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Da garantia dos direitos fundamentais frente às emendas constitucionais

Da garantia dos direitos fundamentais frente às emendas constitucionais

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Sumário:1.Notas Prévias- 2.Da Segurança Jurídica e dos Direitos Fundamentais na Carta de 1988- 3. Direito adquirido- 4. Ato Jurídico Perfeito- 5. Ato Perfeito Administrativo- 6. Teoria do Fato Consumado- 7. Coisa Julgada- 8.Poder Reformador e Direitos Fundamentais- 9. As Limitações que a Própria Carta Impõe- 10. Constituição e Poder Reformador- 11. Da Ação de Inconstitucionalidade(direta)- 12. Inconstitucionalidade da Emenda- 13. Conclusão


1-NOTAS PREVIAS

Notável constitucionalista, Michel Temer já afirmou em sua obra que "Sendo a emenda constitucional derivada da atividade constituinte originária, esta lhe impõe limitações". Mas que limitações são essas? Num primeiro momento, há que se ter em mente o respeito às cláusulas pétreas (imutáveis) inseridas no texto originário da nossa Constituição, dentre elas estão o Direito Adquirido, a Coisa Julgada o Ato Jurídico Perfeito, este último configurado como aquele praticado de acordo com as leis vigentes ao tempo em que se efetuou. Pois bem, uma emenda constitucional que venha ferir direitos e garantias individuais postos no texto originário da Carta Política, já nasce, do ponto de vista constitucional, fadada à inconstitucionalidade. Passível, pois, do controle concentrado de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal, que, tempos atrás, no julgamento da Emenda Constitucional nº 03, que instituiu o IPMF em 1993, julgou aquela emenda, em parte, inconstitucional, e foi ainda mais longe: baseou-se no fato de que a emenda feria dispositivo da Constituição não inserido sequer nos setenta e sete incisos do art. 5º (direitos e garantias fundamentais), lastreou-se o STF no fato de que o parágrafo 2º do art. 5º não excluía dos direitos e garantias individuais outros que estivessem espalhados pela Constituição.

É o que ocorrerá no caso de restar promulgada por emenda constitucional que venha malferir direitos e garantias individuais, já que o art. 60, § 4º garante que não será objeto, sequer, de deliberação, a emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais, sendo que no caso presente desse estudo esses direitos são: a) o ato jurídico perfeito, praticado sob a vigência de leis válidas; b) o direito adquirido; e a coisa julgada, imutável.

Na oportunidade em que declarou inconstitucional a emenda nº 3, o STF através do voto do Min. Carlos Velloso (2) decretou que "as reformas constitucionais precipitadas, ao sabor de conveniências políticas, não levam a nada, geram a insegurança jurídica, é lógico, portanto, que o constituinte originário desejando preservar sua obra, crie dificuldades para alteração..." É perfeita do ponto de vista jurídico e social a afirmação, pois não se poderia admitir a mudança da constituição, como uma colcha de retalhos, à cada necessidade do Governo, isso traria a insegurança jurídica e social para os cidadãos, que nunca teriam a certeza de seus direitos e garantias, se admitindo pudessem ser alterados ao bel prazer dos governantes.

De outra sorte, é claro que em respeito à Constituição e aos seus princípios básicos, o legislador derivado, usando do poder de reforma, que a própria Constituição lhe confere, poderá mudar o texto constitucional através de emenda. Entretanto, eventual modificação necessariamente deverá observar a manutenção e garantia de situações já consumada no passado. Já a partir da promulgação da emenda, as situações ainda não consumadas se tornarão mera expectativa de direito, submetendo-se, para sua consecução, à novel regra constitucional posta pela emenda. É que se demonstrará a seguir.


2.DA SEGURANÇA JURÍDICA E DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CARTA DE 1988

De bom alvitre, inicialmente, fazer lembrar que o amplo rol de direitos fundamentais, o qual se inscreve nos artigos 5º, 6º, 7º 8º e 9º da Constituição Federal, não esgota o campo constitucional desses direitos fundamentais – lembremo-nos todos, pedra angular da Carta Magna. Estão também dispersos ao longo de todo o texto constitucional. São vulgarmente chamados de direitos fundamentais constitucionais fora do catálogo. Alguns desses direitos são direitos de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias e dentre estes se situa o direito que todos temos de ser cidadãos de um País Soberano, dono de suas decisões nos campos econômico, político e social.

Esses princípios podem formular-se assim: o cidadão deve poder confiar em que aos atos ou as decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições jurídicas e relações, praticados de acordo com as normas jurídicas vigentes, se ligam os efeitos jurídicos duradouros, previstos ou calculados com base nessas mesmas normas e apontam basicamente para: A) a proibição de leis retroativas; B)inalterabilidade do caso julgado; C) a tendencial irrevogabilidade dos atos administrativos constitutivos de direitos (Gomes Canotilho, Direito Constitucional, p. 363/365). São pois, respectivamente, os conhecidos Direito Adquirido, Coisa Julgada e Ato Jurídico Perfeito, magistralmente definitos e conceituados pelo mestre Canotilho.

A seguir, estudaremos, uma a uma, tais garantias constitucionais. Vejamos:


3.DIREITO ADQUIRIDO

Segundo magistério de DE PLÁCIDO E SILVA: " O direito adquirido tira sua existência dos fatos jurídicos passados e definitivos, quando o seu titular os pode exercer. No entanto, não deixa de ser adquirido o direito, mesmo quando seu exercício dependa de um termo prefixo ou de uma condição preestabelecida inalterável ao arbítrio de outrem." Por isso sob o ponto de vista da retroatividade das leis, não somente se consideram adquiridos os direitos aperfeiçoados ao tempo em que se promulga a lei nova, como os que estejam subordinados a condições ainda não verificadas, desde que não se indiquem alteráveis ao arbítrio de outrem" ( vocabulário jurídico, Forense, 8ª ed. 1984, pg.77/78).

Para CARVALHO SANTOS, "Se o exercício depende de termo prefixo, o direito já é adquirido, sendo evidente, pois, que no sistema do código não é adquirido somente o direito que já se incorporou ao patrimônio individual. O prazo ou termo, de fato, não prejudica a aquisição do direito, que já se verificou, sendo seu único efeito protelar o exercício deste direito" ( Código Civil Brasileiro Interpretado, Freitas Bastos, 14ª ed. Vol, I, 1986 pg. 43/44)

CLÓVIS BEVILAQUA, defende a posição de que " Trata-se aqui de um termo e condições suspensivos, que retardam o exercício do direito. Quanto ao prazo, é princípio corrente que ele pressupõe a aquisição definitiva do direito e apenas lhe demora o exercício. A condição suspensiva torna o direito apenas esperado, mas ainda não realizado. Todavia, com seu advento, o direito se supõe ter existido desde no momento em que se deu o fato que o criou" ( Comentários ao Código Civil, 5ª edição, pag. 101).

Vale lembrar que os direitos adquiridos se configuram-se desde logo, uma vez preenchidos seus requisitos, surgindo claro que, qualquer tentativa de supressão, seja por ato normativo, administrativo ou judicial, atenta contra a ordem constitucional, violando o basilar princípio da segurança jurídica insculpido no inciso XXXVI do art. 5º da Carta Política, segundo o qual" A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada"

Noutro giro, trata-se ainda da aplicação do art. 6º, parte final, do decreto-lei nº 4.657/42(Lei de Introdução ao Código Civil)" Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo prefixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem."

A este respeito, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, com a habitual excelência de seu magistério, anota que o problema "não se resolve com a simples noção de irretroatividade de lei, pois não se coloca a questão de seu retorno sobre o pretérito. Trata-se, isto sim, da sobrevivência dos efeitos da lei antiga, vale dizer, da persistência de seus efeitos em casos concretos, durante o império da nova lei. Cogita-se de hipótese em que situação produzida no passado, sem consumação nele, deve ter efeitos perduráveis no tempo, permitindo que eles atravessem incólumes o domínio das leis posteriores. Não há, pois, a rigor, questão de retroatividade. Pelo contrário: há sustação dos efeitos, isto é, da incidência da nova lei sobre situações concretas dantes ocorridas, cujos efeitos se deseja pôr a salvo, a fim de que não sejam perturbados pela sucessão normativa" (in Revista de Direito Público nº 96, p. 119).

