa ter uma condição compatível com padrões de existência digna. Assim, ao mercado cabe a atividade produtiva e ao Estado garantir a equidade social. (...) É que o próprio processo de evolução das sociedades acaba por excluir, de uma maneira ou de outra, determinadas classes que ficam a margem do desenvolvimento. (...) Portanto, o Estado assume a tarefa de conduzir o desenvolvimento social, adotando políticas distributivas, para o efeito de diminuir as imperfeições do mercado com a (re)inserção dos excluídos pelo processo econômico.

Entretanto, manter ativos todos os serviços que o Estado Social promete à população custa muito aos cofres públicos. Entre o final da Segunda Guerra Mundial e o final da década de 1960, a economia mundial cresceu rapidamente, permitindo aos Estados abocanhar parte deste crescimento por meio de tributos. Isso contribuiu para que o Estado Social pudesse ser levado em frente, apesar dos grandes gastos que exigia. Entretanto, as crises de oferta de petróleo em 1973 e 1979 fizeram com que muitos países enfrentassem grandes crises econômicas. Tornava-se difícil sustentar o Estado Social. Sobre isso, Placha (2007, p. 41) ensina:

Verifica-se o aumento significativo da máquina pública pela assunção de novas tarefas voltadas para a promoção social, o que dificulta o andamento destas ações, até mesmo pela burocratização do aparato estatal, bem como surgem problemas decorrentes da escassez de recursos financeiros. (...) Aumentaram as despesas com projetos e políticas estatais, ao passo que as receitas estagnaram ou diminuíram frente aos gastos públicos. Isto ocorre porque o custo com programas sociais acaba superando os recursos financeiros para atender esta finalidade, ocasionando um impasse que coloca em risco os objetivos estatais de proteção social.

Embora trouxesse benefícios para o bem-estar coletivo, o Estado Social não podia ser mantido. Como alternativa à quase ausência do Estado na corrente liberal e ao gigantismo do Estado Social, surge a idéia do Estado Regulador.

 2.2.3  O Estado Regulador

Imagine-se um Estado que queira suprir as necessidades individuais e coletivas de seu povo. Há inúmeros modos para se tentar realizar este grande feito. E quando diferentes pessoas procuram soluções para isso, chegam a conclusões também diferentes. Alguns acreditam que deixar cada indivíduo agindo por seus próprios incentivos e ambições, apenas estabelecendo um patamar de ordem social mínima, seria a forma mais eficiente de chegar ao objetivo almejado. Dentre estes, pode-se citar von Mises, cujos pensamentos sobre o assunto foram relatados por Napoleoni (1990, p. 148) da seguinte forma:

Visto que a finalidade da economia, em qualquer contexto institucional, é de tornar mais eficiente a utilização dos recursos escassos na obtenção de certos fins, segue-se que todas as economias, para poder operar a escolha que a eficiência da gestão exige, necessitam que os recursos à disposição possuam rigorosos índices de escassez, na falta dos quais todas as bases para a obtenção da mencionada eficiência são menores. Ora, o único método que se conhece para atribuir tais índices aos recursos produtivos consiste em permitir que os mesmos recursos assumam um preço num mercado livre; os preços relativos, em outros termos, medem a escassez relativa dos recursos e, por isso, assumi-los como ponto de partida é condição necessária para a racionalidade, isto é, para a eficiência, do processo de escolha. Mas visto que uma economia planificada é por definição privada de mercado, e também privada do mecanismo que mede a escassez relativa dos recursos, todos os critérios racionais de escolha são piores, nesta economia. Uma economia planificada pode também dar lugar, segundo von Mises, a resultados elevados em termos puramente materiais; mas o custo que se deve suportar para atingir tais resultados não se pode conhecer, e precisamente porque o cálculo do custo não é possível, só por puro acaso a economia planificada pode evitar esbanjamentos gigantescos.

Com idéias diametralmente opostas, há aqueles que acreditam que a melhor solução para suprir as necessidades individuais e coletivas de um povo seja ter um Estado que planifique e coordene o trabalho de cada cidadão, bem como a distribuição das riquezas produzidas. Desta forma, haveria menos desperdícios e maior eficiência, uma vez que o trabalho de todos convergiria ordenadamente para os objetivos traçados pelo Estado.    

Tem-se aqui duas abordagens opostas. Uma dá relevância ao setor privado e a outra ao setor público. O problema é que na prática parecem não funcionar como os seus modelos teóricos prevêem. Estados que tentam controlar tudo por meio de seu setor público, acabam sendo identificados pela ineficiência, desperdício de recursos, morosidade, burocracia e corrupção. Por outro lado, quando deixa-se que o setor privado persiga seus próprios objetivos sem a imposição de limites (baseados em princípios e valores sociais) e a exigência de obrigações sociais, a desigualdade de oportunidades e de acesso a bens e serviços essenciais ensejam uma sociedade segregada, que só será mantida à custa de forte coerção[15].   

Uma terceira abordagem, interessante frente aos pontos fracos das abordagens acima exploradas, é a do Estado Regulador. Este teoricamente concilia a eficiência do setor privado com o atendimento dos interesses coletivos. A idéia é direcionar parte das forças do setor privado para promover bens sociais sem impedir seus lucros. Setor público e setor privado não são vistos como incompatíveis, mas como complementares para o bem-estar individual e social.

Historicamente, dada a dificuldade de se financiar o Estado social, o Estado Regulador aparece como uma alternativa atraente: alivia o peso sobre os cofres públicos sem abandonar os direitos sociais conquistados com muita luta. Placha (2007, p. 43) faz um comentário interessante a esse respeito:

Constatar que o Estado já não possui mais condições de implementar políticas de promoção social não retira a responsabilidade de cumprir com esta função. Nem mesmo a adoção de medidas voltadas para atender determinadas demandas públicas com  a colaboração da iniciativa privada, exime o Estado de seus deveres, persistindo suas funções de “(...) planejamento, regulação e fiscalização”[16]. Ainda que o Estado reconheça a sua ineficiência para determinadas atividades, permanece com o dever de disciplinar os setores necessários, cabendo, da mesma forma, garantir pela realização do bem-comum. É uma nova concepção de Estado, preocupado em redefinir seu papel de conduzir adequadamente o desenvolvimento sócio-econômico.

Como bem esclareceu Adam Smith (1983, p. 50) em sua obra clássica A Riqueza das Nações, no setor privado:

(...) não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse. Dirigimo-nos não à sua humanidade, mas à sua auto-estima, e nunca lhes falamos das nossa próprias necessidades, mas das vantagens que advirão para eles.

Por natureza, a maioria dos empresários e administradores de empresas tende a priorizar os seus interesses particulares aos interesses coletivos. Dar prioridade e atender a estes cabe ao Estado, representante do povo. Se o Estado não consegue por meios próprios produzir os bens e oferecer os serviços para atender as necessidades sociais, caberia a ele segundo o conceito de Estado Regulador direcionar o setor privado para tal finalidade coletiva. Entretanto, isso deve ser conseguido através de incentivos e não apenas coerção, sob pena de se tornar um Estado Planificado disfarçado. Por outro lado, assim como há um múnus público para os cidadãos, também o há para as empresas, que deverão cooperar com o setor público a custos coerentes. Como complemento a este raciocínio, relevantes são as palavras de Carvalho (2001, p. 324):

Em suma, regulações de qualquer natureza são, por definição, distorsivas, porque visam a orientar o comportamento privado em direção diferente daquela que seria adotada espontaneamente. Essa preocupação, porém, é menos relevante do que parece à primeira vista, porque a regulação, se bem planejada, introduz “distorções” compensatórias, no sentido de que tentam coibir falhas de mercado.       

 Para que a idéia de regulação remanesça clara, a definição dada por Aragão (2005, p. 37) é de grande ajuda:

(...) a regulação estatal da economia é o conjunto de medidas legislativas, administrativas e convencionais, abstratas ou concretas, pelas quais o Estado, de maneira restritiva da liberdade privada ou meramente indutiva, determina, controla, ou influencia o comportamento dos agentes econômicos, evitando que lesem os interesses sociais definidos no marco da Constituição e orientando-os em direções socialmente desejáveis.

A esta seção cabe apenas uma introdução sobre o tema. Nos capítulos 5 e 6 é que faremos um estudo mais aprofundado sobre o modelo regulador de Estado. Antes, porém, far-se-á uma abordagem histórica do papel exercido pelo Estado na economia brasileira e um estudo comparativo entre o desempenho de empresas públicas e privadas.


3  O PAPEL DO ESTADO NA ECONOMIA BRASILEIRA DO SÉCULO XX

No início do século XX a economia brasileira era predominantemente agroexportadora, baseando-se na produção e exportação de alguns poucos produtos primários. Nesse período a cultura de açúcar, algodão, borracha, cacau e principalmente de café enriqueceram a elite nacional e foram o motor dinâmico de uma economia que se voltava para fora. Esse modelo de economia torna o país bastante vulnerável à conjuntura econômica mundial[17]. De fato, em 1929 com a crise ocasionada pela superprodução das indústrias norte-americanas, a demanda por café caiu enormemente e com ela o seu preço no mercado internacional. Em pouco tempo a exportação de café já não poderia sustentar a grande quantidade de produtos importados consumidos no Brasil. Além disso, a eclosão das Guerras Mundiais tornava esses produtos ainda mais caros e raros. Chegou-se a um ponto em que para consumir, os brasileiros tinham que produzir. Iniciou-se a chamada substituição de importações.

Com o fim da política do “café com leite”, que revezava o poder entre membros da elite agrária do país, abriu-se mais espaço para o desenvolvimento de outras áreas da economia nacional. A substituição de importações levou à ascensão do setor industrial no Brasil. As industrias nacionais diversificaram suas atividades para suprir as necessidades do mercado interno. Para estimular a industrialização, segundo Cotrim (1999, p. 281), “...o governo interveio na economia e colaborou com os empresários industriais, incrementando as áreas de infra-estrutura que os particulares não podiam desenvolver”. Trata-se do Estado Novo de Getúlio Vargas, em que construiu-se a Usina de Volta Redonda e a Companhia Vale do Rio Doce. Além disso, em 1953 foi fundada a Petrobrás – Petróleo Brasileiro S/A. As estatais tornavam-se cada vez mais presentes na pauta econômica do Brasil. Inclusive no setor financeiro, a atividade bancária era fortemente desempenhada pelo Banco do Brasil e pela Caixa Econômica Federal, que atuavam ao lado de outras poucas instituições financeiras, a maioria de capital estrangeiro, à exceção de pequenas instituições de alcance regional. Deste período da história, deve-se mencionar ainda a criação em 1952 do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, um banco de fomento com capital integralmente subscrito pela União.

Algum tempo depois, de meados da década de 1950 até início da década de 1960, os brasileiros viveram o chamado Plano de Metas. Com o objetivo de “crescer 50 anos em 5” Juscelino Kubitschek de Oliveira criou um minucioso programa de governo que priorizava cinco setores fundamentais: energia, transporte, alimentação, indústrias de base e educação. Em seu governo Juscelino construiu usinas hidrelétricas (Furnas e Três Marias), instalou diversas industrias (dentre elas a automobilística), abriu rodovias (como a Belém-Brasília), ampliou a produção de petróleo (de 2 milhões para 5,4 milhões de barris) e, dentre outros, construiu Brasília. Mas, não se pode esquecer das ressalvas de Cotrim (1999, p. 296)[18]:

O grande número de obras realizadas pelo governo Juscelino fez-se à custa de empréstimos e investimentos estrangeiros. Ou seja, o governo internacionalizou a economia e aumentou a dívida externa brasileira. Permitiu que grandes empresas multinacionais instalassem suas filias no país e controlassem importantes setores industriais, como os de eletrodomésticos, automóveis, tratores, produtos químicos e farmacêuticos, cigarros etc. Os nacionalistas diziam que a política econômica de Juscelino tinha a vantagem de ser modernizadora, mas o defeito de ser desnacionalizadora.

Juscelino conseguiu cumprir várias das metas traçadas, em alguns casos até superou-as. Por outro lado, o Plano de Metas recorreu a medidas que deixaram como herança o aumento da inflação que seria sentido nos próximos anos. De fato, o início da década de 1960 foi marcado pelo que se pode chamar de primeira grande crise econômica do Brasil em sua fase industrial (GREMAUD, 2006, p. 388). Neste período, houve queda dos investimentos e a taxa de crescimento da renda brasileira também caiu significativamente. Em meio a essa conjuntura, o país também estava politicamente conturbado. No dia 31 de março de 1964, explode a rebelião das Forças Armadas contra o governo de João Goulart. Iniciado em Minas Gerais, rapidamente o movimento golpista teve a adesão das unidades militares de São Paulo, Rio Grande do Sul e o antigo Estado da Guanabara. João Goulart abandona Brasília em 1º de abril de 1964 e consegue exílio político no Uruguai. Começava a ditadura militar no Brasil.

