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Hipóteses contemporâneas da deserdação do testamento

Hipóteses contemporâneas da deserdação do testamento

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A deserdação obedece a um procedimento próprio, não incidindo de forma imediata. Além de o testador mencionar expressamente, em testamento, a causa da deserdação estabelecida em lei, há a exigência de uma posterior confirmação por sentença judicial.

Resumo: Analisa novas modalidades de deserdação, além das hipóteses taxativas estabelecidas na lei civil vigente. Em primeiro momento abordam-se conceitos e características acerca de herança e testamento, quem são considerados herdeiros necessários, mencionando, ainda, as formas de exclusão sucessória previstas no ordenamento jurídico pátrio. Em seguida, discorre-se sobre o instituto da deserdação, apontando conceitos, requisitos e características, especificando cada uma das hipóteses legais, e confrontando com o instituto da indignidade, de maneira a demonstrarem-se semelhanças e diferenças. Por fim, faz-se uma abordagem a algumas modalidades contemporâneas capazes de ensejar a deserdação no testamento, como o abandono afetivo entre pais e filhos, a alienação parental e o abandono de incapaz. Nesse panorama confere-se especial relevo à concepção moderna de família, ao que se entende por poder familiar, ao princípio da afetividade, ao princípio da dignidade humana, bem como ao afeto como o principal fundamento das relações familiares.

Palavras-chave: Testamento. Deserdação. Hipóteses contemporâneas.

Sumário: 1  Introdução. 2  Noções gerais sobre herança e testamento. 2.1  Herança: breves considerações. 2.2  Do testamento em geral. 2.3  Formas de exclusão sucessória no Direito pátrio. 3  Da deserdação. 3.1  Conceito, requisitos e características. 3.2  Hipóteses legais. 3.3  Deserdação e indignidade sucessória. 4  Hipóteses contemporâneas da deserdação no testamento. 4.1  A deserdação como decorrência do abandono afetivo na relação parental. 4.2  A deserdação ante a alienação parental.4.3  A deserdação ante o abandono de incapaz. 5  Conclusões.Referências


1  Introdução

É certo que o instituto da deserdação, considerando o Direito contemporâneo, sobretudo o Direito civil sob uma ótica constitucional, com grande relevo para os princípios, exige uma nova interpretação. A atual realidade social tende a não mais se encaixar na rigidez do direito codificado.

A partir desse contexto, para o desenvolvimento deste trabalho, optou-se por organizá-lo em três capítulos. No primeiro capítulo serão abordados, de forma breve, os conceitos e as modalidades de herança e testamento, bem como as formas de exclusão sucessória adotadas pelo ordenamento jurídico pátrio.

Posteriormente, partir-se-á para uma análise acerca da deserdação e suas hipóteses legais, ocasião em que também serão apontadas semelhanças e distinções entre os institutos da deserdação e da indignidade, uma vez que representam formas de excluir alguém da sucessão.

No terceiro capítulo, e por fim, serão abordadas hipóteses contemporâneas capazes de autorizar a deserdação, além daquelas estabelecidas no Código Civil. Inicialmente, abordar-se-á o abandono afetivo nas relações parentais, conferindo-se destaque para o indispensável princípio da afetividade, concedendo relevo ao que hodiernamente se entende por família. Após, será feita uma explanação acerca do instituto da alienação parental como causa de deserdação. Nesta oportunidade, terá destaque o instituto do poder familiar, bem como a relevante Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010, denominada de Lei da Alienação Parental.

No último tópico do terceiro capítulo, apresentar-se-á também como causa contemporânea de deserdação o abandono de incapaz. Para tanto, além de se fazer, uma pequena abordagem à importância do afeto, abrir-se-á destaque para o abandono material, inclusive expondo suas consequências no âmbito do direito penal.

Dessarte, o objetivo geral do presente estudo é trazer novas modalidades de deserdação, malgrado sejam as hipóteses dispostas no atual Código Civil, um rol que não admita interpretação extensiva. Para tanto, será realizada pesquisa em artigos jurídicos, bibliográfica e jurisprudencial, e utilizado o método dedutivo, cujo propósito consiste em explicar o conteúdo das premissas para efetuar as conclusões.


2  Noções gerais sobre herança e testamento

2.1 Herança: breves considerações

Inicialmente, é sabido que a personalidade da pessoa natural, conforme dispõe o art. 6º do Código Civil[1], termina com a morte. Nesse mister, ao destacar o conceito de sucessão, tem-se que, “em sentido amplo, a palavra sucessão significa o ato pelo qual uma pessoa assume o lugar de outra, substituindo-a na titularidade de determinados bens” (GONÇALVES, 2011, p.13).

Partindo-se deste conceito, depreende-se, de forma mais estrita, que a sucessão (no direito das sucessões) decorre da morte de alguém, isto é, com a morte do autor da herança, seu patrimônio é transferido para seus sucessores ou herdeiros. 

O art. 1.784 do Código Civil, segundo o qual “Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”, indica as duas modalidades básicas de sucessão mortis causa, bem como consagra o denominado princípio da saisine[2].

 Nesse sentido, frise-se que, a sucessão legítima decorre de disposição legal, devendo ser observada a ordem de vocação hereditária, qual seja: descendentes, ascendentes (ambos em concorrência com o cônjuge), cônjuge sobrevivente e colaterais, conforme estabelece o art. 1.829 do Código Civil. Neste tocante, deve ser relevado que o descendente (filho, neto, bisneto, etc), o ascendente (pai, mãe, avô, avó, etc), bem como o cônjuge, são considerados herdeiros necessários (art. 1.845 do Código Civil), desde que não excluídos da sucessão por indignidade ou deserdação. Assim, caso haja herdeiros necessários, o testador só poderá dispor de metade dos bens que compõem a herança, ou seja, de metade do seu patrimônio, que é o que constitui a legítima.

No tocante à questão que envolve o companheiro como herdeiro necessário por equiparação ao cônjuge, importa destacar as palavras de Badin et al (2008, p. 9):

De um lado, tem-se o artigo 1.845 do Código Civil, que expressamente arrola os herdeiros necessários: os descendentes, os ascendentes e o cônjuge, sem fazer menção ao companheiro; de outro lado, há previsão no artigo 226, §3º, da Carta Magna, que determina que a lei facilite a conversão da união estável em casamento, dispositivo que respalda interpretações contraditórias acerca do mesmo tema. Assim é que há doutrinadores – Caio Mario da Silva Pereira, Giselda Maria Fernandes Hironaka, Luiz Paulo Vieira de Carvalho e Maria Berenice Dias – que o interpretam na vertente da equiparação do companheiro ao cônjuge e, assim sendo, aquele estaria implicitamente previsto na qualidade de herdeiro necessário no citado artigo 1.845; ao tempo em que há posição majoritária da doutrina – composta, dentre outros, por Christiano Cassettari, Eduardo de Oliveira Leite, Flávio Tartuce, Francisco José Cahali, Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Gustavo Rene Nicolau, Inacio de Carvalho Neto, Jorge Shiguemitsu Fujita, José Fernando Simão, Maria Helena Marques Braceiro Daneluzzi, Mario Delgado, Rodrigo da Cunha Pereira, Rolf Madaleno, Sebastião Amorim & Euclides de Oliveira, Silvio de Salvo Venosa e Zeno Veloso – no diapasão de a legislação civil pátria atual não estender a qualidade de herdeiro necessário ao companheiro.

Por outro lado, a sucessão testamentária, cujo nome já indica, é a que decorre de testamento. Em outras palavras, origina-se de ato de última vontade do de cujus, por testamento, legado ou codicilo[3].  

Nesse sentido explica Schiefler (2006):

Veja-se que enquanto a sucessão testamentária é uma liberalidade, a sucessão legítima é obrigatória. Em outras palavras, uma pessoa pode escolher herdeiros através da facção de um testamento. Já quanto à legítima ou na ausência ou invalidade da disposição de última vontade, serão seus herdeiros aqueles que a lei prevê. Daí que, presentes os requisitos legais e inexistentes vícios formais, essas pessoas beneficiadas pela lei ou pelo testamento obrigatoriamente possuem o direito subjetivo de receberem seu quinhão hereditário.

Ressalte-se, segundo Souza (2011), que a expressão “herdeiro” significa aquele que é contemplado com a totalidade do patrimônio da pessoa que faleceu (de cujus) ou uma cota-parte ideal dele. Neste caso, a sucessão é chamada de universal. Quando a sucessão é testamentária (legados), isto é, quando apenas direito certo e individuado é transferido, tem-se a chamada sucessão a título singular.

Frise-se, outrossim, que fazem parte da herança todos os bens que compõem o patrimônio do de cujus, a saber: móveis, imóveis, créditos e débitos, ou seja, a totalidade de direitos que não se extinguem com a morte. “Os direitos e deveres meramente pessoais, como a tutela, a curatela, os cargos públicos, extinguem-se com a morte, assim como os direitos personalíssimos” (VENOSA, 2010, p. 7).

Um dos fundamentos da sucessão mortis causa é a exigência da continuidade da pessoa humana. Segundo as lições de Tartuce (2011, p. 1187),

O Direito Sucessório está baseado no direito de propriedade e na sua função social (art. 5º, XXII e XXIII, da CF/1988). Porém, mais do que isso, a sucessão mortis causa tem esteio na valorização constante da dignidade humana, seja do ponto de vista individual ou coletivo, conforme o art. 1º, III e o art. 3º, I, da Constituição Federal de 1988.

