Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/3044
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Crime sem pena

Crime sem pena

Publicado em . Elaborado em .

Sumário: 1. Introdução; 2. O legislador e o Direito Penal; 3. Crime sem pena: parágrafo único do art. 1º, da Lei 8.137/90; 4. Crime sem pena: análise da alíneas "a", "b", "c", "g", "h", "i" e "j" do revogado art. 95, da Lei 8.212/91; 5. Conclusões

"Me faça enxergar o paraíso que não vê e o tormento que desconhece; me faça sentir todos os sabores da vida, mesmo sem ter experimentado nenhum deles!"


1. Introdução

O presente trabalho, apesar da falta de maiores pretensões doutrinárias, tem o objetivo de, inicialmente, buscar uma visão crítica do leitor a respeito da invasão do Direito Penal pelo legislador, que, com veemência, joga no lixo o princípio da intervenção mínima.

Porém, não quero apenas ficar irradiando afrontas ao legislador. Entendo que, além disto, algo a mais precisa ser demonstrado ao leitor, e é exatamente por isto que me propus a buscar dois exemplos diretos (e pejorativos) daquela invasão. Tais exemplos são a falta de preceito secundário (ou sanctio juris) para o preceito primário previsto no parágrafo único do art. 1º, da Lei 8137/90, e também para aqueles previstos nas alíneas "a", "b", "c", "g", "h", "i" e "j" do art. 95, da Lei 8212/91 (art. 95 que já foi revogado pela Lei 9983/00, mas que nem por isso deixa de causar celeuma, como veremos).

No decorrer do trabalho, então, procurarei demonstrar que o legislador, quando invade o Direito Penal com abundantes dispositivos penais materiais, não apenas desorganiza o sistema penal brasileiro, sem maiores conseqüências, mas principalmente possibilita várias conseqüências de ordem prática que altera, e muito, o caminhar de um processo, de um inquérito policial e até mesmo chegando, involuntariamente, a causar impunidade.


2. O legislador e o Direito Penal

O título deste despretensioso trabalho bem que poderia ser intitulado de "A impropriedade da legislação penal", ou "Direito Penal x Legislador", ou, em um tom mais vocativo, "meu Deus, socorro!".

Muito se tem comentado, com razão, sobre as investidas a esmo do nosso legislador pelo Direito Penal. Realmente, não podemos negar que existe exagero, mas agora que o mesmo descobriu a "galinha dos ovos de ouro", ficará bastante difícil fazê-lo retroceder neste intento já sedimentado.

Convenhamos, até mesmo o nobre leitor, se descobrir uma árvore com frutos cifrados, terá dificuldade em se desvencilhar do porto seguro encontrado. Portanto, não vamos ser assim tão rigorosos com nossos legisladores, afinal, o Direito Penal abarca o estado de necessidade, e tal estado está bem caracterizado, em muitos casos, na utilização daquela "galinha dos ovos de ouro", diante da necessidade da reeleição.

Desculpe-me pelas divagações, mas o leitor tem que concordar comigo: torna-se quase impossível deixar de comentar o momento histórico que estamos passando, em relação à verdadeira contenda Direito Penal x Legislador. É uma relação de amor e ódio: aquele, com ódio deste, e este, amando aquele.

Como de tudo neste mundo podemos retirar algo de bom, tenho que admitir que esta fase é maravilhosa para os estudantes, sejam eles avós ou netos do Direito Penal. Maravilhosa porque o legislador dá ensanchas a vários escólios de competentes doutrinadores, levando o atento estudante a perceber a importância técnica e, mais que isto, política, do Direito Penal.

Lembro de alguns casos daquela investida a esmo, que ainda pairam no ar: a) abundância de legislação penal material [1]; b) utilização das expressões "sabe" e "deve saber"2; c) ação penal sem crime3; d) ferimento à adequação social no art. 337-A, I, do CP, com redação dada pela Lei nº 9.983, de 14.7.20004; e) combinação do art. 14 da Lei 6368/76 com o art. 8º da Lei dos Crimes Hediondos5; f) tipo suicida na Lei 9437/976; g) atecnia no Código de Trânsito Nacional7; h) maneira demagógica de elaboração da Lei dos Crimes Hediondos8; i) pena sem crime9, entre tantos outros exemplos.

Além das "trapalhadas" legislativas, é preciso dizer que o referido acúmulo de tipos penais no nosso ordenamento jurídico ofende não só o princípio da intervenção mínima, mas a todo a estrutura e razão de ser do Direito Penal, daí peço vênia aos zelosos e responsáveis legisladores, que sei presentes no Congresso Nacional, para me sentir à vontade e criticar o que hoje está instalado.

Pretendo nunca ser regressivo, e muito menos conservador10, e até desejo, sempre, que novas leis penais surjam, não de forma banalizada, mas sim como uma maneira de minimizar a parêmia legislativa de que tudo se resolve pelo Direito Penal, até, quem sabe, a fome...

Realmente, se leis penais em abundância existem, elas acabam produzindo banalização de tudo quanto é protegido por elas, e as objetividades jurídicas caem no ridículo, como se não fossem nada de mais para a sociedade. O homem, ser pensante e influenciável, vivendo sob o pálio do Estado de Direito, onde o sistema romanístico é a voga maior, só passará a hostilizar determinado comportamento se o legislador, antes de elevar à condição de crime, passe a verificar, em tudo e por tudo, até que ponto vai a ojeriza social sobre determinados comportamentos. Esta análise, se não frívola, tangencia a hipocrisia, servindo, então, de paradigma para todo e qualquer pessoa, de modo que o comportamento do legislador, não raras vezes, merece maior repulsa do que aqueles que violam suas insanas leis.

Por estes motivos que as leis penais criadas a granel são motivo de comentários espinhosos de juristas, e, o que é muito pior, caem no gracejo popular, porque o homem comum não sabe até onde vai o que é moral ou imoral para a lei, ficando vagando na imensidão de dispositivos penais que podem, a qualquer momento, fazê-lo preso em flagrante.