Durante o período militar, o governo investiu em obras de infra-estrutura, ampliando a produção brasileira de petróleo, de carvão e desenvolvendo-se o álcool como combustível (criação do Proálcool). Além disso, construiu-se gigantescas usinas hidrelétricas em várias regiões do país (Itaipu, Tucuruí, Sobradinho etc.) e assinou-se acordo com a Alemanha para cooperação no campo da energia nuclear, que resultou na instalação das usinas nucleares de Angra dos Reis. Paralelamente, o governo expandiu a malha rodoviária, modernizou a indústria naval e desenvolveu o setor aeronáutico, com destaque para a EMBRAER (Empresa Brasileira de Aeronáutica). A infra-estrutura de comunicações também foi melhorada, permitindo serviços mais eficientes nas áreas de telefones, telégrafos, correio e antenas microondas. Houve também a integração do Brasil ao sistema de comunicações internacional via satélite.

De fato, o regime militar (1964-85) foi o período em que a estatização da economia brasileira experimentou seu maior incremento, com a criação pelos governos federal e estaduais de um grande número de empresas estatais, que, por sua vez, criavam subsidiárias. Isso tornava difícil até quantificar seu número exato, sendo certo que se aproximavam de 500. Tais empresas atuavam em setores estratégicos, mas também em áreas de menor importância como hotelaria e supermercados. Chegou-se ao extremo de se criar uma empresa estatal para realizar apenas uma obra: a construção da Ponte Rio-Niterói. O grande objetivo que circundava as criações de estatais pelos militares era o de aumentar o nacionalismo do país.

Apesar disso, durante a ditadura militar houve o período chamado de milagre econômico, devido aos altos índices de crescimento do PIB. Tal milagre, entretanto, não pôde ser sustentado por muito tempo e com a dificuldade econômica tornava-se cada vez mais difícil para os militares legitimarem a sua forma ditatorial de governo. O povo se revoltava e exigia a volta da democracia em movimentos cujo lema Diretas-já era entusiasticamente proclamado.

A democracia voltou, mas a economia continuava em crise. A dívida externa estava nas alturas e a inflação saia do controle. Assim, segundo Gremaud (2006, p. 431):

A condução da política econômica da Nova República elegeu o combate inflacionário como meta principal. De 1985 até o momento, isso foi tentado de diferentes formas, com uma série de planos econômicos que visavam a quedas abruptas da inflação, intercalados por períodos de controles ortodoxos. Entre os planos destacam-se: Cruzado (1986), Bresser (1987), Verão (1989), Collor I (1990), Collor II (1991) e Real (1994). Percebe-se que de 1986 a 1991, praticamente em todos os anos, houve programas de combate à inflação. Esses planos tinham por base o diagnóstico da inflação inercial, trazendo como principal elemento o congelamento de preços, sendo que a cada plano incorporavam-se novas características, aperfeiçoando os planos anteriores, na tentativa de não se incorrer nos mesmos erros.

Em meio a essa feroz luta contra a inflação, estava sendo elaborada a Constituição Brasileira de 1988. Mais humanista que as anteriores, enfatizando a dignidade da pessoa humana, a cidadania, a solidariedade e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

Já sob o regime da nova Constituição, em 1990 tem início o governo Collor. Este implantou o Programa Nacional de Desestatização, como medida para o ajuste fiscal e patrimonial do setor público. A máquina estatal estava hipertrofiada, tão grande que se tornava lenta e financeiramente insustentável. Conforme ensina Placha (2007, p. 41):

Verifica-se o aumento significativo da máquina pública pela assunção de novas tarefas voltadas para a promoção social, o que dificulta o andamento destas ações, até mesmo pela burocratização do aparato estatal, bem como surgem problemas decorrentes da escassez de recursos financeiros. Ainda que tenha sido experimentado um sensível aumento na qualidade de vida das pessoas, decorrente da atuação promocional do Estado, ainda assim verifica-se que muitas mazelas coletivas ainda assombram a sociedade atual. Houve, sim, uma evolução. O curioso, é que esta mesma evolução tende a inviabilizá-la.

Diante disso, optou-se pela desestatização ou privatização. Em 1991 foi privatizada a primeira estatal, ainda no governo Collor. A USIMINAS, uma siderúrgica mineira, que na época era uma das empresas estatais mais lucrativas, passava para o setor privado. Depois, nesse mesmo ramo, seguiu-se a privatização da Companhia Siderúrgica Nacional (em 1993).

O governo de Fernando Henrique Cardoso continuou as privatizações. Apoiado pelas recomendações do Consenso de Washington e do FMI, o presidente criou o Conselho Nacional de Desestatização, deixando claro o seu propósito de implementar um amplo programa de privatizações. E, de fato, as privatizações foram feitas, mas não sem críticas. E as críticas eram feitas não apenas por aqueles que discordavam ideologicamente de uma diminuição da máquina estatal, mas também por aqueles que, embora estivessem de acordo com as privatizações, se revoltavam com o modo como elas eram feitas. Um exemplo é o caso da Eletropaulo, vendida para a licitante estadunidense AES. O problema é que o BNDES liberou para essa empresa o financiamento de 100% do valor que pagaria aos cofres públicos. Ou seja, é como se o vendedor desse ao comprador o dinheiro para comprar a sua mercadoria. Não entrou nenhum dinheiro novo, a não ser os juros do empréstimo. Outra crítica era que se permitia que os compradores pagassem com “moeda podre”. Esse era o nome que se dava aos títulos de dívida pública emitidos em épocas de crise financeira e que tinham perdido seu valor de mercado. Ou seja, o governo estava vendendo suas empresas em troca de papéis sem nenhum valor.

De uma forma ou de outra, o fato é que no governo de Fernando Henrique Cardoso foram feitas inúmeras privatizações. Alguns exemplos são: a Companhia Vale do Rio Doce (em 1997), a TELEBRÁS (em 1998), o BANESPA (em 2000) e o BEG (Banco do Estado de Goiás S. A., em 2001).

Paralelamente a essa política de privatizações, afora interesses político-econômicos imorais que surgem na escória nacional, já se podia visualizar a implementação do modelo regulador de Estado. Como diz Gilberto Bercovici (2005, p. 83):

Uma das propostas principais da Reforma do Estado foi, também, a privatização das empresas estatais brasileiras. A privatização, no Brasil, foi associada à delegação de serviços públicos à iniciativa privada. Com a venda das empresas estatais que detinham o monopólio da prestação do serviço público, transferiu-se, conjuntamente com a propriedade da empresa, a execução do serviço. A regulação passou a ocorrer de dois modos distintos: a regulação contratual, ou seja, por meio do contrato de concessão entre o órgão regulador e o particular prestador do serviço público; e a regulação econômica setorial (economic regulation), pelo controle de fiscalização da prestação do serviço desempenhada pela atuação a “agência” reguladora do setor.

Gilberto Bercovici (2005, p. 81) ainda apresenta o assunto sob uma perspectiva de reforma do Estado:

(...) patrocionou-se a reforma do Estado para promover o descomprometimento público em relação à economia, por meio da privatização, liberalização e desregulação, buscando a substituição do Estado Intervencionista por um Estado Regulador. (...) Esta foi a lógica da chamada “Reforma do Estado”, promovida no Brasil entre 1995 e 2002, especialmente por meio de emendas à Constituição de 1988 e da criação de novos órgãos públicos, chamados de “agências”, imitando a estrutura administrativa norte-americana. A Emenda Constitucional n. 19, de 1998, especialmente, buscou instituir a chamada “Administração Gerencial”, cuja preocupação se dá em termos de eficiência de resultados, transplantando mecanismos da iniciativa privada para a Administração Pública e pautando a atuação do Estado pelo mercado.

Assim, a reforma de Estado que substitui o Estado Intervencionista por um Estado Regulador está aliada à reforma da Administração Pública, que passaria de uma administração burocrática para uma gerencial. Cabe aqui esclarecer melhor esse assunto.

O ex-Ministro Luiz Carlos Bresser Pereira escreveu o artigo “Gestão do setor público: estratégia e estrutura para um novo Estado” publicado no livro “Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial”. Neste trabalho Bresser Pereira propõe a Administração Pública Gerencial em oposição à Administração Pública Burocrática.

A Administração Pública Burocrática concentra-se no processo, nos procedimentos. Fazendo isso busca evitar situações de nepotismo e de corrupção. Surgiu no século XIX, como forma de combater a promiscuidade entre bens públicos e privados que predominava nas monarquias européias. De fato, quando foi elaborada era uma grande inovação, atendendo aos ideais morais e às contingências econômicas da época. No século XIX predominava, ainda, o ideal de Estado Liberal. O Estado deveria ser mínimo, protegendo os direitos de propriedade. Para esse Estado, uma Administração Pública Burocrática atendia bem aos seus propósitos. Por outro lado, no século XX foi se desenvolvendo um modelo de Estado mais preocupado com as questões sociais. Às funções básicas do Estado foram se somando serviços sociais (educação, saúde, previdência etc.). E a Administração Pública Burocrática foi se mostrando inadequada para atender essa nova forma que o Estado ia tomando. Nas palavras de Bresser Pereira (1998, p. 26):

Foi um grande progresso o surgimento, no século XIX, de uma administração pública burocrática em substituição às formas patrimonialistas de administrar o Estado. (...) Apesar disso, quando, no século XX, o Estado ampliou seu papel social e econômico, a estratégia básica adotada pela administração pública burocrática – o controle hierárquico e formalista dos procedimentos – provou ser inadequada. Essa estratégia podia talvez evitar a corrupção e o nepotismo, mas era lenta, cara, ineficiente.

Se a forma como se administrava a coisa pública era ineficiente, era preciso pensar em novas maneiras de se realizar essa administração. Daí a proposta do que se chamou de Administração Pública Gerencial.

A Administração Pública Gerencial tem como características básicas: ser orientada para o cidadão e para a obtenção de resultados; pressupõe que os políticos e os funcionários públicos são merecedores de grau limitado de confiança; como estratégia, serve-se da descentralização e do incentivo à criatividade e à inovação; e utiliza o contrato de gestão como instrumento de controle dos gestores públicos[19]. Como pode-se perceber, essas idéias são convergentes com o modelo regulador de Estado. As reformas administrativa e de Estado que hoje se discutem e que vão sendo paulatinamente implantadas são complementares.


 4.  EMPRESA PRIVADA E EMPRESA PÚBLICA: UM ESTUDO COMPARATIVO DO DESEMPENHO ECONÔMICO

Como visto, o modelo regulador de Estado prega que para ser mais eficiente um Estado deveria deixar a produção de riquezas prioritariamente para o setor privado. Este Estado interviria na economia apenas para que a atuação dos agentes econômicos, ao mesmo tempo que lucrativa, supra as necessidades coletivas não naturalmente atendidas pelo mercado. Só que para que esse modelo regulador de Estado seja realmente mais eficiente do que o modelo social e o modelo liberal é preciso que: (i) empresas privadas sejam em geral mais eficientes do que empresas públicas e (ii) sem nenhuma regulação, as empresas privadas acabem não sendo socialmente tão eficientes, devido às falhas de mercado. Para averiguar isso, recorre-se ao estudo comparativo do desempenho econômico de empresas privadas e públicas realizado por Edilberto Carlos Pontes Lima em seu artigo intitulado “Privatização e Desempenho Econômico: Teoria e Evidência Empírica”        

Para fazer esse estudo, Pontes Lima utilizou a teoria do agente-principal para explicar abstratamente as diferenças de desempenho entre empresas públicas e privadas. Logo após, fez uma análise das diferenças de incentivos presentes em cada tipo de empresa. A partir disso partiu para uma comparação empírica do desempenho das empresas públicas e privadas. E finalizou seu artigo com um estudo das empresas brasileiras privatizadas na década de 90 que passaram a figurar na lista das quinhentas maiores empresas privadas.

4.1  A TEORIA DO AGENTE-PRINCIPAL

A teoria do agente-principal esquematiza uma das formas mais antigas de interação social. Para ela se aplicar deve haver pelo menos dois indivíduos. Um, que é o principal, deseja que o outro, que é o agente, realize determinada tarefa e, para isso, o contrata mediante um pagamento (monetário ou não). É o que ocorre em uma empresa privada quando o seu dono contrata um empresário para administrar a empresa e é o que ocorre entre este administrador e os seus subordinados. É também o que acontece em empresas públicas, sendo o diretor da empresa o agente e a sociedade o principal. Dito isso, prossiga-se a explicação desta teoria. Na relação entre o agente e o principal há dois problemas: (i) assimetria de informações e (ii) cada um quer maximizar a sua função utilidade.

Assimetria de informações significa que um tem mais informações do que o outro. Normalmente é o agente que tem mais informações, pois praticando diretamente a ação ele acaba conhecendo melhor o processo e todas as suas nuances. Tendo mais informações, o agente pode usar isso contra o principal.