Ademais, insta salientar que a herança pode ou não ser aceita. De acordo com o art. 1.805 do Código Civil, “a aceitação da herança, quando expressa, faz-se por declaração escrita; quando tácita, há de resultar tão somente de atos próprios da qualidade de herdeiro”. Por outro lado, em havendo renúncia à herança, a lei exige que deva constar expressamente de instrumento público ou termo judicial. Em outras palavras, deve a renúncia ser feita por meio de escritura pública ou mediante termo realizado perante o juízo do inventário. 

Por fim, registre-se que o meio processual para que sejam apurados os bens deixados pelo falecido é o inventário, findo o qual, será realizada entre os herdeiros a partilha. Até a homologação desta, o inventariante é a pessoa que exercerá a administração da herança, conforme reza o art. 1.991 do Código Civil.

2.2 Do testamento em geral                

No tocante ao testamento, cumpre destacar, inicialmente, que ainda é pouco utilizado no Brasil. Alguns fatores contribuem para essa realidade. Grande parcela da população não leva em consideração os efeitos patrimoniais que irão surgir após a sua morte, que em sua grande maioria causam conflitos ferrenhos entre os herdeiros no momento da partilha dos bens.

Dois fatores principais influenciam no baixo índice de elaboração de testamentos. O primeiro fator é psicológico, algumas pessoas acreditam que ao realizar um testamento atrairão a morte, trazendo para tal instituto uma carga supersticiosa. O segundo fator é social, sendo a falta de patrimônio uma realidade de muitos brasileiros.

Ademais, acrescenta Tartuce (2011, p. 1247) outro fator, ao afirmar que “muitos não fazem testamento por pensarem que a ordem de vocação hereditária prevista em lei é justa e correta”.

O Código Civil de 2002, em dissonância com o Código Civil de 1916, não trouxe em seu texto o conceito de testamento. Apenas afirmando no art. 1857, caput, que toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte. Em seguida, o § 2º deste artigo elucida que são válidas as disposições testamentárias de caráter não patrimonial, ainda que o testador somente a elas se tenha limitado (VELOSO, 2008).   

Alguns conceitos doutrinários foram elaborados ao longo dos anos sobre o instituto civil ora em destaque.

Desse modo, ainda consoante Veloso (2008),

O testamento é um negócio jurídico principalmente patrimonial; tipicamente, no sentido tradicional e específico, é um ato de última vontade em que o testador faz disposições de bens, dá um destino ao seu patrimônio, nomeia herdeiros, institui legatários, e isso acontece, realmente, na grande maioria dos casos.

Nesse sentido, Miranda (1972, apud TARTUCE, 2011) ensina que:

Testamento (diz-se) é o ato pelo qual a vontade de um morto cria, transmite ou extingue direitos. Porque “vontade de um morto cria”, e não “vontade de um vivo, para depois da morte”? Quando o testador quis, vivia. Os efeitos, sim, como serem dependentes da morte, somente começam a partir dali. Tanto é certo que se trata de querer de vivo, que direitos há (excepcionalíssimos, é certo), que podem partir do ato testamentário e serem realizados desde esse momento. Digamos, pois, que o testamento é o ato pelo qual a vontade de alguém se declara para o caso de morte, com eficácia de reconhecer, criar, transmitir ou extinguir direitos.

O testamento tem como características essenciais, a formação de um negócio jurídico, gratuito, mortis causa. Ainda, é ato revogável, e personalíssimo.

Destarte, o prazo para a impugnação da validade do testamento é de cinco anos, segundo prescreve o art. 1859 do CC/02. Os incapazes e os que não tiverem pleno discernimento, no momento da realização do testamento, não podem testar (art. 1860, CC/02). Porém, os maiores de 16 (dezesseis) anos podem testar (art. 1860, parágrafo único, CC/02).

O testamento pode ser dividido em ordinário e especial. Os ordinários estão elencados no art. 1.862 do CC/02, sendo eles, o testamento público, o cerrado e o particular. Por sua vez, os especiais são o testamento marítimo, aeronáutico e o militar. Ressalte-se, outrossim, a proibição do testamento conjuntivo, seja simultâneo, recíproco ou correspectivo (art. 1.863, CC/02).

No que concerne à modalidade de testamento público, previsto nos artigos 1.864 a 1.867 do CC/02, tem-se que é o testamento de maior credibilidade e segurança para as partes envolvidas, por ser ditado pelo testador e lavrado pelo tabelião em livro de notas, perante o mesmo oficial e na presença de duas testemunhas. Em relação às testemunhas, as restrições resumem-se aos interessados diretos. Esse tipo de testamento é o indicado para os analfabetos, os surdos e os cegos, com regras especiais na sua elaboração (TARTUCE, 2011).

Impende esclarecer também que “as declarações do testador podem ser feitas oralmente ou por escrito e, para tanto, pode se utilizar de minuta, notas ou apontamentos de forma a permitir que o tabelião reproduza, de forma fiel e objetiva, a vontade do testador” (OUTTONE, 2011, p. 1553), 

O testamento cerrado, por sua vez, é previsto no CC/02 nos artigos 1.868 a 1.875. É denominado de testamento secreto, místico, por tratar-se de um documento fechado, escrito pelo testador, ou por alguém a seu mando, e assinado por aquele. É um testamento escrito e assinado pelo próprio testador ou por alguém ao seu rogo, e pelas testemunhas. O documento é lavrado pelo tabelião na presença de duas testemunhas e em seguida registrado depois da última linha do testamento. Vale salientar, que o assinante a rogo não pode ser incluído como beneficiário (AMARAL, 2010).

Ademais, o art. 1.875 do mesmo diploma afirma que falecido o testador, o testamento será apresentado ao juiz, que o abrirá e o fará registrar, ordenando seja cumprido, se não achar vício externo que o torne eivado de nulidade ou suspeito de falsidade.

O testamento particular, também chamado de hológrafo, é previsto no CC/02 nos artigos 1.876 a 1.880.  É a forma mais simples de elaborar, porém, não tem o mesmo respaldo de segurança do testamento público. Este tipo de testamento é escrito pelo testador, de próprio punho, e por este assinado, sendo lido na presença de três testemunhas idôneas e capazes que o subscrevem. O testamento particular é o tipo de mais rápida e fácil elaboração (OUTTONE, 2011).

No que tange ao testamento marítimo e ao aeronáutico, estão previstos no CC/02 nos artigos 1.888 a 1.892.  

O testamento marítimo, segundo o art. 1.888, é facultado a quem estiver em viagem, a bordo de navio nacional, de guerra ou de mercante. Pode testar perante o comandante, em presença de duas testemunhas, por forma que corresponda ao testamento público ou ao cerrado. O parágrafo único do mesmo dispositivo admite que o registro do testamento seja feito no diário de bordo.

No tocante ao testamento aeronáutico, conforme entende o art. 1.889 do CC/2002, abrange quem estiver em viagem, a bordo de aeronave militar ou comercial. Neste caso, pode testar perante pessoa designada pelo comandante, nos termos do art. 1.888, ou seja, perante duas testemunhas e por forma que corresponda ao testamento público ou cerrado.

Por fim, o testamento militar, previsto nos artigos 1.893 a 1.896 do CC/02. É realizado por militares e por outras pessoas a serviço das Forças Armadas, dentro ou fora do País, ou em praça sitiada ou com as comunicações interrompidas.

2.3 Formas de exclusão sucessória no direito pátrio                       

A privação da herança no ordenamento jurídico pátrio pode acontecer por meio da deserdação, da indignidade e da renúncia. Quanto à exclusão sucessória pela deserdação e pela indignidade, ambas consideradas sanções civis, tem-se que as hipóteses dispostas no código civil, as quais constituem seus fundamentos, constituem número fechado, isto é, não admitem interpretação extensiva. Sobre esses institutos, posteriormente serão analisados em capítulo próprio de presente trabalho.  

Todavia, no que concerne à renúncia, leciona Schiefler (2006) que:

Importante anotar que em síntese, é ato voluntário e unilateral, puro e simples do sucessor que, por razões íntimas e pessoais, de maneira irrevogável, expressa (nunca tácita), e formal, não aceita que se torne definitiva a transmissão da herança desde a abertura da sucessão, quebrando o princípio da saisine.

A lei não força ninguém a aceitar a herança. Aliás, nem sempre uma herança pode beneficiar um herdeiro e, assim sendo, tem este a liberalidade de repudiá-la, contudo, desde que o faça de maneira expressa. Acerca disto, anota Tartuce (2011, p. 1207) que “não se admite a renúncia tácita, presumida ou verbal. O desrespeito a essa regra importa em nulidade absoluta do ato, por desrespeito à forma e à solenidade (art. 166, IV e V, do CC)”.

Nos termos do atual diploma civil[4], a transmissão tem-se por não verificada quando o herdeiro renunciar à herança. De fato, a renúncia faz com que aquele que renuncia seja considerado como se nunca houvesse sido herdeiro, sendo, pois, uma forma de exclusão sucessória voluntária. Em consequência, e por lógica, não há que se falar em direito de representação do herdeiro que renunciou.


3  Da deserdação

3.1 Conceito, requisitos e características

Inicialmente, cumpre relembrar que os herdeiros necessários (ascendentes, descendentes e cônjuge) possuem a garantia da legítima na herança, isto é, a metade do montante hereditário. Conforme ensina Schiefler (2006, p. 110),

Como o nosso direito é fusão do Direito Germânico, que não admitia a sucessão testamentária, e do Direito Romano, que dava ao testador bastante liberdade para testar, pelo menos metade dos bens de alguém necessariamente será destinada à sucessão legítima, garantindo-se a sequência patrimonial familiar pelo jus sanguinis ou pelo vínculo conjugal.

