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A reprodução humana assistida homóloga post mortem: uma análise à luz do Direito Sucessório brasileiro

A reprodução humana assistida homóloga post mortem: uma análise à luz do Direito Sucessório brasileiro

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O presente estudo tem por objetivo analisar e demonstrar a possibilidade de se conceber um filho após a morte do genitor sob a ótica da Constituição Federal e do Código Civil, bem como da Resolução n° 1.957/2010, do Conselho Federal de Medicina.

RESUMO: O presente artigo aborda o tema reprodução humana assistida homóloga post mortem e seus reflexos no direito sucessório. Seu estudo justifica-se diante dos constantes avanços e intervenções tecnológicas no campo da ciência médica reprodutiva que, muitas vezes, não são devidamente acompanhados pelo Direito, trazendo uma série de implicações no ordenamento jurídico. Considerando que o emprego das técnicas de reprodução humana assistida viabiliza a concepção de um novo ser sem a necessidade de se manter relações sexuais, observamos os seus reflexos no Direito de Família e no Direito das Sucessões. Tem-se como objetivo geral analisar o fenômeno da reprodução humana assistida post mortem com base no Direito Sucessório Brasileiro. Como objetivos específicos, buscamos demonstrar a possibilidade de se conceber um filho após a morte do genitor sob a ótica da Constituição Federal e do Código Civil, bem como da Resolução n° 1.957/2010, do Conselho Federal de Medicina. Analisamos, ainda, os efeitos jurídicos da reprodução assistida post mortem no direito das sucessões, diante da omissão do Código Civil, posto que o mesmo apenas menciona a existência dessa possibilidade na parte em que regula o Direito de Família. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica com método de abordagem dedutivo sob análise das legislações constitucional e infraconstitucional. Utiliza-se como referência a Resolução n° 1.957/2010, do Conselho Federal de Medicina. Conclui-se que, ante a omissão da legislação civil, o operador do direito deve fazer uso dos princípios constitucionais e dos princípios regentes do Direito de Família para solucionar os problemas provenientes da reprodução humana assistida póstuma no que diz respeito ao Direito das Sucessões.

PALAVRAS-CHAVE: Reprodução humana assistida post mortem – Filiação – Direitos fundamentais - Princípios Constitucionais – Direito Sucessório

ABSTRACT: This paper approaches the issue of assisted homologous human reproduction post mortem and its reflections in Inheritance Law. Its study is justified by the constant technological interventions and progress in the field of medical science of reproduction, which often are not properly monitored by law, bringing a number of implications for the legal system. Whereas the use of the techniques of assisted human reproduction enables the design of a new being without the need of having sex, it’s observed its reflections in Family Law and Inheritance Law. The general target is to analyze the phenomenon of assisted human reproduction based on post mortem Brazilian Inheritance Law. As specific objectives, it is demonstrated the possibility of conceiving a child after the death of the parent from the perspective of the Federal Constitution and the Civil Code, as well as the Resolution No. 1.957/2010, of the Federal Council of Medicine. It was also analyzed the legal effects of assisted reproduction in post mortem right of inheritance before the loophole of the Civil Code, since it only mentions the existence of this possibility in the part which regulates Family Law. The method is literature research with deductive analysis of the Constitutional and other laws. It is used as reference the Resolution No. 1.957/2010, of the Federal Council of Medicine. It is concluded that, given the failure of the Civil Law, the jurist must use the right of constitutional principles and the governing principles of the Family Law to solve problems from the posthumous assisted reproduction with regard to the Law of Inheritance.

KEYWORDS: Posthumous assisted human reproduction – Filiation – Fundamental Rights – Constitucional Principles – Inheritance Law


1 INTRODUÇÃO

As evoluções científicas trazem grandes inovações no campo das ciências médicas, proporcionando aos casais com problemas de infertilidade ou esterilidade a possibilidade de se tornarem pais ou mães através das técnicas de reprodução humana assistida sem a necessidade de se manter relações sexuais.

Justifica-se a presente pesquisa em razão da relevância jurídica do tema, levando em consideração os constantes avanços tecnológicos no campo da ciência médica reprodutiva que, muitas vezes, não são devidamente acompanhados pelo direito, gerando uma série de impasses e questionamentos que necessitam ser regulamentados.

Dessa forma, pelo presente estudo busca-se esclarecer a respeito da problemática que envolve a reprodução humana medicamente assistida, especialmente a homóloga post mortem, que é realizada com material genético do cônjuge falecido após a sua morte.

O objetivo geral deste estudo será analisar o fenômeno da reprodução humana assistida post mortem e seus reflexos no direito. Através dos objetivos específicos, mostraremos a possibilidade de se conceber um filho após a morte do seu genitor, prevista no Código Civil e na Resolução n° 1.597/2010, do Conselho Federal de Medicina. Para tanto, é de suma importância analisar os princípios constitucionais relacionados, os reflexos ocasionados pelo referido fenômeno no direito sucessório e, considerando a falta de regulamentação do tema pelo ordenamento civil, faz-se necessário mostrar os meios judiciais para se garantir os direitos hereditários ao filho concebido postumamente.