Em economia, maximizar a função utilidade significa, em palavras simples, uma pessoa fazer as coisas do modo mais prazeroso para ela, tendo em consideração todas as variáveis envolvidas. Assim, no caso de um administrador de empresas que acha que trabalhar menos e descansar mais é melhor, para maximizar a sua função utilidade, ele trabalhará o menos possível.

Para que a teoria agente-principal fique mais clara, veja-se um exemplo do dia-a-dia. Mário é um estudante universitário e está fazendo um trabalho para ser entregue no dia seguinte. Tendo feito apenas metade do trabalho descobre que acabaram as folhas de papel para impressão. Sem tempo para ir comprar ele mesmo, pede ao seu irmão caçula, Manuel, que vá comprar folhas de papel. Para isso, Mario entrega a Manuel 10 reais. E como compensação pelo esforço, Mario diz ao seu irmão que com o troco ele pode comprar um picolé, mas apenas um. Feliz, Manuel vai comprar as folhas para impressão, que custaram 7 reais. Voltando para casa Manuel vai comprar o seu picolé. Cada um custa 1 real. Manuel compra um e rapidamente o devora. Ainda não satisfeito, pensa “ora o meu irmão não sabe quanto custam as folhas nem o picolé, só eu sei, porque vim comprar. Se eu disser para ele que as folhas custaram 7,50 reais e o picolé 1,50 reais, então posso comprar mais um picolé e ele não vai ficar sabendo”. Assim, Manuel compra mais um picolé. Ao chegar em casa entrega a Mario as folhas e 1 real de troco, justificando os preços como tinha planejado. Como os preços eram razoáveis, Mario acha que está tudo certo, agradece o irmão e volta a fazer o seu trabalho.

Neste exemplo Mario era o principal e Manuel o agente. A assimetria de informações consiste no fato de Manuel saber os preços exatamente, enquanto Mario tinha apenas uma noção. Se aproveitando disso, Manuel procura maximizar a sua função utilidade comprando mais de um picolé. De fato, para Manuel quanto mais picolés melhor. Esse mesmo raciocínio se aplica na relação entre donos de empresas privadas e seus administradores, assim como entre a sociedade e os diretores de empresas públicas. Os administradores/diretores é que acompanham o dia-a-dia da empresa e todos os problemas que surgem. Conhecem detalhes que o dono/sociedade muitas vezes ignora ou sobre os quais tem uma vaga noção. Assim, da mesma forma que o Manuel, os administradores/diretores podem se aproveitar dessa assimetria de informações para maximizar as suas funções utilidade (pegando dinheiro por fora, trabalhando menos do que poderiam, etc.). 

4.2 OS INCENTIVOS

Para evitar esses abusos, os principais poderiam procurar meios de eliminar a assimetria de informações. Entretanto, para saber tanto quanto os agentes, seria preciso que os principais participassem das mesmas tarefas. E é justamente para não fazer essas tarefas que os principais contrataram os agentes. Assim, os agentes sempre terão mais informações do que os principais. Dito isso, os principais podem se fazer a seguinte pergunta: como fazer com que uma pessoa faça algo sendo que ela poderia fazer outra coisa melhor para ela? A resposta é: criando incentivos. Com os incentivos, torna-se mais atraente para o agente fazer o que realmente quer-se que ele faça. Um exemplo é o caso de uma empresa que dá aos administradores algumas ações da própria empresa. Deste modo, se a empresa se valoriza no mercado, como eles têm ações da empresa, eles se tornam mais ricos. Assim, quando puderem escolher entre fazer ou não fazer algo que vai valorizar a empresa, eles tenderão a optar por se esforçar em valorizar a empresa (mesmo que o principal não tivesse conhecimento técnico para saber dessa oportunidade de valorização da empresa).

Segundo Edilberto Carlos Pontes Lima, o que diferencia o desempenho de empresas privadas e públicas são justamente os incentivos. Em uma empresa privada o incentivo principal é o lucro, que como diz Pontes Lima (1997, p. 17) é um forte incentivo:

Observa-se, assim, forte incentivo à monitoração do comportamento dos executivos e/ou dos empregados. (...) proprietários privados encontram incentivos significativos que tornam desejável monitorar o comportamento dos administradores e empregados, de forma que tendam a ofertar o que os consumidores demandam e a baixo custo. Consequentemente, administradores e empregados privados encontrarão dificuldades em apresentarem comportamentos displicente ou inconsistente em relação ao aumento do valor presente da empresa privada.

Já em uma empresa pública, quem será beneficiado por uma atuação eficiente pelo diretor será o conjunto da sociedade. Mas, cada cidadão, individualmente, terá um benefício muito pequeno. Daí decorre que cada cidadão terá pouco estímulo para tentar monitorar o comportamento dos administradores e empregados públicos. Assim, Pontes Lima (1997, p. 19) ensina:

De forma geral, observou-se que há problemas de agência tanto na empresa privada quanto na pública. Contudo, teoricamente, o monitoramento no setor privado tem mais chances de ser mais efetivo porque há o interesse direto nos lucros por parte do proprietário, ao passo que, no setor público, a boa performance econômica constitui-se em um bem público, o que induz ao comportamento individual free rider de cada cidadão, embora, em alguns casos, o governo possa estar diretamente interessado no bom desempenho estatal.

4.3 comparação empírica do desempenho das empresas públicas e privadas

Viu-se que, teoricamente, as empresas privadas tendem a ser mais eficientes do que as empresas públicas. Resta agora observar se a experiência confirma uma performance mais eficiente da empresa privada. Edilberto Carlos Pontes Lima, coletou diversas pesquisas nessa área e as publicou em seu artigo.

Boardman e Vining (1989) fizeram uma pesquisa a partir da lista das quinhentas maiores empresas não-estadunidenses do mundo e que atuam em um ambiente competitivo. Segundo Pontes Lima (1997, p. 25) o resultado foi:

As conclusões foram que as empresas privadas são mais lucrativas e mais eficientes que as empresas mistas e estatais. As empresas mistas têm uma lucratividade igual ou pior que as empresas estatais e apresentam eficiência igual ou superior às estatais.

Megginson et alli (1994) elaboraram uma pesquisa em que comparou-se a atuação de 61 companhias em 18 países e 32 indústrias, privatizadas entre 1961 e 1990. Pontes Lima (1997, p. 28) descreve as conclusões:

O resultado mostrou forte evidência em favor da privatização: houve aumento de lucratividade, as vendas cresceram, aumentaram os investimentos, a eficiência operacional e o número de empregados. Além disso, diminuíram o nível de endividamento e aumentaram os pagamentos de dividendos. Para o conjunto das empresas observa-se a melhoria desses indicadores, mas quando os autores fizeram um corte e dividiram em duas subamostras – empresas competitivas e firmas em indústrias não-competitivas -, as primeiras apresentaram um resultado bem superior às últimas.

Pinheiros (1996) apresenta um estudo para as privatizações realizadas no Brasil. Pontes Lima (1997, p. 31) descreve que:

O resultado, para o conjunto das empresas privatizadas (décadas de 80 e 90), revelou-se estatisticamente significativo para todas as variáveis, exceto a liquidez corrente. Com exceção do lucro líquido, todos os demais indicadores econômicos melhoraram sensivelmente, com destaque para o crescimento dos investimentos, do investimento sobre as vendas e do investimento sobre o imobilizado.           

Ao final, fazendo uma análise geral das pesquisas, Pontes Lima (1997, p. 33) diz que:

O que se observa é que a maior parte apresenta evidência favorável à empresa privada, mas um número não despresível chega a resultados indiferentes ou favoráveis à empresa pública. Isso sugere que, a despeito da estrutura de propriedade ter papel importante, esta não é a única variável com influência sobre a performance.

4.4   estudo das empresas brasileiras privatizadas na década de 90 que passaram a figurar na lista das quinhentas maiores empresas privadas

Neste parte do artigo, Edilberto Carlos Pontes Lima observa o desempenho de dez empresas brasileiras privatizadas na década de 90 e que passaram a figurar na lista das 500 maiores empresas privadas do país, após a privatização. As empresas que se enquadram nessas características são a CSN, a USIMINAS, a CST, a COSIPA, a ACESITA, a AÇOMINAS, a CSN, a PQU, a PETROFLEX e a FOSFÉRTIL.        

Para fazer o estudo, o autor utilizou a média dos indicadores de três até cinco anos antes da privatização, e de dois até quatro anos após a privatização, para efeitos de comparação. Os indicadores escolhidos foram os que tradicionalmente avaliam a performance de empresas, a saber: vendas, patrimônio líquido, endividamento, ativos, empregados, lucro líquido, retorno sobre as vendas (ROS), retorno sobre o patrimônio (ROE), retorno sobre os ativos (ROA), vendas por empregado e ativos por empregado[20].

Após ter trabalhado esses dados, Pontes Lima verificou os mesmos indicadores para o conjunto das quinhentas maiores empresas privadas, com o intuito de avaliar se as alterações de performance foram exclusivas das empresas privatizadas ou se foi um movimento generalizado na economia.

Ninguém melhor do que o próprio Pontes Lima (1997, p. 38) para descrever o resultado de seu estudo:

A conclusão do estudo realizado com as dez empresas aqui analisadas vai na mesma direção daqueles anteriormente resenhados, ou seja, sugere-se que a mudança da estrutura de propriedade, de fato, tem um papel importante para melhorar a performance econômica das empresas, ainda que alguns desses estudos (em número não desprezível) tenham sido favoráveis à empresa estatal ou indiferentes. Uma característica importante se extrai da evidência empírica: quando a empresa atua em uma estrutura de mercado pouco competitiva, a conclusão de que a empresa privada é mais eficiente é mais difícil de se alcançar. É o caso das evidências empíricas listadas por Boardman e Vining (1989), e também por Vickers & Yarrow (1991). Nesse caso o resultado é ambíguo, com ligeira vantagem para a empresa privada. (...) Quando se trata de empresas que atuam em estruturas de mercado competitivas, a evidência favorável à empresa privada é mais nítida. Os estudos listados por Yarrow (1986), Boardman & Vining (1989), Megginsson et alli (1994), Pinheiro (1996) e o deste artigo vão nessa direção. (grifo nosso).

4.5  O ESTUDO DE PONTES LIMA E O ESTADO REGULADOR

O estudo de Edilberto Carlos Pontes Lima tem importância conclusiva para o modelo regulador de Estado. Uma vez que se pode cientificamente concluir que empresas privadas tendem a ser mais eficientes do que empresas públicas tanto abstrata quanto concretamente, a pretensão do Estado Regulador de ser mais eficiente do que o Estado Social torna-se plausível.

Além disso, o estudo também deixa claro que é em ambientes competitivos que se torna mais evidente a eficiência de empresas privadas em relação às públicas. Isso reforça a idéia do modelo regulador de que o Estado deve intervir no mercado para diminuir as falhas de mercado.


5.  O ESTADO REGULADOR

5.1  A PRESENÇA DA REGULAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

A Constituição é a lei que define a estrutura em que o Estado deverá se enquadrar. Seus limites e possibilidades estão nela previstos. Forma de Estado, forma de governo, sistema econômico, religiosidade ou secularidade, estão entre as escolhas estabelecidas pela Constituição de um país. No Brasil, a Constituição define inclusive os objetivos fundamentais a serem perseguidos pelo país (artigo 3º), quais sejam: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Há diferentes formas de alcançar esses objetivos. O modelo regulador foi consagrado pela Constituição Brasileira de 1988, não de maneira explícita, mas em decorrência do contexto sistemático do ordenamento constitucional.

Em seu artigo 170, a Constituição Brasileira indica a tendência regulatória do Estado:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

         I – soberania nacional;

         II – propriedade privada;

         III – função social da propriedade;

         IV – livre concorrência;

         V – defesa do consumidor;

         VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;

         VII – redução das desigualdades regionais e sociais;

         VIII – busca do pleno emprego;

         IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

Este artigo estabelece que a ordem econômica no Brasil deve valorizar a livre iniciativa e ter como princípio a propriedade privada. Isso significa que o Estado tem que prezar pelo desenvolvimento do setor privado. Mas ao mesmo tempo em que faz isso, deve também valorizar o trabalho humano, assegurar dignidade a todos, proteger a soberania nacional, a livre concorrência, o consumidor, o meio ambiente, reduzir desigualdades etc. E isso está de acordo com o modelo regulador de Estado. Incentiva-se o setor privado como motor do desenvolvimento e produção de riquezas, mas impondo-se limites e direcionando-se as ações das empresas para os objetivos estatais, também definidos pela Constituição. Placha (2007, p. 53) complementa:

O modelo brasileiro está caracterizado pela busca do desenvolvimento econômico, observados princípios de promoção social. Isto significa que a atividade regulatória, no aspecto constitucional, tem a função de equilibrar relações econômicas e socias. O Estado assume uma postura de atuação subsidiária à iniciativa privada, coordenando e fiscalizando as atividades particulares, permanecendo com as funções estatais exclusivas.         

