Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/29229
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Medidas protetivas no âmbito da Lei Maria da Penha e sua real eficácia na atualiadade

Medidas protetivas no âmbito da Lei Maria da Penha e sua real eficácia na atualiadade

Publicado em . Elaborado em .

Lei Maria da Penha. Violência Doméstica e Familiar contra a mulher. Índices de violência contra a mulher no Brasil. Medidas Protetivas de Urgência. Ineficácia.

INTRODUÇÃO

A principal finalidade do Direito do Penal é tipificar condutas sociais como crimes e disponibilizar dispositivos e mecanismos que garantam a punição dos infratores. Outra finalidade importantíssima é garantir a paz social, o bem estar dos brasileiros, a segurança e integridade física, psicológica e patrimonial. A repressão da violência pelo Direito está presente desde os seus primórdios.

É neste aspecto que surgem as leis penais. O tema deste trabalho científico está relacionado à Lei Maria da Penha (LMP), tema polêmico e muita atual. Todos os dias os jornais noticiam novidades, curiosidades, entrevistas e casos referentes à LMP. Trata-se de uma Lei criada em 2006, que busca proteger as mulheres das agressões de seus parceiros, dando total amparo para as vítimas e seus menores dependentes. O nome da Lei foi escolhido em homenagem a cearense Maria da Penha Maia Fernandes, que sofreu durantes anos com a brutalidade e violência de seu então esposo, inclusive, podemos dizer que foi através de sua luta que a Lei foi criada. Maria, diante do descaso das autoridades brasileiras levou seu caso aos órgãos internacionais, pois ela esperou muitos anos para o julgamento de seu caso e obteve uma sentença fraca, que não deu a devida punição ao seu agressor. Pode-se afirmar que a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher e a Convenção de Belém do Pará serviram de base para a elaboração da LMP.

Este ano, a Lei 11.340/2006, completará 8 anos de existência, e nada melhor para comemorar seu aniversário do que a elaboração deste trabalho, visando entender melhor o tema e sua real aplicação na sociedade.

Neste trabalho apresentar-se-á o aspecto conceitual, programático, garantista e procedimental da LMP, bem como as formas de violência (física, psicológica, sexual, patrimonial e moral) trazidas nesta legislação. Analisar-se-á também os índices de violência contra a mulher em todo o território nacional, comprovando-se que a violência física é a mais recorrente, seguida da psicológica.

As medidas protetivas de urgência, fundamentais para a vítima, serão abordadas profundamente. Dentre elas estão as medidas que: desarmam o violador; obrigam o agressor a se afastar da vítima, dos menores e do lar; proíbem o contato do agressor com a ofendida por qualquer meio de comunicação; estipulam que o agressor fique a determinada distância da ofendida e que não frequente determinados lugares. Ele fica proibido de se aproximar e de manter contato com a vítima. A prisão preventiva do infrator também pode ser aplicada como medida protetiva de urgência em alguns casos.

Existem as medidas que são voltadas à ofendida, como as que encaminham a agredida ao programa de atendimento e de proteção, as que reconduzem a mulher ao lar, as que garantem seus direitos patrimoniais, trabalhistas e civis. Há, portanto, uma série de medidas que buscam proteger a vítima, mas nem sempre são realmente eficazes.

A problemática está diretamente ligada à falta de políticas sistematizadas das polícias de todo o país. Falta estrutura e gente para trabalhar. A justiça continua lenta, como sempre foi. Boa parte dos casos de violência não é resolvido. O delegado, ciente da ocorrência de violência contra a mulher nada pode fazer além de encaminhar os pedidos de medidas protetivas ao judiciário, que por muitas vezes não cumpre o prazo de 48 horas para deferir ou não o pleito. A situação é difícil, mas já foi bem pior. Hoje, contamos com uma legislação específica que trata do tema detalhadamente apesar de apresentar algumas lacunas.

A solução para reduzir os índices de violência seria a forte estruturação da Polícia e do Poder Judiciário. Aumentando grandiosamente o número de servidores e de equipamentos a situação mudaria completamente.

Um importante mecanismo utilizado em alguns países e já está presente também em alguns poucos estados brasileiros, é o monitoramento eletrônico do agressor e da vítima, que pode ser feito individualmente ou conjuntamente. Essa fiscalização, juntamente com toda uma estrutura montada, possibilita que a polícia seja informada de todos os passos do agressor e da vítima e havendo aproximação, as devidas medidas policiais devem ser tomadas. A utilização desse dispositivo no Brasil ainda é insuficiente diante dos milhares de casos de violência contra a mulher.

Uma novidade de grande importância está tramitando no Congresso Nacional, é o Projeto de Lei 6433, de autoria do Deputado Federal Bernardo Santana de Vasconcellos, que tem por objetivo mudar os trâmites da LMP para garantir a sua aplicação célere. O Projeto sem dúvidas veio em momento oportuno esse for aprovado mudará a situação atual da violência doméstica e familiar de gênero.

O método utilizado neste trabalho científico foi o método indutivo, através de pesquisas bibliográficas e doutrinárias, e de forma empírica analisando as pesquisas divulgadas por diversos institutos.

De início, é tratada a repressão da violência pelo Direito, a proteção jurídica da vítima de violência doméstica e o histórico da LMP.

Em seguida são apresentados o objetivo e objeto da referida Lei, seus aspectos, as formas de violência contidas, bem com seus índices.

O capítulo seguinte, por fim, trata do foco principal deste trabalho, as medidas protetivas de urgência, sendo mostradas suas espécies, sua ineficácia e a possível solução para este problema.


1. A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NO DIREITO BRASILEIRO

1.1 A repressão à violência pelo Direito

Os conflitos são inerentes à vida do ser humano em sociedade. Instauram-se até mesmo entre aqueles que um dia viveram em harmonia e reciprocamente ofertaram relação de amizade e compaixão. O conflito é, ainda, em certa medida, desejável, por proporcionar ao ser humano a resiliência social de que precisa para destacar-se entre seus iguais.

Contudo, existem conflitos que extrapolam os limites postos aos indivíduos, de forma a impossibilitar a convivência pacífica entre tais indivíduos. Historicamente, buscaram sempre os seres humanos resolver as mais diversas questões através da força, a tal medida que se denomina como violência.

A violência é, de acordo com o dicionário Aurélio (FERREIRA, 2009), “constrangimento físico ou moral; uso da força; coação”. De acordo com Hannah Arendt (1968, p. 29), distingue-se das outras formas de dominação do homem por seu par - poder, autoridade, em razão de sua instrumentalidade. O homem, diz a mesma autora, para valer-se de violência, emprega meios dos quais nem natural nem legitimamente dispõe.

Para impedir a destruição dos indivíduos uns pelos outros e a instauração do caos no meio social, fez-se sempre necessária a atuação de um poder alheio à vontade dos envolvidos, o que ocorreu, sistematicamente em cada civilização, através da criação do Estado.

Ao longo dos séculos, com a separação gradual entre Estado e Religião, a comunidade ocidental viu-se compelida cada vez mais a reprimir fortemente a violência, mesmo aquela que antes era legitimada pelo poder então absoluto do Monarca. Aperfeiçoava-se a noção, consagrada pelos ideais da Revolução Francesa, dos direitos fundamentais propriamente ditos, ou de primeira geração, os quais, “são, na essência [...] os direitos do homem livre e isolado, direitos que possui em face do Estado” (SCHMITT, 1954, apud BONAVIDES, 2008, p. 561).

Com a crescente onde de desenvolvimento tecnológico experimentado, sobretudo, nos séculos XIX e XX, sofisticou-se também, paralelamente aos instrumentos bélicos desenvolvidos pelo homem, o Direito, que passou a se disseminar de modo comum nas nações do Ocidente, com a pacificação dos conceitos trazidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que buscava tutelar com mais rigor a violência praticada pelo homem contra o homem.

1.2 A proteção jurídica da vítima de violência doméstica

O século XX foi, sem dúvida, tempo de mudança de rumo no tocante à intolerância de gênero, pelo menos sob a luz do direito positivo. Isso porque, como parte de um movimento em prol da positivação global dos direitos fundamentais, através da marcante Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, iniciou-se o processo, hoje ainda em pleno avanço, de aumento da abrangência no reconhecimento de tais bens jurídicos.

Em relação à violência contra as mulheres Belmiro destaca: “Desde que o mundo é mundo humano, a mulher sempre foi discriminada, desprezada, humilhada, coisificada, objetificada, monetarizada” (WELTER apud DIAS, 2008, p. 15).

Maria Berenice afirma que a questão da violência está enraizada em nossa história e cultura, não sendo o agressor o único culpado pelas agressões:

Ninguém dúvida que a violência sofrida pela mulher não é exclusivamente de responsabilidade do agressor. A sociedade ainda cultiva valores que incentivam a violência, o que impõe a necessidade de se tomar consciência de que a culpa é de todos. O fundamento é cultural e decorre da desigualdade no exercício de poder e que leva a uma relação de dominante e dominado. Essas posturas acabam sendo referendadas pelo Estado. Daí o absoluto descaso de que sempre foi alvo a violência doméstica (DIAS, 2008, p. 15 e 16).

Comprova-se que indiscutivelmente o papel da mulher na sociedade foi por muito tempo secundário e discriminado, sendo a violência de gênero uma situação enraizada historicamente e culturalmente, mas essa realidade mudou e hoje a mulher encontra-se em constante ascensão.

1.2.1 A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher

Muito embora a Declaração Universal dos Direitos Humanos tenha sido o ponto de partida, a I Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em 1975, no México, esta sim direta, efetivamente ensejou a elaboração da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (CEDAW), em 1979, documento que, de acordo com Silvia Pimentel, primeiro dispôs amplamente sobre os direitos humanos da mulher (PIMENTEL apud DIAS, 2008).

A chamada Convenção da Mulher trazia: “a possibilidade de ações afirmativas, abarcando áreas como trabalho, saúde, educação, direitos civis e políticos, estereótipos sexuais, prostituição e família. [...] Porém, neste documento, não foi incorporada a questão da violência de gênero” (PIMENTEL, 2006, apud DIAS, 2008, p. 28).

A CEDAW, inicialmente subscrita com reservas pelo Brasil, em 1984, foi ratificada em sua completude pelo Congresso Nacional dez anos depois, após já haver a Conferência das Nações Unidas definido, em 1993, a violência contra a mulher como violação aos direitos humanos.

1.2.2 A Convenção de Belém do Pará e a violência contra a mulher

Em 27 de novembro de 1995 o Brasil ratificou a Convenção de Belém do Pará, adotada pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos em 6 de junho de 1994, também conhecida como Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (CIPPEVCM).

O primeiro artigo dessa Convenção define o que é violência contra a mulher:

Artigo 1º. Para os efeitos desta Convenção deve-se entender por violência contra a mulher qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado.

O segundo artigo fala da abrangência, das relações, das formas, das situações e dos locais em que a violência pode ocorrer. Leia-se:

Artigo 2º. Entender-se-á que violência contra a mulher inclui violência física, sexual e psicológica: 1. Que tenha ocorrido dentro da família ou unidade doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicílio que a mulher e que compreende, entre outros, estupro, violação, maus-tratos e abuso sexual; 2. Que tenha ocorrido na comunidade e seja perpetrada por qualquer pessoa e que compreende, entre outros, violação, abuso sexual, tortura, maus tratos de pessoas, tráfico de mulheres, prostituição forçada, sequestro e assédio sexual no lugar de trabalho, bem como em instituições educacionais, estabelecimentos de saúde ou qualquer outro lugar; 3. Que seja perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra.

Ao todo são 25 artigos que compõem a Convenção de Belém do Pará. Esses artigos falam dos diversos aspectos da violência contra a mulher, versam sobre os mecanismos interamericanos de proteção, os deveres do Estado, os direitos protegidos e as disposições gerais da Convenção, bem como defende que todos os esforços necessários devem ser feitos para que se evite que este tipo de violência ocorra e para que as vítimas sejam amparas de forma acolhedora e protetora, com respeito e eficiência.

A CIPPEVCM serviu de base para a criação e elaboração da LMP que, na verdade, dá cumprimento à referida Convenção. Deve-se ressaltar que a LMP tem um número bem maior de artigos e é bem mais elaborada que a Convenção de Belém do Pará.

1.2.3 O projeto de Lei 4.559 de 2004

Diante da inexistência de proteção à vítima de violência doméstica no Brasil, foram criados órgãos ligados à Presidência da República para estudar o caso de violência sofrido por Maria da Penha (que será mostrado detalhadamente nos próximos tópicos) e para elaborar a proposta de lei visando coibir a ação dos agressores contra as mulheres através de medidas mais eficazes para que não houvesse mais tanta demora nem impunidade nos novos julgamentos como ocorreu no dela.

O Decreto nº 5.030, de 31 de março de 2004 criou o Grupo de Trabalho Interministerial para estudar a situação de violência e elaborar o projeto. O grupo era integrado pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, da Presidência da República, Advocacia-Geral da União, Ministério da Saúde, Casa Civil da Presidência da República, Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, Ministério da Justiça, Secretaria Especial de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República e Secretaria Nacional de Segurança Pública (COMISSÃO DE SEGURIDADE SOCIAL E FAMÍLIA, 2004, p. 12, online)

No final de 2004 o Poder Executivo encaminhou ao Congresso Nacional o referido projeto de lei, trazendo em sua ementa a seguinte disposição: “cria mecanismos para coibir a violência familiar e doméstica contra a mulher nos termos do §8º do art. 226 da nossa Constituição Federal e da outras providências” (CSSF, 2004, online).

Tal projeto trouxe algumas inovações no tocante ao combate da violência doméstica e familiar contra a mulher como: a criação do Juizado da Mulher e de centros de atendimentos às vítimas de violência e de reabilitação para o agressor; definição de violência doméstica e familiar contra a mulher; criação de medidas protetivas de urgência; equiparação da violência sofrida pelas mulheres como violação dos direitos humanos; estipulação de punição mais severa e eficaz para os violentadores (CSSF, 2004, online).

O Projeto de Lei nº 4559 de 2004 deu origem à Lei Federal de nº 11.340 de 2006, tendo recebido o nome de Lei Maria da Penha, sendo assim chamada por homenagear uma mulher guerreira, vítima das atrocidades de seu marido, que lutou durante anos para que seu agressor não ficasse impune, tendo recorrido às instituições internacionais para que a situação da mulher violentada no Brasil mudasse (CSSF, 2004, online).

1.2.4 A Lei Federal 11.340 de, 7 de agosto de 2006

A Lei federal de número 11.340, promulgada em 7 de agosto de 2006, inaugurou, pelo menos no campo do dever-ser, nova era no que se refere à defesa dos direitos das vítimas de violência doméstica.

Grande destaque na mídia nacional e até internacional, a emocionante história a motivar a criação e conferir marcante apelido a esse diploma legislativo, conhecido como LMP em função da constante batalha travada pela biofarmacêutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes pelo aumento do rigor na condenação de seu ex-marido, que, havendo praticado violência doméstica contra esta, foi condenado a oito anos de reclusão, havendo cumprido apenas dois, em definitivo. O episódio foi levado ao conhecimento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, no caso nº. 12.051 e deu origem ao Relatório nº. 54/01, do qual se extraem as presentes informações (2001).

Embora bastante atrasado em obedecer às diretrizes estabelecidas pelas convenções internacionais a respeito do assunto, trata-se de “instrumento legal bastante cuidadoso, detalhado e abrangente, que representa o esforço de contextualização das duas pragmáticas convenções” (PIMENTEL, 2006, apud DIAS, 2008, p. 28).

A segunda convenção de que trata a autora, ressalte-se, é a CIPPEVCM, ratificada pelo Brasil em 1995. É desse documento que são importados, em grande parte, o conceito fornecido pelo art. 5º da LMP, o qual delimita objetivamente a conduta de violência doméstica.

A seguir, analisar-se-á como surgiu a referida lei.

1.3 Histórico da Lei Maria da Penha

1.3.1 A história de Maria da Penha Maia Fernandes

Maria da Penha Maia Fernandes, filha de José da Penha Fernandes e de Maria Lery Maia Fernandes, ou simplesmente Maria da Penha, é brasileira, nascida em 1945, em Fortaleza/CE, formada em Farmácia pela Universidade Federal do Estado do Ceará, tem três filhas e foi casada com o professor universitário de economia Marcos Antônio Heredia Viveiros (FERNANDES, 2012). Ela se tornou mundialmente conhecida pela luta a favor dos direitos das mulheres após sofrer diversos tipos de violência por parte do seu marido.

Atualmente com 68 anos, Maria da Penha, vítima e símbolo nacional da violência doméstica, é líder de vários movimentos de defesa dos direitos das mulheres.

Sofreu sua primeira grande violência aos 38 anos de idade, no dia 29 de maio de 1983, quando seu marido, o professor colombiano Marcos, tentou matá-la (FERNANDES, 2012, p. 38 e 39).