O presente estudo se deu através da técnica de pesquisa bibliográfica com método de abordagem dedutivo, tendo como referência a Constituição Federal, o Código Civil Brasileiro e a Resolução nº 1.957/2010, do Conselho Federal de Medicina.


2 REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA

2.1 BREVE HISTÓRICO

Colombo (2012) afirma que a reprodução humana artificial habita o ideário da humanidade há muito tempo, estando presente nas mitologias egípcia e grega. Ainda, esclarece que, no século V a.C, na Grécia, Hipócrates já havia desenvolvido estudos sobre a embriologia.

Segundo Barbas (apud COLOMBO, 2012), o primeiro caso de inseminação artificial em humanos que obteve sucesso foi em 1785, quando Thouret, professor da Faculdade de Medicina de Paris, utilizou-se de uma injeção intravaginal de seu material reprodutivo para a concepção em sua esposa, considerada estéril.

Conforme Colombo (2012), entre os anos de 1970 e 1975, vários cientistas realizaram pesquisas sobre a fertilização in vitro com óvulos humanos, mas foi apenas no final da década de 1970 que o primeiro bebê de proveta da história da humanidade, Louise Brown, nasceu, na Inglaterra, no ano de 1978.

O primeiro caso de reprodução humana assistida post mortem surgiu na França, em 1984, com o famoso caso Parpalaix, que é desta forma narrado por Beraldo (2012, p. 91):

O marido de Corine Richard, Alain Parpalaix, após ter sido diagnosticado com câncer, decidiu congelar seu sêmen para que após as sessões de quimioterapia pudesse usá-lo para gerar um filho. Ocorre que, poucos dias após o casamento, Alain Parpalaix faleceu. Com o encorajamento da família do marido, Corine foi obter a restituição do material perante o banco de sêmen, que se recusou a devolvê-lo. Como na França ainda não havia legislação a respeito do tema, ela ingressou com uma ação buscando autorização judicial para a devolução e posterior utilização do material genético do falecido marido. Após uma batalha judicial, o Tribunal francês condenou o banco de sêmen a entregar o material congelado para um médico designado pela viúva, não se pronunciando quanto à filiação e direitos sucessórios. No entanto, como a inseminação artificial não obteve sucesso, não gerou maiores consequências práticas. Apesar do insucesso do procedimento, esse caso trouxe à tona muitos questionamentos éticos e debates na comunidade internacional.

Assim, como bem coloca Colombo (2012), o histórico trazido demonstra que o tema da reprodução humana assistida sempre esteve presente, revelando-se, primeiramente, no campo da mitologia e, mais recentemente, de forma concreta, através dos grandes avanços tecnológicos no campo das ciências.

2.2 INFERTILIDADE E O SONHO DE GERAR UM FILHO

Inicialmente, é importante diferenciar infertilidade e esterilidade. Conforme Beraldo (2012), esta é a incapacidade total e irreversível de fecundação natural, enquanto que aquela é a redução da capacidade de conceber. Segundo Biazotti (2008), a cada 5 casais, 1 é afetado pela infertilidade.

Para Beraldo (2012, p. 8), “o desejo de ter filhos é inato ao homem.” Nesse sentido, Farias e Rosenvald (2012, p. 617-618), definem a família como

[...] o instrumento ideal, o lócus privilegiado, onde a pessoa humana nasce e onde trava relações diversas com outras pessoas, com o propósito de alcançar o desenvolvimento das suas potencialidades e a realização de sua personalidade. A partir dessas ideias gerais é possível vislumbrar a filiação como um dos mecanismos de formação dos núcleos familiares e, por conseguinte, um dos mecanismos de realização da personalidade humana.

No dizer de Beraldo (2012), o homem, com o intuito de satisfazer esses anseios, desenvolveu estudos sobre a procriação, sendo a maior transformação no campo da reprodução humana o fato de que a relação sexual não é mais a única forma de se obter a concepção, uma vez que há possibilidade de interferência externa nos processos reprodutivos.

2.3 PRINCIPAIS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA

Para Ribeiro (apud BERALDO, 2012, p. 8), a reprodução assistida pode ser conceituada como o “conjunto de técnicas que favorecem a fecundação humana, a partir da manipulação de gametas e embriões, objetivando, principalmente, combater a infertilidade e propiciando o nascimento de uma nova vida humana.” Ainda, de acordo com Aldrovandi e França (2002), podemos defini-la como a intervenção humana na procriação natural, objetivando oferecer às pessoas com problemas de infertilidade e esterilidade a possibilidade de se tornarem pais e mães.

Cabe  salientar  que  no  ordenamento  jurídico  brasileiro não há lei específica que regule o tema. Diante dessa omissão, utiliza-se como parâmetro a Resolução n° 1.957/2010 do Conselho Federal de Medicina, que traz os princípios gerais, as normas éticas que devem ser obedecidas, os sujeitos que podem se submeter às técnicas e as responsabilidades das clínicas, além de dispor sobre a procriação humana assistida post mortem, entre outros assuntos.

Souza (2010) refere que as técnicas de reprodução humana assistida podem ser classificadas em intracorpóreas, cujo exemplo mais comum é a inseminação artificial, e extracorpóreas, comumente representadas pela fertilização in vitro, sendo que ambas podem ser homólogas ou heterólogas.