Apenas o artigo 170, entretanto, não deixa tão clara a consagração do modelo regulador pela Constituição Brasileira. Os artigos 173 e 174 são essenciais para tal constatação:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo conforme definido em lei.

Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. 

O artigo 173 da Constituição estabelece que em regra não cabe ao Estado a atuação em atividades econômicas. Como visto em capítulos anteriores, estas atividades são essenciais para o suprimento de necessidades básicas e supérfluas de cada indivíduo e da comunidade. Assim, se o Estado não atua nessas atividades é preciso que alguém o faça e este alguém é o setor privado[21].  Isso significa que no Brasil a produção de bens e a prestação de serviços deve ser feita predominantemente pela iniciativa privada. Esta, entretanto, se deixada a sua própria sorte tende a atuar segundo interesses individuais, negligenciando as necessidades coletivas. É por isso que o artigo 174 define o Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica e atribui a ele as funções de fiscalização, incentivo e planejamento. Além disso, o Estado deverá exercer essas funções segundo os seus objetivos fundamentais definidos na Constituição, de modo a suprir as necessidades coletivas. É exatamente isso que prega o modelo regulador de Estado e o artigo 219 da Constituição da República:

Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos da lei federal.           

5.1.1  O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

O governante de um país tem um grande poder em suas mãos. A possibilidade de escolher entre alternativas que influenciarão a vida de muitas pessoas é uma grande responsabilidade. Sabe-se que muitos governantes não tomam suas decisões baseados no que será melhor para o povo, mas de acordo com interesses particulares. Imagine-se, em oposição à realidade, que os governantes tivessem a intenção de escolher as alternativas que mais beneficiassem o povo. Acrescentando mais utopia a essa imaginação, admita-se que todos os cidadãos também quisessem apenas o que fosse melhor para todos. Tudo parece indicar que essas sociedades seguiriam felizes, desfrutando de uma harmonia surreal e um longo caminho rumo ao progresso e bem-estar. Entretanto, qual a alternativa que mais beneficia a todos?

Os seres-humanos aparentemente têm a curiosidade de saber como as coisas funcionam. De ter domínio, controle sobre o que ocorreu, ocorre e ocorrerá. Assim, quer-se saber como surgiu o Universo, por que há vida na Terra, como viviam as primeiras civilizações humanas, por que chove, quando ocorrerá o próximo eclipse, como surgem os bebês, por que as pessoas adoecem, por que algumas terras são férteis e outras não, o que acontece depois da morte, por que alguns países são ricos e outros pobres, como surgiu o Estado, como o Estado se relaciona com a Economia etc. E para apaziguar essas dúvidas tenta-se compreender a realidade através de diferentes métodos aplicados a diversos objetos, formando variados campos de estudo como a Geografia, a História, a Medicina, a Geologia, a Física, o Direito, a Economia etc. De fato, muitas respostas foram encontradas, permitindo que se possa até mesmo prever o que vai acontecer quando um dado conjunto de fatores e circunstâncias se apresentam na realidade: podemos prever secas e chuvas com certa precisão, medir tempo e distância, moldar e construir objetos, desenvolver máquinas, identificar e prevenir doenças (vacinas, medidas profiláticas), transplantar órgãos, voar, fazer plantas e animais crescerem mais rápido, inserir genes de uma espécie em outra etc. Tudo o que foi descoberto até agora dá cada vez mais controle aos seres-humanos sobre o que ocorre a sua volta[22].

Esse controle, entretanto, não é absoluto. E seu grau depende do campo de estudo. As ciências sociais, em oposição às naturais, não conseguem prever com tanta exatidão o que vai ocorrer dadas certas circunstâncias. São tantos fatores, dentre os quais muitos subjetivos, que não se consegue ter domínio total sobre o objeto de estudo. Em outras palavras, a realidade não é compreendida em sua totalidade. Nesta perspectiva, a resposta para a pergunta “qual a alternativa que mais beneficia a todos?” depende da opinião de cada um, ou de cada grupo. Como não se tem controle sobre a realidade, não se pode prever totalmente as conseqüências de uma e outra alternativa, sempre havendo espaço para especulações. Será natural, então, que diferentes grupos façam diferentes especulações. Segue-se logicamente que, mesmo todos tendo as melhores intenções, haverá divergências sobre qual a melhor alternativa.

Sendo assim, a decisão a ser tomada dependerá de forças políticas e/ou de critérios pré-estabelecidos. É neste ponto que o princípio da dignidade da pessoa humana se torna importante. Muitas vezes, no seu relacionamento com a economia, o Estado tem de optar entre pessoas e o desenvolvimento econômico. Por exemplo, numa situação em que a elaboração de leis trabalhistas (salário mínimo, jornada de trabalho etc.) fará diminuir a produção de riquezas, a decisão pode se basear no poderio político dos grupos envolvidos (operários versus industriais) ou em critérios pré-estabelecidos (riqueza em primeiro lugar versus dignidade em primeiro lugar). No Brasil, a dignidade da pessoa humana é um critério pré-estabelecido pela Constituição.

Assim, o modelo regulador de Estado deve procurar o desenvolvimento econômico incentivando a produção de riqueza pelas empresas, mas deve fazê-lo sem jamais infringir a dignidade humana. O Estado deve respeitar os limites impostos pelos direitos fundamentais dispostos na Constituição. Há direitos atribuídos a uma pessoa apenas pelo fato de ela ser humana, e estes direitos fundamentais não podem ser violados. Nem mesmo o pretexto do desenvolvimento econômico é válido. Esses direitos são, então, limites à atuação do Estado, como bem diz Moraes (2002, p. 58):

Na visão ocidental de democracia, governo pelo povo e limitação de poder estão indissoluvelmente combinados. O povo escolhe seus representantes, que, agindo como mandatários, decidem os destinos da nação. O poder delegado pelo povo a seus representantes, porém, não é absoluto, conhecendo várias limitações, inclusive com a previsão de direitos e garantias individuais e coletivas, do cidadão relativamente aos demais cidadãos e ao próprio Estado.

5.2  O DIREITO REGULATÓRIO

A Constituição da República Federativa do Brasil define que este país constitui-se em um Estado Democrático de Direito. Ser um Estado de Direito significa que o Estado deve atuar dentro do campo permitido pela lei[23], rejeitando a idéia de que o governante tudo pode e de que não será responsabilizado por seus atos. Ao Estado de Direito acrescenta-se o adjetivo “democrático”, sendo o governante um representante do povo, devendo agir no interesse deste e não no próprio. Isso afasta Estados Totalitários, que muitas vezes agiam legalmente, mas contra os interesses da população.

Dessa forma, no Brasil o Estado deve tomar suas decisões tendo como norte as leis e o interesse coletivo. Sendo assim, para que se empregue o modelo regulador, é preciso que ele esteja previsto nas leis nacionais. É neste contexto que se fala de um Direito Regulatório.

Como a Regulação trata do modo como o Estado se relaciona com a economia, um ramo do Direito que aborde esse assunto estará intimamente ligado ao Direito Administrativo. Pode-se dizer que o Direito Regulatório pertence a uma das etapas evolutivas do Direito Administrativo. De fato, como o Direito Administrativo impõe limites à atuação do Estado, ordenando o relacionamento deste com os particulares, o Direito Regulatório não é senão uma das facetas desse ramo mais abrangente. Assim, PLACHA (2007, p. 77) diz: “O Direito Regulatório é uma especialização do Direito Administrativo e que deve, portanto, observar os limites do sistema jurídico.” Villela Souto (2002 apud PLACHA, 2007, p. 76) corrobora:

A necessidade de regular as atividades em que o setor privado substituiu ou ocupou espaços não atendidos pelo público, bem como aquelas de interesse econômico geral acarretou o surgimento de novas estruturas administrativas e de novas categorias de normas, respectivamente, as agências reguladoras e as normas reguladoras.

5.3  A ATIVIDADE REGULATÓRIA

O Estado Brasileiro tem objetivos e finalidades definidos por sua Constituição e para cumpri-los precisa agir concretamente, exercendo diversas atividades. Segundo a classificação tradicional, que foi adotada pela Constituição, essas atividades podem ser de cunho Administrativo, Legislativo ou Judiciário. Dentre as atividades administrativas, pode-se citar a atividade regulatória.

A atividade regulatória compreende o exercício de poder de fiscalização, repressão, promoção de fomento em áreas de interesse e além disso, o estabelecimento de  certas normas.

A fiscalização é para controle da atividade econômica pública e privada e dos serviços sociais não exclusivos do Estado, com o objetivo de defender o interesse coletivo. Se um determinado setor está praticando atos que vão contra esse interesse, a atividade regulatória tomará medidas repressivas, punindo as empresas do setor. Por outro lado, se um setor não pratica atos prejudiciais à coletividade, mas ao mesmo tempo deixa de praticar atos benéficos, cabe ao Estado, por meio da atividade regulatória, incentivar esses atos. Para fazer isso, o Estado delega àqueles encarregados pela atividade regulatória uma parcela do poder normativo da Administração Pública. Assim, para Placha (2007, p. 99):

Portanto, a atividade regulatória é uma parcela do poder normativo da Administração Pública, que tem por finalidade específica estabelecer normas de conduta e controle sobre atividades setoriais determinadas. Mas embora seja uma parcela da atividade administrativa, a atividade regulatória possui a diferença de estar dissociada da idéia de poder governamental central.

5.3.1  A Intervenção do Estado na Economia e a Atividade Regulatória

Quando se fala em intervenção do Estado na economia fala-se de toda e qualquer forma pela qual o Estado modifica o curso normal dos mercados. Assim, a Atividade Regulatória é uma das formas dessa intervenção, sendo menos abrangente.

A intervenção econômica do Estado pode atuar na seara das quatro falhas de mercado apontadas, inclusive, ofertando o Estado ele mesmo os bens considerados públicos (por serem não disputáveis e não exclusivos). O Estado também pode ofertar bens que não são públicos, mas que por produzirem grandes externalidades positivas, são de interesse coletivo, como a educação e a saúde. Essas atuações do Estado diretamente na economia não são abrangidas pela regulação econômica. Simplesmente, os atos que o próprio Estado pratica não precisam ser direcionados para o interesse coletivo, pois em teoria eles já devem ser essencialmente voltados para tais fins. Diferente é o caso do setor privado, que por tender ao lucro e aos interesses dos empresários[24], deve ser regulado para evitar prejuízos coletivos e para fomentar o seu lado socialmente benéfico.

Mas a regulação econômica também não é feita sobre todo e qualquer setor privado da economia. Regulam-se os setores da economia deixados para a iniciativa privada, mas que tenha uma grande importância social ou em que haja significativo poder de monopólio[25] ou ainda cujas externalidades negativas ou positivas devam ser evitadas ou fomentadas e, por fim, também nos casos em que o grau de assimetria de informações exige intervenção estatal.

5.3.2  Características

Como principais características da atividade regulatória, pode-se citar: a independência do poder governamental, a autonomia, a descentralização e a subsidiariedade. A seguir tratar-se-á de cada uma delas.           

5.3.2.1  Independência do poder governamental

Estado e Governo não podem ser confundidos. Segundo a valiosa lição de Hely Lopes Meirelles (1999, p. 54) o conceito de Estado:

(...) varia segundo o ângulo em que é considerado. Do ponto de vista sociológico, é corporação territorial dotada de um poder de mando originário (Jellinek); sob o aspecto político, é comunidade de homens, fixada sobre um território, com potestade superior de ação, de mando e de coerção (Malberg); sob o prisma constitucional, é pessoa jurídica territorial soberana (Biscaretti di Ruffia); na conceituação de nosso Código Civil, é pessoa jurídica de Direito Público Interno (art. 14, I). Como ente personalizado, o Estado tanto pode atuar no campo do Direito Público como no do Direito Privado, mantendo sempre sua única personalidade de Direito Público, pois a teoria da dupla personalidade do Estado acha-se definitivamente superada.        

Em oposição, o grande autor Meirelles (1999, p. 59) diz que governo:

Em sentido formal, é o conjunto de Poderes e órgãos constitucionais; em sentido material, é o complexo de funções estatais básicas; em sentido operacional, é a condução política dos negócios públicos. Na verdade, o Governo ora se identifica com os Poderes e órgãos supremos do Estado. Ora se apresenta nas funções originárias desses Poderes e órgãos como manifestação da Soberania. A constante, porém, do Governo é a sua expressão política de comando, de iniciativa, de fixação de objetivos do Estado e de manutenção da ordem jurídica vigente. O governo atua mediante atos de Soberania ou, pelo menos, de autonomia política na condução dos negócios público.