Assim, quando o testador deseja afastar de sua sucessão esses herdeiros necessários, o faz pelo instituto da deserdação.

No Código Civil, a deserdação encontra registro nos artigos 1.961 a 1.965. De acordo com Rodrigues (2007), deserdação consiste no ato pelo qual uma pessoa, apontando como causa uma das hipóteses permitidas por lei, afasta de sua sucessão, e por meio de testamento, um herdeiro necessário.

Segundo Tartuce (2011, p. 1213), “na deserdação há um ato de última vontade que afasta herdeiro necessário, sendo imprescindível a confirmação por sentença. Por isso é que a deserdação é tratada pelo CC/02 no capítulo próprio da sucessão testamentária”.

Para Gonçalves (2011), é o ato unilateral por meio do qual o testador exclui da sucessão herdeiro necessário, com base em uma das causas previstas em lei, não se confundindo com a indignidade, nem com a erepção, que ocorre quando o testador deixa de contemplar, em testamento, o herdeiro necessário, dispondo da metade disponível em favor de herdeiro não necessário ou de terceiro.

Para que a deserdação se efetive, alguns requisitos são exigidos. Nesse sentido, Gonçalves (2011) aponta os seguintes pressupostos: existência de herdeiros necessários, testamento válido, declaração expressa de causa prevista em lei e propositura de ação ordinária.

Não se pode falar em deserdação se não houver herdeiros necessários. Se com a morte do testador não existir herdeiro necessário, a cláusula torna-se inócua. Ressalte-se que a lei[5] assegura aos ascendentes, descendentes e cônjuge, a legítima, que com a deserdação fica afastada. No tocante aos outros herdeiros (não necessários), basta apenas que o testador disponha de seu patrimônio sem os contemplar.

No que concerne ao requisito do testamento válido, deve-se ressaltar que a deserdação só ocorre por testamento (VENOSA, 2010). Assim, testamento nulo, revogado ou caduco não gera deserdação. Ademais, o testamento não pode ser substituído por escritura pública, instrumento particular autenticado, termo judicial ou codicilo, conforme ensina Gonçalves (2011).

As causas que fundamentam a deserdação, as quais serão analisadas posteriormente, devem constar dos artigos 1.814, 1.962 ou 1.963 do código civil. Frise-se que o rol ainda é taxativo, ou seja, não admite analogia ou extensão.

Quanto ao requisito de propositura de ação ordinária, Gonçalves (2011, p.135) leciona que:

Não basta a exclusão expressa do herdeiro no testamento. É necessário, ainda, que o herdeiro instituído no lugar do deserdado, ou aquele a quem aproveite a deserdação (outros herdeiros legítimos, na ordem legal, inclusive o município, se estes não existirem), promova ação ordinária e prove, em seu curso, a veracidade da causa alegada pelo testador (CC, art. 1965).

Registre-se que, ausente a comprovação, torna-se ineficaz a deserdação, não ficando o deserdado prejudicado quanto a sua legítima.

Para Venosa (2010), o herdeiro necessário só será excluído por deserdação se houver prova da existência da causa determinante em juízo, por meio de uma ação movida pelos interessados, contra o herdeiro apontado. Em outras palavras, a mera declaração no testamento é insuficiente para a exclusão, sendo necessária uma sentença que acolha a prova da causa da deserdação.

A prova das causas da deserdação é feita por meio de ação ordinária contra o herdeiro, em que se demonstrará que o ato de ingratidão declarado no testamento pelo testador realmente existiu, de forma a serem evitadas declarações inverídicas contra o herdeiro necessário, trazendo uma maior segurança aos demais herdeiros necessários (TOMÁS, 2011).

Para Diniz (2005, p. 56), “esse processo ordinário é, indubitavelmente, uma garantia, visto que assegura o direito de defesa do réu, considerando-se que nele o autor procura provar um das causas legais da exclusão, enquanto o réu pretende evidenciar o contrário”. Logo, não há que se falar em exclusão sucessória direta e imediata daquele que cometeu alguma das causas autorizadoras da deserdação ou da indignidade. É preciso observar as garantias do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, por mais grave que tenha sido a conduta do herdeiro contra o autor da herança.

Ainda no que tange ao direito de provar a causa da deserdação, cumpre salientar que o exercício desse direito extingue-se no prazo de quatro anos, a partir da data da abertura do testamento, sob pena de decadência, nos termos do parágrafo único, do artigo 1.965 do Código Civil[6].

De acordo com Venosa (2010, p. 321),

Se existe cláusula de deserdação, não deve o herdeiro apontado ficar na posse dos bens da herança. Nem poderá ele, é evidente, ser inventariante. Como uma porção da herança é duvidosa, não se faz a partilha até a decisão final da causa. Também não se pode dar posse dos bens sub judice ao herdeiro instituído ou legatário interessado. Os bens deverão ficar com o inventariante, pela natureza de seu cargo, ou, se for o caso, com terceiro, herdeiro ou não, mediante fiel depósito, dependendo das circunstâncias e do critério do juiz. A iniciativa do afastamento do indigitado herdeiro deve ser dos demais interessados. Se estes nada fizerem, aceitam tacitamente a posição do inquinado como herdeiro.

Observe-se, outrossim, conforme anota Tomás (2011, p. 1623), que “a deserdação só atinge o deserdado, não se estendendo aos seus herdeiros”. É como se o herdeiro deserdado passasse a não mais existir. E, assim sendo, seus descendentes passam a ter direito de representação, pois é como se o deserdado estivesse morto.

Por fim, forçoso destacar outro requisito trazido por Venosa (2010), segundo o qual não haverá deserdação se houver perdão por ato autêntico ou testamento, conforme prescreve o art. 1.818 do Código Civil. Apesar deste dispositivo tratar do instituto da indignidade, não existem razões para inadmitir o perdão ao herdeiro deserdado.

Nesse mister, frise-se que o perdão só pode ser posterior ao testamento que inseriu a deserdação. Já “o ato autêntico do perdão não pode dar margem a dúvidas. Meras promessas de perdão ou inferências da atitude do testador são irrelevantes” (VENOSA, 2010, p. 320).

Ainda com base nos ensinamentos de Venosa (2010), importa trazer à baila que não se admite deserdação condicional, tampouco que possa ser parcial. Não existe meia deserdação. O herdeiro ou é digno de receber a sua herança ou não é. Se o testador não quiser que o herdeiro ingrato sofra o rigor da lei aplicando-lhe a deserdação, basta que disponha a outros da parte que não está inserida na legítima. Não deixa de ser uma pena, por exemplo, um filho que receba menos que seus irmãos. 

Expostas todas essas considerações acerca do conceito e dos requisitos da deserdação, passar-se-á à análise das hipóteses estabelecidas no diploma civil que autorizam o instituto em tela.

3.2 Hipóteses legais

Segundo reza o artigo 1.961 do código civil, os herdeiros necessários podem ser privados de sua legítima, ou deserdados, em todos os casos em que podem ser excluídos da sucessão. Frise-se que a enumeração das causas da deserdação constitui um rol taxativo, restrito, isto é, só é permitido deserdar um herdeiro (necessário) mediante a descrição com posterior comprovação, de fatos graves elencados nos artigos 1.814, 1.962 e 1.963 do código civil.

Assim, de acordo com o art. 1.814 da codificação civil atual[7], atentado contra a vida, a honra e a liberdade de testar do de cujus, autorizam a deserdação, como também constituem hipóteses de indignidade, instituto que será estudado mais adiante.

A vocação hereditária, conforme ensina Souza (2011), resulta do parentesco (sucessão legítima) ou da vontade do autor (sucessão testamentária). No entanto, ambas pressupõem relação de afetividade entre o autor da herança e seus sucessores. Logo, caso o sucessor pratique qualquer das hipóteses elencadas nos incisos I a III do art. 1.814, é compreensível o desaparecimento do fundamento ético do direito sucessório, qual seja, a relação de afeto e solidariedade entre o autor da herança e seu sucessor.

No tocante aos artigos 1.962 e 1.963, impende esclarecer que, embora o cônjuge também seja considerado um herdeiro necessário[8], não foi inserido como um dos sujeitos da deserdação por força do disposto nesses artigos.

Nas palavras de Schiefler (2006, p.123),

Por absoluto descuido do legislador, o cônjuge supérstite, guindado na atual legislação sucessória à condição de herdeiro necessário, não recebeu um artigo específico prevendo as hipóteses em que seu consorte pode deserdá-lo. Apenas se lhe aplica a regra geral do art. 1.814 do Código Civil. (...) Acredita-se que houve, de fato, um grave vacilo legislativo. Por causa de uma traição, por exemplo, deveria haver previsão legal para que um cônjuge deserdasse o outro. É claro que essa conduta é ofensiva à honra do traído, causando-lhe grave injúria. Todavia, como esse fato não se encaixa na causa legal do art. 1.814, II, do Código Civil (que cuida da honra), e tampouco existe um artigo específico destinado aos cônjuges (à semelhança dos arts. 1.962 e 1.963 do CC), não há como ocorrer a deserdação.

Nesse mister, reza o art. 1.962 do diploma civil[9], que a deserdação dos descendentes está autorizada por seus ascendentes nas hipóteses de ofensa física, injúria grave, relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto, e desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade. “Como a lei não distingue, o ascendente de qualquer grau pode deserdar qualquer descendente” (VENOSA, 2010, p. 324).