No dizer de Velasco (apud COLOMBO, 2012, p. 129), a inseminação artificial é um método de reprodução humana assistida intracorpóreo, no qual ocorre a transferência do sêmen masculino no interior do aparelho genital feminino sem a relação sexual, podendo ser praticada com o espermatozoide do cônjuge (homóloga) ou com material genético de doador (heteróloga).

Diniz (apud BERALDO, 2012, p. 12) conceitua a fertilização in vitro como “a retirada do óvulo da mulher ou de uma doadora para fecundá-lo na proveta, com sêmen do parceiro ou de terceiro, para posteriormente introduzir o embrião em seu útero ou no de terceira”. Cumpre ressaltar que a referida técnica pode produzir, de uma só vez, diversos embriões, chamados de excedentários, que podem ser implantados no útero da mulher tão logo haja a fecundação, mas também podem ser congelados por tempo indefinido para que posteriormente sejam utilizados, inclusive após a morte de um de seus titulares.


4 REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA E SUA APLICAÇÃO POST MORTEM: ASPECTOS RELEVANTES

De acordo com Beraldo (2012), o tema da reprodução humana medicamente assistida post mortem é polêmico, sendo a utilização das técnicas de procriação após a morte do genitor muito questionada, tendo em vista que a criança já nasceria sem um de seus genitores.

4.1 EXIGÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO EXPRESSA DO DE CUJUS PARA A IMPLANTAÇÃO DO GAMETA OU EMBRIÃO APÓS A SUA MORTE

Tramita junto à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n° 1.335/2003, que dispõe sobre as técnicas de reprodução humana medicamente assistida. O referido projeto traz em seu artigo 4°, § 4°, a exigência do consentimento informado, no qual deverão constar, entre outras informações, as condições em que o doador ou depositante autoriza a utilização de seus gametas ou pré-embriões, inclusive postumamente.

Ainda, conforme bem destaca Colombo (2012), a Resolução n°. 1.957/2010, do Conselho Federal de Medicina tratou de forma pormenorizada acerca da matéria, dispondo que a procriação assistida póstuma não é proibida no Brasil, desde que haja prévia autorização do(a) falecido(a) para o emprego do material biológico crioconservado, embora o Código Civil seja omisso em relação ao assunto.

Nesse sentido, Beraldo (2012) refere que a manifestação expressa do de cujus no termo de consentimento informado, com as decisões que devem ser tomadas em caso de divórcio, doença ou morte, tira qualquer dúvida quanto à vontade do genitor em dar continuidade ao projeto parental.

4.2 CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DA REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA POST MORTEM NA ESFERA FAMILIAR

Beraldo (2012) esclarece que, mesmo tendo o de cujus deixado expressa no consentimento informado a autorização para a implementação de seu material biológico ou embrião congelado, a questão não é tão simples, posto que as consequências deste ato não se limitam aos genitores. Isso incide porque, ocorrendo o nascimento da criança após o falecimento de seu genitor, havendo ou não consentimento expresso do falecido, esse filho deve receber proteção, de acordo com o que dispõe o princípio do melhor interesse da criança, disposto no artigo 227 da CF. Assim, terá o filho direito ao nome familiar, à convivência com seus avós e demais familiares e, considerando o campo financeiro, se o genitor sobrevivente não possuir condições financeiras de sustentar a criança, poderá esta, por meio de seu representante legal, pleitear alimentos, inclusive gravídicos, aos avós.

4.3 POSSIBILIDADE DE EMPREGO DAS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA POST MORTEM E NA UNIÃO ESTÁVEL

Considerando o reconhecimento da união estável como entidade familiar pelo art. 226, § 3º, da Constituição Federal, e como nada se diz a respeito do emprego do material genético do falecido pelo companheiro ou companheira sobrevivente, Beraldo (2012) afirma que não se deve fazer qualquer distinção dessa forma de família, no que diz respeito ao projeto parental decorrente de reprodução medicamente assistida, devendo ser aplicadas à união estável todas as normas referentes ao casamento, inclusive no que tange à procriação assistida post mortem.


5 DIREITO, FILIAÇÃO, PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E REPRODUÇÃO HUMANA POST MORTEM        

Para Farias e Rosenvald (2012), o conceito de filiação sofreu diversas e intensas mutações ao longo dos anos, como resultado da dinâmica das relações sociais e dos avanços e intervenções tecnológicas no campo das ciências.

Na concepção de Planiol (1904 apud MOURA, 1984, p. 15), filiação “é a relação que surge entre uma pessoa e outra, imediatamente descendente daquela, ou tal se reputando.” Ou, para Tartuce (2011, p. 1110): “A filiação é a relação jurídica existente entre ascendentes e descendentes de primeiro grau, ou seja, entre pais e filhos.”

O Código Civil Brasileiro de 1916, Lei n° 3.071, de 1° de janeiro de 1916, que vigorou em nosso país por mais de oitenta anos, fazia rigorosas distinções quanto aos filhos ao estabelecer suas classificações.