Ainda BANDEIRA DE MELLO: "Segue daí que uma vantagem funcional, por exemplo, constituída no passado e cujos efeitos juridicamente se perfizeram, consumando-se, está consolidada, ainda que não tenha sido fruída. Isto é, os efeitos materiais podem não ter sucedido, mas se os efeitos jurídicos já se completaram, nenhuma regra nova pode alcança-la, pois, de direito, a situação já estará definida". (Ob.cit.p.112.

OSWALDO ARANHA BANDEIRA DE MELLO, citando a lição de Léon de Duguit, afirma que "São insuscetíveis de serem apanhadas pela lei nova não só as situações subjetivas ou individuais, como outrossim os fatos realizados no passado, regidos pela lei em vigor no momento em que foram produzidos" (RT 739p.145).

Já REIS FRIEDE assevera que "a acepção básica da denominação Direito Adquirido encontra berço na fundamental questão da irretroatividade das leis. E vai além, caracteriza como adquirido todo direito oriundo de ato jurídico perfeito ou da coisa julgada, por já se Ter definitivamente incorporado ao patrimônio jurídico do indivíduo". (Lições Objetivas de Direito Constitucional, 1999, Saraiva).

E, não se pode negar, absoluta razão assiste ao ilustre magistrado federal, porquanto se o direito origina-se de a um ato perfeito, praticado de acordo com normas então vigentes, nova lei não poderá feri-lo; assim como no caso de direito adquirido judicialmente através da coisa julgada, eis que não mais existindo a possibilidade de recurso, tal direito é incontestavelmente adquirido, inimaculável por qualquer outro ato.

Frise-se que aqui tem-se clara a noção de direito adquirido adotada pelo ordenamento jurídico pátrio, que o fez adotando a teoria de GABBA, segundo a qual "É adquirido todo direito que seja consequência de um fato idôneo a produzi-lo, em virtude da lei do tempo em que esse fato foi realizado, embora a ocasião de o fazer valer não se tenha apresentado antes do surgimento de uma lei nova sobre o mesmo." Em nosso ordenamento tal teoria foi "traduzida" na seguinte assertiva: "(...) ou condição preestabelecida inalterável ao arbítrio de outrem", esta, parte final da redação do parágrafo 2º do art. 6º da lei de Introdução ao Código Civil. Veja-se, então que a definição de GABBA foi adotada e reproduzida em sua essência, qual seja a impossibilidade de alteração ou supressão do direito adquirido, ainda que esse o titular desse direito não se tenha manifestado interesse em garanti-lo, eis que já o possuía independentemente de prévia manifestação de vontade.

Veja-se a respeito a orientação adotada pelo ilustre Ministro ALDIR PASSARINHO ao proferir seu voto no RE 105.812-PB, 2ª Turma, unânime, RTJ, 119/1232:" È que a norma constitucional beneficiou os que até a data prevista haviam complementado o requisito temporal. O direito já o possuía ele. Apenas o seu exercício que ficou dependendo de vaga do cargo titular. E é o que, como salienta o parecer da douta Procuradoria-Geral da República, resulta do § 2º do art. 6º da lei de introdução ao Código Civil(...)"

De outra senda, esse não-exercício do direito não é suficiente, e nem poderia sê-lo, para macular o direito adquirido, relegando-o ao plano da mera expectativa de direito, eis que surge, in casu, a figura do DIREITO EXPECTATIVO, expressão muito(bem) utilizada por novos e jovens processualistas para caraterizar o direito adquirido vem aclarar-se posteriormente ao momento da sua aquisição. Dentre esses jovens e brilhantes estudiosos da matéria destaca-se o eminente Juiz Federal WILNEY MAGNO DE AZEVEDO SILVA, que assim define a noção "É o caso de direito adquirido, sujeito apenas, à ocorrência de condição inexorável e insuscetível de alteração, por vontade alheia, no caso o falecimento de sua mãe. É o assim chamado DIREITO EXPECTATIVO, noção diversa de Expectativa de Direito" (in MS 97.0014975/RJ)"

Ainda acerca do Dec-Lei nº 4.657/42, temos a questão da retroatividade das leis: "Art.2º: Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. §2º - A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior" Mais uma vez presente na caraterização do direito adquirido, está a noção de irretroatividade. Razão pela qual reputamos seja ela um dos mais importantes requisitos à configuração do direito.

Enfatize-se o entendimento jurisprudencial, consolidado sobretudo pelo STF, para o qual "o fato gerador do percebimento de pensão é o óbito do instituídor, sendo regida pela legislação vigente ao tempo do passamento. (in MS 21.540-2/RJ, DJ-I, 26/4/96, pág. 13113, Rel. Min. Octávio Gallotti, plenário, unânime.)

E nessa seara tem sido farta a doutrina: " A lei nova não pode, portanto, ferir direitos adquiridos. E nota Porchat, com muita adequação, que, no Brasil, desde o Império, não é possível por distorção constitucional, a lei retroativa."

Já para PLANIOL não haveria nenhuma segurança para os cidadãos, se seus direitos pudessem a cada passo, ser postos em questão ou suprimidos pela vontade do legislador. O interesse geral, não é senão a resultante dos interesses individuais" (RT 739/147).

Sem dúvida, podemos afirmar, esposando as palavras de Ivo Dantas, que prescrevendo o art. 60, § 4º da Constituição a limitação material ao poder constituído de reforma, o direito adquirido assume um novo contorno, tornando-o imutável. É dizer que incide na hipótese o principio do tempus regit actum

É certo pois, que encontraremos inúmeros juristas, alguns dos mais consagrados, que não hesitariam em afirmar que inexiste direito adquirido contra a Constituição ou contra o interesse da coletividade. Entretanto, tal interpretação não nos parece a mais correta, tal como é posta: a uma em razão de que o direito adquirido por ser assim um direito, não é dirigido "contra" alguém ou contra a constituição, mas simplesmente em favor de seu detentor, garantidor que é de uma situação fática já consumada, sendo por demais oportuna a lição de JOSÉ AFONSO DA SILVA, segundo a qual "não é rara a afirmativa de que não há direito adquirido em face de lei de ordem pública ou de direito público. A generalização não é correta nesses termos. A constituição não faz distinção."(curso de direito constitucional positivo, 9ªed. Malheiros.)

Com a mesma opinião, alinha-se HUGO DE BRITO MACHADO esclarecendo que o direito adquirido "particulariza-se pelo conteúdo patrimonial, o que contudo, não significa que não possa residir em relações do direito público. Não se pode por exemplo, cogitar de direito adquirido ao modo de exercer uma função pública, embora se possa falar de direito adquirido à remuneração do servidor, ou aos proventos de sua aposentadoria" ("O Direito adquirido e a coisa julgada como garantias constitucionais")

Nessa esteira, é a orientação assente no Supremo Tribunal Federal, segundo o qual: "O direito à aposentadoria se considera adquirido pela satisfação de todos os seus pressupostos antes da vigência da lei nova, modificando-os". RDA 104/188.

E tal posicionamento exsurge da exegese da súmula 359 (STF): "Ressalvada a revisão prevista em lei, os proventos da inatividade regulam-se pela lei vigente ao tempo em que o militar, ou o servidor civil, reuniu os requisitos necessários, inclusive a apresentação do requerimento, quanto a atividade for voluntária"

"Assim entendeu o STF porque a afirmação do direito à aposentadoria conduz ao direito adquirido. Se já houve a aquisição desse direito, não pode estar acondicionado a outra exigência" (RE 86.608, Rel. Min. Xavier de Albuquerque, RTJ 83/304; RE 85.330, Rel. Min. Moreira Alves, DJU 15.12 1980 – Proventos com base em todas as vantagens a que fazia jus quando adquiriu o direito; RTJ 106/763, 107/1.207 e 109/739).