Na primeira tentativa ele atirou contra sua esposa enquanto ela dormia, simulando uma situação de assalto, na qual o colombiano foi encontrado na cozinha pedindo e gritando por socorro alegando ter sido vítima de assaltantes. Maria relata que foi acertada nas costas pelo tiro e ficou paraplégica:

Acordei de repente com um forte estampido dentro do quarto. Abri os olhos. Não vi ninguém. Tentei mexer-me, mas não consegui. Imediatamente fechei os olhos e um só pensamento me ocorreu: “Meu Deus, o Marco me matou com um tiro”. Um gosto estranho de metal se fez sentir, forte, na minha boca, enquanto um borbulhamento nas minhas costas me deixou ainda mais assustada. Isso me fez permanecer com os olhos fechados, fingindo-me de morta, pois temia que Marco me desse um segundo tiro. [...] De repente, escutei o barulho da tábua e do ferro de engomar indo ao chão. [...] Paralisada, mas vivamente alerta, à espreita do pior, escutei, nítido e seco, outro tiro! Uma das crianças chorou. Um jarro caiu. Nesse momento, pensei: “Fiz um mau juízo sobre o Marco! Meu Deus, perdoa-me! E se for algum assaltante? [...] De súbito, Marco começou a gritar, chamando por nossa empregada, a Dina. [...] Tentei me levantar. Não conseguia me mover nem um milímetro. Meus braços e minhas pernas não obedeciam ao comando. [...] Ao dar entrada no hospital, segundo o médico emergencista, eu me encontrava em choque hipovolêmico, que ocorre devido à diminuição de sangue no corpo, e com tetraplegia (FERNANDES, 2012, p. 39,40 e 41).

Semanas após o ocorrido, o professor tentou novamente tirar a vida de sua mulher. Desta vez ele tentou eletrocutá-la e afogá-la, enquanto Maria, que estava na cadeira de rodas, tomava banho. Maria da Penha conta:

Adentrando nossa suíte, ele abriu a torneira do chuveiro e eu, ao estirar o braço para sentir a temperatura da água senti um choque. Imediatamente empurrei a cadeira de rodas para trás, gritando: “Tomei um choque! Tire-me daqui! Não uso mais este chuveiro!” Dina e Rita, orientadas a permanecerem sempre próximas a mim, quando Marco estivesse em casa, imediatamente se achegaram. E, enquanto me desesperava, tentando afastar-me daquele local, Marco retrucava para que eu deixasse de besteira, pois aquele “choquezinho de nada não da para matar ninguém”. Então entendi o motivo pelo qual, depois da minha chegada de Brasília, Marco tomava seu banho somente no banheiro das crianças. Como não perceber esse episódio como uma segunda tentativa de homicídio contra a minha pessoa? (FERNANDES, 2012, p. 88). 

Marco confessou indiretamente o crime ao prestar o seu segundo depoimento, 13 meses depois do primeiro. Devido às contradições apresentadas em suas declarações, o comissário da polícia sugeriu que Marco falasse por que praticou tal crime. Ele respondeu dizendo: “será que o delegado vai entender?” (FERNANDES, 2012, p. 95).

Revoltada com toda essa situação e pelo sofrimento que lhe foi causado, Maria da Penha procurou a justiça para que seu agressor fosse punido severamente. O processo se arrastou na justiça por alguns anos. Marcos foi a júri duas vezes. Em 1991, os advogados do agressor conseguiram anular o julgamento e em 1996, Marcos foi condenado a dez anos e seis meses de reclusão por dupla tentativa de homicídio, mas ficou solto devido aos diversos recursos de apelação feitos (FERNANDES, 2012, p. 107 e 218).

Sobre as investigações e o julgamento, Maria Berenice destaca:

Tais fatos aconteceram em Fortaleza, Ceará. As investigações começaram em junho de 1983, mas a denúncia só foi oferecida em setembro de 1984. Em 1991, o réu foi condenado pelo tribunal do júri a oito anos de prisão. Além de ter recorrido em liberdade ele, um ano depois, teve seu julgamento anulado. Levado a novo julgamento em 1996, foi-lhe imposta a pena de dez anos e seis meses. Mais uma vez recorreu em liberdade e somente 19 anos e 6 meses após os fatos, em 2002, é que M. A. H. V. foi preso. Cumpriu apenas dois anos de prisão (DIAS, 2008, p. 13).

Em relação a Marcos Antônio Heredia Viveiros, sabe-se que ele vive atualmente em Natal/RN e que foi privado de sua liberdade em 2002, muito tempo após os crimes cometidos, ficando preso apenas por dois anos, já que houve a concessão da progressão para o regime aberto.  Maria da Penha demonstra sua insatisfação, bem como seu alívio após tanto tempo de batalha: “Quanto a Marco Antônio Heredia Viveros, dezenove anos e seis meses depois do crime, a apenas seis meses da prescrição, ele foi finalmente preso” (FERNANDES, 2012, p. 109).

Após a demora e omissão da justiça brasileira perante o caso, Maria foi longe e com o apoio de ONG’s procurou ajuda na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) em 2001. Dois órgãos, O Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), juntamente com Maria da Penha formalizaram a denúncia contra o Brasil à Comissão e pela primeira vez na história a OEA acatou e recebeu uma denúncia de violência doméstica (FERNANDES, 2012, p. 108, 218 e 219).

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil por omissão e negligência em relação à violência doméstica sofrida por Maria. Também foi recomendado que nosso país criasse uma lei específica para os casos de violência contra a mulher, visando da maior proteção e amparo para as vítimas (FERNANDES, 2012, p. 220 e 221).

Com essa recomendação da OEA, diversas entidades brasileiras se uniram e começaram a elaborar um anteprojeto para a criação dessa lei, definindo todas as formas de violência doméstica e familiar contra as mulheres, estabelecendo toda uma estrutura para dar apoio às vítimas e visando reduzir tais índices de violência (FERNANDES, 2012, p. 226).

O Projeto de Lei, iniciado em 2002, foi elaborado por 15 ONG’S relacionadas ao trabalho com a violência doméstica e familiar. O Grupo de Trabalho Interministerial com a orientação da Secretaria Especial de Políticas para as mulheres enviou o projeto ao Congresso Nacional em novembro de 2004 (FERNANDES, 2008, p. 14).

Ao assinar a LMP, o Presidente da República na época, Luiz Inácio Lula da Silva disse: “Esta mulher renasceu das cinzas para se transformar em um símbolo da luta contra a violência doméstica no nosso país” (FERNANDES, 2008, p. 14).


2.  a lei maria da penha

A LMP é dotada de objetivo, objeto e de diversos aspectos, tutelando expansivamente o bem-estar da vítima e a proteção desta contra a violência doméstica e familiar através de diversas frentes, as quais, para melhor compreensão do tema central aqui abordado, faz-se necessário conhecer.

2.1 Objetivo

Em seu primeiro artigo, a LMP traz o entendimento de que é absolutamente necessária a criação de mecanismos que coíbam e previnam a violência familiar e doméstica contra a mulher. Para Alice Bianchini, o objetivo da lei é: “coibir e prevenir a violência de gênero no âmbito doméstico, familiar ou de uma relação íntima de afeto” (2013, p. 28).

Para Maria Berenice Dias: “A Lei Maria da Penha cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Assim, antes de qualquer coisa, é preciso ao menos tentar identificar seu âmbito de abrangência, ou seja, saber o que é violência doméstica” (2007, p. 39).

O artigo primeiro traz em sua completude:  

Art. 1o  Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

Notadamente, evidencia-se a intenção do legislador em acabar com a violência de gênero em nosso país.

2.2 Objeto

Segundo Alice Bianchini, (2013, p. 29) o objeto da lei é: “a violência contra a mulher baseada no gênero, praticada no âmbito doméstico, familiar ou em uma relação de afeto”. A Lei Maria da Penha não trata de toda violência contra a mulher, mas somente daquela baseada no gênero (art. 5º, caput).

De acordo com Silva Júnior (2011, online, n. 1231), para a aplicação correta e concreta da lei se de obedecer aos seguintes requisitos:

·         A ação ou omissão deve ser considerada baseando-se no gênero. Esta categoria de violência se caracteriza pela submissão da mulher ao homem, tendo em vista a maneira desigual que se encontra em todos os aspectos.

·         A violência deve ocorrer nos âmbitos familiar e doméstico, ou em qualquer relação de afeto íntima, conforme disposto no artigo 5º, incisos I, II e III.

·         O sujeito passivo do crime deve ser a mulher.

Notou-se que o artigo 5º, da referida lei, procura delimitar o objeto de incidência da violência doméstica e familiar, bem como delimita o campo em que ela pode ser praticada, explicando o conceito de violência doméstica e familiar contra a mulher (BIANCHINI, 2013, p. 28).

2.3 Aspectos da Lei Maria da Penha

2.3.1 Aspecto material conceitual

A LMP, de acordo com as diretrizes anteriormente traçadas pela CEDAW e pelas demais convenções internacionais com foco na proteção aos direitos da mulher, cumpre o papel de definir critérios objetivos a serem utilizados pelo operador do direito quando da utilização dos demais mecanismos previstos pela lei para assegurar referidos direitos.

Tal função se revela especialmente importante, na medida em que, como afirma Maria Berenice Dias, a “absoluta falta de consciência social do que seja violência doméstica é que acabou condenando este crime à invisibilidade” (2008, p. 39). De fato, os tratados e convenções internacionais a respeito do tema não produziram os efeitos esperados, e, com o advento de lei específica que delimitasse objetivamente esse tipo de conduta, esperava-se que a situação mudasse positivamente.

Assim, a Lei tanto define a violência doméstica em geral quanto especifica suas várias formas.

Referente à primeira definição, o artigo 5º da LMP se revela, mesmo em interpretação literal, bastante claro, afirmando:

Art. 5º Para os efeitos desta Lei configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Novamente, de acordo com Maria Berenice Dias:

É obrigatório que a ação ou omissão ocorra na unidade doméstica ou familiar ou em razão de qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Modo expresso, ressalva a Lei que não há necessidade de vítima e agressor viverem sob o mesmo teto para a configuração da violência como doméstica ou familiar. Basta que agressor e agredida mantenham, ou já tenham mantido, um vínculo de natureza familiar (2008, p. 40).

Quanto às formas de violência doméstica, incorre a lei novamente em explicitação a priori desnecessária, por meio de seu art. 7º, mas, dada a completa desconsideração dispensada ao assunto, em que pese a ratificação de tratado internacional a respeito, pode-se afirmar que é indispensável tal exemplificação, a exemplo da consagração do status de direitos humanos dos bens jurídicos tutelado pela LMP, absolutamente imprescindível.

2.3.2 Aspecto material programático

Não bastasse o caráter pedagógico evidenciado no tópico acima, ocupou-se também o legislador de fornecer instruções ao Poder Público em geral, para que este auxiliasse na garantia dos demais direitos conferidos pela lei à vítima de violência doméstica.

O art. 8º estabelece:

Art. 8º A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não governamentais, tendo por diretrizes:

I - a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação;

II - a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às consequências e à frequência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas;

III - o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1º, no inciso IV do art. 3º e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal;

IV - a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher;

V - a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres;

VI - a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de promoção de parceria entre órgãos governamentais ou entre estes e entidades não governamentais, tendo por objetivo a implementação de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher;

VII - a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de raça ou etnia;

VIII - a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia;

IX - o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à equidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher.

Todas as diretrizes elencadas são caracterizadas pelo legislador como “medidas integradas de prevenção”. Não obstante, enquadram-se perfeitamente na definição de normas programáticas, o que, segundo Bonavides, embora confira ao Poder Público um norte a ser seguido, confere aos dispositivos, por outro lado, certo grau de vagueza e de entrave em sua aplicação imediata:

A face moderna das Constituições é indubitavelmente a programática. Não resultou fácil contudo na região da doutrina estabelecer-lhe juridicidade normativa. Hoje, porém, já nos acercamos da consolidação desse entendimento. As normas programáticas, às quais uns negam conteúdo normativo, enquanto outros preferem restringir-lhe a eficácia à legislação futura, constituem no Direito Constitucional contemporâneo o campo onde mais fluídas e incertas são as fronteiras do Direito com a Política. Vemos com frequência os publicistas invocarem tais disposições para configurar a natureza política e ideológica do regime, o que aliás é correto, enquanto naturalmente tal invocação não abrigar uma segunda intenção, por vezes reiterada, de legitimar a inobservância de algumas determinações constitucionais. Tal acontece com enunciações diretivas formuladas em termos genéricos e abstratos, às quais comodamente se atribui a escusa evasiva da programaticidade como expediente fácil para justificar o descumprimento da vontade constitucional.

[...]

Dentre as normas jurídicas, sujeitas todas ao influxo inevitável do desenvolvimento histórico, a programática é a que melhor reflete o conteúdo profundo dos valores em circulação e mudança na Sociedade, sendo por isso mesmo aquela cujo caráter técnico-jurídico mais fraco e impreciso se mostra. Aliás, um dos constitucionalistas da República de Weimar atentou indiretamente para esse aspecto das normas programáticas, ao asseverar que, em relação ao conteúdo espiritual dos direitos fundamentais, a baixa consistência do significado técnico-jurídico desses direitos faz com que nele se operem mudanças de fundamentos espirituais bem mais rápidas e desimpedidas do que em qualquer outro ramo do Direito Constitucional” (2008, p. 244 e 245).

2.3.3 Aspecto material garantista

A LMP traz também normas de direito material em prol da vítima de violência doméstica, garantindo-lhe prerrogativas especiais em razão de sua hipossuficiência, a exemplo do que se faz nos arts. 9º, 10 e 11:

Art. 9º A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar será prestada de forma articulada e conforme os princípios e as diretrizes previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Segurança Pública, entre outras normas e políticas públicas de proteção, e emergencialmente quando for o caso.

§ 1º O juiz determinará, por prazo certo, a inclusão da mulher em situação de violência doméstica e familiar no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal.

§ 2º O juiz assegurará à mulher em situação de violência doméstica e familiar, para preservar sua integridade física e psicológica:

I - acesso prioritário à remoção quando servidora pública, integrante da administração direta ou indireta;

II - manutenção do vínculo trabalhista, quando necessário o afastamento do local de trabalho, por até seis meses.

§ 3º A assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar compreenderá o acesso aos benefícios decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico, incluindo os serviços de contracepção de emergência, a profilaxia das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e outros procedimentos médicos necessários e cabíveis nos casos de violência sexual.

Art. 10. Na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis.

Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo ao descumprimento de medida protetiva de urgência deferida.

Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências:

I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário;

II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal;

III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida;

IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar;

V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis.

Notadamente sobre as garantias do art. 9º, cujo caráter se pode afirmar que entre todos é o mais eminentemente material, por independer da atuação de qualquer autoridade em qualquer grau, ao contrário do estipulado nos arts. 10 e 11, em que a garantia dos direitos depende diretamente da atuação da Polícia, afirma Dias que:

O caráter protetivo da nova legislação assegurou à mulher vitimizada um punhado de garantias. Cercou-a de cuidados sem descuidar da necessidade que ela tem de prover o próprio sustento. Para isso precisa continuar trabalhando. Quando do rompimento do vínculo familiar, por episódio de violência doméstica, no mais das vezes deixa a vítima de contar com o auxílio do varão, que, de um modo geral, é o provedor da família. Por isso é bem-vinda a absoluta novidade trazida pela Lei Maria da Penha ao assegurar a preservação do vínculo laboral da mulher vítima da violência doméstica, trabalhe ela no serviço público ou na iniciativa privada (2008, p. 93).

Tal aspecto da LMP mostra-se extremamente benéfico à vítima, pois torna o amparo ainda mais completo e cumpre com a função social da norma.

2.3.4 Aspecto procedimental

Antes da adição da LMP ao nosso ordenamento jurídico, a violência doméstica e familiar contra a mulher era tratada pelos Juizados Especiais Criminais (Lei 9.099/95), onde tais crimes eram considerados de menor potencial ofensivo, sendo aplicada a pena de no máximo dois anos de reclusão. Muitas vezes aplicavam-se penas mais brandas como o pagamento de multas e prestação de serviços comunitários. Era notória a ausência de eficácia das penas estipuladas pelos Juizados Especiais Criminais. Com a falta de uma penalização mais rigorosa, o número de casos de violência contra a mulher não parou de crescer e fez-se necessário a criação de um dispositivo que tratasse com mais vigor tal delito tão recorrente em nossa sociedade.

Com o advento da LMP, a situação mudou para melhor e os procedimentos ficaram mais rigorosos e amparadores, beneficiando e protegendo a vítima. Houve a exclusão da competência dos Juizados Especiais Criminais (art. 74), bem como a instituição do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher – JVDFM, que tem competência exclusiva para processar este tipo de crime.