A ofensa física representa qualquer tipo de agressão física, seja branda ou mais grave, contra a vítima, que neste caso é o autor da herança.

Observe-se que não importa a forma de agressão – leve ou grave. O que a lei reprime é o ato de desamor e desrespeito para com o ofendido, o testador, uma vez que a deserdação encontra alicerce na necessidade de fortalecimento da família, revigorando as noções de respeito, solidariedade, gratidão, afeto, e punindo os maus instintos e suas explosões entre ascendentes e descendentes (TOMÁS, 2011).

Todavia, leciona Venosa (2010, p. 325) que:

Os princípios gerais do direito penal devem servir como subsídio. Não é agressão, portanto, o ato praticado em legítima defesa. Trata-se, porém, de exame de prova cível. Não se adentra no rigor da lei penal que procura proteger o réu, em várias situações. Se houve condenação penal do deserdado, pelo fato mencionado pelo testador, a questão se torna pacífica. Contudo, nunca podemos admitir como peremptória uma afirmação na ciência jurídica. Por vezes, admitir como incontroversa a condenação criminal pode gerar injustiças.

Para que haja deserdação com base em ofensa física, não se faz necessária a condenação na seara penal. Ressalte-se que a responsabilidade civil é independente da criminal, de acordo com a redação do art. 935 do código civil.

No que concerne à hipótese de injúria grave, impende destacar que o Código Penal, no art. 140, define[10] a injúria como sendo ofensa à dignidade ou ao decoro de alguém.

Todavia, esclareça-se que, assim como na hipótese de ofensa física, “a injúria grave como uma das causas da deserdação pode ser discutida exclusivamente no juízo cível, independentemente de sentença criminal” (TOMÁS, 2011, p. 1.618).

Note-se que a lei faz referência expressa à gravidade da injúria. O termo “grave” exige que tenha havido um sério ataque à dignidade de alguém. Isso demonstra que simples desentendimentos entre o autor da herança e seu sucessor, por mais desgastantes que sejam não representam injúria grave.

Para constituir injúria grave, segundo Venosa (2010), deve ser observado o ânimo de injuriar, bem como as circunstâncias gerais que envolveram a conduta, como nível social e cultural das pessoas envolvidas; situação em que ocorreu o evento; provocação da vítima, etc.

Ressalte-se, ademais, que a injúria pode se concretizar por meio de palavra escrita ou falada. De qualquer modo, a atribuição para mensurar a gravidade da injúria é do magistrado, que analisará as circunstâncias fáticas do caso concreto.

O inciso III, do art. 1.962 traz a hipótese de relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto. O inciso, por si só, já é autoexplicativo. Ora, “tais atos justificam a deserdação por criarem um ambiente prejudicial à paz familiar, de desrespeito e falta de pudor” (GONÇALVES, 2011, p. 136).

  Anote-se que o Código Civil de 1916, fruto de uma sociedade excessivamente machista e preconceituosa, estabelecia como causa de deserdação a desonestidade da filha que vivesse em casa paterna (art. 1.744, III). Em outras linhas, o dispositivo se referia à deserdação da filha que mantivesse relações sexuais na casa paterna. Entretanto, por violar o art. 5º, I, da Constituição Federal[11], essa previsão foi abolida do Código Civil vigente.

A última hipótese de art. 1.962 diz respeito ao desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade.

Registre-se que representa ato de tristeza, crueldade, desumanidade, um descendente (filho ou neto, por exemplo) que abandona seu ascendente (pais ou avós, por exemplo) em momento de extrema fragilidade. Todavia, forçoso perceber que o legislador agiu com muita brandura ao restringir demasiadamente esta hipótese de deserdação.  Assim é que, no capítulo seguinte do presente trabalho, serão abordadas outras causas que justificariam a deserdação, apesar do rol taxativo trazido pelo código civil. Em outras palavras, um descendente que abandona material, espiritual e moralmente seu ascendente, ainda que este não possua alienação mental ou grave enfermidade, merece ser punido com a deserdação.

Acerca dessa hipótese de deserdação, lembra Venosa (2010) que, um ascendente que se encontra em estado de alienação mental, não poderia validamente testar. A questão, portanto, se refere à reaquisição da capacidade mental.

Ainda de acordo com Venosa (2010, p. 326), “o desamparo é eminentemente econômico, na medida do que podia o descendente amparar. Todavia, não se descarta o desamparo moral e intelectual da dicção legal”.

Mais uma vez, assim como nas demais hipóteses, caberá ao juiz a análise do caso concreto para decidir a favor ou não da deserdação.

O art. 1.963 do Código Civil, conforme já mencionado anteriormente, elenca as hipóteses[12] de deserdação dos ascendentes pelos descendentes, as quais, quando praticadas, só revelam o total desprezo pelo autor da herança. Observe-se que as causas do art. 1.963 são bem semelhantes às do art. 1.962.

A intenção do legislador, da mesma forma que no art. 1.962, é reprimir o desamor, a ingratidão, os maus tratos, de maneira a fortalecer os laços familiares. De fato, uma relação entre pais e filhos deve ser pautada no afeto, na consideração, no amor e no respeito.

Para as hipóteses de ofensa física (inciso I, art. 1963), injúria grave (inciso II, art. 1963) e relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do neto, ou com o marido ou companheiro da filha ou o da neta (inciso III, art. 1963), são válidos os mesmos comentários tecidos neste trabalho quando da análise do art. 1.962.

Nessa esteira, cumpre destacar as palavras de Venosa (2010, p. 327), segundo as quais, “os castigos físicos moderados, que têm a função educativa, aos menores de pouca idade, não podem ser levados em conta para se inserirem nas ofensas físicas”.  Já que a lei não faz menção ao tipo de ofensa física, cada caso precisa ser cuidadosamente analisado pelo juiz.

No tocante ao desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou grave enfermidade, perceba-se que no inciso IV do artigo anterior, a lei denomina de alienação mental, em vez de deficiência mental. No entanto, reiterem-se as mesmas considerações feitas quando do estudo do art. 1.962, IV, pugnando-se pela interpretação extensiva do dispositivo, uma vez que outras incapacidades de um filho ou neto vítimas de abandono poderiam justificar a deserdação.                        

3.3 Deserdação e indignidade sucessória

Apesar de deserdação e indignidade serem institutos bem parecidos, sobretudo por possuírem o idêntico propósito de excluir o herdeiro da sucessão, algumas diferenças devem ser apontadas.

Destaque-se, nesse sentido, o pensamento de Hironaka (2007, p.148-149):

Não se pode confundir a falta de legitimação para suceder com a exclusão por ilegitimidade e deserdação, isso porque no primeiro caso há um afastamento do direito por razão de ordem objetiva. Por outra via, na indignidade e na deserdação há uma razão subjetiva de afastamento, uma vez que o herdeiro é considerado como desprovido de moral para receber a herança, diante de uma infeliz atitude praticada.           

Deserdação, conforme já analisado em tópico anterior, é ato por meio do qual o testador (autor da herança), com fundamento em uma das causas estabelecidas em lei (arts. 1.814, 1.962 e 1.963 do Código Civil) exclui da sucessão somente herdeiro necessário, isto é, descendentes, ascendentes e cônjuge. Frise-se que referido instituto não consiste em um mero ato de vontade, já que a finalidade é punir o exercício de um ato ofensivo praticado pelo herdeiro. Outrossim, a deserdação só pode ser realizada através de testamento e com posterior prolação de sentença que confirme ou não a deserdação. Uma vez que as razões que motivaram a deserdação não são provadas, ou passado o prazo legal de quatro anos sem a propositura da ação ordinária pelo herdeiro instituído ou por aquele a quem aproveite a deserdação, esta não existirá.

Por sua vez, a indignidade consiste no ato de retirada que alcança qualquer classe de herdeiro, seja ele legítimo ou testamentário (SOUZA, 2011). A lei enumera os atos que são passíveis de indignidade, sendo eles, os atos contra a vida, a honra e a liberdade do de cujus. Em outras palavras, consideram-se herdeiros indignos todos aqueles que praticarem qualquer dos atos dispostos no artigo 1.814 do código civil.

Em comparação com o código civil de 1916, a novidade está na ampliação de pessoas ofendidas a ensejar a exclusão da herança. O atual diploma civil protege não apenas a vida do autor da herança, como dispunha o código civil anterior, mas também a vida de seus ascendentes, descendentes, cônjuge ou companheiro (SHIEFLER, 2006).

A hipótese estabelecida no inciso I, do art. 1.814 do CC/02 (homicídio ou tentativa de homicídio), certamente constitui uma das mais graves das causas de indignidade por representar atentado contra a vida do autor da herança.

De acordo com Souza (2011, p. 1513),

Não há maior falta de afeição, solidariedade e gratidão para com o defunto do que o ato daquele que lhe provocou a morte. Só configura, entretanto, causa de indignidade o homicídio doloso (praticado com animus necandi), independentemente do motivo que impulsione o homicida, sendo irrelevante, pois, que tenha agido com o intuito de apressar a aquisição da herança. Referindo-se o inciso I ao homicídio consumado ou tentado, presente o dolo de matar, o resultado morte não é exigido para a exclusão do herdeiro. Mas não configura indignidade o homicídio culposo, a instigação, induzimento ou auxílio ao suicídio, ou, ainda, quando presente causa de exclusão da ilicitude (estado de necessidade, legítima defesa, exercício regular de direito).