Esta, pois, a posição atual do STF: Se, na vigência da lei anterior, o servidor preenchera todos os requisitos exigidos, o fato de, na sua vigência, não haver requerido a aposentadoria não faz perder o seu direito que já estava adquirido.

Para Ivo Dantas (1), a teor da Emenda Constitucional nº 1/69, a posição antes assumida frente à Legislação Ordinária, ou seja, aquela (EC) não poderia modificar direito à aposentadoria quando os requisitos antes exigidos tivessem sido preenchidos na vigência do texto originário de 1967, conforme se infere do julgamento do RE 74.284 e 74.534, de 28.3.73, e RE 73.189, de 29.3.73), ressalvado o ponto de vista dos Ministros que ficaram vencidos. Recurso Extraordinário não conhecido".

Direito adquirido, emendas constitucionais e controle da constitucionalidade, Lumen Juris, 1997

Corrobora esse entendimento o art. 3º, da EC 20/98, sobre direito adquirido dos que, à data de sua promulgação, houvessem cumprido os requisitos para obtenção de benefícios previdenciários com base na legislação então vigente.


4.ATO JURÍDICO PERFEITO

"Os contratos, que se qualificam como atos jurídicos perfeitos, acham-se protegidos, em sua integridade, inclusive quanto aos efeitos futuros, pela norma de salvaguarda constante do art.5º.XXXVI, da Constituição da República".

Sendo assim, "a incidência imediata da lei nova sobre os efeitos futuros de um contrato preexistente, precisamente por afetar a própria causa geradora do ajuste negocial, reveste-se de caráter retroativo (retroatividade injusta de grau mínimo), achando-se desautorizada pela cláusula constitucional que tutela a intangibilidade das situações jurídicas definitivas consolidadas, mesmo em se tratando de "normas de ordem pública, que também se sujeitam à cláusula inscrita no art.5º, XXXVI, da Carta Política (que)não podem frustrar a plena eficácia da ordem constitucional, comprometendo-a em sua integridade e desrespeitando-a em sua autoridade" (RE 201.176-2- RS, 1ª T/STF, RT 741/202).

O princípio constitucional do respeito ao ato jurídico perfeito se aplica também, conforme é o entendimento da Suprema Corte, às leis de ordem pública.(RE 209.517-6-STF/1ª T, DJU 29.8.97, p. 40.255). No mesmo sentido, RE 209.519-2-SC, STF/ 1ª T, RT 746/176.

Esclarece J. Cretella Júnior: "Na expressão "ato jurídico perfeito" o vocábulo "perfeito" tem o sentido de "acabado", "que completou todo o ciclo de formação", "que preencheu todos os requisitos exigidos pela lei". Não o sentido de "irrepreensível", "íntegro", embora os dois sentidos tenham pontos de contato. Se o ato se completou, na vigência de determinada lei, nenhuma lei posterior pode incidir sobre ele, tirando do mundo jurídico, porque "perfeição", aqui, é sinônimo de "conclusão" (Comentário....,v.1. p. 460).

Ora, assim, podemos afirmar que uma aposentadoria ou a pensão estatutária uma vez instituída sob a égide da Lei antiga, assume o caráter "actus perfectus", ficando subordinada á lei ao tempo de sua instituição, nesse sentido, mui esclarecedora é a lição de Eduardo Pinto Pessoa Sobrinho, escrevendo o verbere "Aposentadoria" para o Repertório Enciclopédico de Direito Brasileiro, editado por Carvalho Santos, é incisivo: "A aposentadoria, depois de sua decretação, constitui um fato jurídico perfeito e acabado. Não fica passível, portanto, de revisões futuras, por efeito de modificação de legislação respectiva" (RT 739/97 p. 146).

É ressabido que tem decidido reiteradamente a Corte Constitucional que as aposentadorias são regidas pela lei vigente a época da inativação, bem como as pensões, pela Lei vigente ao tempo do passamento.

Bastante elucidativa, sob a ótica do procedimento administrativo é a Instrução Normativa/INSS nº 06, de 11.06.1993: DA LEGISLAÇÃO APLICÁVEL ÁS PENSÕES:

7.1- Às pensões devidas em conseqüência dos óbitos de funcionários, ocorridos até 11 de dezembro de 1990, inclusive, aplicam-se as leis nºs 1.711, de 1952, 3.373, de 1958 e 6.782 de 1980, e o Decreto nº 76.954 de 1975.7.2- À pensão devida em conseqüência de óbito de servidor, ocorrido após 11 de dezembro de 1990, aplica-se a lei nº 8.112/90. Esta instrução Normativa entra em vigor na data de sua publicação"

Vale enfatizar ainda o entendimento jurisprudencial, consolidado sobretudo pelo STF, para o qual "o fato gerador do percebimento de pensão é o óbito do instituidor, sendo regida pela legislação vigente ao tempo do passamento. (in MS 21.540-2/RJ, DJ-I, 26/4/96, pág. 13113, Rel. Min. Octávio Gallotti, plenário, unânime.) Assim, não só da ótica do direito adquirido, a pensão estatutária uma vez instituída sob a égide da Lei antiga, assume o caráter "actus perfectus", ficando subordinada á lei ao tempo de sua instituição.

Valiosa aqui a lição de PONTES DE MIRANDA no sentido de que "a lei nova não pode retirar do mundo jurídico o ato jurídico perfeito, nem alterá-lo a seu talante.(in Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1 de 1969, Forense, 1987, Tomo V, p. 101.


5.ATO PERFEITO ADMINISTRATIVO

Efeito Sanatório do Tempo

Como cediço, os atos administrativos estão sujeitos aos efeitos sanatórios do tempo, sendo certo que assim sendo configuram ato jurídico perfeito e acabado nos termos do art. 207 da CLPS, verbis: "Art. 207:O processo de interesse de beneficiário ou empresa não pode ser revisto após 5(cinco) anos contados de sua decisão final, ficando dispensada a conservação da documentação respectiva além desse prazo" A tal respeito, temos que perquirir as seguintes considerações: "O art. 207 da CLPS, estatui que o direito da autarquia previdenciária de rever os atos concessórios de benefícios extingue-se em cinco anos a contar da sua decisão final. Pois bem, é ressabido que tal dispositivo não fora revogado pelas Leis 8.212/91 e 8213/91. Pelo contrário, a Lei 9.784 de 29 de janeiro de 1999 é que ratifica a norma suso, em seu artigo 54, estatuindo que o Administrador decai de seu direito à revisão após cinco anos, salvo se comprovada má-fé. Que, diga-se, in casu inocorre, porquanto os valores pagos aos recorrentes foram determinados por legislação específica e aprovados pelo INSS. (Juiz Federal Leopoldo Muylaert, in MS 98.0029681-6)

A referida lei limitou de modo considerável, o alcance do Enunciado 473, da súmula do Supremo Tribunal Federal, que sempre fora interpretado como se pudesse a Administração Pública efetivar a nulificação quando melhor lhe aprouvesse. A análise crítica do dispositivo legal em comento, traz uma conclusão induvidosa, a certeza de que o legislador abraçou a tese que os atos administrativos estão sujeitos ao efeito sanatório do tempo, ressalvada exclusivamente a hipótese de má-fé do beneficiário.

Nesse sentido:

ADMINISTRATIVO - REVISÃO DE ATO PRATICADO HÁ MAIS DE DEZ ANOS - PRESCRIÇÃO.

I - Os atos administrativos também estão sujeitos a prescrição.

II - Impossibilidade de se rever o ato praticado ha mais de dez anos, sob pena de impossibilitar a sedimentação de situações fáticas já consolidadas pelo decurso do tempo.

III - Apelação e remessa oficial improvidas. (AMS-98.0201117-7 Rel.Juiz Ney Fonseca. P.10/08/99. grifamos para destacar.