Assim, pode-se dizer que os objetivos do Estado são superiores e mais duradouros do que os objetivos de um governo. No caso do Brasil atual, cada eleição dá ensejo a um novo governo. Dentro dos limites definidos pela Constituição, cada governo define o modo como vai atuar. Pode ser um governo popular, um governo mais voltado à produção de riquezas etc. O Estado perpassa os diversos governos, como uma estrutura maior que dá certa unidade aos sucessivos governos, permitindo que as conquistas de cada governo convirjam para uma mesma finalidade comum.

Neste contexto, uma vez que o modelo regulador busca direcionar a atividade econômica segundo as finalidades do Estado, a atividade regulatória deve guardar independência do poder governamental. Uma vez que na atividade regulatória as finalidades são as do Estado, não se pode admitir que cada governo altere o seu exercício conforme o matiz de sua política. Submeter a atividade regulatória à influência política é torná-la mecanismo de corrupção e concentração de poder econômico, já que é de grande interesse das empresas privadas ter controle sobre o órgão que regula a sua atividade.

Além disso, se a cada eleição os órgãos que regulam diversos setores da economia mudarem as regras do jogo, a insegurança das empresas quanto às políticas que serão adotadas nos próximos governos será um obstáculo para um crescimento saudável da economia nacional. Instabilidade econômica dá ensejo a episódios de grande desemprego, inflação, descontrole cambial etc. Não é este o objetivo estatal.

5.3.2.2  Autonomia

            Para ser independente do poder governamental, é preciso que a atividade regulatória seja autônoma. A autonomia deve ser tanto da gestão administrativa quanto financeira[26].

            Se a atividade regulatória depender do governo para ter recursos financeiros para por em prática seus objetivos, cada governo terá um forte mecanismo de pressão sobre os agentes reguladores. Seria fácil para o governo impor condições, por vias alternativas, para atender a interesses político-econômicos próprios. A atividade regulatória quedaria inútil para as finalidades que lhe são estabelecidas pela Constituição.

            Por sua vez, a gestão administrativa autônoma garante que as entidades reguladoras organizem elas mesmas as suas atividades. Como quem trabalha nas entidades reguladoras é que vivencia os problemas e dificuldades que a atividade tem, são eles os mais aptos a gerenciar e organizar o modo como o objetivos devem ser alcançados. Deixar que outros órgãos interfiram, principalmente aqueles de cunho político, dificultaria em muito a concreção desses objetivos.

            Por outro lado, naturalmente a atividade regulatória não é imune ao controle externo. Se ela desviar ou ultrapassar dos limites e finalidades constitucionais, deverá sofrer as sanções cabíveis. A capacidade das entidades reguladoras de solucionar e dirimir conflitos, por exemplo, está sujeita ao controle jurisdicional. Segundo Diogo de Figueiredo Moreira Neto, a autonomia regulatória resulta da “(...) nova dimensão de autodeterminação que resulta da abertura, pela lei, de um espaço decisório deslegalizado em seus respectivos setores de atuação”. 

5.3.2.3  Descentralização

            A atividade regulatória, novamente para ser independente e autônoma do poder governamental, é exercida por pessoas jurídicas distintas do Estado. É por isso que ela é dita descentralizada. Celso Antônio Bandeira de Mello (2006, p. 147) explica com grande clareza a distinção entre centralização e descentralização:

Na centralização o Estado atua diretamente por meio dos seus órgãos, isto é, das unidades que são simples repartições interiores de sua pessoa e que por isto dele não se distinguem. Consistem, portanto, em meras distribuições internas de plexos de competência, ou seja, em “desconcentrações” administrativas. Na descentralização o Estado atua indiretamente, pois o faz através de outras pessoas, seres juridicamente distintos dele, ainda quando sejam criaturas suas e por isto mesmo se constituam, como ao diante se verá, em parcelas personalizadas da totalidade do aparelho administrativo estatal.

            A descentralização pode ser vista como uma resposta do Estado perante as mudanças sócio-econômicas que os grupos humanos têm vivido. A história está repleta de exemplos de direitos conquistados ao longo do tempo, muitos dos quais se acumularam até os dias de hoje. As atribuições do Estado iam aumentando à medida que discursos sociais ganhavam força. Estados economicamente mais desenvolvidos conseguiram, de certa forma, oferecer e garantir esses direitos aos cidadãos durante certo tempo. Entretanto, o crescimento e envelhecimento populacional impossibilitaram que o Estado, por si mesmo, ofertasse tantos bens e serviços. A estrutura administrativa que antes funcionava, tornou-se obsoleta diante da realidade sócio-econômica atual. De modo que inúmeros países passaram por processos de reforma administrativa, em que suas estruturas piramidais e hierarquizadas foram flexibilizadas. Assim, segunda Placha (2007, P. 104):

Esta transformação ocorreu, em parte, por conta da evolução das relações sócio-econômicas que atingiram um estágio elevado de complexidade e dinamismo, sendo que o Estado já não tinha mais estrutura compatível para lidar com as situações advindas destas mudanças. A atividade regulatória deriva deste movimento de descentralizar, sendo uma tendência contrária ao paradigma clássico tradicional das administrações centralizadas e hierarquizadas, pois a regulação se espalha por diversas estruturas, com inúmeros agentes envolvidos e com interesses distintos.

5.3.2.4  Subsidiariedade

            Segundo o modelo regulador de Estado, a produção das riquezas necessárias ao suprimento de necessidades básicas e supérfluas dos indivíduos e do grupo é deixada prioritariamente para o setor privado. Somente nos casos em que este setor se mostrar incapaz ou insuficiente para suprir essas necessidades é que o Estado deve intervir na economia, em primeiro lugar direcionando as forças privadas para as necessidades não atendidas e em segundo lugar, quando a primeira alternativa não for viável, produzindo os bens ou prestando os serviços em falta ele mesmo. Essa ordem do suprimento das necessidades deixa claro o papel subsidiário do Estado e da Atividade Regulatória neste modelo.

            A subsidiariedade da Atividade Regulatória indica que, embora a Constituição adote o modelo regulador, nem todos os setores da economia serão submetidos à essa regulação. Apenas aqueles em que se observar que as necessidades coletivas não estão sendo atendidas conforme as normas constitucionais é que serão objeto da Atividade Regulatória[27].

            Importante ressaltar que ser subsidiário não significa ser pouco importante. O papel do Estado e a Atividade Regulatória são extremamente importantes. Sem o Estado dificilmente a economia chegaria aos níveis de prosperidade que chegou e que vem alcançando. O Estado garante a paz social e um certo nível de estabilidade das instituições e relações entre indivíduos e entre nações. Roubos, guerras, assassinatos, golpes políticos, etc., são fatores que vão contra a fluidez das negociações e trocas que levam à prosperidade econômica de uma nação[28].  

5.3.3  Normatividade

            A economia tem se tornado cada vez mais complexa. Cada setor demanda enorme quantidade de estudo para ser parcialmente compreendido. Sempre há muitos fatores e variáveis a serem analisados para que se possa chegar a uma conclusão, que mesmo assim não pode ser tida como definitiva, mas a mais adequada para aquele momento.

            Decisões políticas, descoberta de novas fontes de petróleo, desenvolvimento de novas tecnologias, eclosão de guerras, assinatura de um novo acordo internacional, embargos estrangeiros à importação de um produto nacional, surgimento de novas doenças, catástrofes naturais etc. Todos esses acontecimentos influenciam as decisões das empresas, podendo levar algumas à falência e outras à altos lucros. Consequentemente, esses acontecimentos podem ensejar desemprego e/ou aquecer a economia. O fato é que muitos desses acontecimentos são imprevisíveis ou acontecem muito rapidamente, o que significa que a sobrevivência de muitas empresas depende da sorte e do acompanhamento desse dinamismo. Se o Estado quer que seu país seja próspero, deve criar um ambiente institucional em que facilite essas mudanças pelas empresas conforme a dinâmica da realidade. 

            Nesse raciocínio, seria inadequado que os setores econômicos fossem regulamentados em suas especificidades pelo Poder Legislativo. Essa esfera do poder estatal, pela própria adoção do modelo democrático no Brasil, atua de modo um tanto vagaroso, atendendo a inúmeros requisitos procedimentais estabelecidos pela Constituição. Além desta questão temporal, a regulamentação de setores da economia exige grande conhecimento técnico sobre cada setor, sem o que corre-se o risco de gerar desajustes de grande repercussão negativa na economia.

            É por isso que a lei delegou aos entes reguladores competências normativas variadas para disciplinar determinadas matérias dos setores regulados. As entidades reguladoras são compostas de pessoal tecnicamente especializado e que dispensam atenção permanente ao setor que regulam, sendo os agentes mais adequados a regulamentar setores específicos da economia. Com o conhecimento técnico e acompanhamento da dinâmica sócio-político-econômica, consegue-se elaborar normas que incentivem as empresas para os objetivos desejados sem impossibilita-las de exercer lucrativamente as suas atividades. Sobre isso Placha (2007, p. 112) escreveu:

Portanto, a normatividade, enquanto característica da atividade regulatória, decorre da necessidade do Estado disciplinar determinadas situações, cujo regramento não decorre exclusivamente da lei, sendo que a alternativa foi atribuir aos entes reguladores competências normativas específicas para interferir sobre determinadas atividades, que exigem atenção estatal especial devido às particularidades do setor regulado.

5.3.3.1  A Legitimidade Democrática da Atividade Regulatória

            O poder normativo delegado à Atividade Regulatória é origem de questionamentos sobre a legitimidade democrática dessa atividade. Ter competência para criar normas que outras pessoas terão de respeitar sob pena de punição pela força estatal, é um grande poder. E, segundo a ideologia democrática, o poder emana do povo, que pode delega-lo a alguns representantes eleitos pela maioria. A questão, portanto, é que a atividade regulatória compreende o exercício de função normativa por agentes não eleitos pelo voto direto.

            Imagine-se, então, que os agentes das entidades reguladoras fossem eleitos pelo povo periodicamente, assim como os chefes do executivo e os legisladores. O efeito seria o mesmo de que a Atividade Regulatória não fosse independente do poder governamental. Os agentes reguladores seriam tão instáveis quanto os governos, não dando aos setores econômicos a estabilidade necessária para o seu crescimento. Além disso, tornar-se-iam mais vulneráveis a influências políticas e econômicas, uma vez que precisariam de financiamento para suas campanhas eleitorais.

            Mas, o fato de a eleição pelo povo não ser compatível com a Atividade Regulatória não significa que ela é democraticamente ilegítima. A democracia não é exercida apenas pelo ato de votar. Audiências públicas e prestações de conta à comunidade são formas essenciais para que o povo não participe das decisões apenas na hora de escolher o candidato. Controlar o que está sendo feito pode ser mais importante do que escolher dentre alguns poucos candidatos. A democracia deve ser exercida no dia-a-dia e não apenas a cada dois anos. Alexandre Santos de Aragão (2005, p. 87) vem fortalecer esta perspectiva:

Veja-se, por exemplo, as agências reguladoras, cujos dirigentes são nomeados por mandatos certos não coincidentes, propiciando a nomeação deles ao longo de diversos governos. A medida, longe de se afastar da democracia, com um suposto afastamento destas instâncias das forças políticas majoritárias, assegura o pluralismo no seio do Estado sem retirar totalmente o poder de controle do Chefe do Poder Executivo ou do Poder Legislativo. São, destarte, uma fórmula apta a propiciar a necessárias combinação entre o pluralismo e o princípio majoritário. 

Acrescente-se, por fim, o fato de que com as Agências Reguladoras, típicas do modelo regulador de Estado, torna-se mais fácil para a população verificar o que está sendo feito a respeito de cada setor regulado[29]. Se há uma agência dedicada aos serviços de telefonia, por exemplo, qualquer alteração será logo sentida pelo usuário, que em encontrando problemas, saberá exatamente a quem reclamar e exigir os seus direitos: à agência reguladora do serviço de telefonia. Quando não há uma entidade própria e claramente responsável por um setor, torna-se difícil para o cidadão encontrar um canal de comunicação com o órgão estatal responsável. Neste sentido, a Atividade Regulatória é um avanço para a democracia nacional.

5.3.4  Meios da Atividade Regulatória

O setor privado é composto de grandes, médios e pequenos empreendedores. De uma forma ou de outra, todos buscam ter bons lucros. Seja para sustentar a família ou comprar um iate, a iniciativa privada tende a tomar suas decisões procurando ter os melhores retornos financeiros possíveis. Logicamente, se dois fornecedores vendem a mesma matéria prima por preços diferentes, sem considerar outros fatores (como frete, formas de pagamento etc.), um empresário tenderá a comprar do fornecedor que vender por um preço menor. Seguindo esse raciocínio e sabendo-se que o investimento na produção de alguns bens e serviços de utilidade coletiva (segurança pública, obras de infra-estrutura etc.) têm baixo ou nenhum retorno financeiro, é fácil concluir que a iniciativa privada dificilmente investirá neles. Isso não significa que os empreendedores privados são pessoas más e que não pensam na coletividade. O mercado em si dificulta essa forma de atuação pelos seus agentes, pois quem não for competitivo logo é derrubado pelos concorrentes, e será ele que não vai mais conseguir sustentar a sua família ou comprar o seu iate. É esta uma das razões pelas quais se justifica a existência do Estado e a sua intervenção na economia. Esta intervenção, aqui, se dá segundo o modelo regulador, que pode intervir pelos seguintes meios: meios repressivos, meios promocionais e meios preventivos.