Apesar de a lei mencionar no inciso I, do art. 1.814, apenas o crime de homicídio, polêmicas se instalam no tocante ao crime de suicídio. Nesse sentido, Shiefler (2006) defende que o herdeiro criminoso que tem a intenção de ceifar a vida do autor da herança induzindo-o, instigando-o ou auxiliando-o ao suicídio, merece ser declarado indigno como forma de sanção civil, em virtude de conduta antiética e vil, desprezada pelo atual diploma civilista.

O inciso II, do art. 1.814 do CC/02, traz hipótese que fere a honra do autor da herança, fazendo referência aos crimes dos arts. 339 (denunciação caluniosa), 138 (calúnia), 139 (difamação) e 140 (injúria) do Código Penal.

Conforme ensina Gonçalves (2011, p. 40),

A jurisprudência restringe o conceito de denunciação caluniosa, exigindo que tenha sido praticada não apenas em juízo, mas em juízo criminal. Logo, se feita no juízo cível, não fica configurada a indignidade. Quanto à segunda parte, que se refere a crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria), entendem alguns que o verbo “incorrerem” conduz à conclusão de que o reconhecimento da indignidade, nesses casos, depende de prévia condenação no juízo criminal.

O inciso III, do art. 1.814, por sua vez, cuida da liberdade de testar. Segundo o dispositivo, o herdeiro ou legatário que inibir o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade, empregando a violência – moral ou física, ou por meios fraudulentos, podem ser reprimidos civilmente pela indignidade.

Nessa esteira, ensina Souza (2011, p. 1515):

A indignidade recai, portanto, sobre aqueles que impedem a feitura do testamento ou sua revogação, frustram a execução do testamento ou, ainda, obrigam o testador a revogar testamento já feito. Em todas essas situações, movido pela ambição, atenta o herdeiro ou legatário contra a liberdade de testar, merecendo o repúdio da lei.

Ora, além de capaz, o testador deve ser livre no momento de fazer o testamento, não podendo sofrer qualquer tipo de influência.

Importante destacar, ademais, que a exclusão sucessória por indignidade “se dá por simples incidência da norma e por decisão judicial, o que pode atingir qualquer herdeiro” (TARTUCE, 2011, p. 1212), conforme se extrai do teor da redação[13] do art. 1.815 do Código Civil.

A ação de indignidade, conforme anota Tartuce (2011, p. 1213), “pode ser proposta pelo interessado ou pelo Ministério Público, quando houver questão de ordem pública”. O prazo decadencial para o exercício do direito de propor ação com o propósito de excluir herdeiro ou legatário da sucessão é de quatro anos, a contar da abertura da sucessão, tal como acontece na deserdação.

Perceba-se que a situação do indigno, assim como a do deserdado, é semelhante depois de prolatada a sentença que assim o declara, ou seja, tanto um quanto outro estão excluídos da sucessão e não receberão herança. A diferença que é possível compreender entre os dois institutos é que o indigno pode ou não sofrer uma ação de indignidade e, enquanto não for considerado indigno por força de sentença judicial, continua sendo herdeiro e permanece na posse dos bens que compõem a herança. Já quanto ao deserdado, antes mesmo da sentença, existe contra ele um testamento que o afasta da herança.

Quanto aos efeitos[14] da indignidade, assim como da deserdação, tem-se que são pessoais, conforme preleciona o art. 1.816 do CC/02. Em outras palavras, a exclusão da sucessão por indignidade (ou deserdação), por ter natureza de sanção civil, não pode passar da pessoa do indigno.

Importa destacar, por fim, que é possível ao autor da herança, ofendido, perdoar o ofensor. Esse perdão, denominado de reabilitação[15] do indigno, previsto pelo Código Civil, é ato formal e privativo da vítima, isto é, constitui ato personalíssimo (VENOSA, 2010). Em verdade, trata-se de uma demonstração de afeto e nobreza do ofendido para com o herdeiro ofensor.

Observe-se que, da mesma forma que na deserdação, as hipóteses de indignidade constituem um rol taxativo, ou seja, não é possível que outros motivos - além dos dispostos no art. 1814 do CC/02 – sejam criados para excluir o herdeiro indigno da sucessão.

Tecidas todas essas considerações, passar-se-á a uma breve explanação acerca de modalidades contemporâneas que poderiam dar azo à deserdação, apesar de não estarem inseridas no rol estabelecido em lei.


4 Hipóteses contemporâneas da deserdação no testamento                

A sociedade hodierna enfrenta novos contornos sociais. E o direito, como uma ciência, deve acompanhar a sociedade, moldando-se a ela. As transformações do mundo globalizado requerem um direito que possa ser aplicado às mais diferentes situações. Não se pode estagnar; prender-se aos dogmas de uma sociedade calcada no preconceito e detentora de uma visão pouco humana das pessoas.

É com base nisso que tudo o que envolve a vida humana e que, sobretudo, pode repercutir negativamente no desenvolvimento das pessoas, merece a atenção do direito.

4.1 A deserdação como decorrência do abandono afetivo na relação parental

Preliminarmente, cumpre destacar a importância do afeto como o principal fundamento das relações parentais. Nessa esteira é que atualmente fala-se em repersonalização das relações familiares, como forma de atender aos interesses mais valiosos das pessoas, que são o afeto, a solidariedade, a confiança, a lealdade, o respeito e o amor.  O instituto Família não se restringe ao modelo tradicional formado por um homem e uma mulher unidos pelo matrimônio e cercados de filhos. Uma série de transformações ao longo do tempo serviu para moldar o que hoje se entende por família. A própria Constituição Federal de 1988 apresenta um rol exemplificativo a esse respeito, com caráter pluralista, disposto no artigo 226[16] (famílias monoparentais, heterossexuais, etc.), o qual consagra a inclusão e o respeito à dignidade humana. E a ruptura desse paradigma de família convencional, moldada por conceitos até mesmo patriarcais, conferiu ao princípio da afetividade uma maior ênfase.

Segundo Dias (2012), o marco inicial na construção de um novo paradigma da relação entre pais e filhos se deu com o surgimento da possibilidade de identificar a verdade biológica através de indicadores genéticos. Posteriormente, ocorreu a aglutinação do direito com as ciências psicossociais, o que tornou indispensáveis as presenças do pai e da mãe para o adequado desenvolvimento do filho. De forma correlata, nasceu o conceito de paternidade responsável, o que levou a lei a dar prioridade à chamada guarda compartilhada. Todas essas mudanças provocaram a valorização dos vínculos familiares, tendo como referencial, o compromisso ético das relações afetivas.

Cumpre destacar, ainda de acordo com Dias (2012), que:

De nada adiantam todas essas regras, princípios e normas se a postura omissiva ou discriminatória dos genitores não gerar consequência alguma. Reconhecer - como historicamente sempre aconteceu - que a única obrigação do pai é de natureza alimentar, transforma filhos em objeto, ou melhor, em um estorvo do qual é possível se livrar mediante pagamento de alimentos.                                                 

Segundo Lôbo (2004, p. 138), “na visão moderna do direito das famílias (não do vetusto direito de família), a família é identificada pela comunhão de vida, de amor e de afeto no plano da igualdade, da liberdade, da solidariedade e da responsabilidade recíproca”.

De fato, o que verdadeiramente enaltece o vínculo entre pais e filhos, bem como o termo família, é a afetividade, o amor, a solidariedade, o respeito, o carinho, o cuidado, etc., e não apenas o vínculo biológico ou consanguíneo. Aliás, há uma grande diferença entre ser pai e ser genitor. Para Oliveira (2010, p. 51), “a importante presença do afeto no pensamento jurídico dos dias de hoje, se dá a partir da significativa mudança na percepção e na vivência das famílias”.

Nesse sentido,

Inserir a afetividade como princípio fundamental ao estabelecimento de vínculos formais entre pessoas (seja uma relação sexual ou uma relação fraterna), nada mais é do que finalmente retirar o véu da hipocrisia que cobriu os 77 (setenta e sete) anos em que vigorou o Código Civil de 1916. Os sentimentos humanos sempre existiram; sempre alguém amou outrem, mas conforme a cultura da época nem sempre puderam formalizar vínculos de filiação e de união sexual estabelecidos no afeto (ANDRADE, 2010, p. 73).

O princípio da afetividade encontra respaldo constitucional[17], ainda que implícito, uma vez que representa valor que decorre da dignidade humana. A igualdade entre os filhos, independentemente de suas origens; a adoção, que representa uma escolha afetiva; o direito à convivência familiar, etc, além de conduzirem ao princípio da afetividade, constituem a evolução social da família.

Nesse aspecto, cumpre destacar, que o direito à saúde, elencado no artigo 227 da Carta Maior, não se limita à saúde física, mas envolve também, e principalmente, a saúde mental.

Observe-se, desse modo, que a saúde psicológica relaciona-se intimamente com o ambiente em que a criança ou o adolescente vive. Para uma boa e saudável formação psicológica é necessário que aqueles que convivam com o menor sejam inteiramente responsáveis e tenham a consciência do respeito à infância. Mais que isso: tenham consciência de que o afeto é fundamental para a preservação da vida.

Para Hamada (2013),

O instituto da paternidade não deve ser visto apenas como um direito, ele é direito-dever. Mais do que a convivência e cuidados, o ato de amor perante o filho deve estabelecer um vínculo de amizade, companheirismo, proteção e confiança. Além disso, deve proporcionar o desenvolvimento saudável, uma vez que a base psicológica de pertencimento da criança nasce de uma boa relação entre pais e filhos.