No mesmo sentido, esposando a tese:

REMESSA EX OFFICIO Nº 89.02.08817-0 Relator: JUIZ CELSO PASSOS Turma: 03. TURMA Julgamento: 19/02/92 Publicação: 09/06/92 Fonte: DJ Vol: Pag: 16463

E M E N T A: ADMINISTRATIVO – MILITAR – ERRO ADMINISTRATIVO – RETIFICAÇÃO DE REFORMA.

1.Afastadas as preliminares, pois a autoridade federal prestou informações, sendo o ato impugnado da própria autoridade impetrada que, só após 27 anos, deu cumprimento a portaria ministerial que reduziria os proventos da reforma do autor.

2.E certo que a administração não decai de seu poder de anular seus atos ilegais, podendo corrigi-los sempre, a partir do momento que constatar seu erro. Entretanto, o direito do impetrante não pode ser prejudicado pela omissão da autoridade.

3.Assim, se tais omissões administrativas, mantendo atos ilegítimos e operantes a longo, tempo já produziram efeitos perante terceiros de boa fé, há de se deferir a pretensão do autor, confirmando-se a sentença.

4.Remessa oficial a que se nega provimento, em decisão unanime. Grifamos

Ainda no mesmo sentido:

DIREITO PREVIDENCIÁRIO - DIREITO PROCESSUAL CIVIL – DIREITO CONSTITUCIONAL - SUSPENSÃO DE BENEFICIO DE SEGURADO DO INSS -AUSÊNCIA DE FORTE INDICIO DE FRAUDE.

- A concessão do beneficio constitui um ato administrativo e, assim, presumidamente legal e regular.

- Militando a favor do impetrante esta presunção, despicienda a prova, por ele, da regularidade da concessão do beneficio, bastando a comprovação da concessão do beneficio para a caracterização da liquidez e da certeza do direito.

- Ausente a comprovação de fortes indícios de fraude, descabe a suspensão do beneficio. - Pelo provimento do apelo em mandado de segurança.( Apelação em Mandado de Segurança nº 97.0207655-2, Juíza Vera Lúcia Lima da Silva)

Conclui-se, de conseguinte, pela inadmissibilidade da revisão também do ato perfeito administrativo, por atentar contra direitos e garantias inalienáveis, sem os quais, caem por terra os princípios fundamentais enunciados nos artigos inaugurais da Carta, como a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho; e, bem assim, dentre outros, o objetivo da construção de uma sociedade livre, justa e solidária.


6.TEORIA DO FATO CONSUMADO

Na dicção da Corte Superior de Justiça a aplicação da denominada "teoria do fato consumado" pressupõe uma situação ilegal consolidada no tempo, em decorrência da concessão de liminar, ou de ato administrativo praticado por autoridade competente para se reconhecer o direito sobre determinada situação que ainda não ocorreu.

Do voto do eminente Ministro BILAC PINTO no RE n. 85.179/RJ (RTJ 83/921 ), destaca-se a lavra de Miguel Reale (Revogação e Anulamento do Ato Administrativo, Forense, 1968), que traz valiosos ensinamentos sobre o assunto:

"Não é admissível, por exemplo, que, nomeado irregularmente um servidor público, visto carecer, na época, de um requisitos complementares exigidos por lei, possa a Administração anular seu ato, anos e anos volvidos, quando já constituída uma situação merecedora de amparo e, mais do que isso, quando a prática e a experiência podem ter compensado a lacuna originária. Não me refiro, é claro, a requisitos essenciais, que o tempo não logra por si só convalescer, - como seria, por exemplo, a falta de diploma para ocupar cargo reservado a médico, - mas a exigência outras que, tomadas no seu rigorismo formal, determinariam a nulidade do ato."

Escreve com acerto José Frederico Marques que a subordinação do exercício do poder anulatório a um prazo razoável poder ser considerado requisito implícito no princípio do " due process of law" Tal princípio, em verdade, não é válido apenas no sistema do direito norte – americano, do qual é uma das peças basilares, mas é extensível a todos os ordenamentos jurídicos, visto como corresponde a uma tripla exigência, de regularidade normativa, de economia de meios e formas e de adequação à atipicidade fática. Não obstante a falta de termo que em nossa linguagem rigorosamente lhe corresponda, poderíamos traduzir "due process of law" por devia atualização do direito, ficando entendido que haverá infração desse ditame fundamental a toda vez que, na prática do ato administrativo, for preterido algum dos momentos essenciais à sua ocorrência; foram destruídas, sem motivo plausível, situações de fato, cuja continuidade seja economicamente aconselhável, ou se a decisão não corresponder ao complexo de notas distintas da realidade social tipicamente configurada em lei.

Assim sendo, se a decretação de nulidade é feita tardiamente, quanto a inércia da Administração já permitiu se constituíssem situações de fato revestidas de forte aparência de legalidade, a ponto de fazer gerar nos espíritos a convicção de sua legitimidade, seria deveras absurdo que, a pretexto da eminência do Estado, se concedesse às autoridades um poder-dever indefinido de autotutela.

Desde o famoso "affaire Chachet" é esta a orientação dominante no Direito francês, com os aplausos de Maurice Hauriou, que bem soube pôr em realce os perigos que adviriam para a segurança das relações sociais se houvesse possibilidade de indefinida revisão dos atos administrativos.

Da França tal doutrina passou para a Itália, granjeando o apoio de seus mais ilustres mestres como Cino Vitta e D’Alessio, cuja doutrina é oportunamente lembrada por José Frederico Marques ao tratar deste assunto. Consoante ponderação do primeiro dos administrativistas citados, uma grande distância de tempo, pode parecer oportuno manter o ato em vida, apesar de ilegítimo, a fim de não subverter estados de fato já consolidados, só por apego formal e abstrato ao princípio de legitimidade. Não se olvide que ordenamento jurídico é conservador no sentido de respeitar fatos ocorridos, há muito tempo, muito embora não conformes à Lei" (pp. 84 a 86)".

Concluindo o julgamento do MS 6.215/DF, o Ministro Félix Fischer, salientou que é possível se aplicar essa tese, por exemplo, no caso do vestibulando que ingressa na faculdade amparado por liminar, e o mérito da questão somente é apreciado quando já está por concluir o curso. Ou no do candidato que tem sua inscrição indeferida por insuficiência de idade, presta o concurso por força de liminar, é aprovado, nomeado e empossado no cargo e, após anos no seu exercício, vai ser apreciada aquela questão inicial.(in LEX 125/79, JSTJ e TRF’s)

Exsurge, pois, que a teoria do fato consumado, embora não possa parecer tem muita aplicação nos dias de hoje, a teor de atos revogatórios baseados na sumula 473 do STF que a Administração Pública tem entendido, erradamente, como ilimitado seu poder-dever de rever seus próprios atos. Todavia, de bom alvitre o destaque, a mesma súmula garante o respeito ao direito adquirido e ressalva, em todos os casos, a apreciação da questão pelo Poder Judiciário. E isso exatamente porque uma ato hoje verificado ilegal pode ter tido seus efeitos perpetrados de tal; forma no tempo que tenha hoje, esse ato, feito surgir direitos em relação a terceiros que, de boa fé, em nada contribuíram para a materialização do ato, mas que dele sofreram os efeitos, e não seria justo tirar dessas pessoas direitos que conquistaram. Aplica-se aqui, então, a teoria do fato consumado.


7.COISA JULGADA

Sobre a coisa julgada, esclarece Hugo de Brito Machado, que "a questão de saber se a violência contra a coisa julgada configura uma questão constitucional não pode ser resolvida com uma resposta afirmativa, ou negativa, para todos os casos. Se uma lei disciplina determinada situação de certo modo, e nada diz a respeito da aplicação desse novo disciplinamento à (sic) situações amparadas pela coisa julgada, é evidente que a aplicação desse novo disciplinamento àquelas situações é que viola a coisa julgada. Entretanto, se a lei diz expressamente que o seu disciplinamento aplica-se exclusive àquelas situações, é a própria lei que violou a garantia da coisa julgada. Nesse último caso, portanto, trata-se de lei inconstitucional".