            A competição capitalista e a busca por suprir necessidades individuais leva alguns empresários a não somente deixar de investir em empreendimentos de interesse coletivo, mas a praticar condutas abusivas que acabam sendo prejudiciais à sociedade. É para combater essas práticas que a Atividade Regulatória utiliza-se de meios repressivos. Assim, impõe-se a sanção cabível quando o comando legal ou a norma regulatória não forem observados.

            Por outro lado, há empresários que não prejudicam a sociedade, mas simplesmente deixam de fazer algo que seria útil para a coletividade. Assim, cabe ao Estado incentivar os empresários a fazer tais investimentos. São os meios promocionais de atuação da Atividade Regulatória, pelos quais se pode, por exemplo, atrair investimentos para os setores que estão precisando, atendendo necessidades coletivas que não seriam supridas naturalmente pelo mercado.

            Por fim, utilizando os meios preventivos, os agentes reguladores, que estão em contato com o dinamismo dos setores econômicos regulados, podem evitar que atos e fatos que possam ser danosos para as empresas e para a coletividade venham a ocorrer. Através do controle e fiscalização, o Estado atua para evitar crises econômicas e convulsões sociais. Faz blindagem contra variações políticas e cenários globais ou nacionais desfavoráveis, garantindo estabilidade para os agentes dos setores regulados[30].


6  REGULAÇÃO ECONÔMICA NO BRASIL

Como visto, para que se alcance maior bem-estar social, alguns setores privados da economia são regulados pelo Estado. A presença de falhas de mercado é que justifica essa intervenção. O objetivo deste capítulo é dar um panorama geral de como o Estado brasileiro faz essa regulação.

6.1  Sistema de Proteção da Concorrência

            Para garantir a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico[31], foi elaborada a Lei nº 8.884 de 11 de junho de 1994.

            Esta lei prevê como infração à ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: (i) limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; (ii) dominar mercado relevante de bens ou serviços; (iii) aumentar arbitrariamente os lucros; (iv) exercer de forma abusiva posição dominante.

            A lei nº 8.884/1994 prevê ainda algumas condutas pelas quais os agentes econômicos podem produzir os efeitos listados. Ao estabelecer que fixar ou praticar, em acordo com concorrente, sob qualquer forma, preços e condições de venda de bens ou de prestação de serviços é uma infração à ordem econômica, a lei está combatendo justamente o poder de mercado gerado pela interação entre as empresas, como visto em capítulo anterior. E quando a lei determina como infração o ato de limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado, está coibindo o poder de monopólio por meio do controle do número de empresas em um mercado. E, dentre outros, ao proibir que empresas interrompam ou reduzam em grande escala a sua produção, sem justa causa comprovada, o Estado quer evitar as externalidades negativas e o abuso de poder gerado por uma possível inelasticidade do mercado.

            Como se pode perceber, a teoria econômica das falhas de mercado está nas entrelinhas desta lei. Busca-se uma economia que se aproxime do modelo competitivo, para aumentar o bem-estar social. Mas, para que tal lei seja posta em prática, é preciso uma estrutura administrativa. Eis o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e a Secretaria de Direito Econômico (SDE).

6.1.1  CADE

            O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) é um órgão judicante com jurisdição em todo o território nacional, criado pela lei nº 4.137 de 10 de setembro de 1962. Com a lei nº 8.884/1994 passou a se constituir em autarquia federal, vinculada ao Ministério da Justiça, com sede e foro no Distrito Federal, e atribuições previstas nesta lei.

            Ao plenário do CADE compete, dentre outros, zelar pela observância da lei nº 8.884/1994, decidir sobre a existência de infração à ordem econômica e aplicar as penalidades previstas na lei, decidir os processos instaurados pela Secretaria de Direito Econômico, ordenar providências que conduzam à cessação de infração à ordem econômica, requerer ao Poder Judiciário a execução de suas decisões e instruir o público sobre as formas de infração da ordem econômica. Interessante ainda destacar que, nas palavra de Fábio Ulhoa Coelho (2003, p.29):

As decisões administrativas condenatórias, proferidas pelo CADE, são títulos executivos extrajudiciais e comportam execução específica quando impõem obrigação de fazer ou não fazer, pode o juiz para isso decretar a intervenção na empresa. Além dessas atribuições, de ordem repressiva, o referido órgão atua, também na esfera preventiva, validando os contratos entre particulares que possam limitar ou reduzir a concorrência.

6.1.2  SDE

A Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE), criada pela lei nº 8.884/1994, é dirigida por um Secretário, indicado pelo Ministro de Estado de Justiça.

À SDE cabe zelar pelo cumprimento da lei, monitorando e acompanhando as práticas de mercado; acompanhar, permanentemente, as atividades e práticas comerciais de pessoas físicas ou jurídicas que detiverem posição dominante em mercado relevante de bens ou serviços, para prevenir infrações da ordem econômica, podendo, para tanto, requisitar as informações e documentos necessários; proceder, em face de indícios de infração da ordem econômica, a averiguações preliminares para instauração de processo administrativo; e dentre outros remeter ao CADE, para julgamento, os processos que instaurar, quando entender configurada infração da ordem econômica.

Assim, segundo Fábio Ulhoa COELHO (2003, p.29): “Na sua atuação, o CADE será auxiliado pela Secretaria de Direito Econômico (SDE) daquele Ministério, com competência para a realização das averiguações preliminares e a instrução do processo administrativo.”           

6.2  Sistema de Proteção do Consumo

            Atualmente há uma grande variedade de produtos e serviços demandados pelas pessoas. E quase todos os bens consumidos são comprados. Alimentos, vestuário, moradia, educação, saúde, segurança, eletricidade etc. Depende-se quase que totalmente dos serviços e produtos de terceiros. As pessoas trabalham em uma atividade específica, ganham dinheiro e o trocam pelos bens que precisam para sobreviver.

            Agora, imagine-se que 1% da população trabalha na produção de calçados. Apesar de apenas eles trabalharem nessa atividade, 100% da população precisa de calçados. Então eles terão que ter uma grande produtividade para atender ao máximo essa demanda (suponha-se que o lucro seja diretamente proporcional à quantidade de unidades vendidas). Precisarão produzir muito em pouco tempo, atendendo a grandes contingentes. Para acelerar a produção, escolhem apenas alguns modelos de calçados, padronizam-nos e automatizam ao máximo o seu processo produtivo. Junte-se a isso a idéia do primeiro parágrafo e tem-se como resultado o consumo de massa. Milhões de pessoas dependendo de produtos e serviços de terceiros e milhares de empresas tentando lucrar enquanto satisfazem (e criam) necessidades e desejos.

            É simples de perceber que esse ambiente é propício ao desenvolvimento do mercado capitalista, mas também que ele é fértil para as falhas de mercado e outras mazelas sociais. Logo, cabe ao Estado, que tem como objetivo a construção de uma sociedade livre, justa e solidária com a promoção do bem de todos e garantia do desenvolvimento nacional, impor regras a essa sociedade de consumo. Daí falar-se em Sistema de Proteção ao Consumo.

            No Brasil, é a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, conhecida como Código de Defesa do Consumidor (CDC) que consagrou aqui a regulamentação da sociedade de consumo.

            A assimetria de informações, como visto, é uma das falhas de mercado. E como os consumidores dependem de bens produzidos por terceiros, eles nunca podem ter certeza de como foram produzidas as mercadorias. Ainda, com novos produtos chegando às prateleiras todos os dias, muitas vezes não se sabe se a mercadoria é realmente segura ou se apresenta algum defeito prejudicial à saúde. Desta forma, o CDC estabelece (art. 8º) que os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não deverão acarretar riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito. Além disso, o mesmo código, atingindo diretamente a assimetria de informações, determina (art. 6º, III) que é direito básico do consumidor a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.

            Segundo o próprio CDC (art. 4º), a Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo. À medida que esses objetivos vão sendo atingidos, os consumidores são beneficiados. Mas não só eles. As empresas em geral também. Cientes de seus direitos e de que há uma estrutura administrativa para exigirem esses direitos, as pessoas se sentem mais seguras para fazer compras. O consumo aumenta e as empresas melhoram seus lucros.           

6.3  As Agências Reguladoras

            As Agências Reguladoras foram criadas de modo a atender às demandas de instrumentalização da Atividade Regulatória. Assim, pelo menos em teoria, apresentam todas as suas características: independência do poder governamental, autonomia, descentralização e subsidiariedade.

            As Agências Reguladoras brasileiras são autarquias em regime especial, sendo pessoas jurídicas de direito público interno. Esse regime especial significa que a essas autarquias são concedidos independência administrativa, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes e autonomia financeira[32].

            A função das Agências Reguladoras é fiscalizar, controlar e disciplinar certas atividades econômicas e determinados serviços públicos prestados por particulares. Por isso muitas vezes essas agências são associadas ao movimento de desestatização da economia, iniciado na década de 1990 no Brasil. Deve-se, entretanto, atentar para o fato de que as Agências Reguladoras regulam não apenas os setores privatizados, mas toda e qualquer atividade econômica que tenha grande importância social e que se deixada apenas para o mercado, os interesses coletivos acabam sendo negligenciados. Assim, Alexandre Santos de Aragão (2005, p. 267) ensina:

Admitimos, portanto, que as agências reguladoras foram, em um primeiro momento, adotadas no Brasil em decorrência da desestatização de serviços públicos, o que está muito longe de significar que sejam por essência um instrumento de desregulação ou da desestatização, até mesmo porque logo começaram a ser criadas agências reguladoras, não mais de serviços públicos, mas de atividades econômicas stricto sensu, que propiciaram um aumento da intervenção estatal sem precedentes nestes setores (por exemplo, a regulação da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS sobre os planos de saúde privados). Sendo assim, podemos constatar que, passados alguns anos da criação das primeiras agências reguladoras, revela-se que a busca deste modelo organizativo destina-se a regular, antes do que especificamente serviços públicos desestatizados, as atividades que em geral possuem uma especial sensibilidade para a coletividade; atividades a respeito das quais os interesses são fortes, múltiplos e conflitantes, notadamente as que possuem elevado potencial de comoção da opinião pública, entre as quais incluem-se, obviamente, os serviços públicos.

Outro aspecto marcante das Agências Reguladoras é o caráter técnico da sua atuação. Cada agência se ocupa de um setor específico da economia, o que permite que elas se especializem em seus setores e acompanhem a sua dinamicidade. De fato, muitas atividades econômicas se aperfeiçoam rápida e constantemente, de modo que os agentes que se propõem a estipular regras para essas atividades têm que necessariamente ter domínio técnico sobre o que estão fazendo e estar a par das conjunturas que envolvem o setor, sob o risco de gerar crises econômicas expansíveis para outros mercados. Além disso, conforme mudam as circunstâncias, as regras estipuladas têm que ser atualizadas, senão poderão ser um entrave para o desenvolvimento do setor. No mesmo sentido Gabriel Placha (2007, p. 200) escreveu:

(...) existe a necessidade de que as agências tenham a capacidade de acompanhar as constantes inovações tecnológicas do desenvolvimento da sociedade e das atividades econômicas, de modo a adotar as medidas compatíveis com as necessidades do setor regulado. (...) a lei impõe que seus dirigentes tenham a necessária formação e conhecimento específicos para exercer o cargo. (...) esta atuação técnica das agências não deve ser influenciada por critérios políticos, uma vez que a opção do agente regulador deve se basear em aspectos científicos (...).

  Por outro lado, embora autônomas e técnicas, cabe lembrar que as Agências Reguladoras estão limitadas a atuar dentro do espaço e na linha dos objetivos que a Constituição lhes estipulou.          

6.3.1  As Agências Reguladoras no Brasil

            Criadas no Brasil a partir da segunda metade da década de 1990, as Agências Reguladoras são ainda um fenômeno relativamente recente na história do país. 

            Em 26 de dezembro de 1996, foi criada a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), pela lei nº 9.427. A esta agência compete o exercício das funções inerentes ao Poder Concedente dos serviços públicos de energia elétrica e do uso de potenciais de energia elétrica.

            No ano seguinte, em 1997, foi criada a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), por meio do Decreto nº 2.338 e da Resolução ANATEL nº 270/01. Dentre as suas atribuições está implementar a política nacional de telecomunicações; expedir normas quanto à outorga, prestação e fruição dos serviços de telecomunicações no regime público; celebrar e gerenciar contratos de concessão e fiscalizar a prestação do serviço no regime público, aplicando sanções e realizando intervenções; normatizar os padrões dos equipamentos utilizados pelas prestadoras de serviços de telecomunicações e expedir normas que assegurem a interconexão entre as redes, como instrumento de garantir a concorrência do setor.