Indubitavelmente, um filho que fora abandonado ou desprezado afetivamente por seu genitor ou genitora é vítima de violência, é vítima de crueldade. As sequelas emocionais e comportamentais nele instaladas se estenderão por toda a vida. Tanto que atualmente é comum a discussão acerca da possibilidade de se conceder indenização por dano moral decorrente de abandono afetivo de filho.  

Conforme ensina Lôbo (2005),

(...) a afetividade, sob o ponto de vista jurídico, não se confunde com o afeto, como fato psicológico ou anímico, este de ocorrência real necessária. O direito, todavia, converteu a afetividade em princípio jurídico, que tem força normativa, impondo dever e obrigação aos membros da família, ainda que na realidade existencial entre eles tenha desaparecido o afeto. Assim, pode haver desafeto entre pai e filho, mas o direito impõe o dever de afetividade.

Muito se tem discutido acerca da imposição do amor às relações familiares por parte do direito. Em recente julgado[18], o Superior Tribunal de Justiça concedeu a uma filha, o direito à indenização por motivo de abandono afetivo provocado pelo seu genitor. Certamente, dinheiro nenhum compensará a ausência afetiva sofrida por um filho. No entanto, por outro lado, é imperioso reconhecer o caráter pedagógico e punitivo de uma indenização.

Tamanha a gravidade do tema em foco, que torna importante mencionar o Projeto de Lei que tramita no Senado Federal, o qual modifica o Estatuto da Criança e do Adolescente para enquadrar como ilícito civil e penal o abandono moral dos filhos, como forma de prevenir, bem como solucionar os casos considerados intoleráveis de negligência dos pais em relação aos filhos, que vão muito além da mera assistência financeira (OLIVEIRA, 2013). 

O responsável pelo abandono afetivo precisa entender que o sofrimento por ele causado, isto é, os transtornos psicológicos gerados em um filho, pela falta de amor, pela frieza e desprezo, repercutirão ao longo da vida daquele filho, comprometendo seu desenvolvimento e prejudicando sua interação junto à sociedade.

Nesse sentido, cumpre destacar as palavras de Sousa (2008):

Compreender, pois que o termo “abandono” vai além do aspecto material, para alcançar o aspecto moral entre os pais e sua prole, pode até configurar uma exegese revolucionária ou audaciosa, mas é acima de tudo uma reverência à lei que a exprime. Portanto, os pais são obrigados a absterem-se de abandonar afetivamente os filhos. O abandono afetivo, expressão de sentido bastante elástico, significa mais que privar os filhos de amor, carinho e ternura. Ela representa acima de tudo, privação de convivência, a omissão em sua forma mais erma e sombria. O mesmo que inclinar a mente infanto-juvenil a entender seus genitores como meros personagens da reprodução, figuras estanques e frias que a deixam por muito tempo ou mesmo por toda a vida à míngua de uma amizade pura, exilando-a a um desenvolvimento indigno, vulnerável e solitário.

Não se pode olvidar, ademais, que a falta de afetividade também pode existir nos filhos em relação aos pais, principalmente quando estes são idosos. Comumente observam-se casos em que os filhos se distanciam dos pais, não buscam notícias, não se importam com a situação em que vivem. Privados do contato, do afeto, do cuidado e do amor que os filhos poderiam ofertar, também sofrem violência em sua dignidade.

Tecidas todas essas considerações, passa-se à análise da deserdação como uma das consequências do abandono afetivo.

Fazendo-se um paralelo entre o abandono afetivo e a deserdação, é plausível considerar, hodiernamente, que a relação entre ambos os institutos pode ser de causa e efeito. Ora, o afeto é um valor inerente à formação da dignidade humana e indispensável ao aperfeiçoamento da vida. E, assim sendo, torna-se urgente o seu reconhecimento.

Conforme explanado em tópico anterior do presente trabalho, a deserdação consiste em ato unilateral pelo qual o testador exclui da sucessão herdeiro necessário, através de disposição testamentária motivada em uma das causas previstas em lei (artigos 1.814, 1.962 e 1.963 do Código Civil).

Todavia, apesar de as hipóteses que autorizam a deserdação serem consideradas numerus clausus, não admitindo interpretação extensiva, outras modalidades poderiam ser inclusas, de forma a tornar o rol exemplificativo.    

Nessa esteira, cumpre destacar o Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 118/2010, que hoje tramita na Câmara dos Deputados, de autoria da senadora Maria do Carmo Alves, o qual altera os capítulos V e X do Livro V do Título I do Código Civil, para conferir novo tratamento aos institutos da exclusão da herança, relativamente à deserdação e à indignidade sucessória. Desta forma, pretende o legislador atualizar o ordenamento jurídico, colocando-o em consonância com a realidade social.  

De acordo com o PLS[19], o atual Capítulo X – Da deserdação, deverá ser chamado Da privação da Legítima. Sendo assim, fica autorizada a deserdação do herdeiro, quando este houver se omitido no cumprimento das obrigações do direito de família que lhe incumbiam legalmente; tenha sido destituído do poder familiar; ou não tenha reconhecido voluntariamente a paternidade ou maternidade do filho durante a sua menoridade civil. Ademais, o PLS 118/10 reduz o prazo do direito de demandar a privação da legítima de quatro para dois anos, contados da abertura da sucessão ou do testamento cerrado.

Registre-se que o Direito não é formado estritamente por leis. Os princípios, sobretudo ao se enxergar o Direito Civil a partir de uma ótica constitucional, possuem uma alta carga valorativa, podendo ser, pois, fundamento suficiente para o julgador que busca uma resposta justa para um determinado caso concreto.

Nesse mister, Hironaka (2001) ensina que:

O direito do século XXI será diferente do direito dos anteriores séculos, exatamente porque o jurista de hoje tem uma atitude muito diferente da atitude do jurista de séculos anteriores. (...) Os seres humanos mudam e mudam os seus anseios, suas necessidades e seus ideais, em que pese a constância valorativa da imprescindibilidade da família enquanto ninho. A maneira de organizá-lo e de fazê-lo prosperar, contudo, se altera significativamente em eras até próximas, ou mesmo em culturas próximas. Ora, sob o vigor e a rigidez do direito codificado esse fenômeno pode se revelar engessado, por ser estreita demais a norma para tão expansível realidade.

A herança pautada no mero fator genético não parece ser, atualmente, fundamento jurídico plausível. Diante de uma clara, gradual e natural tendência para um direito mais humanizado, e considerando a grande incidência e importância dos princípios no ordenamento jurídico Pátrio, sobretudo o princípio da afetividade (no Direito das Famílias e Sucessório), encontra respaldo a ideia da deserdação por abandono afetivo. A afetividade é um princípio que abarca, na seara da família, outro princípio: o da solidariedade. Assim, com base na alegação e comprovação de ausência de vínculo afetivo, o autor da herança, por meio de testamento válido, está autorizado a deserdar seu herdeiro necessário.

4.2 A deserdação ante a alienação parental

Importante destacar, propedeuticamente, que os pais exercem sobre os filhos o poder familiar, decorrente do vínculo jurídico de filiação, alicerçado, sobretudo, no afeto. O artigo 1.631 do Código Civil reza que durante o casamento e a união estável, o poder familiar compete aos pais e na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade.

Note-se que o poder familiar consiste em um conjunto de direitos e responsabilidades que preenchem a relação entre pais e filhos. Sendo assim, a separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos, conforme determina o art. 1.632, do Diploma Civil. “O dispositivo acaba trazendo um direito à convivência familiar e, ao seu lado, um dever dos pais de terem os filhos sob sua companhia. Nessa norma reside fundamento jurídico substancial para a responsabilidade civil por abandono afetivo” (TARTUCE, 2011, p. 1139).

Fazendo-se uma correlação entre a alienação parental e o abandono afetivo, depreende-se que um dos pontos comuns entre ambos reside nos transtornos psicológicos que se originam da ausência de solidez do seio familiar, o que seria suficiente para gerar nos filhos grandes sequelas emocionais.

Indiscutivelmente, a boa formação familiar repercute não apenas no indivíduo de forma isolada, mas também produz reflexos nas relações sociais como um todo. A assistência moral e afetiva revela, pois, importante valor para o adequado desenvolvimento dos filhos (GOMES, 2008).

Quando um magistrado estabelece regime de visitas, após um divórcio conjugal, por exemplo, o objetivo maior é assegurar a convivência entre o filho e o genitor que não deteve a guarda, possibilitando a este a continuidade no acompanhamento do desenvolvimento, da educação e da formação daquele menor, priorizando, assim, o melhor interesse da criança ou adolescente.

O problema da alienação parental ou implantação de falsas memórias representa uma forma de abuso emocional. São inúmeras as causas que determinam o processo de alienação. Muitas vezes, o afastamento da criança de seu pai ou sua mãe pelo genitor que detém sua guarda, decorre de um inconformismo do cônjuge com o divórcio ou a separação, da falta - fundada ou infundada - de confiança em relação ao outro no que tange ao cuidado com os filhos, das condições econômicas após o desfazimento do vínculo conjugal, do sentimento de ódio que o genitor alienante nutre pelo genitor alienado, ou até de um sentimento exacerbado de posse sobre os filhos. Frise-se que, a imaturidade ainda permeia a vida da maioria dos casais no momento do divórcio, no tocante à guarda dos filhos.