8.PODER REFORMADOR E DIREITOS FUNDAMENTAIS

Certo é, pois, que a norma constitucional emanada do poder reformador, ou poder constituinte derivado, não pode, validamente, alterar norma que, em virtude de preceito explícito do poder constituinte originário, está amparada por cláusula de imodificabilidade. OTTO BACHOF (Verfassungswidrige Verfassungsnormen?),

Antes de mais, impositivo traçar as básicas diferenças entre as formas previstas de alteração do texto constitucional, quais sejam as Emendas Constitucionais e Emendas Constitucionais de Revisão. A esse teor, com maestria, o faz R. Friede, in Lições Objetivas de Direito Constitucional, cujos ensinamentos transcrevemos:

"Conforme já mencionamos, o processo de reforma da Constituição (ou, em termos mais amplos, processo de mutação explícita formal), em essência, pode ser instaurado por dois diferentes mecanismos: a emenda e a revisão. A emenda representa, em síntese, o mecanismo ordinário em que é exigido quorum especial (típico das Constituições rígidas), no caso brasileiro de três quintos dos membros de cada uma das Câmaras do Legislativo (Câmara dos Deputados ou Câmara baixa (representando, proporcionalmente, o povo) e Senado Federal ou Câmara Alta (representando, por três membros por Estado, o pacto federativo)), para a alteração do Texto Constitucional (respeitados os limites ao poder da reforma), de forma pontual, ou seja, sem a abrangência de modificação da Constituição como um todo.

A revisão, ao contrário, refere-se a um mecanismo extraordinário com necessária e expressa previsão autorizativa no próprio Texto Constitucional originário, restrita normalmente por uma limitação temporal (como no caso da Constituição de 1988, em que se afirma a possibilidade de revisão após cinco anos de vigência) e com escopo particular de atuação (objetivo próprio (no caso brasileiro a adaptação das normas constitucionais em relação a eventual modificação da forma de governo por plebiscito)), ainda que com ampla abrangência.


9.AS LIMITAÇÕES QUE A PRÓPRIA CARTA IMPÕE.

A Emenda Constitucional está prevista no art. 59, I e regulada pelo art.60 das Disposições Permanentes. O procedimento de elaboração de Emenda à Constituição obedece aos seguintes pressupostos: a) a iniciativa é conferida ao Presidente da República ou a um terço de deputados federais, ou a um terço de senadores e, ainda, por proposta de mais da metade das Assembléias Legislativas estaduais (art.60); b) a proposta é discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois momentos distintos (chamados turno de votação); discutida e aprovada em turno, volta a sê-lo em outro turno de discussão e votação (art. 60, § 2º); c) sua aprovação demanda 3/5 dos membros de cada uma das Casas do Congresso Nacional (art.60,§ 2º) d) não há sanção; há promulgação efetivada pelas mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal (art.60,§ 3º).

Este procedimento há de ser rigorosamente obedecido, sob pena de inconstitucionalidade em razão de desobediência à forma. Obedecido o procedimento, há condicionantes relativas ao conteúdo, à matéria. Havendo, por óbvio, vedações na própria Constituição. Tais vedações podem ser explícitas ou implícitas.

São explícitas as que impedem a alteração da Federação; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias individuais. Não se permite nem mesmo deliberação sobre proposta de emenda tendente a abolí-las.

De outra senda, a proposta que direta ou reflexamente, ainda que de forma remota tenda (e apenas isso é o que basta) a abolir a forma federativa, por exemplo, é expressamente proibida, vedada, inviável e insuscetível sequer de deliberação. Exsurge, pois, que a proibição de discutir tais matérias é limitação explícita à atividade reformadora. Encontra-se na própria Lei Maior, um aspecto que merece ser destacado: não é necessário que a proposta de emenda traga, em si, diretamente, uma ameaça de alcançar os princípios citados. Suficiente ser apenas que esteja marcada por uma tendência à abolição de qualquer um dos incisos que compõem o art. 60, § 4º, para que não possa, nem ao menos, ser proposta.

Por derradeiro, é implícita a proibição que jungida ao procedimento de elaboração da norma constitucional, oriunda esta do constituinte derivado. Isto porque o constituinte originário estabeleceu procedimento rígido para a reforma. Não podendo o órgão a quem restou atribuida a competência reformadora modificar o critério de rigidez estabelecido pelo legislador originário, concessor da atribuição..

O art. 60 em seu § 4º, é quem fixa os Limites Materiais do Poder Constituído de Reforma. Mais uma vez, a lição de R. Friede se impõe: "Por efeito, possuindo natureza própria de poder derivado, o poder reformador se encontra irremediavelmente adstrito aos limites expressamente estabelecidos pelo poder originário em sua obra última (ou seja, a Constituição) em três diferentes níveis formais: limites temporais (relativos ao transcurso de um tempo mínimo de vigência para que as normas constitucionais possam ser reformadas (ou seja, emendadas ou revistas)), limites circunstanciais (relativos a determinadas circunstâncias expressamente previstas que, quando existentes, impedem o processo de reforma (estado de sítio, estado de defesa etc.)) e limites materiais (relativos a certas matérias que não podem, em nenhuma hipótese, ser objeto de reforma (alteração), por constituírem elementos basilares da Constituição originária (cláusulas pétreas)) e pelo próprio direito natural, como imposição lógica e universal, independente da positivação das regras constitucionais pelo poder originário, por meio dos denominados limites substanciais em um único nível material (disposições fixas).

Nesse particular, muito embora a nomenclatura relativa às modalidades de limitações ao poder reformador não seja completamente pacífica na doutrina, existindo aqueles que aludem aos chamados limites processuais, entre outros, deve ser consignado caracterizar o erro mais comum, a confusão que se estabelece, em algumas situações, entre as cláusulas pétreas (limitações formais, sob a ótica material) e as disposições fixas (limitações não formais), comprometendo, em certo aspecto, o necessário tecnicismo a respeito do tema.: (ob.cit, 101/2)

Como afirma PONTES DE MIRANDA, ao ser aplicado como novo Direito, o novel texto constitucional assegura a permanência de situações jurídicas(sejam de direito público ou de direito privado), anteriormente constituídas.

Para Ivo Dantas (3), Ao entendimento referido, segundo o qual a consagração do Direito Adquirido em sede constitucional vincula o legislador, acrescenta-se que, no caso da Constituição brasileira de 1988(rígida), o princípio encontra-se inserido na categoria de Cláusula Pétrea (art.60,§ 4º, IV), pelo que se dirige, igualmente, ao denominado Poder Reformador em qualquer de suas formas, ou seja, Revisão ou Emenda.

O mesmo se diga com relação às Disposições Transitórias, que integram a Constituição, não se caracterizando, com respeito das opiniões em contrário, como um conjunto de normas independentes. A par disso afirmamos sem titubear o ADCT é parte integrante do texto constitucional. Nesse viés e mais uma vesz esposando a cultural lição de Ivo Dantas, é de clareza solar que, na esteira do nosso entendimento, qualquer uma das suas normas só poderá ser alterada pelo mesmo processo e com todas as vedações e limitações inerentes às emendas, conforme previsto nas Disposições Permanentes.

Neste quadro de ações, a mudança formal da Constituição, por envolver aspectos de ordem procedimental e de ordem material, a serem seguidos pelo Poder Legislativo, em seu exercício de Poder Reformador, são passíveis de controle, tanto pelo Supremo Tribunal Federal, na via da Ação Direta de Inconstitucionalidade e pela Ação Declaratória de Constitucionalidade, como pela via de Defesa ou incidental, inclusive, através do Mandado de Segurança.

No tocante aos aspectos de ordem material, entretanto, e de forma correta, tem admitido o STF a apreciação da constitucionalidade de uma Emenda Constitucional.

De outro lado, o controle incidental encontra-se previsto no mesmo art. 102, inciso III da Lei Maior, e ao qual, ainda em decorrência da EC 3/93, foi acrescido o parágrafo 1º, nos seguintes termos: Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 926-5- DF. Relator o Min. SIDNEY SANCHES, dentre outros aspectos, decidiu o STF o seguinte: "A Lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a Direito." Na Ação Direta da Inconstitucionalide nº 829-3-DF/54 Relator – Min. MOREIRA ALVES: O STF decidiu "examinar a inconstitucionalidade ou não, de emenda constitucional."