Infeliz daquele que imagina um Estado de Direito cujas leis são, apenas e tão somente, retrato da sociedade, pois a lei, no Estado de Direito, não é criada só para retratar e englobar condutas já existentes na sociedade; é também criada para forjar determinados comportamentos idealizados, fazendo mudar aquelas já existentes. Por isso, não pode o legislador dizer que eles próprios são reflexos da sociedade, se eximindo de toda e qualquer responsabilidade pelas leis produzidas11. É dizer: a função principal do Estado de Direito é ser o efeito da sociedade, pois esta é causa imediata, já que a lei é a encarnação da querença popular. Porém, a lei, no Estado de Direito, deve ser também causa da modificação da sociedade, principalmente a lei penal material, devido a sua implícita prevenção geral, reforçando a idéia de que, perdendo ela tal prevenção, o próprio Direito Penal perde sua razão de ser.


3. Crime sem pena: parágrafo único do art. 1º, da Lei 8137/90

Gostaria de incitar o leitor a, junto comigo, analisar mais um caso em que o legislador atrapalhou-se na elaboração da norma penal. Porém, neste caso, necessário uma interpretação mais acurada da atecnia legislativa para, enfim, se chegar à conclusão de que houve um crime sem a pena respectiva. Trata-se do parágrafo único do art. 1º, da famosa Lei dos Crimes Contra a Ordem Tributária12. Em um primeiro momento, pode-se pensar que estou exagerando, ou "forçando a barra", quando da interpretação do dispositivo. Porém, com mais acuidade, veremos se o desregramento é meu ou do legislador.

O parágrafo único referido diz assim: "A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez dias), que poderá ser convertido em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V". O inciso V, por sua vez, está assim redigido: "negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação".

Pode ser observado que a pena é de dois a cinco anos de reclusão, e multa, e está localizada acima do parágrafo único, estabelecida que foi para os incisos do art. 1º, e não para o parágrafo único, daí a razão do legislador dizer, de forma estranha e até jocosa, que o crime que ele definiu na verdade não é o crime que ele definiu, e sim o crime que ele definiu anteriormente. É dizer: esta conduta que estou tipificando na verdade trata-se daquela outra que tipifiquei anteriormente. Mais uma tragédia legislativa, como o próprio leitor deverá estar pensando, isto sem comentar a ilegítima instauração de uma norma penal aberta, ao possibilitar ao administrador controlar a extensão e o conteúdo da norma penal. Porém, esta tragédia legislativa não fica apenas na atecnia, sem qualquer conseqüência prática, pois, efetivamente, reitero que no caso houve uma tipificação sem a devida penalização.

Luiz Otávio de Oliveira Rocha, interpretando o parágrafo único, no artigo O tipo penal do parágrafo único do artigo 1º da Lei 8137/90: uma interpretação à luz dos princípios da legalidade e da proporcionalidade, in www.direitocriminal.com.br, 18.09.2001, chega à seguinte conclusão:

"Aplicadas essas proposições à questão que aqui examinamos, aflora que o tipo penal do parágrafo único em exame somente se encaixa no ordenamento jurídico vigente se interpretado com as seguintes limitações: a) a conduta que pode configurar infração é somente aquela que deriva da conjugação do seu texto com o do inciso V – como determina a norma -, isto é, a ‘falta de atendimento a exigência da fiscalização’ que possui relevância penal é somente a que se prende ao fornecimento de notas fiscais ou documentos equivalentes (cupons fiscais e assemelhados); e b) a pena aplicável não pode ser aquela prevista para os crimes materiais dos incisos I a V do artigo 1º, devendo-se aplicar, segundo o critério da proporcionalidade, a pena prevista para o delito análogo, o art. 330 do C. Penal."

O autor chega à conclusão porque os crimes previstos no art. 1º são materiais (exigem a supressão ou redução de tributo, ou contribuição social e qualquer acessório), além do que a doutrina entende que o parágrafo único é um tipo autônomo de desobediência13, cuja objetividade jurídica não é a mesma do art. 1º e seus incisos, já que "não se protege o crédito tributário e sim a dignidade da administração pública e o respeito às ordens legais emanadas de seus agentes", no dizer de Pedro Roberto Decomain (Crimes contra ordem tributária, Obra Jurídica, Florianópolis, 1994, p. 88), inclusive com previsão no Código Tributário Nacional (arts. 195 a 200) da obrigação de facilitar aos agentes fiscais o acesso a documentos necessários à verificação do cumprimento das leis tributárias. Citando também Andréas Eisele (Crimes contra a ordem tributária, Dialética, SP, 1998, 141), diz que não se investiga a respeito dos elementos constitutivos dos tipos previstos nos incisos do art. 1º, que são materiais, já que o parágrafo único é crime formal, "que se consuma com o desatendimento à exigência da autoridade fiscal, independentemente da verificação naturalística de qualquer resultado, como, por exemplo, a vantagem patrimonial do sujeito ativo ou terceiro e prejuízo econômico do Estado, como ocorre no ‘caput’ do art. 1º".

Como o parágrafo único fez menção expressa ao inciso V, e na lei não contém palavras supérfluas (Carlos Maxiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, Livraria Freitas Bastos AS, 8ª edição, 1965, p. 122), é necessário relacionar as duas normas penais para se entender que a desobediência só existirá caso a exigência for de nota fiscal ou documento equivalente, devido a vinculação expressa das duas normas feita pela própria lei. Tal interpretação, assim, estaria de acordo com o princípio da fragmentariedade, uma vez que o Direito Penal, por ser a mais grave intervenção estatal no domínio da vida privada, "não deve ocupar-se da proteção de todos os bens jurídicos, senão daqueles considerados mais graves em cada segmento da atividade humana", daí a razão porque qualquer recusa à exigência das autoridades fiscais não deve ser levada ao nível de crime, e tão somente a recusa de notas fiscais ou documentos equivalentes (cupons fiscais impressos mecanograficamente), e também de acordo com o princípio da legalidade.

O autor, assim, alertando que a objetividade jurídica protegida no art. 1º é diferente daquela do parágrafo único, acaba notando que a pena para desobediência, no Código Penal, é de 15 dias a 6 meses de detenção, e multa, e a prevista na Lei 8137/90 é de 2 a 5 anos de reclusão e multa, mesmo sendo a intenção do Código Penal muito mais ampla, pois visa proteger a administração como um todo, inclusive as ordens emanadas do Poder Judiciário. Por isso é que, finalmente, não pode o crime do parágrafo único ser punido com as mesmas penas do art. 1º, crime muito mais grave, pois feriria o princípio da proporcionalidade, que tem assento expresso e implícito na Constituição Federal14, devendo-se aplicar as penas do art. 330 do CP.