Segundo os ensinamentos de Dias (2009, p. 418),

Esse tema começa a despertar a atenção, pois é prática que vem sendo utilizada de forma recorrente e irresponsável. Muitas vezes, quando da ruptura da vida conjugal, um dos cônjuges não consegue elaborar adequadamente o luto da separação e o sentimento de rejeição, de traição, faz surgir um desejo de vingança: desencadeia um processo de destruição, de desmoralização, de descrédito do ex-parceiro. Nada mais do que uma ‘lavagem cerebral’ feita pelo genitor alienador no filho, de modo a denegrir a imagem do outro genitor, narrando maliciosamente fatos que não ocorreram e não aconteceram conforme a descrição dada pelo alienador. Assim, o infante passa aos poucos a se convencer da versão que lhe foi implantada, gerando a nítida sensação de que essas lembranças de fato aconteceram. Isso gera contradição de sentimentos e destruição do vínculo entre o genitor e o filho. Restando órfão do genitor alienado, acaba se identificando com o genitor patológico, passando a aceitar como verdadeiro tudo que lhe é informado.

Em 26 de agosto de 2010, foi promulgada a Lei nº 12.318, denominada de Lei da Alienação Parental. Em seu artigo 2º, a lei traz a definição[20] do instituto da alienação parental. Ainda no mesmo dispositivo, a lei elenca formas exemplificativas de alienação parental, tais como realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade, omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço, dificultar contato de criança ou adolescente com genitor, ou mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós, entre outras condutas.

Note-se que o alienador pode ser o genitor, ascendente, tutor ou qualquer pessoa que represente a criança ou o adolescente, que pratique atos de alienação parental. Já o genitor afetado, que sofre com a alienação parental, é chamado de alienado.

Em que pese todo o sofrimento vivido pelo genitor vítima da alienação parental, a criança e o adolescente ainda são, indubitavelmente, as principais vítimas. Os sentimentos criados pelo alienador são de medo, rejeição, frustração, ódio. Uma violência contra a dignidade do ser humano, e de difícil reparação. A personalidade de uma pessoa que sofre alienação parental fica distorcida e futuramente pode desencadear em um mal para a sociedade.

São múltiplas as manobras utilizadas pelo genitor alienante para afastar o filho do genitor alienado, que vão desde a invenção de histórias para difamar ou denegrir a imagem do outro genitor, até a falsa denúncia de abuso sexual, maus tratos, etc. E essa situação de alienação parental pode alcançar um grau ainda maior de periculosidade, quando, não logrando êxito com a alienação pretendida, o alienante pratica crime contra aquele que seria o alienado.

É conhecido, em São Paulo, o caso de uma mulher que, inconformada com a perda do marido em decorrência da separação, assassinou os três filhos e, em seguida, suicidou-se. O homicídio e o suicídio perpetrados justificar-se-iam, consoante as palavras por ela deixadas, pelo fato de que, sem a sua presença, ninguém mais saberia cuidar de seus filhos. Daí, por não conseguir mais viver sem o marido, de quem se separara, entendia ela que os filhos também não teriam condições de continuar vivendo (FONSECA, 2006, p. 165).

Ainda de acordo com Fonseca (2006), a alienação parental pode desencadear o surgimento de uma síndrome: síndrome da alienação parental. A síndrome não se confunde com a mera alienação parental. Esta consiste no afastamento do filho de um dos seus genitores, por parte do outro genitor. A síndrome, por sua vez, relaciona-se às sequelas emocionais e comportamentais de que vem a padecer a criança vítima daquele alijamento.

Convém ressaltar que, como consequência da síndrome, a criança, quando na sua vida adulta, pode desenvolver um grave complexo de culpa por achar que foi cúmplice da injustiça contra o genitor alienado. Ademais, uma vez que são afastados do convívio, um filho e seu genitor, dificilmente conseguirão restabelecer o vínculo e o convívio destruídos.

Segundo Mendonça e Alvarenga (2011),

A síndrome da alienação parental foi descoberta nos Estados Unidos, em 1987, pelo psiquiatra infantil Richard Gardner e, posteriormente, difundida na Europa por François Podervyn, em 2001. A partir daí, aos poucos, foi difundida pelo mundo. No Brasil, essa síndrome vem sendo detectada há, mais ou menos, uns cinco anos.

A alienação parental, conduta geradora da síndrome de alienação parental, a julgar da postura do genitor alienante, fere brutalmente os direitos da personalidade e a dignidade humana. Desse modo, quanto mais cedo for detectada, para que haja uma intervenção por parte do Poder Judiciário, melhor será para a vida do menor - vítima desse tipo de abuso – e para o genitor alienado.

Nesse sentido, forçoso reconhecer, conforme explanado no tópico anterior, a grande relevância que possuem os princípios, uma vez que são orientadores da interpretação do ordenamento jurídico.

Assim, ensina Mello (2006, p. 271) que:

Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais.

Dessarte, da mesma maneira que o abandono afetivo, a alienação parental, por afetar de maneira profunda a saúde emocional de uma criança ou adolescente, representa uma forte razão para ensejar a deserdação, malgrado sejam as hipóteses autorizadoras desta, um rol taxativo.

4.3 A deserdação ante o abandono de incapaz

O direito civil contemporâneo começa a traçar novos caminhos em relação ao seu objeto de estudo. O Direito Constitucional, e em especial os direitos fundamentais constitucionais, começam a fazer parte da solução das lides privadas, e até mesmo a essência do direito comum civil começa a ser mais humanizada.

O rol da deserdação é taxativo pelo Código Civil, porém, um novo pensamento começa a surgir entre os doutrinadores brasileiros sob o argumento da humanização do direito privado.

O Código Civil[21] define, em seus artigos 3º e 4º, as pessoas absoluta e relativamente incapazes. No entanto, a incapacidade ora analisada, determinante para a deserdação em caso de abandono, refere-se àquelas pessoas (restringindo-se aos ascendentes, descendentes e cônjuges) desprovidas de consciência, indefesas, que não podem agir sozinhas e impossibilitadas de responder por seus próprios atos, independente de idade. Em outras palavras, pessoas que não dispõem de condições de se defenderem dos riscos gerados pelo abandono.

Diante disso, o abandono de incapaz, sem importar o fator gerador da incapacidade (que não se restringe às hipóteses de alienação mental ou grave enfermidade de ascendente, as quais autorizam a deserdação, segundo o art. 1962 do código civil), pode surgir como um motivo determinante para a deserdação, nesta nova ótica, tendo como fundamento a falta de afetividade, que é consolidada através do abandono.

Nas palavras de Hironaka (2010, p. 440),

Poucas relações são tão propícias à violência recíproca quanto as relações de família. Embora possamos ter uma ideia romântica e pueril da vida familiar, a verdade é que, assim como não há modelo de família, cada relação familiar em particular é, por vezes, marcada por situações de confronto que ultrapassam os limites do respeito e da civilidade.

O abandono poder ser moral, psicológico, econômico. O pai ou a mãe que deixa de prestar alimentos ao filho menor, o pai ou a mãe que deixa o filho em uma situação degradante, o filho que abandona os pais idosos deixando de prestar assistência financeira ou afetiva, o filho que tem conhecimento de uma doença que acomete o pai ou vice-versa e deixa de administrar o remédio indicado para a cura, são exemplos de abandono.

Ainda de acordo com Hironaka (2010), uma família afetivamente desintegrada representa terreno propício à falta de assistência mútua e à ausência de solidariedade entre seus integrantes. Assim como a dignidade, a solidariedade consiste em um valor. Mas não um valor em si, e sim uma maneira de agir amparada pelos valores de generosidade e humanidade.

Apesar de todas as formas de abandono decorrerem da ausência de vínculo afetivo – caso contrário, dificilmente o abandono existiria - neste tópico, especificamente, dar-se-á relevo ao abandono físico e material.

Considere-se a assistência representada pela prestação de alimentos. Um pai que deixa de prestar alimentos ao filho menor, dependente, vulnerável, incapaz de prover-se por seus próprios meios. Ainda que entre alimentando e alimentante não exista vínculo afetivo, deveria haver um mínimo de dignidade, marcada pela generosidade, isto é, pela capacidade de um pai saber ir além de si, enxergar a necessidade do filho (como ser humano) e praticar o bem, a solidariedade. “Porque família é, em essência, assistência mútua movida pelo amor – ainda que precisemos passar pelos infernos da sociedade para descobrir o autêntico valor das variadas formas de assistência” (HIRONAKA, 2010, p. 446).

São as ausências – de amor, afeto, solidariedade, generosidade e humanidade, que deságuam no abandono e causam, no outro, destruição e violência. A Constituição Federal[22], que consagra o direito à vida, estabelece o apoio mútuo entre pais e filhos. O próprio Código Penal[23] prevê penalidade para aquele que pratica o crime de abandono de pessoa incapaz, destacando uma forma simples e duas formas qualificadas do delito, bem como as hipóteses agravantes. Da mesma forma, a Lei nº 10.741/2003[24] (Estatuto do Idoso), a qual estabelece pena àquele que abandona pessoa idosa.

O amparo pelas normas legais de abandono de incapaz como crime leva-nos a uma indagação: se é possível poder restringir um dos maiores bens de uma pessoa que é a liberdade, seria moral não restringir a quem cometeu tal conduta o patrimônio?