Para SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, nas ADIN nº926-5 e ADIN 1.396-3. "o controle pela via incidental, "o que se torna necessário evidenciar é que a inconstitucionalidade, como exceção, pode ser argüida no curso de processo normal, logicamente perante qualquer órgão jurisdicional, singular ou coletivo, nessa hipótese: "Nenhum magistrado deve aplicar uma lei que em sua opinião seja inconstitucional".

Também nessa linha de raciocínio, no que respeita ao caráter impositivo da regra constitucional originária, já frisou o eminente Ministro Celso de Mello, no julgamento da ADIn 293-7/DF:"Uma constituição escrita não configura mera peça jurídica, nem é simples estrutura de normatividade e nem pode caracterizar um irrelevante acidente histórico na vida dos povos e nas nações. Todos os atos estatais que rupugnem a constituição expõem-se à censura jurídica dos Tribunais, especialmente porque são írritos, nulos e desvestidos de qualquer validade. A Constituição não pode submeter-se à vontade dos poderes constituídos e nem ao império dos fatos e das circunstâncias. A supremacia de que ela se reveste –enquanto for respeitada- constituirá a garantia mais efetiva de que os direitos e as liberdades não serão jamais ofendidos. ( ADIn 293/7/DF, STF. DJU de 16.04.93, p. 6.429)

Não há como aceitar, por sua patente inconstitucionalidade, eventual afronta a cláusulas pétreas, seja através de lei, seja através de Emenda Constitucional, ou qualquer outra espécie normativa.

Considerando as vedações e limites ao poder de reforma, como o poder constituinte derivado, e dentro de um quadro de Constituição rígida como a nossa, cuja imutabilidade dos princípios gerais norteiam a nossa República, as cláusulas pétreas consignadas no § 4º do art. 60 não podem restar afrontadas. Há destarte, que se prosseguir, no que respeita à reforma da Constituição, a preservação de seu espírito, que, ademais, é incompatível com um novo desenho de Estado, que as alterações propostas pretendem impor.

De acordo com o professor José Afonso da Silva, " no qualificativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, as vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem, no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidas, mas concreta e materialmente efetivados(...) Direitos fundamentais do homem significam direitos fundamentais da pessoa humana ou direitos humanos fundamentais. É com esse conteúdo que a expressão direitos fundamentais encabeça o Título II da Constituição que se completa, como direitos fundamentais da pessoa humana, expressamente, no art. 17" (in Curso de Direito Constitucional Positivo, 6º ed. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, pág. 159).

Por sua vez, como uma das modalidades dos direitos fundamentais do homem, "os direitos sociais são prestações constitucionais positivas estatais, enunciados em normas constitucionais positivas, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais" ( José Afonso da Silva), in ob. Cit).

Mas é preciso convir, antes de mais, que esses direitos não excluem outros, além daqueles constantes dos artigos 5º e seguintes da Constituição Federal, decorrentes do regime e dos princípios adotados pela própria Constituição. Leia-se, a propósito, o disposto § 2º, do artigo 5º, que reza: "os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados..."

O amplo rol de direitos fundamentais, o qual se inscreve nos artigos 5º, 6º, 7º 8º e 9º da Constituição Federal, não esgota, pois, o campo constitucional dos direitos fundamentais – lembremo-nos todos, pedra angular da Carta Magna. Estão também dispersos ao longo de todo o texto constitucional. São vulgarmente chamados de direitos fundamentais constitucionais fora do catálogo. Alguns desses direitos são direitos de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias e dentre estes se situa o direito que todos temos de ser cidadãos de um País Soberano, dono de suas decisões nos campos econômico, político e social.

Mais quais são e onde estão os Direitos e Garantias fundamentais?

Como bem acentuou o eminente Ministro Carlos Velloso ao proferir voto em ação direta de inconstitucionalidade, estão eles espalhados por toda a Constituição e não apenas nos setenta e sete incisos do art. 5º, como poderia parecer numa superficial análise. Vejamos o teor do voto:

"Direitos e garantias individuais não são apenas os que estão inscritos no art. 5º. Não. Esses direitos e essas garantias se espalham pela Constituição. O próprio art. 5º no seu § 2º, estabelece que os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Sabido, hoje, que a doutrina dos direitos fundamentais não compreende, apenas, direitos e garantias individuais, mas, também, direitos e garantias sociais, direitos atinentes à nacionalidade e direitos políticos. Este quadro todo compõe a teoria dos direitos fundamentais. Hoje não falamos, apenas em direitos individuais, assim de primeira geração. Já falamos de direitos de primeira, de Segunda, de terceira e até de quarta geração." (ementário 1.730-10, cit)

Esses direitos estão hoje assim classificados:

Direitos da Primeira Geração: São os direitos da liberdade, correspondentes à fase inaugural do constitucionalismo – direitos civis políticos. Têm por titular o indivíduo e são oponíveis ao Estado, traduzindo-se como faculdades ou atributos da pessoa. A subjetividade é seu traço característico.

Direitos da Segunda Geração: Dominam o século XX do mesmo modo que os da primeira geração dominaram o século XIX. São os direitos sociais, culturais e econômicos, bem como os direitos coletivos ou de coletividades. Foram introduzidos nos constitucionalismo pela reflexão antiliberal, de início, nas Constituições marxistas e, depois, nas Constituições dos Estados Sociais. Fundamentam-se na Igualdade.

Direitos da Terceira Geração: Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os Direitos de Terceira Geração tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo. Assentam-se na Fraternidade. (4)


10.CONSTITUIÇÃO E PODER REFORMADOR

Para deslinde da questão proposta, do qual, na verdade, dependerá o posicionamento do Poder Judiciário de forma geral, necessário se torna abordar o tema da distinção entre constituinte e poder reformador. Quem esclarece é OTTO BACHOF in "Normas Constitucionais Inconstitucionais? (Verfassungswidrige Verfassungsnormen?), com tradução para o português do Professor José Manuel Cardoso da Costa, editada pela Livraria Almedina, de Coimbra).

Nas Constituições rígidas – que são aquelas que, para sua reforma, exigem formalidades especiais, distintas das seguidas para a elaboração das leis ordinárias a competência para alterá-las pertence a um poder reformador, distinto em sua natureza tanto do poder constituinte, quando do poder legislativo ordinário.

Se o poder constituinte é limitado, o poder reformador não o é, tendo que se ater, necessariamente, às regras instituídas por aquele. Assim, quando a norma constitucional adventícia, emanada do poder reformador, se dispõe a alterar outra de modo contrário à cláusula de imodificabilidade contida no Diploma Maior, estaremos certamente diante de norma Constitucional inconstitucional, inexistindo em tal afirmação qualquer incongruência, contradição ou impropriedade, como, à primeira vista, pode parecer."

Assim têm entendido, na doutrina pátria, entre outros, NELSON DE SOUZA SAMPAIO (O Poder da Reforma Constitucional, Livraria Progresso Editora, Bahia, 1954, pp.44/45 e 92 e sgs)., JOSÉ AFONSO DA SILVA 9 Curso de Direito Constitucional Direito Positivo, Edit. Revista dos Tribunais SP. 1989 pp. 59/60; PINTO FERREIRA Princípios de Direito Constitucional Moderno, Revista dos Tribunais, SP 5ª edição, vol. I, p.159, da Constituição, José Konfino Edit.Rio de Janeiro,1956,pp.