Apesar de muito bem fundamentada sua posição, concordo até o ponto que impede a penalização do crime do parágrafo único pela pena prevista no final dos incisos, e considera o crime do parágrafo único formal e autônomo. O mesmo autor faz questão de dizer algo interessante, que, no meu ponto de vista, acaba por contrariar a sua conclusão final. Cita Hans-Heinrich Jescheck, Damásio Evangelista de Jesus e Antonio Garcia-Pablos de Molina para dizer que, "... embora o Direito Penal admita a formulação de leis penais em branco, ´o legislador deve estabelecer inequivocadamente a cominação legal, assim como descrever com tal precisão e conteúdo a finalidade e o alcance da autorização (dada a instância que deve gerar a norma complementar – acrescentamos), que o destinatário da lei penal possa extrair dela mesma os pressupostos de punibilidade e a classe de pena correspondente, pois do contrário não se respeitaria o princípio da determinação ‘legal’, que é um dos consectários do princípio da legalidade" (grifei). Ao final do seu artigo, como se viu, o autor entende melhor compatibilizar o preceito primário do parágrafo único do art. 1º, da Lei 8137/90, com o preceito secundário do art. 330, do Código Penal. Porém, como ele mesmo fez notar, é impossível que uma lei penal venha a tipificar uma conduta, deixe de efetuar a pena abstrata para tal conduta, e a doutrina, em um esforço incomensurável, venha utilizar a pena já prevista para outro crime sem qualquer teleologia entre as leis. A lei penal deverá, se não quiser ferir o princípio da legalidade, dizer a conduta proibida (norma implícita) e puni-la exemplarmente, a fim da prevenção geral, já que não há pena sem prévia cominação legal, pois "o legislador deve estabelecer inequivocadamente a cominação legal".

A primeira impressão que tive foi a de que, para o caso, deveria ser dada a mesma solução que o Supremo Tribunal Federal15 e o Superior Tribunal de Justiça16 deram para o caso da compatibilidade do art. 14 da Lei 6368/76 com o art. 8º da Lei 8072/90, já citado. Porém, é preciso analisar o caso cum granum salis. No caso das Leis 6368/76 e 8072/90 existe a mesma ratio, inclusive com citação expressa nas Leis que se tratava do crime de tráfico de entorpecentes, daí a possibilidade vista pelo STF e pelo STJ de compatibilizar os referidos dispositivos para fazer brotar um crime previsto em uma Lei com uma pena prevista em outra Lei (o que, mesmo assim, e com razão, é veementemente combatido pela doutrina17).

Entendo impossível compatibilizar o preceito primário do parágrafo único do art. 1º, da Lei 8137/90, cujos objetivos são específicos e distintos do art. 330, do Código Penal, com as penas daquele art. 330. Inexiste possibilidade de compatibilização, diante da mens legis específica e distinta para cada norma penal analisada. Daí o erro em se pensar que pode subsistir o tipo do parágrafo único com a pena do art. 330 do CP. No caso do art. 14 da Lei 6368/76 com o art. 8º da Lei 8072/90, este último artigo entrou no mundo jurídico justamente fazendo menção expressa ao crime de tráfico de entorpecentes, cuja descrição já vinha sendo feita pela lei específica mencionada, o que, absolutamente, não ocorreu no caso em análise.

Ademais, como o próprio Luiz Otávio destacou, outras leis tipificam e punem a desobediência, em um mesmo contexto legal e racional, como o art. 10, da Lei 7347/85, art. 11, II, Lei 6.091/74 e Lei 7492/86, art. 12. O legislador, nestes casos, descreveu a conduta e puniu, no mesmo contexto, de modo que não deixou à margem do intérprete qualquer possibilidade de conciliar preceito primário com preceito secundário de leis diferentes com diferentes objetividades.

Somente dentro de um sistema sem garantias individuais é que se pode permitir ao intérprete completar o preceito primário de uma lei com o preceito secundário de outra, com objetividades jurídicas diferentes e sem menção expressa de uma à outra. Como o sistema brasileiro é caracterizado pelas garantias individuais, como a legalidade e a proporcionalidade, amplamente aplicáveis à tese que proponho, a pouca intuição que me resta afasta qualquer possibilidade de compatibilizar o parágrafo único do art. 1º da Lei 8137/90 com a pena do art. 330 do Código Penal, assim como permitir que a desobediência tributária seja despropositadamente punida com 2 a 5 anos de reclusão, e multa (mesma pena ou até maior que alguns crimes do Código Penal cuja potência lesiva é muito superior à mera desobediência, como difusão de doença ou praga – CP, art. 259, rapto violento ou mediante fraude – CP, art. 219, lesão corporal grave – CP, art. 129, §1º etc.).

Lembrou bem Ricardo Antunes Andreucci, in Direito Penal e Criação Judicial, 1989, RT, p. 14, "A conclusão representa, em tese, um princípio fundamental da civilização jurídica, inserida, como destaca Petrocelli, para garantia da liberdade dos cidadãos e da certeza do Direito, abrangendo o conceito de crime em seus elementos estruturais, objetivos e subjetivos, assim como a pena. Daí a relevância do tipo penal, em suas funções de garantia e de fundamentação, da culpabilidade e da individualização das sanções criminais". (grifo sem originalidade). Não pode haver desvinculação, no princípio da legalidade estrita para as normas incriminadoras, do preceito primário com o secundário, e Julio Fabrrini Mirabete lembrou que "O postulado básico inclui também, aliás, o princípio da anterioridade da lei penal no relativo ao crime e à pena. Somente poderá ser aplicada ao criminoso pena que esteja prevista anteriormente na lei como aplicável ao autor do crime praticado. Trata-se, pois, de dupla garantia, de ordem criminal (nullum crimen sine praevia lege) e penal (nulla poena sine preaevia lege)" (grifei) (Manual de Direito Penal, Parte Geral, Vol. 1, Atlas, 2000, p. 56). Por isso mesmo que, tanto no seu sentido amplo, como no estrito, norma penal sempre está ligada à sanção penal, salvo aquelas que não descrevem condutas criminosas, daí dizer que "em toda norma penal há duas partes distintas: o preceito e a sanção" (Damásio Evangelista de Jesus, Direito Penal, Vol. 1, Saraiva, 1993, pp. 10 e 11).