O artigo 14, da LMP, discorre sobre a criação específica dos Juizados voltados para o processamento dos casos de violência doméstica contra a mulher:

Art. 14.  Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Outras medidas procedimentais estipuladas pela LMP garantem maior segurança para a vítima que procura a delegacia após ter sofrido a violência. Vale salientar que qualquer delegacia pode ser procurada pela mulher vítima de violência doméstica, devendo o procedimento ser remetido com urgência ao Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.

 Com a vigência da Lei 11.304/2006 os procedimentos mudaram e a vítima de violência doméstica comparece à delegacia, registra o ocorrido e autoridades competentes lavrarão o Boletim de Ocorrência. A vítima poderá requerer no mesmo ato a aplicação das medidas protetivas de urgência. O pedido será encaminhado ao Juiz e decidido em até 48 horas. O Ministério Público, como fiscal da lei, deverá ficar ciente de tudo que ocorrer durante o processo.

As medidas protetivas de urgência possuem grande relevância. É de se afirmar que a vítima, antes desamparada pela polícia e pela justiça, está cercada de medidas que a protegem de seu agressor, pelo menos em tese. A criação das medidas protetivas de urgência foi um grande passo na tentativa de diminuir o número de homicídios causados após a mulher violentada procurar apoio policial.

Para os fins deste estudo, abordar-se-ão os aspectos procedimentais da lei e as medidas protetivas de urgência, o que se fará com minúcias no terceiro capítulo.

2.4 Das formas de violência contra a mulher na Lei Maria da Penha

A CEDAW traz em seu artigo 1º o conceito de violência contra a mulher: "qualquer ato de violência baseado em sexo que ocasione algum prejuízo ou sofrimento físico, sexual ou psicológico às mulheres, incluídas as ameaças de tais atos: coerção ou privação, arbitrárias de liberdade que ocorram na vida pública ou privada”.

Na CIPPEVCM o conceito é similar. Segundo tal Convenção a violência contra a mulher é "qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual, ou psicológico à mulher tanto na esfera pública como na esfera privada".

Dentre as diversas formas de violência, algumas foram trazidas de maneira expressa pela LMP e outras de maneira não expressa, não havendo limitação total acerca dos seus tipos. O legislador procurou especificar as formas de violência, tendo em vista que no âmbito penal os princípios da legalidade e da taxatividade reinam, mas mesmo assim deixou o campo aberto ao escrever no caput do artigo a expressão "entre outras" (DIAS, 2008, p. 46).

Alice Bianchini (2013, p. 42) afirma que: “cinco são as formas de violência mencionadas expressamente na lei: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral”. O rol é meramente ilustrativo, visto que o dispositivo faz menção à expressão “entre outras”. Para a autora, tal artigo restringe e amplia simultaneamente o conceito de violência doméstica e familiar, lembrando que nem todos estes tipos de violência constituem agressões à integridade física da pessoa.

Seguindo a mesma linha de pensamento, Bianchini (2013, p. 42), afirma ainda que as cinco formas de violência mencionadas no art. 7º são meramente exemplificativas, podendo-se adicionar outras formas que não foram elencadas no corpo do artigo.

Em concordância com Bianchini e Dias, Leda Maria destaca:

O artigo 7º define, em rol exemplificativo, as formas ou manifestações da violência doméstica e familiar contra a mulher, reafirmando e conceituando as esferas de proteção delineadas no artigo 5º, caput: integridade física, integridade psicológica, integridade sexual, integridade patrimonial e integridade moral. As definições não possuem escopo criminalizador, ou seja, não pretendem definir tipos penais. Sua função, no contexto misto da lei, é delinear situações que implicam em violência doméstica e familiar contra a mulher, para todos os fins da Lei Maria da Penha, inclusive para agilização de ações protetivas e preventivas (HERMANN, 2008, p. 108).

Estas formas de violência são uma afronta à integridade física e mental da mulher. Há violação de diversos direitos destas vítimas. Os direitos humanos e a dignidade da pessoa humana não são respeitados. A integridade da pessoa física também não.

Para combater todas essas violações foram criadas as medidas protetivas, que visam proteger a vítima de seu agressor, evitando que ela sofra ainda mais agressões. Muitas vezes estas medidas são tardias. No próximo capítulo o assunto será aprofundado.

O legislador apresenta um rol exemplificativo, objetivando categorizar os tipos de violência doméstica e familiar. Assim dispõe o art. 7º da referida Lei, que será melhor analisado a seguir.

2.4.1 Violência Física

O inciso I, do artigo 7º, da LMP, define que violência física é "entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal".

Observa-se que este tipo de violência caracteriza-se por qualquer tipo de agressão que atinja o corpo da mulher, deixando marcas ou não. Basta que haja o uso da força bruta contra a saúde ou corpo da mulher para que ela se consuma (DIAS, 2008, p. 46).

Segundo Maria Berenice Dias, tanto a lesão dolosa como a lesão culposa constituem violência física, já que nenhuma diferenciação foi feita sobre o a intenção do agressor de agir pela Lei (2008, p. 47).

Leda Maria Hermann comenta o conceito de violência física contido no inciso I, falando de integridade, das ações e condutas:

Quanto à integridade física, o conceito transcrito no inciso I do dispositivo é expresso em considerar violentas as condutas que ofendam, também, a saúde corporal da mulher, incluindo, por consequência, ações ou omissões que resultem em prejuízo à condição saudável do corpo. Conduta omissiva é a negligência, no sentido de privação de alimentos, cuidados indispensáveis e tratamento médico/medicamentoso a mulher doente ou de qualquer forma fragilizada em sua saúde, por parte do marido, companheiro, filhos (as), familiares e afins (2008, p. 108).

Em geral, consideram-se condutas que causam a violência física: as surras, as pancadas, as queimaduras, as facadas, os pontapés, os murros, os enforcamentos, os tapas e outras agressões, podendo levar a vítima a morte (HERMANN, 2008, p. 109).

2.4.2 Violência Psicológica

A violência psicológica está descrita no inciso II, do artigo 7º, da LMP:

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

Este tipo de violência ocorre com mais frequência e é a forma mais subjetiva das violências. A violência psicológica geralmente está ligada a todos os outros tipos de violência, pois tudo envolve os sentimentos da vítima, o psicológico, a situação de humilhação e submissão em que se encontra a mulher vítima de violência doméstica e familiar (BIANCHINI, 2013, p. 47).

Bianchini continua: "A violência psicológica, não obstante ser muito comum caracteriza-se pelo fato de normalmente não ser reconhecida pela vítima como algo injusto ou ilícito" (2013, p. 46).

Antes este tipo de violência não estava previsto em nosso ordenamento jurídico. Foi uma grande conquista ao se incluir esta tipificação em nosso sistema jurisdicional (BIANCHINI, 2013, p. 46).

Por se tratar de uma agressão emocional, que muitas vezes gera diversos problemas para o resto da vida como traumas e limitações sociais, buscou-se proteger dois bens preciosos para as mulheres: a saúde mental e autoestima (BIANCHINI, 2013, p. 46).

Para Dias, a violência psicológica: “É a mais frequente e talvez seja a menos denunciada. A vítima muitas vezes nem se da conta que agressões verbais, silêncios prolongados, tensões, manipulações de atos e desejos, são violência e devem ser denunciados” (2008, p. 48).

Para que se comprove a existência desta modalidade de violência não se faz necessário laudo técnico ou perícia, tendo em vista que não é possível comprová-la por tais medidas. O juiz, ao tomar ciência dos fatos, poderá conceder as medidas protetivas em favor da vítima. O art. 61, II, “f” do CP, traz a violência psicológica como causa majorante da pena, se praticada juntamente com algum delito (DIAS, 2008, p. 48).

Segundo Hermann:

É nitidamente ofensiva ao direito fundamental à liberdade, solapada através de ameaças, insultos, ironias, chantagens, vigilância contínua, perseguição, depreciação, isolamento social forçado, entre outros meios. Implica em lenta e contínua destruição da identidade e da capacidade de reação e resistência da vítima, sendo comum que progrida para prejuízo importante à sua saúde mental e física (2008, p. 109).

Percebe-se que para a autora, a violência psicológica é causada por condutas que tiram a harmonia e equilíbrio emocional da mulher vitimada, deixando-a com a autoestima afetada, privando-a de sua autodeterminação e afetando bruscamente sua identidade pessoal. 

2.4.3 Violência Sexual

A violência sexual está definida no artigo 7º, III, da Lei 11.340/2006:

São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

“A Lei Maria da Penha tem ajudado a desfazer o mito de que a relação sexual não consensual é uma obrigação da mulher. Nesses casos, a relação sexual não consensual é um caso de violação de direitos” (CARVALHO, online, 2011, p. 29).

Hermann destaca que a violência sexual:

É considerada conduta violenta não apenas aquela que obriga à prática ou à participação ativa em relação sexual não desejada, mas ainda a que constrange a vítima a presenciar, contra seu desejo, relação sexual entre terceiros. Da mesma forma, também é considerada como violência sexual o induzimento – mediante qualquer meio que vicie sua vontade – ao sexo comercial ou a práticas que contrariem a livre expressão de seus autênticos desejos sexuais, assim entendidas aquelas que não lhe tragam prazer sexual (2008, p. 111).

A violência sexual é um dos tipos de violências mais cruéis e repudiadas pela sociedade. Este tipo de agressão fere a alma da vítima, deixando sequelas para o resto de sua vida. Diversos são os relatos e ocorrências espalhados por todo o mundo deste tipo de violência. Esta modalidade afronta a liberdade sexual da mulher, bem como fere sua personalidade.

A mulher tem que ter o livre arbítrio de se relacionar sexualmente com quem quiser. Seus desejos e suas vontades devem ser respeitados. Seu desejo de engravidar deve ser aceito pelo parceiro. A utilização de contraceptivos deve ficar a critério do casal, não devendo haver conflitos que gerem agressões. O aborto, que é considerado crime em nosso país, com exceção de duas situações, não deve ser forçado pelo agressor, isso caracteriza também um tipo de violência sexual. Quando a mulher é constrangida a se casar ou a se prostituir está configurada mais uma vez a violência sexual descrita no referido artigo (HERMANN, 2008, p. 111).

É de se destacar que o direito sexual e reprodutivo da mulher foi amplamente tutelado neste artigo, fazendo com que a mulher ganhasse imensa liberdade no tocante às suas realizações sexuais e reprodutivas:

Trata-se da mais ampla proteção declarada em lei até hoje, aos direitos sexuais e/ou reprodutivos da mulher, principalmente se for dada interpretação extensiva à parte final do inciso ora comentado, que define – genericamente – como violência sexual (qualquer conduta que...) “limite ou anule” o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos (HERMANN, 2008, p. 112).

A violência sexual merece destaque no que tange à proteção das vítimas, tendo em vista o grande número de casos registrados em todo território nacional e no mundo.

2.4.4 Violência Patrimonial

Nada mais é do que a manipulação da vítima visando à subtração de seus bens, pertences, valores, posses e documentos.

Elencada no art. 7º, IV, a violência patrimonial é: “entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades”.

O dispositivo acima equivale ao 5º artigo da Convenção de Belém do Pará.

Visando prejudicar e tornar a mulher ainda mais submissa, o agressor muitas vezes destrói ou retém os documentos seus documentos para que ela não consiga arrumar emprego, por exemplo, e assim fique totalmente dependente economicamente dele. Outras vezes, o agressor se apropria do dinheiro da vítima, vende suas propriedades a ameaçando de todas as maneiras possíveis. Ele faz isso para que a vítima fique cada vez mais fragilizada e encurralada. Uma pessoa sem documentos, sem propriedades, sem posses, fica totalmente sujeita às vontades do agressor (BIANCHINI, 2013, p. 49).

Alice afirma que:

A ausência de autonomia econômica e financeira da mulher contribui para sua subordinação e/ou submissão, ao enfraquecê-la, colocando-a “em situação de vulnerabilidade, atingindo diretamente a segurança e dignidade, pela redução ou impedimento da capacidade de tomar decisões independentes e livres, podendo ainda alimentar outras formas de dependência como a psicológica (FELIX, 2011, p. 208, apud BIANCHINI, 2013, p. 49).

Sobre o tema, Hermann menciona:

O inciso insere no contexto não apenas os bens de relevância patrimonial e econômica financeira direta (como direitos, valores e recursos econômicos), mas também aqueles de importância pessoal (objetos de valor afetivo ou de uso pessoal), profissional (instrumentos de trabalho), necessários ao pleno exercício da vida civil (documentos pessoais) e indispensáveis à digna satisfação das necessidades vitais (rendimentos). A violência patrimonial é forma de manipulação para subtração da liberdade à mulher vitimada. Consiste na negação peremptória do agressor em entregar a vítima seus bens, valores, pertences e documentos, especialmente quando se toma a iniciativa de romper a relação violenta, como forma de vingança ou até como subterfugio para obriga-la a permanecer no relacionamento do qual pretende se retirar (2008, p. 114).

Notadamente, comprova-se que a violência patrimonial é uma forma de tirar os pertences da vítima a fim de prejudicá-la ao máximo.

2.4.5 Violência Moral

Trata-se da desmoralização da figura da mulher perante a sociedade, havendo um elo estreito entre a violência psicológica e a violência moral. Qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria é entendida como violência moral (BIANCHINI, 2013, p. 50).

O inciso V, do art. 7º, da LMP, dispõe: “a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria”.

No Código Penal Brasileiro a violência moral está tutelada e amparada nos artigos 138, 139 e 140, que versam sobre calúnia, difamação e injúria. Estes crimes são considerados contra a honra quando não ocorrem no âmbito familiar. Ocorrendo na esfera familiar tem-se a configuração da violência familiar ou domestica de cunho moral.

O Código Penal Brasileiro dispõe:

Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena - detenção, de seis (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

Pena - detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa.

Entende-se que a conduta do autor da agressão no crime de calúnia consiste na imputação da prática do delito que o sujeito ativo do crime sabe ser falso. Na difamação, há imputação da prática do fato desonroso, fato este que atinge a reputação da vítima, enquanto na injúria, há ofensa à vítima devido à atribuição de “qualidades negativas” (BIANCHINI, 2013, p. 50, apud CUNHA; PINTO, 2011, p. 61).

Sobre este tipo de violência, Hermann destaca:

A violência moral, tratada no inciso V, consiste na desmoralização da mulher vítima, confundindo-se e entrelaçando-se com a violência psicológica. Segundo o dispositivo, corre sempre que é imputada à mulher conduta que configura calúnia, difamação ou injúria. [...] Por calúnia define a lei penal a imputação falsa de crime; por difamação, a falsa atribuição, diante de terceiros, de atos e condutas desonrosas e vergonhosas; injúria, conforme a norma penal respectiva, é a ofensa ou insulto proferido contra a vítima, pessoalmente (2008, p. 115).

2.5 Os índices de violência contra a mulher no Brasil

Neste tópico serão analisadas pesquisas e relatórios feitos pelo Ligue 180, pelo Instituto de Pesquisa Econômica (IPEA) e pelo DataSenado.  Todas as instituições citadas possuem credibilidade e suas pesquisas estão dotadas de real veracidade.

Os estudos feitos buscaram trazer diversas informações, dentre as quais se podem destacar: a quantidade de feminicídios (homicídios de mulheres) ocorridos no Brasil em um determinado período de tempo; quais os tipos mais praticados de violência doméstica contra a mulher; quem é o agressor, etc.

Analisaremos a seguir os dados disponibilizados pelas instituições pesquisadoras.

2.5.1 Dados do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

O Instituto de Pesquisa Econômica (IPEA) realizou um relatório e avaliou o real impacto da LMP e para a surpresa de todos, o estudo constatou que não houve diminuição significativa dos índices de mortalidade de mulheres por agressões. O impacto foi zero, ou seja, as taxas de mortalidade não foram reduzidas. Fazendo uma comparação entre as taxas de mortalidade de antes e depois da edição da lei, constatou-se que não houve redução nos homicídios (IPEA, 2013, online).

De 2001 a 2006, antes da vigência da lei, a taxa de mortalidade foi de 5,28 óbitos por 100 mil mulheres. De 2007 a 2011, depois da vigência da legislação, a taxa de mortalidade ficou em 5,22 mortes por 100 mil mulheres (IPEA, 2013, online).

Em 2007, ano seguinte à implantação da lei, houve uma leve queda nesta taxa, porém, nos anos posteriores as taxas voltaram a crescer e se tornaram parecidas aos índices contabilizados antes da aplicação da lei (IPEA, 2013, online).

O relatório aponta que, de 2009-2011, foram registrados 16.933 homicídios de mulheres, número que corresponde a uma taxa de mortalidade de 5,82 mortes por 100 mil mulheres (IPEA, 2013, online).

No Brasil, a região Nordeste é a que tem a taxa de mortalidade mais alta (6,90), seguido pelo Centro-Oeste (6,86), Norte (6,42), Sudeste (5,4) e Sul (5,08). A título de curiosidade a taxa do Ceará é de 5,26 óbitos por 100 mil vítimas (IPEA, 2013, online).

