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A criança e o adolescente e seus direitos fundamentais e a Constituição Federal de 1988

A criança e o adolescente e seus direitos fundamentais e a Constituição Federal de 1988

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O presente artigo tem como objetivo principal analisar os direitos e garantias fundamentais das crianças e adolescentes de acordo com a Constituição Federal de 1988 e analise de princípios inerentes ao assunto.

1 DIREITOS FUNDAMENTAIS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

No presente capítulo, será realizado um estudo acerca do princípio da dignidade da pessoa humana, utilizando, para tanto, dados históricos variáveis desde o seu surgimento, percorrendo seu desenvolvimento e evolução findando no que se encontra hoje positivado no ordenamento jurídico brasileiro. Buscar-se-á também, analisando seu alcance e finalidade, reunir elementos que facilitem a compreensão acerca das diferentes dimensões e capacidades de alcance.

Serão abordados ainda, aspectos relacionados à sua eficácia jurisdicional vertical, dessa forma conhecida, por ser imposta de forma vinculada e direta do Ente Estatal ao ser individualizado particular.

1.1 Aspectos históricos

O desenvolvimento dos diretos humanos ocorreu de forma lenta e gradativa no decorrer de inúmeros anos, sofreu influência direta das ideias iluministas defendidas pela doutrina jusnaturalista, quando defendia que os valores individuais do ser humano estariam acima de qualquer valor social imposto.

Após muitos anos e muitas tentativas frustradas, houve, enfim, a promulgação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Tal promulgação influenciou de forma definitiva a positivação dos direitos fundamentais na esfera constitucional brasileira.

Segundo Sarlet[1], “A constituição francesa influenciou de forma direta e bastante decisiva o processo de constitucionalização dos direitos fundamentais no século XIX”.

Na evolução dos direitos fundamentais, o século XX foi decisivo e considerado o século mais moderno na evolução pela defesa de tais direitos. Defendeu direitos que até o presente período ainda não tinham sido defendidos ou definidos, podemos citar como exemplo os direitos à saúde, à previdência social, à educação bem como os trabalhistas. Revelou-se ainda acentuada e incisiva preocupação com o princípio da dignidade da pessoa humana e sua efetiva proteção e aplicação.

Apesar das aspirações e previsões acerca da efetividade e garantia dos direitos fundamentais, no decorrer das duas grandes Guerras Mundiais conhecidas houve inúmeros registros de violência, massacre e extrema violação a esses direitos.

Em resposta aos constantes desrespeitos, no ano de 1948, foi assinada em Paris a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Tal documento é considerado, até os dias de hoje, a maior conquista vinculada aos direitos humanos tendo em vista que, somente a partir de tal declaração, a dignidade da pessoa humana foi considerada, clara e expressamente, como sendo um direito individual que necessitava de garantias legais para a sua efetiva aplicação e respeito.

Os primeiros países que efetivaram a inserção e a consequente positivação da dignidade da pessoa humana em suas constituições foram: a Alemanha, a Espanha, a Grécia e Portugal. Tais países foram utilizados como base e serviram como influência aos demais, pois o princípio da dignidade da pessoa humana passou a ser reconhecido como direito na esfera das constituições de todo o mundo.

Na esfera brasileira, a primeira constituição que trouxe, expressamente em seu texto, um título destinado diretamente aos princípios fundamentais, estando entre tais princípios o da dignidade da pessoa humana, foi a Constituição Federal de 1988.

Como direitos reconhecidos por ordens constitucionais particulares, no entanto, é natural que os distintos catálogos de direitos fundamentais tenham regimes jurídicos que guardam suas especificidades. É necessário compreender, efetivamente, a contextualização do regime jurídico dos direitos fundamentais tal como estabelecido pela Constituição de 1988.

1.2 Os princípios fundamentais e a Constituição Federal de 1988

O Título I da Constituição Federal se dedica exclusivamente a tratar dos princípios fundamentais. Tal destaque possui uma finalidade que é a de ressaltar a importância dos princípios, pois estes funcionam como regras norteadoras da organização de todo o Estado Brasileiro.O art. 1º do Título I, determina de forma expressa, quais são os princípios fundamentais norteadores do Estado Democrático de Direito Brasileiro. Observe:

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Os princípios fundamentais são considerados, em qualquer legislação, as regras básicas que determinam os valores considerados fundamentais na elaboração da Constituição e das demais normas infraconstitucionais.

Nesse sentido, os fatos se decorreram de maneira semelhante no Brasil, no momento da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil. Respeitou-se o que determinavam os princípios fundamentais, por serem caracterizados e definidos como fundamentais, indispensáveis, invioláveis e essenciais para se definir o ordenamento jurídico a ser aplicado e imposto à sociedade.

Os princípios fundamentais constitucionais possuem três funções, quais sejam: a função fundamentadora, a interpretativa e a supletiva, conforme ensina Bonavides[2].O uso da função fundamentadora ocorre com o intuito basilar de se estabelecer quais são as regras básicas que devem ser utilizadas em todo o sistema constitucional. É utilizado como fundamento a todo o ordenamento jurídico.