Ora, quando a Constituição brasileira não se contenta com a legalidade geral, prevista no art. 5º, II, e estabelece a legalidade estrita em matéria penal, ao dizer que "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal" (5º, XXXIX), obviamente que teve a intenção de tornar ainda mais forte a premissa constitucional da legalidade, tanto é verdade que atualmente tal princípio vem sendo desdobrado na necessidade da norma penal ser certa, taxativa e determinada. A intenção da Constituição passa, inevitavelmente, pelo sentimento da população cristalizado na tipificação de uma conduta e sua imediata reprimenda, justamente para abarcar a repulsa social a determinado fato. Daí ser extremamente necessário que o legislador, dentro de um mesmo sentimento, estabeleça o crime e puna-o, imediatamente, na mesma norma penal, ferindo o espírito constitucional o apanhado de leis para formular uma norma penal completa, com preceito primário e secundário, tendo-se em vista que fará juntar dois sentimentos repulsivos com história e contexto diferentes, salvo a menção absolutamente expressa de uma lei à outra.

Também não se pode esquecer que, em se tratando de normas penais incriminadoras, a analogia, a interpretação extensiva e analógica é limitada, quando a intenção é prejudicar. No caso, a conciliação entre o parágrafo único e o preceito primário do art. 330 do Código Penal é uma forma de prejudicar aquele que não atende a exigência da autoridade fiscal, considerando que não é possível aplicar a pena de 2 a 5 anos de reclusão, e multa, do art. 1º da Lei 8137/90.

Portanto, a melhor exegese é a que entende que o legislador tipificou uma conduta, mas não estipulou uma pena... Criou um crime sem pena!

Claro que, na prática, se houver uma denúncia narrando todas as elementares do parágrafo único do art. 1º, da Lei 8137/90, o juiz poderá, utilizando-se do art. 383 do Código de Processo Penal, e considerando que a defesa arrosta a imputação, não a classificação jurídica dada na denúncia, entender que se trata de crime de desobediência previsto no art. 330, do Código Penal, e não a "desobediência tributária", e acabar aplicando as penas do art. 330, se as elementares deste estiverem provadas nos autos. É preciso lembrar que o crime de desobediência do Código Penal pode ser caracterizado se a ordem emanar de funcionário público, mas o crime do parágrafo único do art. 1º, da Lei 8137/90, a ordem deve emanar de autoridade. Porém, o menos não impede o mais, de modo que se pode caracterizar o crime do parágrafo único desrespeitar ordem de autoridade, com muito maior razão estará caracterizado o art. 330 do Código Penal.

Malgrado isso, se o Ministério Público denunciar os fatos, descrevendo todos os elementos do parágrafo único do art. 1º referido, e classificar no mesmo dispositivo, o juiz deve, por obrigação constitucional (art. 93, IX, CF/88), fundamentar a sentença demonstrando que estão presentes as elementares do art. 330 do Código Penal. Não pode dizer que estão provados todos os elementos do parágrafo único do art. 1º e, sucessivamente, condenar no crime do art. 330, do Código Penal. Tem que explicar, obviamente, os motivos probatórios do encaixe da conduta no art. 330, e não no parágrafo único do art. 1º, sob pena de ser cassada a sentença em grau de recurso. A sentença do juiz, se bem fundamentada, não deve ser cassada se a classificação jurídica for errada, e sim consertada no tribunal "ad quem", mas se na fundamentação não forem imiscuídas as elementares do art. 330, e sim as do parágrafo único, deverá ser anulada.

Porém, nada impede que o juiz, no juízo de prelibação junto à denúncia com a classificação jurídica baseada no parágrafo único do art. 1º da Lei 8137/90, com a pena do mesmo art. 1º, rejeite18 a denúncia, isto se o "Parquet", desde logo, não pedir o arquivamento face à evidente falta de justa causa para a instauração da ação penal19.

Finalmente, resta dizer que tenho plena consciência da necessidade de respeitar a sensível tripartição dos poderes, daí o esforço maior para manter uma lei, quando da sua interpretação, haja vista que a nossa Constituição deu ao legislador a responsabilidade maior de efetivar o seu intento. Por isto, uma lei deverá sempre ser analisada de forma conservadora (não de forma regressiva), tanto no aspecto da constitucionalidade (já que a reserva de plenário do art. 97 faz presumir constitucional toda lei) como no aspecto da harmonia dos poderes. Esse respeito e essa forma conservadora não devem, porém, extrapolar os limites do razoável, principalmente em se tratando de normas penais incriminadoras, e talvez a extrapolação dos legisladores percebida atualmente seja causada, junto com outras coisas, também pela timidez dos operadores do Direito, que acabam, com tal pusilanimidade, não intimidando a veleidade legislativa.

Por isso é que, se existem no texto constitucional brasileiro os princípios da proporcionalidade e da legalidade, como de fato existem justamente para dar garantias ao cidadão, aceitar a idéia de que o parágrafo único do art. 1º da Lei 8137/90 instituiu um crime sem a respectiva pena passa a ser mais uma questão de coragem do que propriamente de técnica jurídica.


4. Crime sem pena: análise das alíneas "a", "b", "c", "f", "g", "h" e "i" do revogado art. 95, da Lei 8.212/91

Outra questão interessante, que me anima comentar, foi a opção do legislador em tipificar várias condutas sem, no entanto, fixar respectivamente a pena para elas, na Lei 8212, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre a organização da Seguridade Social, institui o Plano de Custeio e dá outras providências.

Sem maiores delongas, podemos observar que o antigo art. 95, da referida Lei, dizia "constituir crime" todas as condutas previstas nas suas alíneas, mas, ao prever a pena, acabou por fixá-la fazendo remissão à Lei 7492/86 (crimes contra o sistema financeiro), art. 5º, cuja pena é de reclusão, de 2 a 5 anos, e multa. Porém, no §1º, o legislador fez questão de dizer que somente as condutas tipificadas nas alíneas "d", "e" e "f" é que terão a pena prevista no art. 5º, da Lei 7492/86, esquecendo-se, intencionalmente ou não, da pena para os crimes previstos nas demais alíneas.

Nosso intrépido legislador, então, criou vários crimes sem pena, dando ensanchas para que este autor entenda que uma nova figura penal apareceu no mercado de normas penais excêntricas (mercado já tão concorrido) a norma penal incriminadora truncada!

Como se sabe, a norma penal incriminadora, para ser completa, deve ter o preceito primário e o preceito secundário, já que o Direito Penal não se coaduna com confecção de qualquer norma que não tenha a mínima chance de prevenir e/ou reprimir condutas ojerizadas pela sociedade. Não há como o Direito Penal fazer as vezes do Poder Público20, se a norma penal cai no imenso vazio da mesquinhez, da absoluta falta de potência para punir determinada pessoa que mutila os sentimentos éticos da sociedade.