Boeira (1999), afirma que a filiação era tratada pelo Código Civil de 1916 seguindo os preceitos do direito romano, classificando os filhos em decorrência do status jurídicos de seus genitores em legítimos, oriundos do matrimônio, e ilegítimos, advindos de relações extramatrimoniais.

Na visão de Farias e Rosenvald (2012), a promulgação da Constituição Federal de 1988 revolucionou o Direito de Família ao reconhecer como entidade familiar não só a família advinda do casamento, mas também a união estável e a família monoparental, definida no § 4ª do artigo 226 da CF. Ademais, consagrou a igualdade entre os filhos, independentemente de sua origem, colocando fim a um longo processo discriminatório que, historicamente, marcou a legislação brasileira.          Ainda, entre os princípios estabelecidos pela Carta Magna, é importante destacar o princípio da liberdade do planejamento familiar, positivado no § 7º do artigo 226 da Constituição Federal.

A esse respeito, Farias e Rosenvald (2012) asseveram que a obrigação do Estado de propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício do direito do planejamento familiar traz consigo o reconhecimento de um direito constitucional à concepção, seja através da forma natural, que se dá pela relação sexual, ou da forma artificial, compreendida pela reprodução assistida. Nesse sentido, Ferraz (apud FARIAS e ROSENVALD, 2012, p. 638) sintetiza: “assim como a contracepção, o direito à concepção, seja natural ou artificial, encontra-se inserido no direito ao planejamento familiar, do qual todas as famílias podem se valer.”

Ainda inserido no referido dispositivo constitucional encontra-se o princípio da paternidade responsável, no qual, segundo Beraldo (2012), constata-se que a responsabilidade ao se tornar pai ou mãe está ao lado da liberdade sexual. Nessa linha de pensamento, Gama (apud BERALDO, 2012, p. 47), bem leciona:

[...] há responsabilidade individual e social das pessoas do homem e da mulher que vêm a gerar, no exercício das liberdades inerentes à sexualidade e à procriação, uma nova vida humana, cuja pessoa – a criança – deve ter priorizado o seu bem-estar físico, psíquico e espiritual, com todos os direitos fundamentais reconhecidos em seu favor.

Com o advento do Código Civil Brasileiro, Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002, o referido diploma trouxe, em seu artigo 1.597, no que tange ao estabelecimento da filiação, a presunção de paternidade dos filhos havidos por meio de técnica de reprodução assistida, situação não contemplada pelo diploma legal de 1916.

Levando em consideração o princípio da igualdade e a presunção de paternidade acima referida, Beraldo (2012) afirma que os filhos resultantes de reprodução humana assistida post mortem não podem receber tratamento diferenciado em relação aos seus irmãos, devendo ter todos os seus direitos assegurados.


6 BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DO DIREITO SUCESSÓRIO

Para  Gonçalves (2011) o direito  sucessório é o ramo do direito que regula a

transmissão do patrimônio, compreendido pelo ativo e pelo passivo do autor da herança, chamado de cujus, aos seus herdeiros. Ainda, para Maximiliano (apud GONÇALVES, 2011, p. 20):

Direito das sucessões, em sentido objetivo, é o conjunto das normas reguladoras da transmissão dos bens e obrigações de um indivíduo em consequência da sua morte. No sentido subjetivo, mais propriamente se diria – direito de suceder, isto é, de receber o acervo hereditário de um defunto.

Venosa (2011) refere que existem dois tipos de sucessão: inter vivos, que deriva de um ato jurídico, e mortis causa, objeto do presente estudo, quando a sucessão deriva da morte, situação em que os bens, direitos e obrigações do falecido transmitem-se aos seus herdeiros e legatários.

O direito sucessório é referido na Constituição Federal, em seu artigo 5°, III, no qual é assegurado o direito de herança. Ainda, o tema é disciplinado pelo Código Civil em quatro títulos, a partir do artigo 1.784.

Conforme se depreende do artigo 1.794 do Código Civil, e, de acordo com os ensinamentos de Venosa (2011), a abertura da sucessão se dá com a morte, seja ela real ou presumida, do de cujus. Neste momento, pelo princípio de saisine, ocorre a transmissão imediata da herança aos herdeiros, tendo estes o direito de entrar na posse dos bens que constituem a herança.

6.1 ESPÉCIES DE SUCESSÃO

Gonçalves (2011) refere que, conforme preceitua o artigo 1.786 do Código Civil Brasileiro, a sucessão pode ser classificada em legítima ou testamentária. Esta, quando decorre de manifestação de última vontade do autor da herança, expressa em testamento ou codicilo. Aquela, quando se dá em virtude de lei.

Rodrigues (2002) ensina que a sucessão legítima ou ab intestato ocorre quando o autor da herança morre sem deixar testamento, ou quando sua disposição de última vontade caducar ou for considerada nula, nos termos do art. 1.788 do CC. Ocorrendo a morte do autor da herança ab intestato, Gonçalves (2011) explica que a herança será imediatamente transmitida aos herdeiros legítimos, elencados no artigo 1.819 do CC, obedecendo a uma ordem preferencial denominada vocação hereditária.