Os principais resultados apontados pela pesquisa do IPEA (2013, online) revelam que a situação realmente está grave. Veja:

·               A taxa corrigida de feminicídios foi 5,82 óbitos por 100.000 mulheres, no período 2009-2011, no Brasil.

·               Estima-se que ocorreram, em média, 5.664 mortes de mulheres por causas violentas a cada ano, 472 a cada mês, 15,52 a cada dia, ou uma a cada hora e meia.

·               As regiões Nordeste, Centro-Oeste e Norte apresentaram as taxas de feminicídios mais elevadas, respectivamente, 6,90, 6,86 e 6,42 óbitos por 100.000 mulheres.

·               As UF com maiores taxas foram: Espírito Santo (11,24), Bahia (9,08), Alagoas (8,84), Roraima (8,51) e Pernambuco (7,81). Por sua vez, taxas mais baixas foram observadas nos estados do Piauí (2,71), Santa Catarina (3,28) e São Paulo (3,74).

·               Mulheres jovens foram as principais vítimas: 31% estavam na faixa etária de 20 a 29 anos e 23% de 30 a 39 anos. Mais da metade dos óbitos (54%) foram de mulheres de 20 a 39 anos.

·               No Brasil, 61% dos óbitos foram de mulheres negras (61%), que foram as principais vítimas em todas as regiões, à exceção da Sul. Merece destaque a elevada proporção de óbitos de mulheres negras nas regiões Nordeste (87%), Norte (83%) e Centro-Oeste (68%).

·               A maior parte das vítimas tinham baixa escolaridade, 48% daquelas com 15 ou mais anos de idade tinham até 8 anos de estudo.

·               No Brasil, 50% dos feminicídios envolveram o uso de armas de fogo e 34%, de instrumento perfurante, cortante ou contundente. Enforcamento ou sufocação foi registrado em 6% dos óbitos. Maus tratos – incluindo agressão por meio de força corporal, força física, violência sexual, negligência, abandono e outras síndromes de maus tratos (abuso sexual, crueldade mental e tortura) – foram registrados em 3% dos óbitos.

·               29% dos feminicídios ocorreram no domicílio, 31% em via pública e 25% em hospital ou outro estabelecimento de saúde.

·               36% ocorreram aos finais de semana. Os domingos concentraram 19% das mortes.

A pesquisa revela sua conclusão:

Conclui-se que a magnitude dos feminicídios foi elevada em todas as regiões e UF brasileiras e que o perfil dos óbitos é, em grande parte, compatível com situações relacionadas à violência doméstica e familiar contra a mulher. Essa situação é preocupante, uma vez que os feminicídios são eventos completamente evitáveis, que abreviam as vidas de muitas mulheres jovens, causando perdas inestimáveis, além de consequências potencialmente adversas para as crianças, para as famílias e para a sociedade. Assim, destaca-se a necessidade de reforço às ações previstas na Lei Maria da Penha, bem como a adoção de outras medidas voltadas ao enfrentamento à violência contra a mulher, à efetiva proteção das vítimas e à redução das desigualdades de gênero no Brasil. Os achados deste estudo são coerentes com os resultados do Relatório da CPMI com a finalidade de investigar a situação da violência contra a mulher no Brasil e apoiam a aprovação dos Projetos de Lei apresentados no Relatório, em especial aquele que propõe alteração do Código Penal, para inserir o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, como uma forma extrema de violência de gênero contras as mulheres, que se caracteriza pelo assassinato da mulher quando presentes circunstâncias de violência doméstica e familiar, violência sexual ou mutilação ou desfiguração da vítima (IPEA, 2013, online).

2.5.2 Dados do Ligue 180

Em pesquisa realizada de janeiro a junho de 2013, outros dados importantes foram divulgados pelo balanço do Ligue 180. Divulgou-se que de janeiro de 2006 a junho de 2013 foram contabilizados 3.364.633 de atendimentos, sendo quase 500.000 contendo pedidos de informações sobre a LMP (LIGUE180, 2013, p. 4, online).

O 180 é um número de telefone disponibilizado pelo Governo para atender as mulheres de todo o Brasil, não só para fazer denúncias sobre a LMP, mas também para tirar dúvidas, fazer elogios e sugestões. O ligue 180 trata também de temas que envolvem os direitos e serviços públicos da população feminina. O serviço é oferecido aproximadamente para 56% dos municípios brasileiros, funcionado todos os dias da semana, 24 horas por dia, inclusive nos feriados. No período da pesquisa foram feitos 51 mil registros mensais, que correspondem a 1.691 atendimentos por dia, em todo Brasil (LIGUE180, 2013, p. 3,4, 6 e 15, online).

 Ainda de acordo com o Ligue 180, de janeiro a junho de 2013, os relatos de violência somaram 37.582 (12,3%) dos atendimentos feitos. Dentre estes relatos, os de violência física foram os mais frequentes, com 20.760, equivalente a 55,2% em relação às modalidades estabelecidas pela LMP. A violência psicológica vem em segundo lugar, registrando 11.073, o que corresponde a 29,5% dos atendimentos. Em terceiro, quarto e quinto lugar, respectivamente, vem a violência moral, com 3.840 registros (10,2%), a sexual, 646 (1,7%) e a patrimonial, com 696 (1,9%) relatos. Também foram registrados 340 casos de cárceres privados e 263 de tráfico de pessoas (LIGUE180, 2013, p. 16, online).

O estudo mostra que em 83,8% dos relatos de violência, que ao total somam 37.582, o agressor era cônjuge, companheiro, namorado ou “ex” da ofendida, com quem ela mantém ou manteve relações íntimas afetivas e sexuais (LIGUE180, 2013, p. 17, online).

Outros dados são revelados pela pesquisa:

As relações familiares concentraram 10,6% dos casos em que agressões foram feitas por filhas, filhos, mães, pais, entre outros. Em 5,4%, as mulheres foram vítimas de pessoas com quem possuíam vínculos externos (vizinhas, vizinhos, chefes e pessoas desconhecidas). Em relacionamentos íntimos de envolvimento sexual entre mulheres, ocorreram 67 casos. É importante salientar que a Lei Maria da Penha orienta que as políticas de enfrentamento à violência doméstica e familiar contemplam todas as mulheres, independente da sua orientação sexual (2013, p. 18, online).

O Ligue 180 (2013, p. 19, online) revela o perfil das vítimas de acordo com as informações fornecidas nos relatos de violência, é possível constatar que:

·               98,8% das vítimas de violência eram mulheres, agredidas por homens em 94% dos casos;

·               49,1% eram pardas, 38,7%, brancas, 10,9%, pretas, 0,7% amarelas e 0,6% indígenas;

·               31,52% entre 20 e 29 anos e 27,94% entre 30 e 39 anos;

·               43,82% possuíam ensino fundamental (completo ou incompleto) e 40,47% ensino médio (completo ou incompleto);

·               62% não dependiam financeiramente do agressor;

·               82,7% eram mães

Sobre a prática de violência diária revelou-se:

A prática diária da violência de gênero foi constatada em 42,3% dos casos ao Ligue 180. Em 31,5%, ocorrem algumas vezes na semana e, em 10,3%, algumas vezes no mês. Episódio único apresentou-se em 6,6% dos relatos. Em 9,3%, o público não soube informar a frequência de ações violentas.

Esses dados revelam que a violência de gênero não constitui evento isolado na vida das brasileiras. Além de ser frequente, é, em sua maioria, um fenômeno que ocorre diariamente. Desse modo, são incontáveis os efeitos da violência diária para a família, para o mercado de trabalho e para o desenvolvimento do país (LIGUE180, 2013, p. 19, online).

Sobre a vulnerabilidade das vítimas computa-se:

·  No primeiro semestre de 2013, 46,3% dos relatos apresentaram risco de morte para as vítimas. Em 27,7%, o risco de dano físico foi denunciado, inclusive o de espancamento, com 4.655 registros.

·  Em 15,8% dos casos, foram identificados o risco de danos psicológicos, incluindo o suicídio das vítimas, com 117 registros. Elevado risco de estupro foi sinalizado em 265 situações.

·  Dentre os demais riscos para as vítimas, houve 5,9% sobre aborto, ameaça a terceiros, danos morais e perda de bens e/ou direitos. Em 3,2% dos casos, não foi informada a vulnerabilidade de integridade da vítima (LIGUE180, 2013, p. 22, online).

Outro fator agravante e preocupante é que o risco de morte da vítima foi identificado em 46,3% dos atendimentos (LIGUE180, 2013, p. 24, online).

De fato, os dados mostrados na pesquisa mostram a realidade brasileira, devendo ser levados em consideração pelo Poder Público para reverter este quadro de violência.

2.5.3 Dados do DataSenado

Mais dados importantes foram demonstrados pelo estudo do DataSenado. Estudo aponta que no Brasil as mulheres conhecem universalmente a LMP, entretanto cerca de 700 mil continuam a sofrer agressões mesmo tendo se passado alguns anos de sua criação (2013, p. 2, online).

O relatório acerca da violência contra a mulher do DataSenado aponta que cerca 99% das mulheres brasileiras, de todas as idades, crenças, raças, classes e de todos os tipos de escolaridade, já ouviram falar na Lei 11.430/2006 (DATASENADO, 2013, p. 2, online).

Em contrapartida, o estudo mostra que mais de 13 milhões e 500 mil mulheres já sofreram algum tipo de agressão, o equivalente a 19% da população feminina com 16 anos ou mais. Comprovou-se que 31% destas mulheres ainda mantem convivência com o agressor. Estima-se que 14% das mulheres que ainda convivem com seu agressor continuam sofrendo algum tipo de agressão, violência, ou seja, 700 mil mulheres permanecem como alvo de agressões em nosso país (DATASENADO, 2013, p. 2, online).

O impacto da violência doméstica e familiar contra a mulher influencia diretamente nos índices de feminicídios.  O Brasil encontra-se em 7º lugar num ranking dos países que mais matam mulheres composto por 84 nações. Em número de mortes, na América Latina, o Brasil só perde para a Colômbia, na Europa, perde apenas para Rússia. O Brasil mata mais mulheres do que todos os países árabes e africanos (DATASENADO, 2013, p. 2, online).

Um fato curioso é que depois da vigência da LMP, 66% das brasileiras sentem-se mais protegidas. Entre as mulheres jovens e que tem ensino superior o índice de confiança na lei é de 71% e de 75% entre as mulheres com elevada remuneração. Estudou-se que 80% das mulheres do Sul do país confiam na norma regulamentadora. Comprovou-se, também, que quase 80% das entrevistadas acreditam que apenas a lei não é capaz de solucionar a problemática da violência doméstica e familiar contra a mulher (DATASENADO, 2013, p. 2 e 3, online).

Segundo a pesquisa 63% das mulheres acredita que a violência doméstica aumentou deste a criação da LMP, entretanto, apurou-se que desde 2009 o número de vítimas agredidas está estável (DATASENADO, 2013, p. 3, online).

DataSenado revela diversos outros dados importantes para entendermos os aspectos da violência doméstica contra a mulher:

·               Aproximadamente uma em cada cinco brasileiras reconhece já ter sido vítima de violência doméstica ou familiar provocada por um homem. Os percentuais mais elevados foram registrados entre as que possuem menor nível de escolaridade, as que recebem até dois salários-mínimos, e as que têm idade de 40 a 49 anos (2013, p. 4, online).

·               O tipo de violência mais frequente sofrido por mulheres é a física, segundo relato de 62% das vítimas. Desde 2009, em todas as rodadas da pesquisa, tem sido esse o tipo mais citado de violência contra a mulher. Em seguida, vêm a violência moral e a psicológica, que, em 2013, foram relatadas por 39% e 38% das vítimas, respectivamente (2013, p. 5, online).

·               Dentre as mulheres que já sofreram violência, 65% foram agredidas por seu próprio parceiro de relacionamento, ou seja, por marido, companheiro ou namorado. Ex-namorados, ex-maridos e ex-companheiros também aparecem como agressores frequentes, tendo sido apontados por 13% das vítimas. Parentes consanguíneos e cunhados aparecem em 11% dos casos (2013, p. 5, online).

·               O ciúme e o uso do álcool continuam sendo os principais fatores declarados como motivos para a agressão, com 28% e 25% das respostas, respectivamente (2013, p. 5, online).

·               Quase 40% das mulheres afirmam ter procurado alguma ajuda logo após a primeira agressão. Para as demais, a tendência é buscar ajuda da terceira vez em diante ou não procurar ajuda alguma – o que acontece em 32% e 21% dos casos, respectivamente (2013, p. 6, online).

·               O principal motivo para as mulheres escolherem essas vias alternativas à denúncia formal é certamente o medo do agressor, fator apontado por 74% das entrevistadas. Em seguida, a dependência financeira e a preocupação com a criação dos filhos foram os fatores apontados por 34% do total de entrevistadas (2013, p. 6 e 7, online).

·               A vergonha da agressão, também apontada como motivo para não denunciar, é mais frequente conforme cresce a escolaridade e a renda das entrevistadas. Entre aquelas que têm até o ensino fundamental, 19% afirmaram que a vergonha é fator que impede as vítimas de denunciar a agressão. Entre as que têm o ensino superior, essa proporção sobe para 35%. Já em relação à renda, a vergonha é apontada com menos frequência pelas mulheres sem remuneração (21%) que pelas que recebem mais de cinco salários-mínimos (39%) (2013, p.7, online).

·               A pesquisa mostra mudança também no nível de confiança na autoridade policial. As delegacias foram as instâncias mais lembradas, espontaneamente, pelas mulheres na hipótese de elas fazerem uma denúncia contra ato de violência doméstica. As delegacias comuns foram indicadas por 53% das entrevistadas e as delegacias da mulher foram mencionadas por 34% das brasileiras ouvidas (2013, p. 8, online).

·               Dentre as mulheres que já foram vítimas de violência e que denunciaram o fato à polícia, mais de 50% avaliam o atendimento recebido como bom ou ótimo. Apesar dos avanços, um grande caminho ainda há a percorrer, pois 30% das vítimas avaliaram o atendimento recebido na delegacia como ruim ou péssimo (2013, p. 8, online).

Partindo dessa abordagem, notou-se que: as muitas mulheres sentiram vergonha em denunciar seus companheiros e reclamaram do atendimento recebido nas delegacias; a violência mais praticada pelos agressores é a física; os ciúmes e a embriaguez são os principais motivos das agressões.


3. AS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA 

3.1 Aspectos gerais

Como visto nos capítulos anteriores, a criação da LMP foi, sem dúvidas, um marco histórico para o Brasil. A violência doméstica contra a mulher passou a ser crime, sendo tratada com maior atenção e respeito. Durante anos o assunto foi levado com imenso descaso pelas autoridades.

A sociedade brasileira sempre foi marcada pela dominância do homem perante a mulher, que se mantinha submissa, cuidando do lar e dos filhos, papel este que tal mulher acreditava ser naturalmente seu. Por diversas vezes violentadas, ficavam com medo, caladas, atormentadas, e, por serem dependentes economicamente de seus agressores, acabavam se tornando vítimas diárias da violência doméstica. As poucas que pediam recorriam a polícia e a justiça não logravam êxito, já que não se dava a devida atenção aos casos.

Com o advento da LMP, que trata da violência doméstica e familiar contra a mulher, a situação mudou para melhor. A Lei 11.340/2006, sancionada em 7 de agosto de 2006, ganhou o nome de Maria da Penha em homenagem à ilustre guerreira cearense Maria da Penha Maia, biofarmacêutica, que, após se casar com Marco Antônio Heredia Viveiros, viu sua vida se tornar um verdadeiro inferno. Maria sofreu muito e ficou tetraplégica em decorrência da maldade e crueldade de seu então marido. Porém, sempre se manteve viva, lúcida, forte e com sede de justiça. Lutou por cerca de vinte anos para ver a punição e condenação de seu agressor.

Indubitavelmente Maria não foi a única mulher a sofrer este tipo de violência, milhões sofreram e sofrem, mas sim, ela foi mais adiante e não se calou, não se deixou abater diante da lentidão da justiça brasileira, procurou ajuda internacional para pressionar nosso país a tomar providências e merecidamente teve resposta positiva.

Outro fato relevante que ajudou na criação da LMP foram os altíssimos índices de violência doméstica e familiar no Brasil, de acordo com o Relatório Nacional Brasileiro uma mulher é agredida a cada quinze segundos:

  Quinze segundos é um período de tempo muito curto. Basta contar até 15 e pronto: já se passaram 15 segundos. Parece ser um lapso de tempo tão insignificante, durante o qual nada acontece, tanto que o período de 24 horas contém 5.760 vezes a fração 15 segundos. Talvez só fazendo essa singela operação aritmética é que se possa visualizar o quanto chocante é o dado que consta do Relatório Nacional Brasileiro, que retrata o perfil da mulher brasileira: a cada 15 segundos uma mulher é agredida, isto é, a cada dia 5.760 mulheres são espancadas no Brasil (DIAS, 2010, online).

A criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e as medidas protetivas de urgência foram as principais inovações trazidas pela LMP (BIANCHINI, 2008, p. 164). Sabe-se da importância dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, mas para fins deste estudo serão abordadas com amplitude apenas as medidas protetivas de urgência, foco deste trabalho científico.

Ao implantar uma nova Lei deve-se pensar na sua eficácia. Todos os meios possíveis e necessários devem ser colocados a disposição para que essa legislação seja cumprida. Não faz sentido criar uma lei para não ser cumprida. Mecanismos e articulações devem ser estabelecidos para garantir o cumprimento da norma regulamentadora. As medidas protetivas de urgência foram estabelecidas para garantir que a LMP fosse eficaz e protegesse realmente a vítima.

Alice Bianchini (2013, p. 165) destaca as principais características das medidas protetivas de urgência:

·               Caráter primordial de urgência, devendo o juiz decidir em até 48 horas acerca das medidas aplicáveis (art. 18);

·               A ofendida, o delegado e o Ministério Público podem requerer as medidas protetivas de urgência (art. 19);

·               O juiz pode decretá-las de ofício (art. 20);

·               Não há necessidade de manifestação prévia do Ministério Público, nem de audiência das partes, para a concessão das medidas (art. 19, §1º);

·               As medidas podem ser aplicadas cumulativa ou isoladamente (art. 19, §2º);

·               Pode haver a substituição de uma medida por outra, de acordo com o caso, sendo necessária que seja mais ou menos drástica, podendo essa mudança ocorrer a qualquer tempo, desde que sua eficácia não seja afetada (art. 19, §2º);

·               As medidas protetivas de urgência se dividem em duas espécies: as que obrigam o agressor (art. 22) e as dirigidas à proteção da vítima e seus dependentes (arts. 23 e 24).

Como visto, as medidas protetivas de urgência são medidas cautelares de primordial relevância que visam garantir a segurança da mulher vítima de violência e de seus familiares após o registro da denúncia na delegacia. Elas possuem caráter preventivo e punitivo, e estão elencadas na LMP do art. 18 ao art. 24, e serão analisadas detalhadamente no próximo tópico, dividindo-se em medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor e medidas dirigidas à ofendida.

3.2 Espécies de medidas protetivas de urgência

3.2.1 Medidas que obrigam o agressor

3.2.1.1 Suspensão da Posse ou restrição do porte de armas

O art. 22, I, da LMP, regula a possibilidade de desarmamento do agressor:

Art. 22.  Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras: I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

Esta medida protetiva faz referência ao Estatuto do Desarmamento, a Lei 10.826/2003. Através dela o agressor terá a posse suspensa ou será restrito de portar a arma. Aplica-se esta medida nos casos em que o agressor possui a posse legal e regular de arma registrada (HERMANN, 2008, p. 184).

Sobre o tema, Dias declara:

Já que se está falando em violência, sendo esta denunciada à polícia, a primeira providência é desarmar quem faz o uso de arma de fogo. Trata-se de medida que se mostra francamente preocupada com a incolumidade física da mulher. Admite a Lei que o juiz suspenda a posse ou restrinja o porte de arma de fogo (art.22, I). Conforme o Estatuto do Desarmamento, tanto possuir como usar arma de fogo é proibido. Para se ter a posso de uma arma, ainda que no interior da casa, é necessário o respectivo registro, que é levado a efeito junto à Polícia Federal (2008, p. 82).

Caso o agressor possua a posse regular da arma, bem como autorização para usá-la, a suspensão ou restrição só pode ser feita em detrimento do requerimento da ofendida visando assegurar sua vida. Se o porte da arma ou seu uso forem irregulares, ilegais, caberá à autoridade policial tomar as devidas atitudes contra o infrator. Sendo deferido o pedido da vítima, deverá ser comunicada a decisão ao Sistema Nacional de Armas (SINARM) e a Polícia Federal (DIAS, 2008, p. 82).

3.2.1.2 Afastamento do Lar

É de se entender que a mulher, ao procurar a polícia e fazer a denúncia, esteja completamente abalada de todas as formas e o que menos ela deseja é estar no mesmo ambiente que seu agressor.

Buscando proteger a mulher agredida do violentador, o legislador estabeleceu um tipo de medida protetiva de urgência que obriga o agressor a se afastar da vítima e do lar, in verbis:

Art. 22.  Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras: II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

Alice Bianchini analisa que o afastamento imediato do agressor objetiva garantir a integridade física e psicológica da vítima:

O afastamento do agressor do lar visa preservar a saúde física e psicológica da mulher, diminuindo o risco iminente de agressão (física e psicológica), já que o agressor não mais estará dentro da própria casa que reside a vítima. O patrimônio da ofendida também é preservado, uma vez que os objetos do lar não poderão ser subtraídos ou destruídos (BELLO-QUE, 2011, p. 311, apud BIANCHINI, 2013, p. 166).

A autora ainda afirma ainda sobre o tema que:

A retirada do agressor do interior do lar, ou a proibição de que lá adentre, além de auxiliar no combate e na prevenção da violência doméstica, pode encurtar a distância entre a vítima e a Justiça. O risco de que a agressão seja potencializada após a denúncia diminui quando se providencia para que o agressor deixe a residência em comum ou fique sem acesso franqueado a ela (BIANCHINI, 2013, p. 167).

Maria Berenice explica que para cessar a violência tanto a mulher ofendida como o homem agressor podem se retirar do domicílio ou do local de convivência, isso será feito de acordo com a necessidade de cada caso concreto:

Para garantir o fim da violência é possível a saída de qualquer deles da residência comum. Determinado o afastamento do ofensor do domicílio ou do local de convivência com a ofendida (art. 22, II), ela e seus dependentes podem ser reconduzidos ao lar (art.23, II). Também pode ser autorizada a saída da mulher da residência comum, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda de filhos e alimentos (art.23, III). A previsão justifica-se. Sendo casados os envolvidos, o afastamento com a chancela judicial, não caracteriza abandono de lar, a servir de fundamento para eventual ação de separação. Em qualquer das hipóteses, trata-se de decreto de separação de corpos (art.23, IV) decorrente de crime e não de outras questões de natureza exclusivamente civil (NUCCI, 2006, p. 879, apud DIAS, 2008, p. 84).

Esta medida protetiva é de total importância, assegurando maior conforto, proteção e tranquilidade e menor humilhação para a mulher vitimada, pois seu agressor não estará mais convivendo com ela sobre o mesmo domicílio, evitando assim que novas ameaças e agressões voltem a ser praticadas contra sua integridade mental e corporal (BIANCHINI, 2013, p. 166).

3.2.1.3 Proibição de aproximação

De acordo com o art. 22, inciso III, alínea a, o juiz pode proibir o agressor de se aproximar da vítima, de seus familiares e de testemunhas, fixando a distância mínima entre o estese o violentador, in verbis:

Art. 22.  Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras: III - proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

Esta medida tem comum objetivo com a medida que afasta o agressor do lar. Ao ficar proibido de se aproximar da vítima, de seus parentes e das testemunhas, o agressor fica, em tese, incapacitado de agir contra qualquer um destes. O legislador buscou proteger a incolumidade física e psíquica da mulher agredida (BIANCHINI, 2013, p. 168).

Sobre a referida medida protetiva, Maria Berenice Dias destaca:

Outra forma de impedir o contato entre agressor e ofendida, seus familiares e testemunhas é fixar limite mínimo de distância de aproximação (art. 22,III, a). Para isso o juiz tem a faculdade de fixar, em metros, a distância a ser mantida pelo agressor da casa, do trabalho da vítima e do colégio dos filhos (DIAS, 2008, p. 85).

Alice Bianchini destaca um caso conhecido nacionalmente em que esta medida protetiva foi aplicada:

Esta medida protetiva ganhou notoriedade e divulgação nos meios de comunicação ao ser utilizada em conflito doméstico ocorrido entre os atores Dado Dolabella e Luana Piovani: em 2011, Dado foi condenado por ter agredido em 2008 a então Luana Piovani, quando o juiz determinou que o ator mantivesse distância mínima de 250 metros dela (BIANCHINI, 2013, p. 168).

Para entender melhor o caso é de grande relevância que se mostre os fatos. Segundo relatos da polícia e da imprensa, a briga entre os atores ocorreu em uma boate, no dia 22 de outubro de 2008, no Rio de Janeiro. As celebridades começaram a se desentender e houve uma briga. Luana caiu no chão e alegou que o ator Dado a agrediu com um tapa. Ainda, segundo a atriz, sua camareira também foi agredida, tendo machucado os punhos, ao tentar apartar a briga dos dois. Luana e sua camareira prestaram queixa contra Dado no dia seguinte e fizeram exame de corpo de delito. O motivo da briga teria sido ciúmes (BARBOSA, 2013, online).

Ao ter acesso as imagens das câmeras de segurança do estabelecimento, foi comprovado que realmente o ator havia empurrado Luana e sua camareira. O resultado do exame de corpo de delito feito por Luana também confirmou agressão. Em novembro do mesmo ano, o ator Dado Dolabella foi indiciado pelas agressões, por lesão corporal leve, tendo sido enquadrado na LMP (BARBOSA, 2013, online).

No ano seguinte, o ator é preso por descumprir a decisão judicial que determinava seu afastamento de Luana por no mínimo 250 metros. No entanto, em 2012, a justiça decidiu livrar o ator da acusação de ter desobedecido a ordem judicial de afastamento da atriz. O caso se arrasta no Judiciário carioca desde 2008 (BARBOSA, 2013, online).

Este caso gerou o conhecimento nacional do que seria a medida protetiva que proíbe o agressor de aproximação da vítima, mas também trouxe grande alvoroço, pois muito se discutiu acerca da intenção do ator em estar nos mesmos lugares em que Luana frequentava. O limite de 250 metros estabelecido pelo juiz também gerou discussão (BIANCHINI, 2013, p. 168).

3.2.1.4 Proibição de contato

Segundo art. 22, inciso III, alínea b, o agressor fica proibido de comunicar-se por qualquer meio com a vítima, seus parentes e as testemunhas:

Art. 22.  Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras: III - proibição de determinadas condutas, entre as quais: b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

Para Alice Bianchini esta proibição “Atinge qualquer meio de comunicação, seja pessoal, direto, telefônico, mensagens eletrônicas, mensagens de bate-papo, etc” (BIACHINI, 2013, p. 168).

Completando sua linha de pensamento Alice destaca a intenção de garantir a integridade psíquica da ofendida, evitando novas ameaças com as possíveis tentativas de contato do agressor:

No mesmo sentido da medida de proibição de aproximação, a proibição de contato visa resguardar especialmente a integridade psíquica da mulher em situação de violência. O propósito é evitar que o agressor persiga a vítima, seus familiares e as testemunhas da causa penal, situação que evidentemente prejudica a colheita da prova na causa penal e gera grave risco às pessoas que dela participam ou que tem relação familiar com a ofendida (BELLOQUE, 2011, p. 312, apud BIANCHINI, 2013, p. 169).

A proibição de contato, ao impedir a interação do agressor com a ofendida, seus parentes e testemunhas, por quaisquer meios de comunicação, mostra-se como uma restrição extremamente fundamental e benéfica, pois gera a paz e tranquilidade mental da vítima (DIAS, 2008, p. 85).

3.2.1.5 Proibição de frequentar determinados lugares

Trata-se de mais uma medida protetiva para evitar o encontro da vítima e de seus familiares com o agressor. Os locais que são geralmente frequentados pela vítima e seus parentes devem ser proibidos para o agressor, buscando evitar confrontos, confusões, constrangimentos e escândalos públicos (BIACHINI, 2013, p. 169).

Esta medida protetiva esta prevista no art. 22, III, c:

Art. 22.  Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras: III - proibição de determinadas condutas, entre as quais: c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

Esta medida protetiva, além de proteger a vítima e garantir que sua vida continue com normalidade, visa garantir a harmonia social e dos estabelecimentos, impedindo desgastes públicos. Juliana Garcia Belloque afirma que nesse caso “a Lei Maria da Penha buscou proteger os espaços públicos nos quais a mulher vítima de violência desenvolve sua individualidade” (BELLOQUE, 2011, p. 312, apud, BIANCHINI, 2013, p. 169).

É de fundamental importância que a vítima aponte os locais que visita com frequência para que o agressor seja impedido de transitar em ambientes comuns aos da mulher agredida. O agressor certamente sabe quais são os lugares mais frequentados pela mulher e caso não seja banido destes locais ele irá aparecer neles e causará transtornos e confusão.

3.2.1.6 Restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores

Esta medida está garantida no art. 22, IV, in verbis:

Art. 22.  Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras: IV – restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

Além das outras medidas, o agressor também pode sofrer a restrição ou suspensão do direito de visitar seus filhos, tendo em vista o risco que os dependentes menores podem correr ao estarem lado a lado com o agressor de sua genitora.

Geralmente a medida protetiva de restrição ou suspensão de visitas vem junto com a proibição de frequentar os ambientes de convivência dos filhos (BIANCHINI, 2013, p. 169).

O artigo dispõe que a equipe de atendimento multidisciplinar deve ser ouvida, porém o juiz pode adotar esta medida mesmo que não tenha acesso de pronto ao parecer técnico e a oitiva da equipe. O magistrado não fica vinculado ao parecer técnico da equipe, ou seja, ele pode aplicar a medida de restrição ou suspensão de visitas nos casos em que julgar necessário, analisando se, além da mãe, os filhos também correm risco de ter sua integridade física e psicológica, abaladas (BIANCHINI, 2013, p. 169).

Alice Bianchini fala das possibilidades da concessão de visitas aos menores: “Em situações muito especiais, o juiz pode determinar que as visitas ocorram de forma supervisionada por especialistas e/ou em ambientes terapêuticos de forma a preservar a integridade da vítima sem afetar a convivência do agressor com os filhos” (DIAS, 2007, p. 86, apud BIANCHINI, 2013, p. 169).

Em concordância com Bianchini, Maria Berenice Dias afirma:

Flagrada a possibilidade de a segurança da vítima ser ameaçada, também pode o juiz suspender ou restringir as visitas do agressor aos filhos (art. 22, IV). A recomendação para que seja ouvida equipe de atendimento multidisciplinar bem revela a preocupação em preservar o vínculo de convivência entre pais e filhos. No entanto, já que se está em sede de violência doméstica, havendo risco à integridade quer da ofendida, quer dos filhos, é impositivo que a suspensão das visitas seja deferida em sede liminar. Não é necessário que o parecer técnico anteceda a decisão judicial (DIAS, 2008, p. 85).

O bem mais importante tutelado por esta medida é a integridade e o bem estar dos menores dependentes. Visa fazer com que a vida deles continue da maneira mais normal possível, evitando futuros e diversos problemas afetivos com os pais. Claro que se o companheiro for violento com o menor, ele deverá ser afastado ligeiramente, sem dúvida alguma. Porém, há casos em que o agressor é violento apenas com a companheira, sem afetar os menores, nessa situação o entendimento é que se deve analisar a possibilidade do pai continuar vendo seus filhos.

3.2.1.7 Prestação de alimentos provisionais ou provisórios

A possibilidade da prestação de alimentos está prevista no art. 22, V, in verbis:

Art. 22.  Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras: V – prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

Acerca do tema, Bianchini dispõe que este tipo de prestação deve guiar-se pelo que demanda o Código Civil:

A prestação de alimentos provisionais ou provisórios deve seguir as determinações do Código Civil (art.1.694 e ss.), observando-se o binômio possibilidade de alimentante/necessidade do alimentado, bem como a demonstração de relação de parentesco e de relação de dependência econômica (BIANCHINI, 2008, p. 170).

 Sobre o assunto, Dias afirma que:

De um modo geral, a pretensão de alimentos quer provisórios, quer provisionais, é veiculada por meio de uma ação, intentada perante o juízo de família, estando a parte representada por advogado. Agora, diante de episódio de violência familiar, a pretensão pode ser buscada por meio da polícia. O registro de ocorrência e o pedido de concessão de medida protetiva de urgência leva a formação de expediente a ser enviado ao juiz que apreciará o pedido. Mesmo que indeferida a pretensão em sede de medida protetiva de urgência, nada impede que o pedido seja veiculado por meio da ação de alimentos perante o juízo cível (DIAS, 2008, p. 87).

 Como se pôde analisar, para que essa medida garantidora seja aplicada é necessário que o agressor tenha condições de prestas tais alimentos, bem como deve ser comprovada a real necessidade dos dependentes e sua filiação, relação de parentesco entre estes e o agressor.

3.2.2 Medidas dirigidas à ofendida

Dependendo do caso concreto, as medidas protetivas dirigidas à ofendida podem ser aplicadas juntamente com outras. Estas medidas não possuem natureza criminal (BIANCHINI, 2013, p. 171).