Neste sentido, a norma penal que, a despeito de tipificar uma conduta, deixar de puni-la, não ganha status de autoridade estatal, devendo, pois, ser desconsiderada. A sanção penal está tão vinculada ao tipo penal quanto a vida humana está ao útero do ser mulher. Muitas vezes, sabemos, a tecnologia retira do útero a vida humana, colocando-a fora dele. Mutatis mutantis, no Direito Penal, o legislador, por vezes, também retira a sanção penal do tipo, porém o coloca a salvo, através da remissão à outra lei, como aconteceu no §1º do antigo art. 95, da Lei 8212/91.

Aliás, Damásio Evangelista de Jesus, na sua obra Direito Penal, Parte Geral, Saraiva, 1993, 17ª edição, depois de dizer que "em toda norma penal incriminadora há duas partes distintas: o preceito e a sanção" (p. 11), completa o raciocínio, na p. 13, citando Aníbal Bruno, demonstrando inexistir diferença entre lei e norma penal: "(...) Seria difícil admitir, conforme observava Aníbal Bruno, ´que o Direito penal viesse a pôr a mais grave sanção com que o Estado assegura a autoridade de seus preceitos a normas que nem mesmo chegaram à dignidade do Direito. Essas normas sociais ou culturais só se tornam jurídicas, e, portanto, revestidas de autoridade estatal, quando o direito positivo as incorpora ao seu sistema como preceitos seus. Quando a norma jurídico-penal sanciona determinado fato, é que o comando ou proibição que ele transgride foi por ela elevado à categoria de imperativo jurídico e está implícito, como elemento normativo, na sua disposição, e é, assim, um preceito do Direito Punitivo".

No mesmo sentido, lembra Marcelo Fortes Barbosa, in Concurso de Normas Penais, RT, São Paulo, 1976, p. 7, citando Remo Pannain, que "norma jurídica é a regra de comportamento obrigatório, juridicamente sancionada", e completa, na p. 8, dizendo que "na realidade, a lei só é verdadeiramente lei, quando contém uma norma jurídica, já que se outro for seu conteúdo, tratar-se-á de regra meramente formal e em conseqüência, somente de maneira imprópria poderá denominar-se lei".

Por isso, não está incorporado no Direito Punitivo, estando longe do Direito Penal, portanto, qualquer norma penal, salvo as não incriminadoras, que, simplesmente, descreve alguma conduta sem traçar a respectiva pena.

Estas considerações sobre o antigo art. 95, da Lei 8212/91, são necessárias porque, a despeito da sua revogação pela Lei 9983/00, ainda persistem alguns resquícios práticos que por vezes causam celeuma no ordenamento jurídico.

Um bom exemplo da referida celeuma está na absolvição, por vezes percebida21, de pessoas que tinham suas condutas enquadradas nas alíneas do art. 95, da Lei 8212/91, já que a Lei 9983/00 revogou o referido art. 95.

Em uma primeira e superficial análise, poder-se-ia imaginar que nem mesmo justa causa para a ação penal existiria, tendo-se em mente que ninguém poderia sofrer a carga de um processo penal contra si sabendo que a sua conduta não era punida. Certamente, dentro deste parâmetro, faltaria interesse ao Ministério Público de promover qualquer ação penal. No entanto, apesar de se enquadrarem no título deste trabalho (crime sem pena) todas aquelas descrições já revogadas (alíneas do art. 95, salvo "d", "e" e "f", da Lei 8212/91), outras normas penais completas, não truncadas, previam os mesmos comportamentos, porém de modo mais abrangente, por isso que na verdade não poderia se falar em aplicação das alíneas ""a", "b", "c", "g", "h", "i" e "j" do art. 95 referido, já que tais normas penais não tinham a autoridade estatal dita alhures por Aníbal Bruno. Elas sempre foram, desde o início, simulacro de norma penal, e em nenhum instante chegaram a entrar na essência punitiva do Direito Penal, não prevenindo ou reprimindo comportamentos.

Cheguei a verificar alguma procedência no fato de que, face ao princípio da legalidade constitucional (art. 5º, inciso II e, no caso, inciso XXXIX - nulum crimem, nulla poena sine lege), e pelo fato das condutas estarem especificamente tipificadas, seria mais correto declarar a abolição do crime, diante da Lei 9983/00, acabando com a absolvição dos acusados com condutas enquadradas nas alíneas revogadas do art. 95, da Lei 8212/91. Porém, este pensamento, precipitado, não pode vingar, a par de uma visão mais cuidadosa e jurídica sobre o caso.

Como foi dito, uma norma penal incriminadora só pode ser considerada quando ela não é truncada, adquirindo, assim, autoridade estatal. Quando uma conduta é tipificada, mas não é punida, tal conduta não é propriamente atípica, porém não chega a colidir com a repugnância jurídica estabelecida pelo legislador. Por isso, uma conduta abrangida por um tipo, porém sem pena alguma, certamente entra no escárnio público, ofendendo a moral societária, mas nunca chega a tangenciar qualquer castigo jurídico.

Dentro desta visão é que não pode ser absolvido alguém que tem sua conduta especificadamente prevista em um tipo penal (que não tem pena), e concomitantemente em outro, mais abrangente, cuja pena existe. No caso de alguém que tinha sua conduta tipificada nas alíneas "a", "b", "c", "g", "h" e "i" do antigo art. 95, da Lei 8.212/91, a mesma conduta, certamente, estava englobada na Lei 8.137/91, cuja redação típica é muito mais abrangente que aquelas previstas nas alíneas. Em síntese, e buscando um exemplo prático: se "A" anotou na CTPS que pagava R$2.000,00 a seu funcionário, quando na verdade pagava R$ 3.000,00, tal conduta estava definida, especificadamente, na alínea "c" do antigo art. 95, da Lei 8212/9122, mas também estava definida, de forma mais abrangente, no inciso I do art. 1º, da Lei 8137/9023. Porém, sem embargo das duas tipificações, a norma penal incriminadora que ganha autoridade estatal, e, portanto, que deve ser aplicada no caso, é o inciso I do art. 1º, da Lei dos Crimes Contra a Ordem Tributária, e não uma eventual norma penal truncada.