Em favor do seu entendimento, CARLOS VELLOSO, invoca a autoridade do insigne professor CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, como se lê:

"Mais na frente do que nós, nos sustentar o princípio da oposição do direito adquirido à própria Constituição, e, evidentemente, com muito maior autoridade, fortalecendo, assim, o nosso modesto ponto-de-vista, encontra-se o exímio Caio Mário da Silva Pereira, quando ensina."Em princípio não pode haver nenhum direito oponível à Constituição, que é a fonte primária de todos os direitos e garantias do indivíduo, tanto na esfera publicística quanto na privatística. "Uma reforma Constitucional não pode sofrer restrições com fundamento na idéia genérica do respeito ao direito adquirido. Mas, se é a própria Constituição que consiga o princípio de não-retroatividade, seria uma contradição consigo mesma se assentasse para todo o ordenamento jurídico a idéia do respeito às situações constituídas e, simultaneamente, atentasse contra este conceito. Assim, um a reforma da Constituição que tenha por escopo suprimir uma garantia antes assegurada constitucionalmente ("exempli gratia", a inamovibilidade e a vitaliciedade dos juizes), tem efeito imediato, mas não atinge aquela prerrogativa ou aquela garantia, integrada no patrimônio de todos que os gozavam do benefício ". ( a referida lição de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA está estampada em sua obra Instituições de Direito Civil, Forense, 1961, vol.I, p.128)".

A vexata quaestio é a seguinte: os direitos e garantias individuais, informados pelas chamadas cláusulas pétreas da Constituição (art.60, § 4º, IV), são apenas os arrolados nos setenta e sete incisos do seu art. 5º, ou, acaso, existem outros, enunciados em dispositivos diversos daqueles?

Tem-se por assente, inclusive com o reforço do posicionamento do Min. Velloso suso transcrito, onde observa a respeito do não-exaurimento dos direitos individuais nos setenta e sete incisos do art. 5º da Constituição, salientando que o elenco do art. 5º da Constituição não é exaustivo dos direitos e garantias individuais, até pelo que dispõe o § 2º do referido art.5º:

"§ 2º: Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".

Sem discrepar se manifesta o eminente Ministro ILMAR GALVÃO: "A nova Carta enumera os direitos e garantias individuais em seu art.5º. Fê-lo de maneira minuciosa, mas não exaustiva, já que, no § 2º, deixou ressalvado que "os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Repare-se que o texto não fere direitos e garantias expressos no art.5º, mas na Constituição, querendo significar, portanto, que o mencionado dispositivo não é exaustivo em relação aos direitos expresso na Carta." (STF-ementário nº 1739-10).

Tem-se, pois, que os direitos e garantias individuais, protegidos como cláusulas pétreas na Constituição, não se exaurem nos 77 incisos do art. 5º, consoante a interpretação corrente que é dada ao § 2º do art.5º da Lei Maior, como referido no julgamento da ADIn 939-7 (concessão de Medida Cautelar) pelo Supremo Tribunal Federal.

Relembrando a lição de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, já invocada, pode-se afirmar que "uma reforma da Constituição que tenha por escopo suprimir uma garantia antes assegurada constitucionalmente (" exempli gratia", a inamovibilidade e a vitaliciedade dos juízes), tem efeito imediato, mas não atinge aquela prerrogativa ou aquela garantia, integrada no patrimônio de todos que gozavam o benefício."

Assim entendidos os direitos e garantias individuais, o art. 60 ao fixá-los como cláusulas pétreas, leva à conclusão de que deverão eles ser interpretados não apenas como aqueles enumerados no art. 5º, mas, igualmente, como todos os constantes do Título II da Constituição Federal.

Todas essas matérias incluem-se nas denominadas cláusulas pétreas, mais precisamente, no inciso IV do art. 60, não podendo ser, nem ao menos, objeto de deliberação qualquer proposta tendente à aboli-los.

Em seu já citado estudo Constituição e Direito Adquirido, RAUL MACHADO HORTA afirma que "o constitucionalismo brasileiro, desde o seu texto inicial, em 1824, consagrou o princípio da irretroatividade ampla, desconhecendo técnica da retroatividade parcial, preferida nas Constituições dos Estados Unidos de 1787, da Argentina de 1853, da Itália de 1947 e da França de 1958".

O que significa dizer, que o direito adquirido (art. 5º, inciso XXXVI) – tal como vimos defendendo – é imune a toda e qualquer alteração constitucional formal, seja pela Emenda, seja pela Revisão.(Ivo Dantas, Ob. Cit)

"O controle de constitucionalidade tem por objeto lei ou emenda constitucional promulgada". RE 21.642 – Rel. Min. CELSO DE MELLO.

"Cabe Mandado de Segurança, no curso do processo legislativo, contra emenda constitucional que viole o art.60.§ 4º da Constituição. RE 21.747 – CELSO DE MELLO.

JOSÉ NERI DA SILVEIRA, Reforma Constitucional e o Controle de sua Constitucionalidade "possível será indicar, ad exempla, normas que, desde logo, definem conteúdos imutáveis da Constituição, tais como o art.2º, quanto à separação dos Poderes Legislativos, Executivo e Judiciário; o art. 5º, quando define "direitos e garantias individuais". Revista do Ministério Público, Nova Fase, Ed. RT, Porto Alegre, nº 35, 1995, pp.16-17.

Não se ode olvidar, a teor do rol do art. 59 da Carta, que a Emenda está compreendida no processo legislativo. E, assim sendo, é também Lei. Uma vez lei, está sujeita e adstrita ao princípio da irretroatividade

Duas observações da lavra do brilhante Ivo Dantas merecem destaque: a) o vocábulo Lei contido no mandamento transcrito engloba, indistintamente, todas as espécies legislativas contidas no art. 59 do texto constitucional, pois se assim não fosse estaríamos admitindo que só a Lei (tomada apenas no sentido formal e restrito) não poderia prejudicar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Em conseqüência, os decretos legislativos e as resoluções, por serem destituídos daquele sentido, não estariam incluídos nas limitações previstas e determinadas pelo inciso XXXVI; b) quando se fala em Emenda Constitucional, esta é manifestação de um Poder Constituído – Poder de Reforma – integrando, nos termos do art. 59 (CF, 1988), o Processo Legislativo e, como tal, encontra-se obrigada a render homenagem ao texto da Constituição, conclusão a que se chega não por mero exercício exegético, mas, inclusive, por determinação expressa deste mesmo texto (art.60, § 4º).

Tais emendas, entretanto, só poderão atingir Expectativas de Direito, nunca Direitos Adquiridos, visto que esses, entre nós, têm sede constitucional originária.

A esse respeito, o Min. Carlos Velloso: "Então é descabido, data venia, afirmar-se que tal direito não é oponível à reforma consubstanciada na Emenda Constitucional 1/69. É oponível, sim, porque é também um direito constitucional contido na matriz da reforma, na obra do Poder Constituinte originário do qual se derivou o Poder Constituinte de revisão".


11.DA AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE(Direta)

São legitimados para propor a referida ação direta, também catalogada como representação de insconstitucionalidade, O Presidente da República, a Mesa do Senado Federal; a Mesa da Câmara dos Deputados a Mesa da Assembléia Legislativa, O Governador de Estado, o Procurador - Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; partido político com representação no Congresso Nacional e a confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

As decisões nas ações de inconstitucionalidade não fazem coisa julgada (salvo nos casos concretos) – na via de exceção.

Por leis hão de entender-se todas as espécies previstas no art. 59: inclusive Emendas à Constituição.

Por ato normativo, entende-se: a) decretos do Poder Executivo; b) normas regimentais dos Tribunais federais e estaduais e suas resoluções. Exclui-se desse controle o prejulgado fixado pelos Tribunais.


12.INCONSTITUCIONALIDADE DA EMENDA:

Estas também se submetem ao controle da constitucionalidade, uma vez que, sendo fruto da competência reformadora, deverão ser produzidas segundo forma e com conteúdo previstos na Constituição. Produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo.

O art.60, § 4º, por sua vez, impede apreciação de emenda tendente a abolir a Federação, o voto direto, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais. Ou seja: tais matérias são vedadas ao legislador comum. Elevam-se à condição de imutáveis. Nesse ponto a Constituição é imodificável. Ou seja, ainda: nessas matérias o grau de rigidez é o máximo, inadmitindo qualquer flexibilidade.