A função interpretativa, por sua vez, é utilizada com a finalidade de possibilitar o alcance da real finalidade da lei na esfera de sua aplicação, de forma que interpreta-se a norma com o intuito de ampliar seu alcance e, consequentemente, a sua finalidade.

Por fim, a função supletiva tem por objetivo, efetivar a realização da integração do ordenamento jurídico. A função supletiva é utilizada diante da aplicação dos princípios gerais do direito nos casos em que a lei se mostrar omissa, conforme dispõe o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil.Independente da função a ser utilizada, o efetivo respeito aos princípios fundamentais deve ocorrer em todo o ordenamento jurídico vigente no Brasil, como segue:

A constituição é a declaração da vontade política de um povo, feita de modo solene por meio de uma lei que é superior a todas as outras e que, visando a proteção e a promoção da dignidade humana, estabelece os direitos e as responsabilidades fundamentais dos indivíduos, dos grupos sociais, do povo e do governo.[3]

Na esfera brasileira os princípios são dotados de normatividade, ou seja, possuem efeito vinculante com relação às demais normas, constituindo, por fim, regras jurídicas específicas.

1.3 Os direitos fundamentais

A evolução e o desenvolvimento dos direitos fundamentais ocorrem de forma gradativa e cumulativa, tendo em vista que os direitos fundamentais têm por finalidade garantir melhores condições de dignidade do ser humano.

A evolução dos direitos fundamentais tem a finalidade de possibilitar a defesa individual de cada ser humano frente ao Estado, seus poderes e utilização abusiva, nesse aspecto, Bonavides conceitua de forma prática os direitos considerados de primeira geração:

Os direitos da primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos a pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mias característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado.[4]

Com o intuito de promover a justiça social veio então a necessidade de se instituir os direitos fundamentais considerados de segunda geração e que compreendem atitudes pelas quais o Estado efetua prestações, que desembocam na aplicação de mínimas condições de vida para a população.

A terceira geração dos direitos fundamentais vai além do contexto dos direitos individuais e objetiva os direitos fundamentais voltados à coletividade. Ela busca a concretização do gênero humano, concebendo e defendendo o ser humano como parte de uma coletividade.

Segundo o que afirma Bonavides, acerca da valorização da coletividade e não do ser individualizado: “Tem primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta”[5].

Alguns doutrinadores cogitam e defendem a existência de uma quarta geração de direitos fundamentais, baseada na democracia direta, defendendo a participação da sociedade nas decisões do Poder Público. Observe o que afirma Bonavides:

São direitos da quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta ao futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência.[6]

Bonavides[7] define que o direito à paz é concebido como direito imanente à vida, sendo condição indispensável ao progresso de todas as nações, em todas as esferas. Constatou que a paz estaria localizada em uma única geração, que denominou de quinta geração dos direitos fundamentais. A paz teria uma dimensão única por ser o direito supremo de toda a humanidade.

Concluindo, a evolução dos direitos fundamentais e suas gerações sofreram influências de inúmeros ramos, desde a esfera histórica, passando pela esfera filosófica e chegando a esfera política.

Os fatos decorreram-se, contribuindo de forma significativa para o surgimento de novos direitos fundamentais, seja com a finalidade de garantir a proteção do ser humano perante o Poder do Estado, seja objetivando a dignidade da pessoa humana, visando a preservação do gênero humano como ente coletivo.

1.4 O princípio da dignidade da pessoa humana

Após analisar e comentar acerca dos direitos fundamentais e as suas divisões em gerações, far-se-á uma análise sobre sua importância com relação à concretização do princípio da dignidade da pessoa humana.

Os direitos fundamentais são espécies do gênero dos direitos humanos, que, como tal, é princípio basilar a ser defendido pelo Estado Democrático de Direito. Isto inclui a República Federativa do Brasil, que recepciona esse princípio universal no art. 1°, III, da Constituição Federal de 1988.

Do direito humano derivam todos os outros direitos vistos. Como já se disse anteriormente, trata-se de princípio basilar, e é desejoso o reconhecimento desses direitos para que haja condições necessárias para o aperfeiçoamento da raça humana e, consecutivamente, para o melhor desenvolvimento da civilização.

A Constituição brasileira vigente dilatou, de forma extraordinária, a atuação desses direitos e garantias do homem e de sua coletividade, na medida em que introduziu alguns institutos que já se faziam necessários em face da dinâmica social moderna, em que as indústrias produzem em larga escala, bem como o avanço tecnológico se contrapõe em alguns casos com a qualidade de vida.

Dessa forma, começaram a serem concebidos o Direito Ambiental e o Direito do Consumidor, além outros direitos coletivos e difusos, como uma maneira de adequar ou corrigir as distorções existentes e decorrentes desse estilo de vida imputado pelo crescimento das grandes cidades, das diversas indústrias e da modernização tecnológica.

As normas de proteção ambiental, portanto, são normas de alto estilo humanístico e universalidade, a partir de que se tem as ideias fundamentais da proteção ao direito humano inerente a cada cidadão.