Como se vê, a Lei 9983/00 não procedeu a uma "abollitio criminis" das alíneas citadas (crimes sem pena), impondo uma eventual extinção da punibilidade, e sim promoveu a consciência de que eventuais classificações jurídicas, nas denúncias ou nas alegações finais, nas alíneas "a", "b", "c", "g", "h", "i" e "j", foram feitas em uma norma penal truncada, erroneamente eleita para abranger a imputação.

Posso ainda fazer referência ao fato de que os tipos penais da Lei 8137/91 eram soldados de reserva24 dos tipos previstos nas alíneas "d", "e" e "f" do antigo art. 95, já que só poderiam ser utilizados se, por qualquer motivo25, as regras mais específicas destas alíneas não pudessem ser utilizadas, lembrando que a pena para aquelas mesmas alíneas ("d", "e" e "f") era de 2 a 6 anos de reclusão, e multa (remissão à pena do art. 5º, da Lei 7492/86), e a pena dos tipos do art. 1º da Lei 8137/90 era, como continua sendo, de 2 a 5 anos de reclusão, e multa (portanto, menos grave). Estamos diante, por assim dizer, do princípio da subsidiariedade26, que tenta, junto com outros, tornar realmente aparente um eventual conflito de normas, e não efetivo27.

É razoável dizer, no entanto, em relação às alíneas "a", "b", "c", "g", "h", "i" e "j" do antigo art. 95, como não havia previsão da "sanctio juris", que a pena da Lei 8137/90 era maior (evidente, porque qualquer pena seria maior que a falta de pena...). Aqui, então, as alíneas "a", "b", "c", "g", "h", "i" e "j" sempre foram os soldados de reserva da Lei 8137/90 (diferentemente das alíneas "d", "e" e "f", que eram soldados titulares, diante da pena maior, de 2 a 6 anos de reclusão, e multa). Assim, quando uma conduta se enquadrava perfeitamente nas alíneas citadas, o princípio da subsidiariedade mandava o aplicador desfazer o conflito aparente de normas penais aplicando o soldado titular, que era algum dos tipos previstos na Lei 8137/90, e não poderia, jamais, absolver alguém dizendo que ocorreu a "abolitio criminis" porque a Lei 9983/00 revogou os soldados reservas, e não os titulares.28

Há que se dizer, nesta oportunidade, que existem vários doutrinadores comentando o referido princípio da subsidiariedade, e, nestes comentários, percebo que há referência aos elementos especializantes típicos (preceitos primários) contidos nos soldados de reserva, porém sem menção ao conjunto da norma penal incriminadora (preceito primário e preceito secundário). Peço vênia para ser mais claro: os doutrinadores, ao dizer que o princípio da subsidiariedade deve ser utilizado sempre que a conduta do agente se enquadre em um tipo mais grave, fazem menção também aos elementos especializantes do tipo menos grave (aproximação com o princípio da especialidade), mas, porém, só fazem referência ao tipo descritivo, jamais à norma penal incriminadora (até mesmo porque, se bem analisado, está implícita a menção à norma penal incriminadora, e não só ao preceito primário). Em razão destes comentários, enfocando apenas o preceito primário, existem aqueles que imaginam que não há como utilizar o soldado titular (tipo mais abrangente e mais grave) se a conduta estiver milimetricamente descrita no soldado reserva (quase sempre um tipo mais específico) que foi revogado, mesmo se neste tipo subsidiário não houver previsão da sanctio juris.

Porém, não posso negar que o princípio da subsidiariedade, ontológica e teleologicamente analisado, afasta resquícios de dúvida. Tal princípio tem uma mensagem muito importante, e seu fundamento maior é evitar qualquer tipo de impunidade, seja enquadrando a conduta em um tipo com pena maior, devido a uma maior ofensa ao bem jurídico, seja enquadrando a conduta em um tipo com pena menor, evitando a total impunidade. Este receio em causar impunidade é bem notado quando se sabe que a subsidiariedade, além de expressa, pode ser também implícita, impondo ao intérprete, quando perceber que a conduta não se enquadra em um tipo mais abrangente e com pena mais grave, a procura, em uma norma geral mais específica e com pena mais leve, a tipificação necessária.

Mas não é só. O aplicador do Direito Punitivo deve estar atendo para o fato de que, se a conduta não puder ser abrangida e punida por uma norma penal, obviamente que deve buscar uma norma penal incriminadora completa, que descreva e puna a conduta. A mensagem ecoada pelo princípio da subsidiariedade não pode ser analisada restritamente perante os elementos especializantes do tipo penal (só o preceito primário), e sim diante de uma visão global do Direito Punitivo, isto é, deve ser analisada se determinada conduta pode ser suficientemente reprimida por uma norma penal incriminadora. Ora, se o soldado de reserva (no caso, repita-se, as alíneas "a", "b", "c", "g", "h", "i" e "j" do art. 95, da Lei 8212/91 eram soldados de reserva da Lei 8137/90, já que tinham pena menor: não havia pena!) não é suficiente para abarcar a conduta de alguém, é evidente que o soldado titular deverá ser utilizado na adequação típica.

Aliás, nem o princípio da especialidade põe termo nestas premissas, na medida em que, quando a conduta de alguém se encontra mais peculiarmente descrita em um tipo específico que não tem a devida punição (crime sem pena), na verdade nunca existirá adequação típica perante este eventual tipo (no caso analisado, perante as antigas alíneas "a", "b", "c", "g", "h", "i" e "j" do art. 95, da Lei 8212/91), justamente porque se trata de norma penal truncada, incapaz de ser utilizada como norma de autoridade estatal. Na relação tipo especial com tipo geral, o princípio da especialidade impõe a adequação típica no tipo especial, independentemente da pena do tipo especial ser maior ou menor que a pena do tipo geral, mas desde que exista uma comparação das sanções, isto é, desde que exista punição para o tipo especial. A título de exemplo, se em uma Lei houvesse descrição típica da conduta de matar um doente reconhecidamente incurável, sem dor ou sofrimento, movido pela compaixão (eutanásia), mas olvidando a sanctio juris, obviamente que não haverá enquadramento típico no tipo especial, justamente porque, como foi dito, o tipo especial não ganha status de autoridade estatal, sendo, apenas, um tipo simbólico, sem alcançar a autoridade de uma norma penal incriminadora formada por preceito primário e secundário.