            A Agência Nacional do Petróleo (ANP) foi criada pela lei nº 9.478 no ano de 1997 e regulamentada pelo Decreto nº 2.455/98. Dentre os objetivos das políticas nacionais para o aproveitamento racional das fontes de energia, previstos no artigo 1º da referida lei, pode-se citar: promover o desenvolvimento, ampliar o mercado de trabalho e valorizar os recursos energéticos; proteger os interesses do consumidor quanto ao preço, qualidade e oferta dos produtos; proteger o meio ambiente; garantir o fornecimento de derivados de petróleo em todo o território nacional; e utilizar fontes alternativas de energia, mediante o aproveitamento econômico dos insumos disponíveis e das tecnologias aplicáveis.

            Em 1999 foi criada a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), pela lei nº 9.782, regulamentada pelo Decreto nº 3.029/99 e pela Portaria ANVISA nº 593/00, que aprovou o Regimento Interno. Essa agência tem competência para intervir em setores econômicos privados que geram potencial risco à saúde pública, como medicamentos, tabaco, alimentos, bebidas, equipamentos de exames médicos, etc[33].

            A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) foi criada pela Lei nº 9.961 no ano 2000. Regulamentada pelo Decreto nº 3.327/00 e pela Resolução RDC (ANS) nº 593/00, tem como principal atribuição a regulação dos planos de saúde.

            Ainda no ano 2000 foi criada a Agência Nacional de Águas (ANA) pela Lei nº 9.984, regulamentada pelo Decreto nº 3.692/00. Segundo o artigo 4º da lei que criou essa agência, cabe a ela a supervisão da implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos por todos os elementos do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

            No primeiro ano do século XXI, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) foram criadas pela Lei nº 10.233. A esfera de atuação da ANTT abrange o transporte ferroviário de passageiros e cargas ao longo do Sistema Nacional de Viação; a exploração da infra-estrutura ferroviária e o arrendamento dos ativos operacionais correspondentes; o transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros; o transporte rodoviário de cargas; a exploração de cargas especiais e perigosas em rodovias e ferrovias. A ANTAQ, por sua vez, abrange a navegação fluvial, lacustre, de travessia, de apoio marítimo, de apoio portuário, de cabotagem e de longo curso; os portos organizados; os terminais portuários privativos; e o transporte aquaviário de cargas especiais e perigosas[34].

            Ainda em 2001 foi criada a Agência Nacional do Cinema (ANCINE) pela Medida Provisória nº 2.219. Esta agência tem como objetivo o fomento, a regulação  e a fiscalização da indústria cinematográfica e videofonográfica.

            Em 2005 é criada a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) pela Lei nº 11.182 de 27 de setembro de 2005. A ANAC deve atuar como autoridade da aviação civil e adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento e fomento da aviação civil, da infra-estrutura aeronáutica e aeroportuária do país.

            As Agências Reguladoras até aqui citadas são as agências nacionais mais importantes. Além delas há algumas agências estaduais e municipais.


7  ESTADO REGULADOR NO BRASIL: ATUALIDADES

            Como visto, a Constituição brasileira consagrou o modelo regulador de Estado. E este modelo já vem sendo empregado no Brasil, naturalmente, com todas as dificuldades da implementação concreta de um projeto. As privatizações da década de 1990 e a criação de algumas Agências Reguladoras são indícios de que nosso Estado vai se aproximando do modelo regulador. Nesta conjuntura, cabe a este capítulo oferecer um panorama de como as instituições reguladoras vêm se adaptando à realidade brasileira e de como vêm sendo vistas pela opinião pública. Para isso, recorrer-se-á a publicações de jornais e revistas.

            A Gazeta do Povo de 16 de dezembro de 2007, publicou no caderno de Economia (p. 1) um artigo intitulado “Estado ou setor privado: quem é o responsável pelo crescimento?”. Deste artigo escrito por Fernando Jasper cita-se o seguinte trecho:

Grande parte dos economistas admite a relevância da teoria keynesiana, mas a idéia de que os gastos do Estado devem ser os indutores do desenvolvimento está longe de ser um consenso – o que torna polêmica a afirmação de que o norte-americano é o “maior pensador econômico dos últimos tempos”. Economistas ligados a correntes mais conservadoras, e mesmo keynesianos “moderados”, argumentam que o setor privado também deve ter participação em obras e no desenvolvimento econômico. E lembram que os gastos estatais, responsáveis pela recuperação dos Estados Unidos após a Grande Depressão e por boa parte do crescimento mundial até a década de 70, culminaram em descontrole da inflação, endividamento público e aumento da carga tributária. 

            A revista Exame, em sua edição 911 de 13 de fevereiro de 2008, veiculou o artigo “A Vitória do Óbvio” na página 66, com o subtítulo “O país começa a se dar conta de que precisa do setor privado para melhorar a infra-estrutura. Resultado: os projetos de concessão já somam 90 bilhões de reais”. Escrito por José Roberto Caetano, destaca-se o trecho:

Com muito atraso, uma leva crescente de mandatários das várias esferas de governo no Brasil está abrindo os olhos para uma fonte de recursos óbvia mas até agora pouco explorada: o apetite privado por investimentos em infra-estrutura, uma das maiores carências nacionais. Ainda é um movimento tímido diante da enorme quantidade de coisas que há por fazer, após anos de ausência de obras novas e falta de conservação do que já existia. (...) “Não há porque não contar com o investimento privado”, afirma Francisco Vidal Luna, secretário do Planejamento do Estado de São Paulo. “Enquanto o setor público tem orçamento apertado e restrições para se financiar, as empresas privadas dispõem de cada vez mais dinheiro e facilidade para obter crédito a custo mais baixo e prazo longo”. Ou seja, é algo lógico, mas que custou a ser admitido de maneira ampla, basicamente por rejeição ideológica ou interesse político.

            Esses dois artigos mostram uma perspectiva positiva de idéias que convergem com o modelo regulador de Estado. Entretanto, nem todas as opiniões e fatos são tão amistosos com este modelo. Veja-se o artigo “Indicações partidárias ignoram tudo”, publicado no jornal O Estado do Paraná em 28 de outubro de 2007, na página 8 do caderno “Política”:

Prática comum na administração pública brasileira, a divisão de cargos segundo critérios políticos não poupa nem mesmo órgãos de trânsito encarregados de resolver problemas de um setor que mata 35 mil pessoas por ano. As indicações partidárias ignoram exigências mínimas de formação técnica e definem quem comanda órgãos com o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit) e a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

            Outro artigo, não menos incisivo, é “A politização das agências” publicado no site do jornal Folha de São Paulo (FolhaONLINE) no dia 15 de agosto de 2007. Escrito por Eliane Cantanhêde, destaca-se os trechos:

O governo acaba de indicar o ex-ministro dos Esportes Agnelo Quiroz (PC do B) para a Anvisa, num momento em que a Anac está no olho do furacão e já se discutem seriamente o papel e até a necessidade das próprias agências. É assim que Lula destrói a credibilidade das agências reguladoras. Entre toneladas de críticas à Anac (de aviação civil), a principal está na origem: a politização e a partidarização de um órgão que deveria ser essencialmente técnico e ocupado por técnicos. O presidente da Anac é amigo do ministro fulano, a diretora mais poderosa foi indicada pelo ex-ministro sicrano e vai por aí afora. Entender de aviação civil, que é bom, necas. Há quem se pergunte se Milton Zuanazzi, o presidente, sabe distinguir um Boeing de um Airbus.

            Por outro lado, iniciando bem ou mal, ao identificar problemas em setores regulados a população já começa a ter consciência de que tem a quem responsabilizar mais diretamente. Instaladas instituições mais visíveis pelo povo, há mais esperanças de que este venha a exigir os seus direitos, reforçando a democracia.

            O artigo “Aneel vê aumento imediato de energia” ilustra a afirmação de que as Agências Reguladoras acompanhariam a dinâmica do setor. Veja-se trechos do artigo publicado em 03 de novembro de 2007 no site do jornal Folha de São Paulo (FolhaONLINE):

A redução na quantidade de gás natural fornecida pela Petrobras às usina térmicas imporá um “imediato aumento no custo de energia elétrica”, além de risco de racionamento de energia, afirmou o diretor-geral da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), Jerson Kelman. (...) Kelman avalia que a impossibilidade de a Petrobras cumprir o compromisso imporá uma “repactuação” do acordo para fornecimento de gás. Sem a garantia de combustível para o funcionamento das usinas térmicas, argumenta o diretor da agência, o sistema elétrico operará com incertezas que elevarão o custo da energia. “No curto prazo, isso vai afetar os grandes consumidores”, concluiu Kelman

            Por fim, pode-se citar um artigo que demonstra o exercício da atividade regulatória por uma Agência Reguladora. O artigo “Anac suspende vendas de passagens internacionais da BRA”, também publicado no site do jornal Folha de São Paulo (FolhaONLINE), diz o seguinte:

A Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) decidiu nesta quinta-feira suspender as vendas de passagens internacionais da empresa BRA. A decisão foi provocada pelos problemas que a empresa teve com seus Boeings 767, que fazem rotas para o exterior. Um grupo de 35 passageiros esperou para embarcar para a Europa quase 67 hora devido a um problema em uma dessas aeronaves. (...) Os aviões da BRA estão sob inspeção da Anac, sendo que em um deles, no Rio, está sendo executado o “Check C”, que é uma inspeção completa na aeronave. O outro avião, que chegou do exterior com problemas nas turbinas, está em Natal (RN) sendo examinada por técnicos da agência. A Anac também determinou que, além da imediata suspensão das vendas de passagens internacionais, que os usuários da BRA que adquiriram bilhetes para o exterior sejam realocados em vôos de outras companhias.             


8  CONCLUSÃO

            Todos precisam de bens e serviços. Entretanto os recursos são escassos. A quantidade de metais, de terra, de água, de animais, de vegetais, etc. não é infinita. Assim, todos os seres vivos precisam dividir/competir por esses recursos para sobreviver. Além disso, a maioria dos bens e serviços para serem usufruídos demandam trabalho e trabalho demanda tempo, que também é um recurso escasso, na medida de nossa longevidade. Nessa conjuntura, a sociedade vem desenvolvendo meios de empregar os recursos naturais e o trabalho de forma mais eficiente na produção de riquezas (bens e serviços). A troca foi e é essencial para esse desenvolvimento. E uma decorrência das trocas foi o surgimento dos mercados.

            Os mercados permitem uma maior produção de riqueza, mas nem sempre produzem tanto bem-estar quanto poderiam. O mercado ideal, do ponto de vista do bem-estar social, deveria ser totalmente competitivo. Entretanto, se deixado por conta própria o mercado não atinge esse ideal, devido às falhas de mercado. Neste sentido, seria interessante que um agente exercesse certo grau de intervenção sobre o mercado, diminuindo essas falhas. É aí que entra o papel do Estado.

            O Estado e a economia são interdependentes. Os objetivos do Estado se não estão diretamente ligados à economia, passam necessariamente por ela. Sem produção de riquezas (produtos e serviços) não há como um povo suprir suas necessidades. Educação, saúde, infra-estrutura, manutenção de instituições, etc. dependem ou são eles mesmos produtos e serviços. Além disso, é do interesse de um Estado democrático propiciar bem-estar à população. Assim, o Estado pode intervir na economia para diminuir as falhas de mercado, ou em outras palavras, o Estado pode regular a economia.

O modelo regulador de Estado propõe que se deixe a produção de riquezas prioritariamente para o setor privado, mas que, através do seu poder, o Estado direcione as forças produtivas privadas para o atendimento de necessidades coletivas não naturalmente supridas pelo mercado. Esse modelo ainda pretende ser mais eficiente do que os modelos Liberal e Social de Estado, o que pôde ser corroborado pelo artigo “Privatização e Desempenho Econômico: Teoria e Evidência Empírica” de Edilberto Carlos Pontes Lima. Segundo esse estudo, as empresas privatizadas (inclusive no Brasil) são nitidamente mais eficientes do que as estatais quando atuam em um ambiente competitivo. E o modelo regulador propõe exatamente deixar a produção para o setor privado ao mesmo tempo em que garante uma estrutura empresarial competitiva e socialmente direcionada.

No desenvolvimento histórico do papel do Estado na economia brasileira pode-se perceber que desde a década de 1990, com o início das privatizações e criação das Agências Reguladoras, o Estado Brasileiro vem caminhando em direção ao modelo regulador. E, de fato, tal movimento já era consagrado na Constituição de 1988. Os artigos que tratam da ordem econômica e financeira deixam transparecer a idéia de regulação econômica.