3.2.2.1 Encaminhamento a programa de atendimento ou de proteção

A referida medida está prevista no art. 23, I, da LMP, que determina: “Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas: I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;”.

Este tipo de medida é classificada como de natureza cível. A ofendida pode requerer o encaminhamento na realização do registro da ocorrência ou o juiz pode determinar de ofício, ou em virtude do pleito do representante da Defensoria Pública, do Ministério Público ou Advogado (BIANCHINI, 2013, p. 171).

O grande problema enfrentado pelas autoridades e vítimas é a falta de postos de atendimento e proteção. Na maioria dos municípios brasileiros estes mecanismos inexistem por falta de estrutura, sendo difícil aplicar a supracitada medida protetiva. É possível afirmar que mais uma vez a legislação brasileira não pode ser cumprida em virtude da falta de compromisso dos governantes ao não aplicarem as verbas públicas onde deveriam. Tendo em vista a falta destes programas na maioria território nacional, o juiz pode determinar que a vítima frequente outros tipos de programas sociais similares oferecidos pelo poder Público (HERMANN, 2008, p. 197 e 198).

3.2.2.2 Recondução ao domicílio, após afastamento do agressor.

A recondução da vítima ao respectivo domicílio, após o afastamento do agressor, está prevista no art. 23, II: “Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas: II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;”.

Ocorrendo o afastamento do agressor do domicílio comum, pode o juiz determinar a recondução da vítima e de seus dependentes ao respectivo lar. A lei não fala explicitamente, mas é de se deduzir que a recondução seja feita com acompanhamento de oficial de justiça, bem como de ajuda policial, dependendo da situação (HERMANN, 2008, p. 198).

Ainda sobre o assunto, Leda Maria Hermann explica:

A providência legal é aplicável sempre que a mulher vítima expressar temor justificado de retorno do violador ou de qualquer retomada da violência pelo agente, mesmo que este tenha deixado o lar comum por vontade própria. O conjunto probatório, aliado se preciso a parecer técnico pela equipe multidisciplinar (artigo 30) ou laudo de especialista (artigo 31) constituem elementos concretos para formação do convencimento do julgador quando à necessidade ou não da medida (HERMANN, 2008, p. 198).

Alice Bianchini afirma:

Ela pode ser requerida diretamente na esfera cível, por meio da propositura de medida cautelar de afastamento temporário de um dos cônjuges da morada do casal (CPC, art. 888, IV), bem como diretamente no momento do registro de ocorrência junto à autoridade policial, devendo o expediente ser direcionado pela Delegacia de Polícia à Vara Criminal, no prazo de 48 horas (art.12, III) (BIANCHINI, 2013, p. 171).

A maneira mais rápida de se obter a medida é fazer o requerimento na hora do registro da ocorrência junto à Polícia. A concessão da medida protetiva pela propositura de medida cautelar, apesar de ser urgente, levaria mais tempo do que se o pedido fosse feito na Delegacia.

3.2.2.3 Afastamento da ofendida do lar

Como visto anteriormente, no tópico 3.2.1, no item “a”, dentre as medidas que obrigam o agressor está a medida que afasta o agressor do lar. Entretanto, essa medida também se aplica à mulher, trata-se do afastamento da ofendida do lar constante no art. 23, III, in verbis: “Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas: III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;”.

Na maioria dos casos o agressor é que fica afastado do lar, mas em alguns casos é a vítima que deixa o ambiente familiar para se proteger e não sofrer mais violência. O que esta medida busca é garantir o fim da violência, independente de quem se afaste do lar, podendo ser a mulher vitimada ou o violentador (NUCCI, 2006, p. 879, apud DIAS, 2008, p. 84).

Vale salientar que este afastamento da vítima será feito sem afetar seus direitos relacionados aos bens, guarda dos filhos e alimentos. Muitas mulheres violentadas são desinformadas e temem perder seus direitos e bens ao sair do domicílio comum, mas a legislação garante que isso não deve ocorrer (HERMANN, 2008, p. 199).

A ofendida pode requerer esta medida perante a polícia e também através de medida cautelar de afastamento, a ser proposta de forma direta no âmbito cível (BIANCHINI, 2013, p. 171).

3.2.2.4 Separação de corpos

A separação de corpos está garantida no art. 23, IV: “Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas: IV - determinar a separação de corpos”.

Este tema também é tratado no art. 1562 do Código Civil Brasileiro:

Art. 1.562. Antes de mover a ação de nulidade do casamento, a de anulação, a de separação judicial, a de divórcio direto ou a de dissolução de união estável, poderá requerer a parte, comprovando sua necessidade, a separação de corpos, que será concedida pelo juiz com a possível brevidade.

Apesar de o Código Civil relatar o procedimento do pedido de separação de corpos, vale lembrar que a mulher, ao registrar a ocorrência e visando proteção imediata, pode fazer o pedido diretamente a autoridade policial competente. Este método é bem mais célere do que o tratado pelo Código Civil (BIANCHINI, 2013, p. 172).

É importante salientar que a separação de corpos só poderá ser concedida pelo juiz do JVDF quando o pedido for fundamentado exclusivamente na violência doméstica sofrida pela vítima, não abrangendo pedidos com outros fundamentos da esfera cível (BIANCHINI, 2013, p. 172).

3.2.2.5 Medidas protetivas dirigidas à ofendida em relação ao patrimônio

I- Restituição de bens;

“Recai sobre bem móveis que tenham sido indevidamente subtraídos da vítima pelo agressor ou estejam na iminência de sê-los” (BIANCHINI, 2013, p. 172).

Dias entende que a vítima tem o direito de restituição de seus bens:

No momento em que é assegurado à vítima o direito de buscar a restituição de seus bens, refere-se tanto aos bens particulares como aos que integram o acervo comum, pois metade lhe pertence. Assim, se um bem comum é subtraído pelo varão que passa a deter sua posso com exclusividade, significa dizer que houve a subtração da metade que pertence à mulher. O pressuposto para a concessão da medida protetiva é que tenham os bens sido subtraídos por quem a vítima mantém um vínculo familiar (DIAS, 2008, p. 88).

Evidencia-se aqui a intenção de garantir a posse e propriedade dos bens móveis da ofendida, impedindo que o agressor cause danos materiais à vítima.

II- Proibição temporária para a celebração de contratos e atos de compra, venda e locação de propriedade em comum;

“Incide sobre bens móveis pertencentes ao patrimônio comum e possui caráter temporário, o que significa que poderá ser revista pelo juiz a qualquer tempo” (BIANCHINI, 2013, p. 172).

Seguindo nesta linha, Dias expõe sua análise sobre esta proibição:

Não só a venda cabe ser vedada. Também a esposa ou companheira têm o direito de se insurgirem contra a compra de bens. Ainda que os bens adquiridos por qualquer dos cônjuges ou companheiros passem a integrar o patrimônio comum, o negócio pode ser ruinoso aos interesses dela ou da família. Havendo esse temor, quando do registro da ocorrência de violência doméstica perante a autoridade policial, a mulher tem a possibilidade de requerer medida protetiva de urgência para que a compra do bem seja obstaculizada (DIAS, 2008, p. 89).

Para a locação de bens comuns, não é necessário que o contrato seja firmado pelo casal. Somente quando o prazo da locação for superior a 10 anos é necessária a vênia conjugal. Assim, bem andou o legislador em conceder à mulher a faculdade de buscar, em sede liminar e como medida protetiva de urgência, a proibição do varão locar bens comuns (DIAS, 2008, p. 90).

Deferida a proibição temporária de celebração de contratos de compra, venda e locação do patrimônio comum, deverá o juiz oficiar ao cartório competente para a devida averbação, qual seja o Cartório de Registro de Imóveis (art. 24, parágrafo único).

Como se vê, o propósito desta medida é assegurar o interesse da família e evitar a ruína dos bens materiais que pode ser causada pelo agressor propositalmente para prejudicar a vítima e seus descendentes.

III- Suspensão de procuração;

Sobre a suspensão da procuração dada ao agressor, Bianchini preceitua: “A Lei Maria da Penha fala em suspensão da procuração, e não em revogação. Este último caso deve ser buscado em ação própria junto à vara cível” (2013, p. 172).

Maria Berenice Dias disserta que a lei se refere sobre a suspensão, entretanto, trata-se da revogação da procuração:

Talvez umas das mais providenciais medidas previstas na Lei seja a possibilidade de o juiz suspender procurações outorgadas pela ofendida ao agressor (art. 24, III), e isso em sede de liminar e no prazo de 48 horas após a vítima ter denunciado na polícia episódio de violência. Ainda que a lei fale em suspensão, a hipótese é de revogação do mandato, até porque “suspensão da procuração” é figura estranha em nosso ordenamento jurídico. De qualquer modo, seja suspensão, seja revogação, o fato é que o agressor não mais poderá representar a vítima (DIAS, 2008, p. 90).

Dias relata que muitas mulheres concedem procurações a seus parceiros por confiarem completamente e cegamente nele:

A total confiança que as mulheres depositam em seus cônjuges ou companheiros as leva a autoriza-los a tratar “dos negócios” da família. Para isso concedem procurações muitas vezes com plenos poderes, o que as coloca em situação de absoluta dependência a vontade do varão que passa a ter a liberdade de fazer o que quiser. Diante de um episodio de violência, muitas vezes surge o sentimento de vingança do homem, que pode levá-lo a tentar desviar o patrimônio, utilizando-se de tais procurações. Mister que haja a possibilidade de medida urgente que impeça tal de agir. Assim, ao invés de revogar a procuração, o que pode sujeita-la a algum risco, pois é necessário dar ciência ao mandatário, melhor mesmo que essa revogação ocorra por meio do juiz, em expediente que teve início perante a autoridade policial (DIAS, 2008, p. 90 e 91).

Esta possibilidade de revogar estende-se também ao mandato judicial conferido ao varão, na hipótese de ser ele advogado (DIAS, 2008, p. 91).

Quando houver a suspensão da procuração, o Cartório de Notas deverá ser informado para tomar as providências necessárias (DIAS, 2008, p. 90).

Evidentemente, recomenda-se às mulheres a não concessão de procurações aos seus companheiros, tendo por finalidade evitar futuros grandes problemas de ordem patrimonial.

IV - Prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais.

A exigência de caução para garantir posterior pagamento de indenização (art. 24, IV), tem nítido caráter cautelar, até por determinar depósito de bens e valores. Trata-se de medida acautelatória, para garantir a satisfação de direito que venha a ser reconhecido em demanda judicial a ser proposta pela vítima. Aqui sabe a possibilidade de o magistrado deferir a medida por determinado prazo, ao menos até que a vítima intente a ação. Descabe permanecerem bens ou valores caucionados indefinidamente sem que a vítima busque a indenização que a caução vem assegurar (DIAS, 2008, p. 91).

Segundo Bianchini: “Condutas físicas, como também morais e psicológicas, encontram-se abrangidas pelo dispositivo”. A autora traz a ideia de sua colega: “Leda Maria Hermann inclui nas perdas ou danos materiais inclusive os lucros cessantes” (HEERDT, 2011, p. 232, apud BIANCHINI, 2013, p.173).

Bianchini preceitua que a medida visa garantir um direito posteriormente: “Tal medida visa acautelar a mulher, futuramente, garantindo a satisfação do de direito que venha a ser reconhecido em posterior demanda judicial” (2013, p. 173).

3.2.3 Da prisão preventiva como medida protetiva de urgência

A prisão preventiva pode ser decretada e utilizada como uma das formas de medida protetiva de urgência, assim preceitua a legislação:

Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial. Parágrafo único. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

Para a prisão preventiva ser decretada nas situações de ocorrência de violência doméstica e familiar contra a mulher não é exigido que a pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos seja cominada ao crime doloso. Esta exigência é feita em todos os outros casos, segundo art. 313, do Código de Processo Penal (BIANCHINI, 2013, p. 182).

A decretação da prisão preventiva como medida protetiva tem caráter excepcional:

A prisão preventiva como medida protetiva de urgência poderá ser decretada sempre que necessária, adequada e proporcional (proporcionalidade em sentido estrido). Ela está prevista no art. 20 da Lei Maria da Penha, bem como no Código de Processo Penal (arts. 282, § 4º, e 312, parágrafo único, 313, III) e sempre será exceção, devendo ser imposta em circunstâncias muito especiais (BIANCHINI, 2013, p.182).

Para Dias, a possibilidade de decretação da prisão preventiva como medida protetiva de urgência é bem-vinda:

A inovação é bem-vinda, pois vem atender às hipóteses em que a prisão em flagrante não é cabível. Cabe trazer o exemplo de Jayme Walmer de Freitas: o marido agride violentamente a esposa, que leva a notitia criminis à autoridade policial. O juiz determina seu afastamento do lar conjugal. Como a decisão é posterior ao fato, não se admite a custódia em flagrante. Igualmente, uma vez afastado do lar, se o varão retornar, descumprindo a execução da medida protetiva de urgência, admite-se sua prisão preventiva (2008, p. 102).

Ao contrário de Dias, Hermann afirma que não se trata de uma inovação e sim uma reafirmação de norma já existente:

A decretação de prisão preventiva em desfavor do agente violador não prescinde da incidência de uma das causas elencadas no art. 312 do Código de Processo Penal. É medida de exceção, só utilizável em situações fáticas que justifiquem sua decretação. O parágrafo único do artigo 20, acima descrito, evidencia esta vinculação. Não há, portanto, novidade legislativa. O dispositivo consiste em reafirmação da norma genérica, sendo esta, tão somente, sua função (HERMANN, 2008, p. 176 e 177).

Conclui-se que é de fundamental importância a possibilidade de aplicação da prisão preventiva nos casos excepcionais, objetivando o cumprimento das medidas protetivas. 

3.3 O real impacto da Lei Maria da Penha sobre as ocorrências de violência doméstica contra a mulher

Neste tópico será analisada a real eficácia trazida pela LMP, e suas medidas protetivas, na vida das mulheres que sofrem algum tipo de violência doméstica e familiar. Basear-se-á nos índices de violência contra a mulher apontados nas pesquisas, a real situação das Delegacias, do Poder Judiciário, e sua respectiva fiscalização do cumprimento da lei.

3.3.1 A ineficácia das medidas protetivas de urgência no combate à violência doméstica contra a mulher

O legislador, ao elaborar a LMP, buscou mudar a situação de violência doméstica contra a mulher que em nosso país é altíssima. Com a LMP as mulheres agredidas, que antes apanhavam em silêncio e eram desamparadas pela Justiça, ficaram encorajadas a denunciar o agressor, que na maioria das vezes é seu marido ou companheiro. No entanto, a LMP apresenta falhas. Atualmente, não há como garantir a eficácia desta Lei.

O Estado e a Justiça encontram dificuldade para fiscalizar e aplicar as medidas protetivas de urgência, que são de fundamental importância em boa parte dos casos em que a mulher vive sobre constante violência e ameaça. Outro ponto importante é que apenas o juiz pode determinar a aplicação das medidas protetivas de urgência no prazo de no máximo 48 horas, porém, em muitas situações esse prazo se torna a causa de muitas mortes, já que a vítima fica desprotegida, a mercê do agressor, que está ainda mais violento depois de saber que foi denunciado.

Thayse Viana Portela, Bacharela em Direito pela Universidade Católica de Brasília, ao elaborar seu Trabalho de Conclusão de Curso em 2011, comprovou em pesquisa feita junto ao Juizado de sua Cidade, o 1º Juizado Cível e Criminal e de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Samambaia, que nos 17 processos estudados por ela, todas as vítimas solicitaram medidas protetivas de urgência e apenas 7 obtiveram êxito e tiveram parte das medidas requeridas deferidas. As outras 10 vítimas tiveram negadas todas as medidas protetivas (2011, p. 60).

A estudante ao analisar cada processo constatou que o juiz ao decidir não deu a devida atenção aos relatos das vítimas. Em 6 dos 10 casos em que o Magistrado indeferiu os pedidos de medidas protetivas, a decisão proferida foi exatamente igual, continha os mesmos fundamentos. O Ministério Público interferiu em 3 dos 10 casos de indeferimento e requereu a reconsideração das decisões. Após isso, o juiz modificou a decisão e concedeu as medidas protetivas às vítimas (PORTELA, 2011, p. 60).

A realidade dos fatos mostrou que quando as medidas são indeferidas pelo juiz, a vítima fica completamente desprotegida e desiste do feito. Das 17 ofendidas, 6 desistiram no meio do caminho. A desistência da representação só pode ser feita em juízo, na audiência. Outro ponto negativo é a demora na realização das audiências, que após a chegada dos autos no Juizado, demoram em média 40 dias para se realizarem (PORTELA, 2011, p. 67 e 68).

No entendimento de Thayse, o descaso do Judiciário é grande: “[...] Pelo que pude verificar nos 17 processos aos quais tive acesso, a atuação do judiciário é a de não levar adiante as medidas protetivas, pois, indeferindo, não é preciso controlar” (2011, p. 70).