Tem razão, ao meu ver, quem entende pela não abolição dos crimes previstos nas alíneas "a", "b", "c", "g", "h", "i" e "j" do art. 95, da Lei 8212/9129, seja porque nem sequer houve enquadramento típico, seja porque sempre foram soldados de reserva das figuras titulares da Lei 8137/90, não sendo necessário nem mesmo cogitar a jurisprudência formada nos tribunais, no sentido da substituição de algumas alíneas pelo art. 168-A do Código Penal30.

Finalmente, basta dizer que a relação soldado reserva-soldado titular entre a Lei 8.137/90 e o antigo art. 95 da Lei 8212/91 está caracterizada, também, porque a Lei 8212/91 trata das contribuições previdenciárias, e a Lei 8137/90 trata dos tributos (crimes contra a ordem tributária), merecendo destaque que a cabeça do art. 1º desta última Lei fala em reduzir ou suprimir tributo, ou contribuição social. Bem se vê, assim, que o interesse das duas Leis perpassa a mesma objetividade jurídica, visando proteger a máquina estatal que busca incrementar o erário com o produto da tributação, sabendo-se que as contribuições sociais, sem dúvida alguma, nos termos da nossa Constituição de 1988, são espécies tributárias31, aumentando ainda mais a relação de subsidiariedade implícita entre as normas penais citadas.


6. Conclusões

a) é sem dúvida que a voracidade legislativa invade o Direito Penal, e que tal invasão acaba gerando banalização do Direito Punitivo por parte da sociedade;

b) o excesso de leis penais materiais aniquila o princípio da intervenção mínima, construído solidamente no mundo todo, gerando desordem no sistema penal brasileiro e sendo, em muitas ocasiões, motivo de chacota de juristas e da própria sociedade;

c) o tipo previsto no parágrafo único do art. 1º, da Lei 8137/90, é um crime sem pena, já que a pena traçada para os incisos do mesmo art. 1º ofende, claramente, a proporcionalidade constitucional, chegando o pico máximo a ultrapassar penas consolidadas no Código Penal para crimes sensivelmente mais ofensivos. Neste sentido, existe absoluta impossibilidade de aplicar a pena prevista para o crime de desobediência do Código Penal (15 dias a 6 meses de detenção, e multa), uma vez que se torna extravagante e impensável formular um tipo penal completo por meio de ajuntamento de preceito primário de uma lei com o preceito secundário de outra lei que não tem a mesma ratio, como aconteceu, em uma excepcionalidade, no caso da combinação do art. 14 da Lei 6368/76 com o art. 8º da Lei dos Crimes Hediondos, aceita pelo STF e pelo STJ, diante simetria das referidas Leis sobre o mesmo tema;

d) as alíneas "a", "b", "c", "g", "h", "i" e "j" do revogado art. 95, da Lei 8212/91 eram crimes sem pena. Porém, eram normas penais simbólicas, sem qualquer autoridade estatal, e por isso jamais poderiam servi ÿr para classificar juridicamente qualquer conduta. Ademais, não poderia haver adequação típica nas referidas alíneas, e sim em alguns dos vários tipos da Lei 8137/90, já que elas (as alíneas) sempre foram soldados de reserva, meras normas subsidiárias. Neste caso, deveria ter aplicação o princípio da subsidiariedade implícita, operando a Lei 8137/91 como soldado titular das alíneas do revogado art. 95, principalmente porque as duas leis tinham a mesma objetividade jurídica, as contribuições previdenciárias são espécies de tributo e os tipos penais da Lei 8137/90 eram mais graves que os tipos penais das alíneas "a", "b", "c", "g", "h", "i" e "j" do art. 95, da Lei 8212/91, já revogado, diante da ausência absoluta de pena;e) os legisladores, até com certa freqüência, subjugam a técnica e a responsabilidade necessárias para criar normas penais incriminadoras, forçando o intérprete a buscar, na hermenêutica, formas das mais variadas para compreender o fenômeno jurídico-penal, inclusive contornando eventuais desarranjos legais que poderm provocar impunidade. Porém, outras vezes este contorno hermenêutico é impossível, acabando mesmo em impunidade ou em punibilidade menor que a desejada;

f) no remate, devo repetir a mensagem da epígrafe: os aplicadores da norma penal acabam percebendo o tormento que os próprios legisladores não são capazes de enxergar, já que estes criam normas penais aos cântaros, mas muitas vezes não sentem todos os sabores que os cultores do Direito Penal estão, a cada dia, experimentando.


Bibliografia

Andreucci, Antunes, Direito Penal e Criação Judicial, 1989, RT

Antolisei, Francesco, Manual de derecho penal, trad. Juan Del Rosal e Angel Torio, Buenos Aires, 1960

Barbosa, Marcelo Fortes, Concurso de normas penais, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1976

Bitencourt, Cezar Roberto, Algumas Controvérsias da Culpabilidade na Atualidade, www.direitopenal.adv.br, revista n. 5

Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) n. 101, abril/2001 (Revisão Criminal n. 260.338.3-0, voto vencido do Des. Celso Limongi)

Boschi, José Antônio Paganella, Ação Penal - Denúncia, Queixa e Aditamento, Aide, 1993

Decomain, Pedro Roberto, Crimes contra ordem tributária, Obra Jurídica, Florianópolis, 1994

Franco, Alberto Silva, Crimes Hediondos, notas sobre a Lei 8078/90, 2ª edição, RT, 1992

Filho, Vicente Greco, Tóxicos: Prevenção-Repressão, 7ª ed., SP, Saraiva

Gama, Guilherme Calmon Nogueira da; Gomes, Abel Fernandes, Temas de Direito Penal e Processo Penal, Renovar, 1999

Grinover, Ada Pelegrini, e outros, Recursos no Processo Penal, 2ª edição, RTHabeas Corpus n. 68.793, STF, 1ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 13.02.1992

Hungria, Nelson, Comentários ao Código Penal, Vol. I, Forense, 1949, p. 121

Jesus, Damásio Evangelista de, artigo Ação Penal Sem Crime, in www.damasio.com.br_______________________________, Direito Penal, Parte Geral, Saraiva, 1993, 17ª edição_______________________________, Dois Temas da Parte Penal do Código Brasileiro de Trânsito, Revista Consulex, ano V, n. 116, p. 31Lovato, Alécio Adão, Crimes Tributários – Aspectos Criminais e Processuais, Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2000

Machado, Hugo Brito, Curso de Direito Tributário, 19ª edição, São Paulo, Malheiros, 2001

Maxiliano, Carlos, Hermenêutica e Aplicação do Direito, Livraria Freitas Bastos AS, 8ª edição, 1965

Mirabete, Julio Fabbini, Manual de Direito Penal, Atlas, 2000

Pedroso, Fernando de Almeida, Conflito aparente de normas penais, Revista dos Tribunais, São Paulo (673), nov. de 1991

Processo n. 1997.35.00.01600-2, da 5ª Vara Federal da Seção Judiciária de Goiás

Processo n. 2001.35.00.002402-6, da 11ª Vara Federal da Seção Judiciária de Goiás

Recurso Especial n. 85.965-SP, 6ª Turma, Rel. Min. Vicente Cernicchiaro

Revista de Direito Administrativo n. 190, p. 78.