Para Diniz (2007), será a sucessão testamentária quando houver expressa disposição de última vontade por parte do de cujus. A autora destaca que, possuindo o testador herdeiros necessários (ascendentes, descendentes ou cônjuge), só poderá dispor de metade dos seus bens, uma vez que a outra metade constitui a legítima dos herdeiros necessários. Caso estes não existam, poderá o testador dispor livremente da totalidade de seus bens.

Gonçalves (2011) refere que a sucessão pode ser legítima e testamentária simultaneamente quando o testamento deixado pelo autor da herança não abarca todos os seus bens. Desta forma, os bens mencionados na disposição de última vontade serão transmitidos aos herdeiros testamentários e aos legatários, enquanto que os bens não referidos serão transmitidos aos herdeiros legítimos, sempre obedecendo à vocação hereditária.

6.2 ESPÉCIES DE SUCESSORES

No que se refere aos tipos de sucessores, Tartuce (2011) assevera que duas são as modalidades de herdeiros previstas no ordenamento jurídico brasileiro: herdeiros necessários e herdeiros facultativos.

Conforme se depreende do disposto no art. 1.845 do Código Civil Brasileiro, são considerados herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. Seguindo esse entendimento, Tartuce (2011, p. 1190) assevera que herdeiros necessários são aqueles que “têm a seu favor a proteção da legítima, composta por metade do patrimônio do autor da herança (art. 1.846 do CC)”.

Já no que se refere aos herdeiros facultativos, o autor afirma que estes não possuem a proteção da legítima, podendo ser privados da herança se não forem contemplados em testamento. Como exemplo, podemos citar os colaterais até quarto grau (irmão, tios, sobrinhos, primos, tios-avôs e sobrinhos netos).


7 LEGITIMAÇÃO SUCESSÓRIA NA REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA POST MORTEM

Apesar de o ordenamento jurídico brasileiro tratar da possibilidade de reprodução assistida, inclusive após a morte do cônjuge, o Código Civil apenas referiu-se à presunção de paternidade dos filhos oriundos da utilização das referidas técnicas, sendo omisso em relação ao procedimento que na prática deve ser seguido no que diz respeito ao direito sucessório.

Beraldo (2012) ensina que imediatamente após a abertura da sucessão transmite-se a herança, sendo que neste momento se deve averiguar a legitimidade dos herdeiros para receber seu quinhão hereditário. Seguindo esse entendimento, dispõe o art. 1.798 do diploma civil que são legitimadas a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão.

No entanto, Beraldo (2012) salienta que o projeto do Código Civil de 2002 derivou de estudos que se iniciaram na década de 1960, quando não se falava na reprodução assistida. Desta forma, verificava-se que a concepção se dava pela relação sexual, sendo o prazo natural para o nascimento o de até 300 dias. Ocorre que, com os avanços tecnológicos, é possível que haja a concepção por outros meios que não o ato sexual, podendo agora os prazos para nascimento ser indefinidos. Ainda, para Gama (apud BERALDO, 2012), o art. 1.798 do CC adotou o parâmetro do art. 1.798 do CC de 1916 ao se referir apenas às pessoas já concebidas. Desta forma, a regra contida no art. 1.798 do Código Civil não está de acordo com os avanços científicos no campo da medicina reprodutiva.

Ocorre que, como mencionado anteriormente, a Constituição Federal proíbe qualquer tipo de distinção entre os filhos, independentemente de sua origem. Assim, conforme Beraldo (2012), nascendo a criança em decorrência das técnicas de reprodução assistida, mesmo após a morte de seu genitor, terá ela os mesmos direitos dos demais descendentes.

Diante da omissão legislativa no que diz respeito aos direitos sucessórios do filho concebido post mortem, as posições doutrinárias são muito divergentes.

Parte da doutrina sustenta que o filho concebido após o falecimento do genitor não será herdeiro legítimo, podendo, apenas, ser herdeiro testamentário, fazendo analogia ao disposto no art. 1.799, I, do Código Civil, que trata da possibilidade de a prole eventual de terceiro ser chamada a suceder, dando a entender que seria possível outorgar esse direito à prole do próprio testador, desde que haja expressa autorização do falecido para tanto.

Outra parte da doutrina defende que ao filho concebido após o falecimento do genitor são assegurados os direitos à herança, tanto a testamentária quanto a legítima, levando em consideração o princípio da igualdade entre os filhos, disposto no artigo 227, § 6º, da Constituição Federal, bem como o que preceitua o Código Civil Brasileiro em seu art. 1.597, III e IV, que traz a presunção de concepção na constância do casamento.


8 PRAZO PARA IMPLEMENTAÇÃO DO GAMETA OU EMBRIÃO CONGELADO APÓS A MORTE DO GENITOR

Segundo Beraldo (2012), no que diz respeito ao direito sucessório, não foi estabelecido qualquer prazo para a implementação do gameta ou embrião congelado após o falecimento do genitor. Ocorre que, atualmente, com as inúmeras inovações no campo das ciências, existe a possibilidade de os embriões congelados serem implantados no útero da mulher muitos anos após terem sido congelados.

Para Leite (apud BERALDO, 2012, p. 128), “Se o legislador não delimitar um prazo de possibilidade de acesso ao recurso, certamente, a técnica poderá gerar embaraços cada vez maiores na esfera jurídica”.