Bobbio afirma que “O problema fundamental em relação aos direitos dos homens, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los”[8]. Com perfeita precisão, faz esta afirmação tão importante autor do mundo jurídico, mas do que um problema de ordem filosófica ou ideológica, trata-se de uma questão política, que não cabe somente a autoridades públicas, mas especialmente a todos os povos, viventes neste mundo, afinal, trata-se de um bem comum.

O princípio da dignidade da pessoa humana é recente para a humanidade, conforme já analisado, surgiu apenas após a Segunda Guerra Mundial, quando passou a ser reconhecido na esfera das constituições de todo o mundo.

Tal princípio tem por fundamento o fato de que todo ser humano possui um valor individual, próprio e inerente a sua pessoa, sendo proibida a utilização de tal valor como instrumento ou objeto, independentemente da finalidade que se busca aplicar.

De acordo com grandes doutrinadores, tal princípio é considerado como a unificação de todos os direitos e garantias fundamentais positivados no art. 5º da Constituição Federal. Observe que a efetiva aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana é possível através da aplicabilidade de todos os demais direitos e garantias fundamentais existentes.

Diante de tal aplicabilidade, os efeitos decorrentes da interpretação do princípio da dignidade da pessoa humana recaem sobre todo o texto constitucional e infraconstitucional, funcionando como uma espécie de limite às aplicações e interpretações das normas.

O bem jurídico tutelado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, tratar-se de um direito da esfera pública, tendo em vista tratar-se de um direito pertencente a todos os seres humanos, não sendo possível qualquer distinção e a sua existência independente de qualquer valoração ou requisito.

Analisando o ponto de vista cristão ao defender que “o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus”[9], verifica-se a importância do valor atribuído a cada ser humano como pessoa humana. A presente definição cristã foi utilizada posteriormente como limites à instituição de valores aplicados a cada ser humano.

Dessa forma, entende-se que cada ser humano é detentor de valores básicos, princípios e direitos fundamentais, devidamente garantidos e resguardados na nossa legislação, seja através de sua positivação no texto constitucional ou infraconstitucional.

Com relação aos princípios e direitos fundamentais, estes só podem ser aplicados de forma ampla. Sua eventual limitação só pode ocorrer em casos de extrema necessidade. Não é permitida, de forma geral, a aplicação de qualquer limitação ao exercício dos mesmos. Observe o que defende Moraes acerca do assunto em comento:

A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mais sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.[10]

Completando o entendimento citado “a dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida”.[11]

Não só na esfera pública tal princípio é de fato importante. Necessário se faz analisar sua importância na esfera do Direito Privado, conforme explicita Farias: “Assim, o reconhecimento da fundamentalidade do princípio da dignidade da pessoa humana impõe uma nova postura aos civilistas modernos, que devem, na interpretação e aplicação de normas e conceitos jurídicos, assegurar a vida humana de forma integral e prioritária”[12].

De forma mais clara e direta, Farias se manifesta ainda acerca da vinculação existente entre o princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos da personalidade do indivíduo:

Com esta perspectiva, os direitos da personalidade – ultrapassando a setorial distinção emanada da histórica dicotomia direito público e privado – derivam da própria dignidade reconhecida à pessoa humana para tutelar os valores mais significativos do indivíduo, seja perante outras pessoas, seja em relação ao Poder Público. Com as cores constitucionais, os direitos da personalidade passam a expressar o minimum necessário e imprescindível à vida com dignidade.[13]

Diante do exposto, não resta dúvida de que o princípio da dignidade da pessoa humana é um princípio fundamental do Estado Democrático de Direito, e sua principal característica é a de que deve ser utilizado como fundamento a todo texto constitucional e infraconstitucional, orientando sua interpretação e aplicação em todo o ordenamento jurídico.

Conclui-se por considerar o princípio da dignidade da pessoa humana a mais importante fonte axiológica utilizada no ordenamento jurídico atualmente, isto é possível porque o mesmo representa a síntese dos ideais existentes com relação à valorização do homem como ser humano e defende a utilização dessa proteção com o intuito único de lhe garantir uma vida digna.


[1] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p.53.

[2] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15.ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p.58.

[3] DALLARI, Dalmo de Abreu. O que são direitos da pessoa. São Paulo: Brasiliense, 1984, p.21-22.

[4] BONAVIDES, Paulo. Op.cit., p.563-564.

[5] Ibid.idem., p.569.

[6] BONAVIDES, Paulo. Op.cit., p.571.

[7] BONAVIDES, Paulo. A Quinta Geração de Direitos Fundamentais. Revista Direitos Fundamentais & Justiça, n. 3, abr./jun, p. 82-93, 2008.

[8] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p.24.

[9] SARLET, Ingo Wolfgang.  Op.cit., p.115.

[10] MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.128.

[11] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29.ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p.105.

[12] FARIAS, Cristiano Chaves de. Afeto, ética, família e o novo código civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p.93.

[13] Ibid.idem., p.103.



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