A rigidez constitucional impõe o controle da constitucionalidade.

Arruda Alvim Salienta que "a primeira palavra lúcida a respeito foi dita pelo Min. Costa Manso, para quem a essência do conceito, o aspecto mais importante, diz respeito ao fato. Sua frase era esta: "O fato é que o peticionário deve tornar certo e incontestável". Sucessivamente, a partir dessa idéia, o Des. Luiz Andrade bem observou, já agora não com relação ao fato, mas ao direito, que a controvérsia não exclui juridicamente a certeza; vale dizer, sendo certo o fato, mesmo que o direito seja altamente controvertido, isso não exclui, mas justifica o cabimento do mandado de segurança. Numa palavra: a controvérsia e a certeza jurídica, esta a ser conseguida afinal, na sentença, não são idéias antinômicas, não são idéias que inelutavelmente brigam entre si. Portanto, o direito é certo desde que o fato seja certo; incerta será a interpretação, mas esta se tornará certa, mediante a sentença, quando o juiz fizer a aplicação da lei ao caso concreto controvertido".

Quando se fala, pois, em direito líquido e certo quer-se significar que num primeiro momento o fato pode ser controvertido; depois, tornar-se-á certo pela adequada interpretação do direito. Por isso, não há instrução probatória no mandado de segurança. Impetrante e informante hão de produzir documentalmente, todo o alicerce para sustentação das suas alegações. O fato, portanto, há de tornar-se incontroverso pela interpretação do direito, dada por meio da decisão judicial.

O eminente Vicente Ráo, na sua conhecida obra "O Direito e a Vida dos Direitos", descreve, com maestria, o sentido profundo da intangibilidade do tempo pretérito, nos seguintes termos: "A inviolabilidade do passado é princípio que encontra fundamento na própria natureza do ser humano, pois, segundo as sábias palavras de Portalis, o homem, que não ocupa senão um ponto no tempo e no espaço, seria o mais infeliz dos seres, se não pudesse julgar seguro sequer quanto à sua vida passada (...). Seria agravar a triste condição da humanidade querer mudar, através do sistema da legislação, o sistema da natureza, procurando, para o tempo que já foi, fazer reviver as nossas dores, sem restituir as nossas esperanças (...). (Ed. Resenha Universitária, 1977, v. 1, p. 428).

Já Raul Machado Horta, no judicioso artigo "Constituição e Direito Adquirido", publicado na Revista Trimestral de Direito Público, nº 1/93, p. 50-61, obedeceu a dois períodos. No primeiro, a irretroatividade ampla se encontra na Constituição e a proteção do direito adquirido advém desta, como princípio-reflexo. No segundo, a irretroatividade ampla foi absorvida pelo direito adquirido, que se tornou princípio constitucional explícito.

As Constituições Federais de 1824, 1891 e 1937 integram o primeiro período sendo que as de 1934, 1946. 1967 e 1988 o segundo, quando o direito adquirido passou a ser princípio constitucional, absorvendo nele a irretroatividade das leis.

Na vigente Carta Política, o direito adquirido, ao lado da coisa julgada e do ato jurídico perfeito, é direito e garantia individual, quando considerado em relação à lei nova, que não poderá prejudicá-lo, conforme estabelece o art. 5º, inciso XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada".

Como se vê, o legislador tratou o assunto em sede constitucional, colocando em igual patamar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Não se admitir o respeito ao direito adquirido implicaria dar-se o mesmo tratamento para o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

A Lei Maior, por decisão soberana dos constituinte originário, é, a um só tempo, fonte e protetora do direito adquirido. É dizer, origina-o e protege-o como cláusula pétrea.

Carlos Ayres Britto e Valmir Pontes Filho, no substancioso estudo "Direito Adquirido contra Emendas Constitucionais", repontam esta posição com igual vigor.

"Há direito adquirido, sim, contra as emendas constitucionais. O que não há é direito adquirido contra a constituição, tal como originariamente posta (...) Noutros termos(...) somente a Constituição originária é que se põe na linha de largada do Direito Positivo(...). Isto, pelo fato de que seu órgão de elaboração (Assembléia Nacional Constituinte no caso brasileiro) é o único a se caracterizar como instância capaz de normar sem ser normada (...)" (RDA 202/95, p 75/76).

Certo é que o poder de emenda não se confunde com o poder originário: aquele se sujeita ás limitações que este lhe impõe. Tais limitações, no sistema jurídico-positivo vigente, estão consagradas nos incisos I a IV do § do art.60 da Carta Política, in verbis:

"Art.60.........................................................................................

§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos poderes;

IV - os direitos e garantias individuais."

Ivo Dantas, na já citada brilhante obra "Direito Adquirido, Emendas Constitucionais e Controle da Constitucionalidade", observa:

"(...) quando se fala em Emenda Constitucional, esta é manifestação de um Poder Constituído – Poder de Reforma – integrando nos termos da art. 59 (CF, 1988) o Processo Legislativo e, como tal, encontra-se obrigada a render homenagens ao texto da Constituição, conclusão a que se chega não por mero exercício exegético, mas, inclusive, por determinação expressa do mesmo texto (art.60, § 4º) "(...) (Ed. Lumen Juris. 1996, p.62).

Não discrepa a orientação do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADIn nº 939-DF, decidiu que: "Uma emenda à Constituição, emanada, portanto, de Constituinte derivado, incidindo em violação à Constituição originária, pode ser declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precípua é a guarda da Constituição ( art. 102, I, "a", a CF). (...)". (RTJ, 151/755).

Ainda, o Excelso Pretório, no julgamento do Recurso de Mandado de Segurança nº 11.395, decidiu que: "Se na vigência da lei anterior, o servidor preenchia todos os requisitos exigidos, o fato de, na sua vigência, não haver requerido a aposentadoria não faz perder o seu direito que já estava adquirido (...)". (TRJ, 48/392).

Como se vê, nem mesmo através de Emenda poderia restar maculado o direito já incorporado ao patrimônio do indivíduo ou da coletividade, pois na Lição de Luís Roberto Barroso "A regra do art. 5º, inc. XXXVI, dirige-se, primariamente, ao legislador, e, reflexamente, aos órgãos judiciários e administrativos. Seu alcance atinge, também, o constituinte derivado, haja vista que a não retroação, nas hipóteses constitucionais, configura direito individual, que, como tal, é protegido pelas limitações materiais do art. 60, § 4º, IV. Disso resulta que as emendas à Constituição, tanto quanto as leis infraconstitucionais, não podem malferir o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. (in Interpretação e Aplicação da Constituição, p. 52, 1996, Saraiva.)


13. CONCLUSÃO

Em conclusão, nada há de surpreendente em que os princípios constitucionais fundamentais sejam intocáveis, pois se tratam de direitos e garantias individuais e coletivos, sendo defeso sua abolição por meio de proposta de emenda constitucional. As disposições desta não podem retroagir para desconstituí-los, sob pena de inconstitucionalidade.


Notas

1. Elementos de Direito Constitucional, Michel Temer, 15ª edição, Malheiros, 1999, São Paulo;

2. Julgamento da Adin 939-7/DF, 1993

3.Ob. Cit.

4.Ivo Dantas, obra citada.


Autor

  • Marcelo Roque Anderson Maciel Avila

    Advogado no Rio de Janeiro. Membro Efetivo do IAB - Instituto dos Advogados Brasileiros. Pós-Graduado em Direito Administrativo e Administração Pública. Autor dos Livros: Advogando contra a Administração Pública; A Garantia dos Direitos Fundamentais frente as Emendas Constitucionais; Estudos em Direito Público; Manual da Legitimidade Passiva no Mandado de Segurança e Teoria e Pratica do Mandado de Segurança. Além de diversos artigos científicos publicados em Revistas Jurídicas, como LEX; (STF e STJ) e Revista dos Tribunais

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AVILA, Marcelo Roque Anderson Maciel. Da garantia dos direitos fundamentais frente às emendas constitucionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 57, 1 jul. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2991. Acesso em: 29 mar. 2024.