Desta forma, conforme refere Beraldo (2012) é de grande valia que, em um estatuto específico, seja fixado um prazo, de preferência não muito extenso, para a implantação do material reprodutivo ou do embrião congelado no útero da mulher.

Com relação ao prazo para implantação do gameta ou do embrião congelado, Albuquerque Filho (apud BERALDO, 2012, p. 129) faz a seguinte colocação:

Caberia ao autor da sucessão quando manifestou a sua vontade por documento autêntico ou por testamento fixar o prazo de espera do nascimento dos filhos, o qual não deve ultrapassar os dois anos previstos para concepção da prole eventual de terceiro, ou, não havendo prazo previamente estabelecido aplicar-se, por analogia, o prazo constante do art. 1.800, § 4º, do Código Civil, ou seja, de dois anos a contar da abertura da sucessão.

No que diz respeito à estipulação de um prazo para a concepção do herdeiro após a morte de seu genitor, Barboza (apud BERALDO, 2012, p. 129), faz algumas importantes considerações. Segundo o entendimento da autora, uma solução seria a aplicação do prazo de dois anos após a abertura da sucessão. Se, passado este período, o filho não fosse concebido, salvo disposição testamentária em contrário, passariam os bens do de cujus aos herdeiros legítimos. Assim, os filhos concebidos após o término do prazo de dois anos contados da abertura da sucessão não seriam considerados herdeiros.

Por outro lado, a autora refere que caso fosse estabelecido um prazo para a implantação do material genético ou embrião congelado, haveria restrição da possibilidade de herdar, afrontando, desta forma, o princípio da igualdade entre os filhos.

Afirma Beraldo (2012) que a fixação do referido prazo impediria o prolongamento excessivo e indefinido da situação e ainda impediria o nascimento de uma criança desprotegida financeiramente e em desigualdade aos seus irmãos. Entretanto, ressalta que, caso houvesse o descumprimento da norma e o filho fosse concebido após o término do prazo, este não poderia sofrer discriminações, devendo ser considerado herdeiro necessário, independente da época do nascimento.

A respeito do assunto, aduz a autora que é imprescindível a criação de uma lei específica que regule o tema, onde deverá ser fixado o prazo, introduzidas restrições, esclarecidos o questionamentos acerca da procriação assistida, bem como a imposição de sanções aos responsáveis pelo descumprimento das normas.


9 FORMAS DE SE GARANTIR OS DIREITOS HEREDITÁRIOS DO FILHO CONCEBIDO PORT MORTEM

Segundo Beraldo (2012), considerando o direito fundamental à herança, previsto no art. 5°, inciso XXX, da Constituição Federal, bem como o princípio da igualdade entre os filhos, previsto no art. 227, § 6°, do diploma constitucional, nascendo o filho póstumo, terá este os seus direitos hereditários garantidos, podendo esta garantia se dar através da sucessão testamentária, bem como da legítima.

Cumpre transcrever o pensamento de Gonçalves (2011, p. 76):

Se, assim, na sucessão legítima, são iguais os direitos sucessórios dos filhos, e se o Código Civil de 2002 trata os filhos resultantes de fecundação artificial homóloga, posterior ao falecimento do pai, como tendo sido “concebidos na constância do casamento”, não se justifica a exclusão de seus direitos sucessórios. Entendimento contrário conduziria à aceitação da existência, em nosso direito, de filho que não tem direitos sucessórios, em situação incompatível com o proclamado no art. 227, § 6º, da Constituição Federal.

9.1 SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA

Diante da sucessão testamentária, a garantia do direito de herança ao filho concebido postumamente pode se dar através dos institutos da prole eventual e do fideicomisso (BERALDO, 2012).

9.1.1 Prole Eventual

Com relação à prole eventual, dispõe o art. 1.799 do Código Civil que “na sucessão testamentária podem ser ainda chamados a suceder: I – os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir a sucessão”.

Beraldo (2012) refere que a partir desse dispositivo se inicia a primeira discussão, que diz respeito à possibilidade ou não de o testador favorecer o seu próprio descendente por meio do instituto da prole eventual, sendo a matéria controversa. Explica a doutrinadora que alguns autores como Giselda Hironaka e Maria Helena Machado defendem que não é possível que o testador indique sua própria prole eventual, já que a lei exige que a pessoa indicada pelo testamento esteja viva no momento da abertura da sucessão, enquanto que outra parte da doutrina, representada por Juliane Queiroz e Carlos Cavalcanti de Albuquerque Filho, defende que se o testador pode atribuir a sua herança à prole eventual de terceiro, poderá também atribuí-la à sua própria prole. Apesar das divergências doutrinárias, Beraldo (2012) afirma que o entendimento majoritário, diante das evoluções tecnológicas no campo da medicina reprodutiva, é no sentido de que é possível a indicação de prole eventual própria.

Ainda, outro ponto a ser discutido é que parte dos doutrinadores, como Sílvio de Salvo Venosa e Maria Helena Diniz, defendem que a sucessão testamentária, quando houver expressa disposição em favor de prole eventual do autor da herança, é o único meio de se garantir os direitos hereditários do filho concebido postumamente. Neste sentido, Diniz (apud BERALDO, 2012) afirma:

[...] Poderia ser herdeiro por via testamentária, se inequívoca for a vontade do doador de sêmen de transmitir herança ao filho ainda não concebido, manifestada em testamento. Abrir-se-ia a sucessão à prole eventual do próprio testador, advinda de inseminação artificial homóloga post mortem.