No Estado Regulador, dentre outras atividades, está presente a atividade regulatória. Independente do poder governamental, autônoma, descentralizada e subsidiária ela garante que a economia seja regulada pelo Estado e não pelos sucessivos governos. Outra característica dessa atividade é a normatividade, que lhe garante a capacidade de elaborar normas que levem em consideração as especificidades técnicas e a realidade econômica dinâmica específica de cada setor a ser regulado.

O exercício da atividade regulatória é feito, sucintamente, pelo Sistema de Proteção da Concorrência, pelo Sistema de Proteção do Consumo e pelas Agências Reguladoras. Com eles, permite-se que concretamente a realidade de nosso Estado se aproxime do modelo abstrato de Estado Regulador.             

A realidade, entretanto, não é tão simples. Embora se caminhe para um destino melhor (pelo menos teoricamente parece sê-lo), há pedras no caminho. Interesses político-econômicos talvez sejam a maior das dificuldades. Jornais e revistas denunciam privatizações feitas no interesse de grupos privados nacionais ou internacionais e também a escolha de dirigentes de Agências reguladoras por indicação política, mesmo que não tenham nenhum preparo técnico. Tais fatos desvirtuam as características chaves de um Estado Regulador e mancham esse modelo perante a opinião pública.

A história mostra, entretanto, que mesmo sendo a caminhada tortuosa e um tanto difícil, esforços coletivos rumo a destinos que se espera serem melhores tendem a ser compensadoras. Tem sido assim na busca de eliminação de doenças, da proteção e manutenção do meio-ambiente, da paz social e, dentre outros, porque não, na busca de melhores relações entre Estado e economia para a melhoria do bem-estar social.


REFERÊNCIAS

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Notas

[1] Sobre o estudo dos diferentes tipos de leis, interessante é o seguinte comentário de Fábio Tokars em seu artigo “Debêntures ganham atrativos com nova legislação”, publicado no site da Bovespa, em que ele diz: “Procedendo desta forma, abriremos alguns novos campos de estudo. Poderemos analisar a eficiência econômica das leis, pesquisando, por exemplo, o impacto negativo derivado do cipoal de normas referentes às formalidades para a constituição de uma empresa; a elevação nos custos do crédito, decorrente da flexibilização dos contratos  e das cambiais; a oneração na constituição de novas unidades negociais, decorrente de normas que elevam exageradamente os riscos envolvidos em operações de compra e venda de estabelecimentos empresarias; o evidente desincentivo ao empreendedorismo, derivado da incompreensão das regras previsoras da limitação da responsabilidade de sócios de sociedades limitadas; os impactos econômicos gerados pela aplicação das legislações tributária, ambiental, trabalhista, previdência... Enfim, muito há a fazer no contexto desta forma de interpretação do Direito.”

[2] Além de suprir eficiente e eficazmente as necessidades humanas, muitas vezes buscou-se e busca-se um suprimento mais sofisticado, excessivo e até mesmo supérfluo.

[3] Vários autores. Manual de Economia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

[4] Fala-se “sem maiores intervenções” pois o mercado, para se formar, sempre tem que ter um mínimo de regulamentação. Assim ensina Eros Roberto GRAU (1995, p. 63) em seu artigo “O Discurso Neoliberal e a Teoria da Regulação” publicado no livro “Desenvolvimento Econômico e Intervenção do Estado na Ordem Constitucional”: “É que, em verdade, o mercado não é um objeto do mundo da natureza. (...) O mercado, destarte, é institucionalizado, determinado pelo Estado. A composição de conflitos no quadro das relações de intercâmbio reclama um grau mínimo de regulamentação estatal.” Na página 69 deste mesmo artigo, o autor ainda diz: “(...) ter consciência de que o mercado é impossível sem uma legislação que o proteja e uma vigorosamente racional intervenção, destinada a assegurar sua existência e preservação; de que os postulados da racionalidade dos comportamentos individuais, do ajuste espontâneo das preferências e da harmonia natural dos interesses particulares geral são insuficientes; de que os fenômenos de dominação desnaturam o mercado.”

[5] PINDYCK, Robert S. RUBINFELD, Daniel L. Microeconomia. 5. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2004.

[6] PINDYCK, Robert S. RUBINFELD, Daniel L. Microeconomia. 5. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2004.

[7] Em relação a isso há uma área da economia que se dedica ao estudo das barreiras à entrada de novas empresas em um mercado. As patentes são uma forma de barreira à entrada, pois por determinar o pagamento de royalties torna muitas vezes inviável o investimento de novas empresas nos setores que envolvem o uso de patentes. É o caso, por exemplo, da indústria farmacêutica.

[8] PINDYCK, Robert S. RUBINFELD, Daniel L. Microeconomia. 5. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2004

[9]  PINDYCK, Robert S. RUBINFELD, Daniel L. Microeconomia. 5. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2004, p. 344.

[10] Coincidentemente, os autores também esclareceram a assimetria de informações com um exemplo sobre automóveis usados. Cabe dizer que, embora queiram elucidar o mesmo conceito, as histórias são diferentes.

[11] PINDYCK, Robert S. RUBINFELD, Daniel L. Microeconomia. 5. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2004.

[12] Lembre-se de que neste exemplo, exatamente por se estar tratando das falhas de mercado, é como se não houvesse intervenção estatal. Se o Estado impõe multas a empresas que jogam efluentes nos rios é exatamente para combater essa falha de mercado. Fazendo isso, o Estado está devolvendo o custo para a empresa, ou seja, poluir o rio deixa de ser uma externalidade.

[13] PINDYCK, Robert S. RUBINFELD, Daniel L. Microeconomia. 5. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2004.

[14] Da mesma forma, se grandes ou pequenas empresas estão quebrando e consequentemente aumentado o número de desempregados e miseráveis, isso também não é da conta do Estado. A economia é cíclica, momentos de alta e baixa são normais. Mesmo que uma baixa acarrete graves problemas sociais, o Estado não deve intervir. Se deixado por si próprio, o mercado encontrará as melhores soluções para uma maior produção de riquezas.   

[15] Neste sentido, cabe citar as palavras de Blanchet (2004, p. 196) publicadas em seu artigo “O Capitalismo e o Socialismo na Constituição”: “Não é nossa, nem recente, a constatação, hoje de no domínio público, segundo a qual um sistema exclusivamente capitalista ou exclusivamente socialista não se mantém senão à força e, pior, mediante uso da força contra o povo. Incontestáveis são os exemplos da Cuba de Fidel e do Chile de Pinochet.”

[16] BARROSO, Luiz Roberto. Agências Reguladoras. Constituição, transformações do Estado e legitimidade democrática, p. 170.

[17] Como ensina GREMAUD (2006, p. 345): “O bom desempenho da economia brasileira dependia, nesse contexto, das condições do mercado internacional dos produtos exportados, sendo a variável-chave, no Império e na República Velha, o preço internacional do café. As condições desse mercado, porém, não eram controladas pelo Brasil. Apesar de ser o principal produtor mundial de café, outros países também influíam na oferta, além de boa parte do mercado ser controlada por grandes companhias atacadistas que especulavam com estoques. A demanda, do mesmo modo, dependia das oscilações no crescimento mundial, aumentava em momentos de prosperidade e se retraía quando os países ocidentais (especialmente EUA e Inglaterra) entravam em crise ou em guerra.”

[18] Além dele, GREMAUD (2006, p. 385) também tem importantes contribuições sobre o assunto: “Os principais problemas do plano estavam na questão do financiamento. Os investimentos públicos, na ausência de uma reforma fiscal condizente com as metas e os gastos estipulados, precisaram ser financiados principalmente por meio de emissão monetária, com o que se observou no período uma aceleração inflacionária. Do ponto de vista externo há uma deterioração do saldo em transações correntes e o crescimento da dívida externa, outra forma de financiamento do plano. A concentração da renda, por sua vez, ampliou-se pelos motivos já levantados: desestímulo à agricultura e investimentos na indústria com tecnologia e capital intesivo.”

[19] BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Gestão do setor público: estratégia e estrutura para um novo Estado. in Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1998, p. 28.

[20] PONTES LIMA, Edilberto Carlos. Privatização e Desempenho Econômico: Teoria e Evidência Empírica, p. 36.

[21] É importante ressaltar que o setor privado não atua economicamente por se preocupar com o suprimento das necessidades básicas da população, mas tem como objetivo e incentivo o lucro. Buscando suprir as próprias necessidades, acabam desempenhando um papel importante como produtores de riquezas (bens e serviços). 

[22] Sobre isso cabe citar as palavras de Charles Van Doren em seu livro Das Universalwissen der Menschheit (O Conhecimento Universal da Humanidade), em que diz (2005, p. 427): “Seltsamerweise stellen sich aufgrund dieser neuen Ungewiβheit noch weitere gröβere Ziele, die anscheinend auch erreichbar sind. Selbst wenn wir die Welt nicht mit äuβerster Genauigkeit kennen können, können wie sie doch beherrschen. Auch unser im Grunde immer mangelhaftes Wissen ist anscheinend so mächtig wie das sichere. Kurz gesagt, wir werden vielleicht niemals genau wissen, wie hoch der höchste Berg ist, aber wir sind uns gewiβ, daβ wir seinen Gipfel trotzdem erreichen können. ” (“Curiosamente é devido a essa falta de conhecimento que as pessoas se propõem novos e maiores desafios, que aparentemente são alcançáveis. Mesmo que não possamos conhecer o mundo com toda a precisão, podemos domina-lo. Mesmo o nosso, em fundamento, sempre lacunoso conhecimento é aparentemente tão poderoso como a certeza. Em outras palavras, talvez nunca saibamos quão alta é uma montanha, mas temos a certeza de que podemos chegar ao seu cume.” – tradução livre).     

[23] Sobre isso Norberto Bobbio faz interessante menção à Aristóteles em seu artigo “Governo dos Homens ou Governo das Leis”: “Chamei aqui de servidores das leis aqueles que ordinariamente são chamados de governantes, não por amor a novas denominações, mas porque sustento que desta qualidade dependa sobretudo a salvação ou a ruína da cidade. De fato, onde a lei está submetida aos governantes e privada de autoridade, vejo pronta a ruína da cidade; onde, ao contrário, a lei é senhora dos governantes e os governantes seus escravos, vejo a salvação da cidade e a acumulação nela de todos os bens que os deuses costumam dar às cidades”.

[24] Cabe fazer a consideração de que isso não significa que o empresário é uma pessoas maldosa e individualista. Na maioria das vezes tomar decisões baseadas na quantidade de lucro é apenas um meio de sobreviver na difícil competição capitalista. Como demonstra o Artigo “Quem é o empresário brasileiro?” de Fábio Tokars, publicado no jornal o Estado do Paraná em 3 de fevereiro de 2008 na página 6 do caderno Direito e Justiça: “O empresário médio não é um sujeito que fuma charutos caros à custa da exploração da mão de obra alheia. Também não é o sujeito que canaliza a mais valia pelo simples fato de ter recursos suficientes (muitas vezes obtidos de forma ilegítima) para a aquisição de maquinário, ou de outros elementos de produção. O pequeno e médio empresário brasileiro (que gera cerca de 97% dos postos de trabalho no país) é um trabalhador com poucos recursos, pouco preparo e pouco apoio governamental. (...) há os empreendedores por necessidade. Estes são os que ingressam em uma atividade empresarial como última alternativa de sustento de sua família. Normalmente se tratam de pessoas que não tiveram acesso ao mercado de trabalho formal, ou que  perderam seu emprego e encontraram dificuldades na recolocação profissional. Esta hipótese é infelizmente bastante encontrada no Brasil (...).”

[25] Quase todos os mercados apresentam certo grau de poder de monopólio. A maioria não chega ao ponto de causar prejuízos sociais de modo a precisar da atenção estatal. Mas há os casos em que tal poder é mais forte, cabendo ao Estado intervir para que não haja abuso do poder de mercado.

[26] PLACHA, Gabriel. A Atividade Regulatória do Estado. Curitiba, 2007. Dissertação – Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

[27] PLACHA, Gabriel. A Atividade Regulatória do Estado. Curitiba, 2007. Dissertação – Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

[28] Embora revoluções sejam eventualmente necessárias para a conquista de direitos ou para cessar grandes injustiças.

[29] PLACHA, Gabriel. A Atividade Regulatória do Estado. Curitiba, 2007. Dissertação – Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

[30] PLACHA, Gabriel. A Atividade Regulatória do Estado, p. 111. 

[31] Art. 1º da Lei 8.884/1994

[32] PLACHA, Gabriel. A atividade regulatória do Estado, p. 198.

[33] ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a Evolução do Direito Administrativo Econômico, p. 280.

[34] ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a Evolução do Direito Administrativo Econômico, p. 284.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SAWASAKI, Sérgio Eidi Yamagami. Relações entre Estado e economia: um enfoque sobre o modelo de Estado Regulador e aspectos de sua aplicação no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3986, 31 maio 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29048. Acesso em: 29 mar. 2024.