Infelizmente o que o estudo feito por Thayse mostrou é a mais pura realidade brasileira. Apesar de estar entre as melhores do mundo no que diz respeito a prevenção e o combate à violência doméstica contra a mulher, e de ser aprovada por 80% dos brasileiros, a LMP encontra outros grandes problemas como a falta de Delegacias, Juizados, Casas de Abrigo, funcionários e fiscalização. Sem toda essa estrutura não é possível garantir a segurança das mulheres e a punição dos agressores (PRATEANO, 2012, online).

A problemática da ineficácia das medidas protetivas de urgência está ligada diretamente à fase inicial, quando a vítima procura atendimento policial, que é realizado de maneira precária em grande parte dos registros, tanto pela falta de profissionais como pela falta de estrutura física. As ofendidas ficam sujeitas a esperar horas para registrar a ocorrência (PRATEANO, 2012, online).

Segundo o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM :

A Lei Maria da Penha pune com rigor a violência contra a mulher e iniciou uma mudança na arraigada cultura machista, mas ainda há muito o que ser feito. As falhas na aplicação da Lei começam nos registros imprecisos e desarticulados dos órgãos responsáveis por acolher as denúncias, passam pela falta de estrutura para atendimento das vítimas e culmina na ausência de uma rede de enfrentamento conjunto das instituições (IBDFAM ,online).

O Instituto ainda afirma que:

[...] a desarticulação das informações nos órgãos responsáveis pelo recebimento das denúncias leva ao desconhecimento e consequente falta de controle sobre as medidas tomadas. Ou seja, os registros não permitem verificar se a mulher que fez a denúncia, de fato, passou a ser protegida como manda a Lei” (IBDFAM ,online).

Constata-se que a Lei, apesar de prever combater rigorosamente a violência doméstica contra a mulher, apresenta falhas. Outro exemplo de ineficácia é a possibilidade de o agressor ser liberado da prisão após pagar a fiança. A ofendida, mesmo tendo uma medida protetiva de urgência concedida a seu favor, ao sofrer uma nova agressão informa a polícia, que terá a chance de prender o agressor em flagrante delito, porém sua liberação poderá ser feita em seguida mediante o pagamento da fiança. Assim, o violador fica despreocupado, pois sabe que após cometer outro ato de violência basta pagar para sair da prisão. Lembrando que a prisão o flagrante delito não cabe em toda situação de violência (MATIELLO; TIBOLA, 2013, online).

Não sendo caso de possibilidade de prisão em flagrante delito, verifica-se que, ao presenciar uma nova situação de violência contra a mulher, a autoridade policial, mesmo sabendo que o violador está descumprindo decisão judicial, se sente incapaz, pois não pode prender o agressor, tendo em vista que não há previsão legal para estes tipos de ocorrência específica (MATIELLO; TIBOLA, 2013, online).

Ressalta-se que o descumprimento de ordem judicial é tipificado como delito, sendo assim, não sendo possível realizar a prisão em flagrante delito, o policial pode deve realizar o procedimento pelo crime de desobediência a ordem judicial, mas, para isso, a autoridade policial tem que ter acesso aos processos e medidas já concedidas à vítima (MATIELLO; TIBOLA, 2013, online).

Outra importante crítica feita é acerca da prisão preventiva como forma de medida protetiva. Para que seja feita a prisão preventiva se exige o descumprimento da medida protetiva e havendo esse descumprimento é de se deduzir que a vítima sofra um novo tipo de violência por parte do agressor (MATIELLO; TIBOLA, 2013, online).

O Estado ainda não possui estrutura para garantir a segurança e vigilância pessoal da ofendida 24 horas por dia, mas isso seria o ideal. Uma das soluções para o grande índice de descumprimento das medidas protetivas de urgência seria o monitoramento eletrônico do agressor e da mulher vitimada, isso garantiria maior segurança e conforto às vítimas. Esse monitoramento eletrônico já está sendo utilizado por alguns poucos Estados do Brasil de maneira bastante tímida (MATIELLO; TIBOLA, 2013, online).

O monitoramento não traz a garantia absoluta de que o agressor para se cometer os atos violentos, porém, é dever do Estado buscar e utilizar meios que possibilitem maximamente a solução do problema (MATIELLO; TIBOLA, 2013, online).

Diante de todo o exposto, constataram-se diversas falhas como a falta de mecanismos e sistemática que garantam a aplicação e cumprimento das medidas protetivas de urgência. O que se pode ver na prática é a ineficácia destas medidas.

3.4 Possíveis soluções para a problemática

3.4.1        O monitoramento eletrônico

3.4.1.1 O monitoramento eletrônico do agressor

As medidas cautelares trazidas pela Lei nº 12.403/2011 também podem ser aplicadas aos casos de violência doméstica e familiar sofridos pelas mulheres. Entretanto, a aplicação destas medidas deve ser feita de forma adequada e proporcional a cada caso concreto (BIANCHINI, 2013, p. 175).

O monitoramento eletrônico é o principal mecanismo, a principal medida cautelar elencada na referida lei por ser bastante eficaz na vigilância dos agressores (BIANCHINI, 2013, p. 175).

Uma das maneiras encontradas para verificar se o agressor está realmente cumprindo as medidas protetivas é a aplicação do monitoramento eletrônico, feito através de tornozeleiras ou pulseiras, considerada pela legislação brasileira como medida cautelar de descarcerização e de controle de réus condenados. Com este mecanismo a autoridade saberá se o violentador está respeitando a ordem judicial de se afastar da vítima e de determinados lugares, se for o caso (BIANCHINI, 2013, p. 175 e 176).

Bianchini destaca a importância do monitoramento eletrônico:

A utilização desta tecnologia, de acordo com Diane Rosenfeld, advogada estadunidense que defende seu uso para casos de violência doméstica contra a mulher, é forma eficaz de atentar aos sinais de perigo que podem levas a novos episódios de violência, bem como meio de responsabilizar o agressor, e não a vítima, pelo afastamento (PÉCORA, 2010, online, apud BIANCHINI, 2013, p. 175).

Além disso, seria positivo o seu uso, pois reforçaria a necessidade de obediência à medida por parte do agressor, evitando sua prisão preventiva em caso de descumprimento da imposição judicial (art. 20), ou mesmo que seja acusado de crime de desobediência (CP, art. 330) (BIANCHINI, 2013, p. 176).

Outro ponto de destacado pela autora é a utilização do monitoramento eletrônico nos Estado Unidos e em Portugal:

Visando garantir a efetivação das medidas de afastamento em casos de violência doméstica, alguns países adotaram o monitoramento eletrônico. Por exemplo, nos Estados Unidos, 17 Estados o preveem. Também em Portugal há sua previsão, desde 2009, com o devido consentimento do agressor, como medida específica de afastamento do acusado ou condenado em contexto de violência doméstica (BIANCHINI, 2013, p. 176 e 177).

Ao aplicar as medidas protetivas de urgência previstas na LMP o juiz busca proteger a vítima, porém deve-se saber como será feita a fiscalização do cumprimento destas medidas protetivas. Não adianta o juiz estabelecer medidas que não serão cumpridas por falta de fiscalização. Infelizmente isto acontece muito em nosso país, pois falta muita fiscalização.

3.4.1.2   Monitoramento eletrônico da ofendida: “O botão do pânico”

O Botão do Pânico é uma ferramenta nova no tocante ao combate e prevenção da violência doméstica contra a mulher.  Trata-se de um Dispositivo de Segurança Preventiva (DSP) que possibilita a gravação de áudios e a localização da portadora através de GPS. Foi lançado pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo no dia 15/04/2013 (SOUZA, 2013, online).

Com o intuito de melhorar o combate à violência doméstica e familiar contra as mulheres de forma preventiva, bem como diminuir os seus índices, esta ferramenta eletrônica foi pensada e criada pela juíza Hermínia Maria Silveira Azoury, que também é coordenadora Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo (CÂMARA MUNICIPAL DE SALVADOR, 2014, online). 

A sistemática do dispositivo funciona de maneira simples. A mulher agredida, que registrar a ocorrência da Delegacia, e posteriormente obtém a concessão de uma medida protetiva, poderá receber o Botão do Pânico e ela sempre deverá andar com o dispositivo. O botão do pânico é pequeno, cabe na palma da mão. Ao sentir-se ameaçada com a presença do agressor em qualquer lugar, a ofendida aperta o Botão do Pânico, acionando imediatamente a polícia, que receberá na central de monitoramento a localização, fotos e os dados da vítima e do agressor, e deverá encaminhar as viaturas mais próximas ao local. O prazo para a devolução do dispositivo é indeterminado. Lucas Vieira, especialista em informática garante que “Além de transmitir o áudio ao vivo para o operador, ele também realiza a gravação para servir de prova”. A criadora da ferramenta, a desembargadora Hermínia Maria, defende que "Os homens sabem que a mulher tem o botão do pânico e ele nem sequer se aproxima. O homem tem medo de prisão. Em princípio uma prisão em flagrante que pode se transformar em prisão preventiva e isso dá temor” (BONELLA, 2013, online).

Álvaro Kalix, presidente do Fórum Nacional de Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Fonavid) e juiz auxiliar do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ao lançar o dispositivo eletrônico afirmou que “O botão poderá possibilitar mais eficácia às medidas protetivas. Uma vez acionado, imediatamente a Guarda Municipal será informada e poderá agir de forma a garantir a prevenção” (SOUZA, 2013, online).

Os resultados da implantação do Botão do Pânico são positivos, mas mesmo assim as vítimas ainda sentem medo. A estudante de direito Priscila Vieira relata seu caso de violência e sua experiência com a ferramenta:

Fui a um bloco e encontrei com ele. Já tinha recebido ameaças, mas não levei a sério, porque durante o namoro sempre foi tudo na boa. No bloco, ele quis conversar comigo, mas eu não quis voltar e ele me agrediu fisicamente e psicologicamente. Fui ao plantão, pedi a medida protetiva e na outra semana consegui. Com o processo caminhando, recebi o botão. Acho que isso inibiu um pouco a ação dele (PERIM, 2014, online).

A minha primeira reação foi de pânico mesmo. É desesperador. Eu tinha medo de sair e acontecer alguma coisa comigo. Saí do curso de inglês, fiquei um tempo fora da faculdade. Só comecei a sair depois que recebi o botão, mas nunca mais é a mesma coisa, a gente sempre tem receio de acontecer alguma coisa (PERIM, 2014, online).

As mulheres têm que denunciar, têm que ter coragem e buscar os meios que nos proporcionam. São alguns mecanismos que estão fazendo valer a lei. Só assim é possível inibir a ação deles [agressores]. Acredito que muitas vítimas acabam se sentindo impotentes, mas é pior quando não denunciamos (PERIM, 2014, online).

Como podemos constatar, após a utilização do mecanismo de monitoramento, Priscila, apesar de ainda sentir medo, conseguiu sair de casa e voltar a sua rotina normal de vida. A jovem de 21 anos destaca e finaliza: "Agora estou feliz, superei. Ainda vivo com um pouco de medo, de receio, mas temos que ter cuidado mesmo" (PERIM, 2014, online).

Outra novidade, trazida pelo presidente da Câmara Municipal de Salvador, o vereador Paulo Câmara (PSDB), é a criação do aplicativo do Botão do Pânico para celulares (VARELA NOTÍCIAS, 2014, online).

O vereador Paulo Câmara afirma:

É uma ferramenta tecnológica importante e inovadora no combate à violência contra a mulher. Através do aplicativo, a mulher que sofrer ameaças de seus maridos, ex-maridos e companheiros pode acionar a polícia com apenas um toque no celular. O aplicativo vai fornecer às autoridades competentes meios de combater com mais eficiência e agilidade os crimes contra a mulher no estado (VARELA NOTÍCIAS, 2014, online).

Trata-se de um projeto inovador apresentado no Estado da Bahia recentemente. Sua implantação ainda está em andamento e estudo, mas a previsão é que o aplicativo Botão do Pânico para celulares esteja disponível o mais breve possível (VARELA NOTÍCIAS, 2014, online).

3.4.1.3  O monitoramento eletrônico simultâneo do agressor e da ofendida

No Ceará, no dia 9 de abril do corrente ano, a Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado do (SEJUS-CE) lançou um novo projeto que vai testar nos agressores o uso de tornozeleiras localizadoras que pretendem mantê-lo afastado da ofendida. Além deste equipamento que será colocado no agressor, a mulher receberá um dispositivo, que integrado ao sinal da tornozeleira, avisará quando o violador estiver próximo, num raio de 200 metros. A polícia também receberá as informações e ficará atenta caso ocorra nova violação (SEJUS, 2014, online). Este mecanismo é similar ao Botão do Pânico que já está sendo utilizados em alguns Estados do Brasil.

Mariana Lobo, Secretária da justiça e Cidadania do Estado explica que:

Este projeto pretende assegurar que as medidas de segurança determinadas pela Justiça sejam efetivamente cumpridas, dando mais segurança à mulher já que ela mesma saberá quando o seu agressor está por perto. A Polícia também será acionada e ele poderá ser capturado antes de cometer qualquer novo delito (SEJUS, 2014, online).

Além de garantir a eficácia da medida protetiva, esse mecanismo alternativo poderá ocasionar a descarcerização dos presos, já que serão monitorados, poderão sair da prisão com o equipamento, mantendo-se sempre longe da agredida. Em Fortaleza cerca de 150 presos que infringiram a LMP estão na CPPL III (SEJUS, 2014, online).

Inicialmente, na fase de teste, serão disponibilizados apenas 12 equipamentos, número que pode ser aumentado de acordo com a eficácia e necessidade das ocorrências (SEJUS, 2014, online).

3.4.2 O Projeto de Lei 6.433/2013

Uma novidade em relação à LMP é o Projeto de Lei 6.433/2013, de autoria do Deputado Federal Bernardo Santana de Vasconcellos do PR/MG, que objetiva mudar os procedimentos e trâmites da LMP para garantir de forma célere a proteção da vítima (2013, online).  A ementa do Projeto dispõe:

Pretende dar mais efetividade à proteção da mulher vítima de violência doméstica, no sentido de possibilitar que a autoridade policial tenha acesso aos processos judiciais e às medidas protetivas já deferidas judicialmente, haja vista que somente assim poderá, fora do horário de expediente forense, verificar se o agressor está incorrendo em transgressão à medidas protetivas, e, por consequência, praticando crime como desobediência, autorizando a sua prisão em flagrante (VASCONCELLOS, 2013, online).

As mudanças trazidas no projeto de lei são positivas. Uma delas possibilita que autoridade policial, o delegado, ao tomar ciência da violência doméstica contra a mulher, aplique, imediatamente, as medidas protetivas de urgência. Neste caso a Polícia deverá comunicar a aplicação das medidas à ofendida, ao juiz competente, ao Ministério Público e ao agressor, se possível. Destaca-se que o juiz poderá reaver as medidas concedidas pela autoridade policial a qualquer tempo (VASCONCELLOS, 2013, p. 1 e 2, online).

Além de poder aplicar prontamente algumas das medidas protetivas de urgência, a autoridade policial também poderá solicitar diversos serviços voltados à vítima e seus dependentes, como os de educação, saúde e de assistência social. Esta hipótese justifica-se pelas variadas necessidades das vítimas desde apoio psicológico imediato, atendimento médico ou abrigo (VASCONCELLOS, 2013, p. 2, online).

O projeto prevê, ainda, que a polícia tenha conhecimento e acesso às medidas projetivas de urgência já deferidas pelo juiz, mesmo que fora do horário de expediente. Isto possibilita que a autoridade policial, ao saber da existência de medidas já concedidas anteriormente, verifique se o violador incorre em transgressão às medidas. Havendo transgressão o agressor pratica crime de desobediência, situação na qual se autoriza a sua prisão em flagrante delito. Não sabendo de medidas anteriormente deferidas, a polícia não tem como punir o criminoso por crime de desobediência (VASCONCELLOS, 2013, online).

O Deputado Federal João Campos, relator da Comissão de Segurança Pública e combate ao Crime Organizado, analisa o Projeto de Lei e a real situação brasileiro no tocante a LMP, destacando em seu voto:

Após sete anos da entrada em vigor da Lei Maria da Penha – Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006 –, os índices de crimes praticados no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher não tiveram redução significativa, mantendo-se sem grandes alterações, o que tem demonstrando que as medidas trazidas pela novel legislação, embora salutares, ainda não conseguiram dar um resultado positivo efetivo.  Não resta dúvida que as mais variadas realidades existentes dentro do Brasil, especialmente nas cidades do interior, tem tornado o procedimento de aplicação das medidas protetivas, que deveriam ser de urgência, em um procedimento moroso e ineficaz sob o ponto de vista da efetiva proteção da vítima (2013, p. 3, online).