Hironaka (apud BERALDO, 2012) entende que as pessoas contempladas no inciso I do artigo 1.799 do Código Civil somente podem ser agraciadas com herança ou legados através de testamento. No entanto, conforme explica Beraldo (2012), embora o referido artigo do diploma civil refira-se à sucessão testamentária, nada impede que os ali contemplados não possam ser herdeiros legítimos. Nesse sentido, Scalquette (apud BERALDO, 2012) esclarece que não ocorrendo o nascimento do beneficiado no prazo de dois anos, perderá este a deixa testamentária, mas seu direito à legítima permanece.

No que diz respeito ao procedimento para o reconhecimento da prole eventual, Beraldo (2012) afirma que deverão ser seguidas as regras contidas no art. 1.800, do Código Civil.

Assim, conforme bem conclui a autora, o instituto da prole eventual pode ser utilizado para nomeação do herdeiro via testamento, no entanto, por se tratar de mera liberalidade do testador, não protege totalmente os direitos da criança. Ainda, cabe destacar que não é o único meio de se garantir os referidos direitos, uma vez que existe a possibilidade da substituição fideicomissária, na sucessão testamentária; e da petição de herança na sucessão legítima.

9.1.2 Substituição Fideicomissária

A respeito do instituto previsto no art. 1.951 do Código Civil, Gonçalves (2011, p. 404) refere que “verifica-se a substituição fideicomissária quando o testador nomeia um favorecido e, desde logo, designa um substituto, que recolherá a herança, ou legado, depois daquele.” Segundo o autor, há, no fideicomisso, três personagens: o testador, chamado de fideicomitente; a pessoa de confiança do testador, que é chamada a suceder em primeiro lugar para cuidar dos bens deixados, denominada fiduciário; e fideicomissário, destinatário da herança, que a receberá quando da morte do fiduciário, quando realizada determinada condição ou, ainda, quando decorrido o tempo determinado pelo testador. Desta forma, conclui-se que o instituto do fideicomisso trata-se de mais uma forma que o autor da herança pode se valer para beneficiar pessoa ainda não nascida no momento da abertura da sucessão.

Em outras palavras, Beraldo (2012) explica que o fideicomitente institui, através da sua disposição de última vontade, que determinados bens ficarão sob a guarda do fiduciário até que ocorra uma condição pré-determinada pelo fideicomitente. Ocorrida a condição, o fiduciário deverá transferir a propriedade dos bens ao último destinatário, que é o fideicomissário.

Vale esclarecer que, conforme dispõe o art. 1.952 do Código Civil, o instituto a substituição fideicomissária só poderá ser instituída em favor dos não concebidos ao tempo da morte do testador fideicomitente.

Para Beraldo (2012), apesar de não ser tão comum, o fideicomisso pode ser utilizado para a designação de bens ao filho gerado através das técnicas reprodução humana assistida post mortem. Destaca a autora que no fideicomisso não há um prazo pré-estabelecido, após a morte do autor da herança, para que o filho venha a nascer, diferentemente da prole eventual, que estabelece um prazo de dois anos. Ainda, esclarece que caso o genitor deseje contemplar o filho a ser concebido após o seu falecimento, mas não saiba exatamente quando sua prole irá nascer, o mais recomendado é que se utilize do instituto da substituição fideicomissária.

9.2 SUCESSÃO LEGÍTIMA

Conforme analisado anteriormente, o filho concebido post mortem possui capacidade sucessória, sendo que parte da doutrina sustenta que o filho póstumo só tem legitimidade sucessória na sucessão testamentária, enquanto que outra parte da doutrina defende que ao filho concebido após o falecimento do genitor são assegurados os direitos à herança, tanto a testamentária quanto a legítima.

No entendimento de Beraldo (2012, p. 163-164), não deve prevalecer a corrente que defende o direito à herança somente por meio da sucessão testamentária, pois, não havendo testamento, “o descendente estaria excluído do chamamento hereditário.”

Como solução, esclarece a autora acima mencionada que, com a morte do autor da herança, o mais correto é que ocorra a partilha dos bens por ele deixados entre os herdeiros existentes à época da abertura da sucessão. Nascendo o filho concebido postumamente após o início da partilha, poderá ele ingressar com a ação de petição de herança, nos termos do art. 1.824, do Código Civil, para que seus direitos sejam assegurados.

9.2.1 Da Ação de Petição de Herança

Nas palavras de Beraldo (2012), a sucessão legítima é um direito assegurado ao herdeiro e, tendo o filho sido reconhecido como tal, possui a faculdade de reclamar a sua quota-parte por meio da ação de petição de herança, prevista no art. 1.824, do Código Civil.