O abandono traz consequências graves à vida de um ser humano, sendo elas, de ordem física, econômica e, sobretudo, psicológica. A dor, a humilhação, o sofrimento, o desprezo, originários daqueles que têm o dever de assistência e cuidado, são sentimentos que marcam de forma negativa e permanente a vida de uma pessoa. Equipara-se, certamente, à morte. Comumente, as maiores vítimas do abandono são crianças e idosos, por se encontrarem em uma fase da vida que mais demanda cuidado.

O desrespeito à dignidade humana é cristalino e aviltante nas situações de abandono de incapaz. Consagrando o princípio da dignidade humana nas relações afetivas familiares, Lôbo (2000) traz o seguinte pensamento:

O princípio da efetividade, assentado nesse tripé normativo, especializa, no campo das relações familiares, o macroprincípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da Constituição Federal), que preside todas as relações jurídicas e submete o ordenamento jurídico nacional. Immanuel Kant, em lição que continua atual, procurou distinguir aquilo que tem um preço, seja pecuniário seja estimativo, do que é dotado de dignidade, a saber, do que é inestimável, do que é indisponível, do que não pode ser objeto de troca. Diz ele: "No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está cima de todo o preço, e, portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade".

O abandono de incapaz, como ato cruel contra a vida humana deve refletir também no processo sucessório. Não é medida justa que aquele responsável por tal conduta receba o patrimônio do seu descendente, ascendente ou cônjuge, haja vista representar uma forma de prêmio por um comportamento deveras violento, covarde e vil.


5  Conclusões

O presente trabalho teve como propósito trazer algumas novas modalidades de deserdação no testamento, de forma a ampliar o rol dos artigos 1.814, 1.962 e 1.963 do Código Civil vigente. Assim, foi possível compreender que apenas por meio de testamento, e com base nas hipóteses expressas em lei, as quais constituem um rol taxativo, pode o autor da herança excluir da sucessão seus herdeiros necessários, quais sejam, seus ascendentes, descendentes e cônjuge.

No tocante à questão que envolve o companheiro – aquele que convive em união estável – observou-se que ainda há na doutrina divergências sobre a sua equiparação ao cônjuge. No entanto, enxergando-se o direito civil de forma constitucionalizada e repersonalizada, foi possível entender pela equiparação entre ambos.

Para o direito brasileiro, a herança é transmitida imediatamente, aos herdeiros legítimos e testamentários, logo que aberta a sucessão, ou seja, com a morte. Aliás, conforme estudado, essa é a conceituação do princípio da saisine.

Por meio da renúncia, da deserdação e da indignidade, um herdeiro deixa de suceder. A primeira consiste em uma exclusão voluntária, uma vez que, por não querer receber a herança, o herdeiro a repudia, sempre de forma expressa, através de instrumento público ou termo judicial. Por outro lado, a deserdação e a indignidade constituem sanções civis para penalizar o herdeiro que praticou atos antiéticos ou de violência contra o autor da herança.

  O herdeiro necessário que praticar atos contra a vida, a honra e a liberdade do autor da herança, bem como injuriá-lo, ofendê-lo fisicamente, praticar relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto, com a mulher ou companheira do filho ou a do neto, ou com o marido ou companheiro da filha ou o da neta, ou desamparar ascendente, filho ou neto em alienação mental ou grave enfermidade, pode, por lei, ser deserdado. Logo, a deserdação nada mais é do que uma maneira de reprimir um ato representativo de desamor, de ingratidão e de desrespeito, o que faz romper com os laços familiares.

No entanto, a deserdação obedece a um procedimento próprio, não incidindo de forma imediata. Além de o testador mencionar expressamente, em testamento, a causa da deserdação estabelecida em lei, há a exigência de uma posterior confirmação por sentença judicial. Em outras palavras, mesmo com o testamento, ainda deve ser ajuizada uma ação ordinária, dentro do prazo decadencial de quatro anos, para que sejam provadas as causas que motivaram a deserdação, por ser medida de justiça.   

Em relação à indignidade, foi possível observar que alcança qualquer classe de herdeiro, e não apenas os herdeiros necessários como na deserdação. Quanto às suas hipóteses, notou-se que também servem para a deserdação, pois se restringem ao rol do art. 1.814 do Código Civil. Diferentemente da deserdação, não há a exigência de ser realizada por testamento. A ação de indignidade pode ser proposta por terceiros interessados, ou pelo Ministério Público, também no prazo decadencial de quatro anos, a partir da abertura da sucessão. Assim, também na indignidade sucessória existe a necessidade de uma sentença que a declare.

Como visto, o direito deve acompanhar a evolução da sociedade. É por meio de suas leis que uma sociedade revela sua cultura, seus costumes, seu modo de viver. Com fulcro na contemporaneidade, na dignidade humana, na ideia de que convivência familiar suplanta a simples presença física ou a mera coabitação, no afeto como o principal alicerce das relações familiares e no princípio da afetividade, foi possível perceber que as causas autorizadoras da deserdação, elencadas no diploma civil de 2002, já não são suficientes e merecem ser ampliadas.

Situações hoje comuns que envolvem casos de abandono afetivo na relação parental, alienação parental e abandono de incapaz, seja este abandono material ou moral, constituem grave violência contra a pessoa, capazes de gerar danos psicológicos irreparáveis. Os laços de afeto e de solidariedade independem da consanguinidade. É assim que, o princípio da afetividade, o qual permeia o Direito de Família, deve ser clamado para que também se estenda com rigor ao Direito das Sucessões.


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Notas

[1] Art. 6º - A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva.

[2] Na herança, o sistema da saisine é o direito que têm os herdeiros de entrar na posse dos bens que constituem a herança (VENOSA, 2010, p. 16).

[3] O codicilo ou pequeno escrito constitui uma disposição testamentária de pequena monta ou extensão (TARTUCE, 2011, p. 1264).  

[4] Art. 1.804 - Aceita a herança, torna-se definitiva a sua transmissão ao herdeiro, desde a abertura da sucessão.

Parágrafo único. A transmissão tem-se por não verificada quando o herdeiro renuncia à herança.

[5] Código Civil, art. 1961 - Os herdeiros necessários podem ser privados de sua legítima, ou deserdados, em todos os casos em que podem ser excluídos da sucessão.

[6] Art. 1.965 - Ao herdeiro instituído, ou àquele a quem aproveite a deserdação, incumbe provar a veracidade da causa alegada pelo testador.

Parágrafo único. O direito de provar a causa da deserdação extingue-se no prazo de quatro anos, a contar da data da abertura do testamento.

[7] Art. 1814 - São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários: I - que houverem sido autores, coautores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente; II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro; III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.

[8] Art. 1845 – São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.

[9] Art. 1.962 - Além das causas mencionadas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes: I - ofensa física; II - injúria grave; III - relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto; IV - desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade.

[10] Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

[11] Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

[12] Art. 1.963 - Além das causas enumeradas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos ascendentes pelos descendentes: I - ofensa física; II - injúria grave; III - relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do neto, ou com o marido ou companheiro da filha ou o da neta; IV - desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou grave enfermidade.

[13] Art. 1.815 - A exclusão do herdeiro ou legatário, em qualquer desses casos de indignidade, será declarada por sentença.

Parágrafo único. O direito de demandar a exclusão do herdeiro ou legatário extingue-se em quatro anos, contados da abertura da sucessão.

[14] Art. 1.816 – São pessoais os efeitos da exclusão; os descendentes do herdeiro excluído sucedem, como se ele morto fosse antes da abertura da sucessão.

[15] Art. 1.818 – Aquele que incorreu em atos que determinem a exclusão da herança será admitido a suceder, se o ofendido o tiver expressamente reabilitado em testamento, ou em outro ato autêntico. 

[16] Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração.

§ 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

§ 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 66, de 2010).

§ 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

§ 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

[17] Art. 227 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

[18] (RECURSO ESPECIAL Nº 1159242/SP 2009⁄0193701-9, 3ª Turma, Min. Nancy Andrighi, julgado em 24/04/2012, publicado em 10/05/2012). CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. 

1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família.

2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88.

3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia - de cuidado - importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. (...)

7. Recurso especial parcialmente provido.

(SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: o tribunal da cidadania. Disponível em: < http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=abandono+afetivo&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=3>. Acesso em: 23 nov. 2012).

[19] PLS – PROJETO DE LEI DO SENADO, Nº 118 de 2010. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=96697>. Acesso em: 28 nov. 2012.

[20] Art. 2º - considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.

Parágrafo único.  São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:

I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; 

II - dificultar o exercício da autoridade parental; 

III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor; 

IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; 

V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; 

VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente; 

VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós. 

[21] Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:

I - os menores de dezesseis anos;

II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;

III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.

Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:

I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;

III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;

IV - os pródigos.

[22] Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

[23] Art. 133 - Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono: Pena — detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos.

§1º Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave: Pena: — reclusão, de 1(um) a 5 (cinco) anos.

§ 2º Se resulta a morte: Pena: — reclusão de 4 (quatro) a 12(doze) anos.

§ 3º As penas cominadas neste artigo aumentam-se de um terço: I — se o abandono ocorre em lugar ermo; II — se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima. III — se a vítima é maior de 60 (sessenta) anos.

[24] Art. 98 - Abandonar o idoso em hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência, ou congêneres, ou não prover suas necessidades básicas, quando obrigado por lei ou mandado. Pena — detenção de 6 (seis) meses a 3 (três) anos e multa. 


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Ilara Coelho de. Hipóteses contemporâneas da deserdação do testamento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4022, 6 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30005. Acesso em: 26 abr. 2024.