Para Campos, após a mulher fazer o boletim de ocorrência nenhuma medida é tomada:

A regra nesse contexto é a mulher procurar a delegacia e sair com um boletim de ocorrência, nada mais. À autoridade policial, segundo a atual redação da lei, cabe apenas, fora da situação flagrancial, apenas o registro do fato e a remessa do requerimento de medida protetiva ao Poder Judiciário para que, só assim, após o transcurso de um tempo muitas vezes fatal para a vítima, esta possa receber uma resposta do Estado, qual seja uma medida protetiva que lhe garanta a integridade física, moral e patrimonial (2013, p. 3, online).

Campos afirma que diante de toda essa situação a autoridade policial fica de mãos atadas, sem poder garantir a segurança da vítima: “Uma realidade verdadeiramente paradoxal, já que a lei lhe permite prender um indivíduo em flagrante, mas não lhe autoriza deferir à mulher que está sofrendo risco atual e iminente de vida uma medida que garanta o afastamento do agressor” (2013, p. 4, online).

O Deputado João Campos finaliza:

Não se admite ainda hoje que a mulher vítima de violência doméstica saia da delegacia de polícia sem qualquer medida efetiva que lhe garanta o afastamento do agressor. É o mesmo que tornar letra morta todo o trabalho do legislador consubstanciado na Lei nº 11.340/2006, já que o tempo transcorrido entre o registro da ocorrência e a intimação do agressor pelo Poder Judiciário é suficiente para que a mulher seja duplamente vitimizada, uma vez que é dever do Estado lhe prestar uma proteção eficiente imediata, especialmente neste caso (2013, p. 4 e 5, online).

Enfim, são situações que têm colaborado para que a LMP não alcance todo o resultado esperado, razão pela qual é muito bem vinda a inciativa do projeto de lei em apreço que, em boa hora, serviu para apontar os problemas e indicar a solução para a ineficiência do sistema de medidas protetivas originalmente trazido pela Lei nº 11.340/2006 (CAMPOS, 2013, online).

Sendo aprovado o Projeto de Lei, a autoridade policial passa a ganhar competência e autorização para conceder algumas das medidas protetivas de urgência, sem a necessidade do consentimento prévio do juiz. O delegado poderá afastar de imediato o agressor da vítima, do domicílio conjugal e dos filhos, bem como poderá determinar que o violador mantenha-se afastado dos lugares frequentados pela vítima e seus parentes (CAMPOS, 2013, online).

Como sabemos o juiz tem o prazo de até 48 horas para apreciar o pedido de medidas protetivas. Levando em conta que a Delegacia faz a remessa dos expedientes ao Poder Judiciário, conclui-se que este prazo é muito longo, pois se trata de uma situação emergencial de violência.  Enquanto o procedimento é encaminhado, a vítima fica desamparada por dias e até meses sem as medidas necessárias à sua proteção, de seus familiares e patrimônio. Esta mudança é de fundamental importância, pois, nos crimes ocorridos nos finais de semana ou em lugares distantes fica difícil aplicar as medidas com agilidade. A vítima fica esperando dias para que o encaminhamento do pedido seja feito, bem como também espera pelo deferimento do juiz. Neste lapso temporal a mulher fica completamente desprotegida, sendo alvo fácil do agressor (VASCONCELLOS, 2013, p. 3, online).

O agravante ocorre no fim de semana e fora do horário de expediente forense, quando muitas vezes os casos de violência acontecem e as vítimas ficam inertes, sem poder fazer, senão aceitar a agressão, fugir, se esconder ou procurar a delegacia mais próxima para fazer o boletim de ocorrência sem o conhecimento de seu agressor (VASCONCELLOS, 2013, p. 3, online).

A realidade é que após efetuar o registro da ocorrência, a vítima retorna para sua casa e passa a viver momentos de pânico, com medo de que o agressor volte a lhe agredir. Quando o autor toma ciência que a vítima o denunciou, ele se torna ainda mais violento, ficando a mulher em grave e iminente situação de risco de vida (VASCONCELLOS, 2013, online).

Vasconcellos conclui que: “A finalidade do projeto de lei é evitar que a morosidade estatal, a desarticulação entre as instituições responsáveis pela defesa da mulher e a sensação de impunidade estimulem o agressor a reiterar práticas deletérias de agressão contra a mulher” (2013, p. 4 online).


CONCLUSÃO

De todo o exposto neste trabalho, destacamos, conclusivamente, a ascensão das mulheres na sociedade, que, no decorrer dos anos, passaram a sofrer menos com a desigualdade exacerbada e a submissão social e familiar. Isso ocorreu em virtude da luta pelos seus direitos, através de diversos movimentos, convenções e leis, que surgiram de acordo com a evolução e necessidade da sociedade, tendo como destaque principal garantir a proteção dos direitos femininos.

O objeto deste trabalho foi o estudo da a violência de gênero no Brasil e a real eficácia de suas medidas de proteção. Buscamos esquematizar qual a real situação da mulher que sofre algum tipo de violência doméstica e familiar.

Até 2006, este tema não possuía uma legislação específica que o regulasse com mais rigor. Até então, a violência de gênero era tratada com total descaso e era tida como comum para toda a sociedade, ficando, assim, a mulher desprotegida.

Após um longo processo surgiu a Lei 11.340/2006, lei com nome de mulher, batizada de Maria da Penha, que trazia em seu corpo mecanismos com a finalidade de prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher em nosso país.

O avanço foi imenso. A LMP conceitua o que é violência contra a mulher, dispõe sobre a criação de Juizados específicos, as medidas protetivas de urgência, a assistência à ofendida e familiares, a punição do agressor, a competência, os trâmites e procedimentos legais.

Nosso foco principal foi relatar a eficácia das medidas protetivas de urgência elencadas na LMP, que por muitas vezes se mostram ineficazes, apesar de reconhecermos a boa intenção do legislador ao defini-las.

O que acontece atualmente, é que a mulher ao sofrer violência, procura a polícia e registra o boletim de ocorrência, podendo ou não requerer as medidas protetivas de urgência para garantir sua integridade física. Na grande maioria dos casos que chegam ao conhecimento da polícia as mulheres solicitam as referidas medidas de proteção. O problema é que a autoridade policial não tem a competência para conceder tais medidas. O pedido da vítima vai ser posteriormente encaminhado ao juiz, que deve conceder ou não em 48 horas a proteção. Enquanto o pedido é encaminhado e o juiz decide, o tempo está correndo, muitas vezes como pode ser visto em nossos estudos, o tempo excede dias e meses, ficando a vítima e disposição do seu agressor.

Em alguns casos constatamos que o juiz indefere os pedidos de medidas protetivas sem nem analisar a narrativa da vítima e caso por caso. O estudo mostrou que em casos diferentes o juiz negou todos com o mesmo fundamento, sem mudar uma vírgula. E nesses casos após o indeferimento do pleito, muitas mulheres desistiram de levar adiante o caso e retiraram a representação contra o agressor.

Um problema forte é a inexistência da fiscalização do Estado. Nos casos em que o juiz estipula que o agressor mantenha distância da vitima, de seus familiares e dependentes menores não há como saber se realmente ele está cumprindo. O estado não fiscaliza. Só vai saber das ocorrências quando a vítima sofre mais atos de violência ou quando alguém que viu faz a denúncia.

 Ao longo desse estudo, pudemos identificar nitidamente que a problemática apresentada é muito atual. Quase que diariamente, aspectos da LMP e casos de violência doméstica contra a mulher são relatados na televisão, em jornais e redes sociais.

Uma das possíveis soluções para o problema seria o monitoramento eletrônico do agressor e da vítima, que já está em uso em alguns países e em pouquíssimos estados brasileiros. Aqui, a quantidade de equipamentos distribuídos é pequena e não atende a demanda das ocorrências.

Este mecanismo se mostra muito eficaz para garantir que as medidas protetivas sejam cumpridas, porém falta investimento do Estado, pois é ideal que haja verba para construção de centrais de monitoramento destes equipamentos, para a contratação de novos policiais, bem como para a compra de equipamentos de monitoramento suficientes e viaturas.

O ponto positivo, apesar de atender a minoria dos casos, é que o monitoramento eletrônico já está sendo utilizado em alguns estados brasileiros e isso mostra apesar de insuficiente tenta-se controlar a situação e diminuir os índices de violência contra a mulher. Como o tempo, a tendência é que cada vez mais esse mecanismo seja utilizado por todas as delegacias especializadas, pois também evita a superlotação dos presídios.

A grande novidade que busca garantir a eficácia da Lei é o Projeto de Lei 6.433/2013, do Deputado Federal Bernardo Santana, que pretende dar mais efetividade à proteção da mulher vitimada, no sentido de possibilitar que a autoridade policial tenha acessos aos processos judiciais e às medidas protetivas já deferidas judicialmente, tendo em vista que só assim poderá, fora do horário do expediente forense, verificar se o violador está incorrendo em transgressão às medidas protetivas, e consequentemente praticando o crime de desobediência a ordem judicial, autorizando assim a sua prisão em flagrante delito. Além disso, é que, segundo o projeto, a autoridade policial passaria a ter competência e autorização para conceder algumas medidas protetivas imediatamente, independente do consentimento prévio do juiz, tendo em vista a situação de urgência e a fim de assegurar a vida da vítima. Partindo dessa ideia, o delegado, poderia aplicar a medida que afasta de imediato o agressor da vítima, do seu domicílio, bem como dos lugares que frequenta. Isso resolveria o problema da demora no deferimento das medidas de proteção. O projeto ainda não foi aprovado e encontra-se tramitando no Congresso Nacional.

Diante de todo o exposto, comprovou-se na prática a ineficácia das medidas protetivas de urgência. Faltam mecanismos que efetivamente protejam a mulher.

Para concluir, entendemos que todas essas mudanças são necessárias para resolver o problema que aflige. Sabe-se que a caminhada no Brasil é sempre lenta, mas acreditamos que, apesar de tudo, um dia teremos uma legislação que é respeitada por todos, uma estrutura para garantir seu cumprimento, e a consciência de todos de que não se deve violentar mulheres, nem qualquer tipo de pessoa. Diga não a violência. 


REFERÊNCIAS

ARENDT, Hannah, On violence, [S.l.; s.n]: 1968

BARBOSA, Rogério. Condenação de Dado Dolabella é anulada porque Luana Piovani não é amparada pela Lei Maria da Penha. Julho. 2013. Disponível em: <http://celebridades.uol.com.br/noticias/redacao/2013/07/04/condenacao-de-dado-dolabella-e-anulada-porque-luana-piovani-nao-e-amparada-pela-lei-maria-da-penha.htm>. Acesso: 20 fev. 2014.

BIANCHINNI, Alice. Lei Maria da Penha: aspectos assistenciais, protetivos e criminais da violência de gênero. 1ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

BONELLA, Mario. Botão do pânico aciona a polícia caso a mulher se sinta em perigo. Jornal Hoje. Dezembro. 2013. Disponível em: < http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2013/12/botao-do-panico-aciona-policia-caso-mulher-se-sinta-em-perigo.html>. Acesso: 20 mar. 2014.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15ª ed. Belo Horizonte: Malheiros, 2008.

BRASIL, Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso: 15 de out. 2013.

CÂMARA MUNICIPAL DE SALVADOR. Botão do Pânico deverá ser adotado em Salvador. Março. 2014. Disponível em: <http://www.cms.ba.gov.br/noticia_int.aspx?id=7620>. Acesso 27 mar. 2014.

CAMPOS, João. Comissão de segurança pública e combate ao crime organizado. Parecer. Março. 2014. Disponível em: < http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1237755&filename=Parecer-CSPCCO-20-03-2014>. Acesso: 9 ab. 2014.

SCHMITT, Carl. Verfassungslehre, reimp. Berlim: Neukoeln, 1928.

COMISSÃO DE SEGURIDADE SOCIAL E FAMÍLIA. Projeto de Lei 4.559/2004. 2004. Disponível em: < http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=F334A6B25FC3

A0BFA023F2AA525596C0.node2?codteor=335447&filename=CVO+1+CSSF+%3D%3E+PL+4559/2004>. Acesso em 15 de outubro de 2013.

COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Relatório Anual 2000: Relatório nº. 54/01, Caso 12.051, Maria da Penha Maia Fernandes. Brasil. 4 de abril de 2001. [S.l]. 2001. Disponível em http://www.cidh.oas.org/annualrep/2000port/12051.htm. Acesso em 15 de outubro de 2013.

CONVENÇÃO sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher. 18 de dezembro de 1979. Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/discrimulher.htm>. Acesso: 15 out. 2013.

DATASENADO. Pesquisa sobre a Violência Doméstica contra a mulher. Março. 2013. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/noticias/datasenado/pdf/datasenado/DataSenado-Pesquisa-Violencia_Domestica_contra_a_Mulher_2013.pdf>. Acesso: 26 mar. 2014

DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. 1ª. ed. Porto Alegre: Revista dos Tribunais, 2008.

DIAS, Maria Berenice. Quinze segundos. Disponível em: < http://www.mariaberenice.com.br/uploads/5_-_quinze_segundos.pdf>. Acesso: 22 mar. 2014.

FERNANDES, Maria da Penha Maia. Sobrevivi... Posso contar. 2ª. ed. Fortaleza: Armazém da Cultura, 2012.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 4ª ed., Curitiba: Positivo, 2009.

HERMANN, Leda Maria. Maria da Penha Lei com nome de mulher: considerações à Lei 11.340/2006: contra a violência doméstica e familiar, incluindo comentários artigo por artigo. 1ª. ed. Campinas, SP; Servanda Editora, 2008.

INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA. Aplicação da Lei Maria da Penha pode ser mais eficaz com juízes de família. Dezembro. Disponível em: < http://www.ibdfam.org.br/noticias/4845/novosite >. Acesso: 24 mar. 2014.

INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil. 2013. Disponível em: < http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/130925_sum_estudo_feminicidio_leilagarcia.pdf>. Acesso: 24 mar. 2014.

LIGUE180. Balanço Semestral. Janeiro a Junho/2013. Disponível em: <http://www.spm.gov.br/publicacoes-teste/publicacoes/2013/balanco-ligue-180-janeiro-a-junho-2013>. Acesso: 26 mar. 2014.

MATIELLO, Carla; TIBOLA, Rafaela Caroline Uto. (In) eficácia das medidas protetivas de urgência da Lei nº 11.340/2006. Jus Navigandi, Julho. 2013. Disponível em: < http://jus.com.br/artigos/25018/in-eficacia-das-medidas-protetivas-de-urgencia-da-lei-no-11-340-2006/3>. Acesso: 10 ab. 2014.

PERIM, Mariana. ‘Ainda tenho medo’, diz vítima que recebeu botão do pânico no ES. Março. 2014. Disponível em: < http://g1.globo.com/espirito-santo/noticia/2014/03/ainda-tenho-medo-diz-vitima-que-recebeu-botao-do-panico-no-es.html >. Acesso: 20 mar. 2014.

PIMENTEL, Silvia. O monitoramento do comitê CEDAW e a violência contra a mulher. In: KATO, Shelma Lombardi de (coord.) Manual de capacitação multidisciplinar. Campo Grande: Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso, 2006.

PORTELA, Thayse Viana. A (in) eficácia das medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha. Novembro. 2011. Faculdade Católica de Brasília.  Disponível em: < http:// repositorio.ucb.br/jspui/bitstream/10869/2219/1/Thayse%20Viana%20Portela.pdf>. Acesso: 01 ab. 2014.

PRATEANO, Vanessa. Exemplar, Lei Maria da Penha padece de falta de estrutura. Junho. 2012. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=1264265>. Acesso: 22 mar. 2014.

SECRETARIA DA JUSTIÇA E CIDADANIA DO ESTADO DO CEARÁ. Lei Maria da Penha: Projeto testa tornozeleiras eletrônicas para afastar agressor da vítima. Abril. 2014. Disponível em: < http://www.sejus.ce.gov.br/index.php/noticias/14-lista-de-noticias/1707-lei-maria-da-penha-projeto-testa-tornozeleiras-eletronicas-para-afastar-agressor-da-vitima>. Acesso: 20 mar. 2014.

SOUZA, Giselle. TJES lança botão do pânico contra a violência doméstica. Abril. 2013. Disponível em: < http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/24280-tjes-lanca-botao-do-panico-contra-a-violencia-domestica>. Acesso: 20 mar. 2014.

VANCONCELLOS, Bernardo Santa de. Projeto de Lei 6.433/2013. 2013. Disponível em: < http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1142971&filename=PL+6433/2013>. Acesso: 9 ab. 2014.

VEREADOR lança aplicativo “botão do pânico” para mulheres vítimas de violência doméstica. Varela Notícias. Março. 2014. Disponível em: <http://varelanoticias.com.br/vereador-lanca-aplicativo-botao-do-panico-para-mulheres-vitimas-de-violencia-domestica/>. Acesso: 22 mar. 2014.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Pablo. Medidas protetivas no âmbito da Lei Maria da Penha e sua real eficácia na atualiadade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4064, 17 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29229. Acesso em: 26 abr. 2024.