Rodrigues (2002, p. 87) conceitua a ação de petição de herança como aquela que “pode ser interposta pelo herdeiro, “com a finalidade de ser reconhecido o seu direito sucessório, e obter, consequentemente, a restituição da herança – no todo ou em parte – de quem a possua, na qualidade de herdeiro, ou mesmo sem título”. Gonçalves (2011) afirma que, pelo princípio de saisine, a herança pertence ao herdeiro desde a abertura da sucessão. Entretanto, explica o autor que pode estar investida na herança pessoa com aparência de herdeiro, em detrimento do verdadeiro sucessor. Como exemplos, Rodrigues (2007) cita a posse, pura e ilegal, da herança ou de parte dela, por alguém, bem como o ingresso de ação investigatória de paternidade cumulada com petição de herança por parte de filho não reconhecido, entre outros.

Segundo Beraldo (2012, p. 167), “A ação de petição de herança pode ser intentada por qualquer dos herdeiros contra terceiros ou co-herdeiros, com o objetivo de ter garantido o seu quinhão hereditário. Segundo a autora, no que diz respeito à reprodução assistida post mortem, a criança poderá pleitear o seu quinhão hereditário por meio da ação de petição de herança. A esse respeito, a autora cita o Enunciado n° 267 do Conselho da Justiça Federal, que dispõe:

A regra do art. 1.798 do Código Civil deve ser estendida aos embriões formados mediante o uso de técnicas de reprodução assistida, abrangendo, assim, a vocação hereditária da pessoa humana a nascer cujos efeitos patrimoniais se submetem às regras previstas para a petição de herança.

Ainda segundo a referida autora, o filho concebido post mortem poderá ingressar com ação de investigação de paternidade, de maneira autônoma ou cumulada com a petição de herança, a fim de estabelecer a pré-condição de hereditariedade. Esclarece ainda que a referida ação pode ser intentada antes ou após a partilha. Se for ajuizada antes, poderão ser reservados bens através de medidas cautelares. Se for intentada após, sendo procedente o pedido contido na ação, terá o réu que devolver os bens, devendo ser realizada nova partilha, incluindo o herdeiro reconhecido.

Beraldo (2012) refere que, na prática, caso se observe que será impossível efetuar a divisão de bens, é melhor que a questão da reprodução humana assistida post mortem seja revista e, quem sabe, vedada. No entanto, o filho não pode ser desprotegido por razões práticas e, por ser herdeiro necessário, tem direito à sucessão, devendo ter todos os seus direitos assegurados.


10 CONCLUSÃO        

Pela pesquisa realizada, mostrou-se que o instituto da reprodução humana assistida post mortem trata-se de matéria inovadora e controversa. Porém, denota-se que estudos e jurisprudência sobre o tema ainda são escassos. Apesar disso, o legislador trouxe uma grande novidade ao abordar o assunto, que traz grandes implicações jurídicas no Direito de Família e no Direito Sucessório.

Em se tratando do Código Civil Brasileiro, verificou-se que este se mostra insuficiente ao abordar sobre a procriação assistida póstuma, uma vez que dispõe sobre o tema em apenas três incisos, gerando grande insegurança jurídica quanto ao modo de realização do referido procedimento, bem como aos limites que devem ser impostos para sua utilização, que é unicamente regulamentada pela Resolução n° 1.957/2010, do Conselho Federal de Medicina. Dessa forma, considerando que cada vez mais as técnicas de reprodução humana assistida vêm sendo utilizadas, gerando inúmeras consequências e questionamentos no Direito sem proporcionar respostas apropriadas, é fundamental a urgente regulamentação do assunto, posto que, com os constantes avanços tecnológicos no campo das ciências médicas, é necessário que sejam impostos limites.

Com relação à reprodução humana assistida constatou-se a importância do termo de consentimento informado quanto à reprodução post mortem, visto que o consentimento não deixa qualquer dúvida quanto à vontade do titular do material genético em dar continuidade no projeto parental.

No que diz respeito ao Direito Sucessório, notou-se que há divergência doutrinária com relação ao direito à sucessão. Uma parte da doutrina acredita que o filho concebido post mortem só terá direitos sucessórios se for contemplado através de testamento. Por outro lado, a doutrina majoritária prega que o filho terá direito à sucessão legítima, levando em consideração o princípio da igualdade entre os filhos, disposto no art. 227, § 6°, da Constituição Federal.

No decorres desta pesquisa, mostramos os meios judiciais de se garantir os direitos sucessórios do filho póstumo. Ficou claro que pode participar da herança, por meio da sucessão testamentária, através da prole eventual, do fideicomisso, e da sucessão legítima, mediante ação de petição de herança.

Diante de todo o exposto, conclui-se que apesar das divergências doutrinárias, o filho concebido postumamente deverá ter todos os seus direitos assegurados, devendo ser protegido em todos os termos, tanto no pessoal, quando no patrimonial, devendo os juízes interpretar o direito civil a partir da ótica constitucional. Por fim, considerando a complexidade do tema, é necessária a criação de uma legislação específica que regulamente o tema da reprodução humana assistida e imponha limites e sanções no caso de descumprimento dessas normas, a fim de manter o respeito aos princípios constitucionais.


REFERÊNCIAS

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAS, Helena Soares Souza Marques. A reprodução humana assistida homóloga post mortem: uma análise à luz do Direito Sucessório brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4069, 22 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29287. Acesso em: 19 abr. 2024.