Recurso Criminal n. 1997.38.00.050000-0/MG, do Tribunal Regional da 1ª Região, Rel. Juiz Hilton Queiroz, 4º Turma, DJ 23.04.2001

Rocha, Luiz Otávio de Oliveira, artigo O tipo penal do parágrafo único do artigo 1º da Lei 8137/90: uma interpretação à luz dos princípios da legalidade e da proporcionalidade, www.direitocriminal.com.br

Sznick, Valdir, Comentários à Lei dos Crimes Hediondos, 3ª ed., SP, Ed. Leud


Notas

1. "Como bem lembra o Professor LUIZ LUISI, ‘é matéria inquestionável o desprestígio do sistema penal; deve-se a uma série de causas; e uma delas, talvez a fundamental, é a existência de uma legislação onde são tipificados criminalmente milhares de fatos, em grande número sem autêntica relevância, gerando a hipertrofia do direito penal’. FRANCESCO CARRARA, em 1883, se refere a nomomania ou nomorréia penal, criticando o estágio do Direito Penal ao esquecer o brocado mínima no curat praetor. REINHART FRANCK, em 1898, utilizou a expressão hipertrofia penal, dando continuidade às críticas feitas aos excessos legisferantes. Neste século, vários autores cuidaram do tema, sendo oportuno citar CARLOS ENRICO PALIERO que, recentemente, se refere ao crescimento patológico da legislação penal" (Guilherme Calmon Nogueira da Gama e Abel Fernandes Gomes, in Temas de Direito Penal e Processo Penal, Renovar, 1999, p. 136).

2 "O legislador brasileiro contemporâneo ao definir as condutas típicas continua utilizando as mesmas técnicas que eram adotadas na primeira metade deste século, ignorando a extraordinária evolução da Teoria Geral do Delito. Continua utilizando expressões, como, ‘sabe’ ou ‘deve saber’, que, outrora, eram adotadas para identificar a natureza ou espécie de dolo. A utilização dessa técnica superada constitui uma demonstração evidente do desconhecimento do atual estágio da evolução do dolo e da culpabilidade. Ignora nosso legislador que a consciência da ilicitude não é mais elemento do dolo, mas da culpabilidade e que tal consciência, por construção dogmática, não precisa mais ser atual, bastando que seja potencial, independentemente de determinação legal. A atualidade ou simples possibilidade de consciência da ilicitude servirá apenas para definir o grau de censura, a ser analisado na dosagem de pena, sem qualquer influência na configuração da infração penal. Essa técnica de utilizar em alguns tipos penais as expressões ‘sabe’ ou ‘deve saber’ justificava-se, no passado, quando a consciência da ilicitude era considerada, pelos causalistas, elemento constitutivo do dolo, a exemplo do ‘dolus malus’ dos romanos, um dolo normativo. No entanto, essa construção está completamente superada como superada está a utilização das expressões ‘sabe’ ou ‘deve saber’ para distinguir a natureza do dolo, diante da consagração definitiva da teoria normativa pura da culpabilidade, a qual retirou o dolo da culpabilidade colocando-a no tipo, extraindo daquele a consciência da ilicitude e situando-a na culpabilidade, que passa a ser puramente normativa" (Cezar Roberto Bitencourt, Algumas Controvérsias da Culpabilidade na Atualidade, in www.direitopenal.adv.br, revista n. 5).

3 Trata-se da crítica feita por Damásio Evangelista de Jesus, no artigo Ação Penal Sem Crime, in www.damasio.com.br, a respeito do art. 41-A, da Lei n. 10.028, de 19.10.200, que, além de alterar o Código Penal, acrescentando-lhe crimes contra as finanças públicas (arts. 359-A a 359-H), modificou em seu art. 3.º a Lei n. 1.079/50, ampliando o rol das infrações político-administrativas, pois dá a entender que a Lei 1.079/50 descreve crimes, quando na verdade trata-se de infrações político-administrativas, emprega a expressão "ação penal" em relação aos ilícitos político-administrativos (daí, "ação penal sem crime"), impõe o rito da Lei 8.038/90 àqueles ilícitos quando o rito da Lei diz respeito a delitos, e não infrações político-administrativos, além de possibilitar ao cidadão a proposição de ação penal, violando o art. 129, I, da CF/88. Termina o artigo da seguinte forma: "Imagine que o legislador estivesse consciente de estar tratando de ilícitos político-administrativos. Por que, então, usou a expressão "ação penal"? E por que prevê o rito processual da Lei n. 8.083/90 somente para as pessoas referidas no art. 10 da Lei n. 1.079/50, enquanto as hipóteses dos outros capítulos continuam com o procedimento antigo? O dispositivo é tão confuso que merece destaque no museu das imperfeições legislativas."

4 O legislador, no caso, sem o cuidado devido, tipificou a conduta de várias donas de casa que, por descuido, desconhecimento ou, até, necessidade, não registram oficialmente a empregada doméstica, acabando por retirar, compulsiva e arbitrariamente, a primariedade daquelas senhoras, sem que tenham agido contrariando qualquer sentimento de repulsa social, acabando por tangenciar a inconstitucionalidade por ferir o princípio da lesividade, que hoje toma corpo na doutrina nacional, tudo isso movido pela insensatez compulsiva de arrecadar tributos, mesmo utilizando despropositadamente o Direito Penal, esse "salvador da pátria". Por isso, se diz que o legislador feriu a adequação social, já que ninguém consegue encontrar uma pessoa sequer capaz de dizer que aquela dona de casa deveria ser considerada criminosa...

5 O art. 14 da Lei 6368/76 tipifica a associação de duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 12 e 13 da Lei, com pena de reclusão, de 3 a 10 anos, e multa, mas o art. 8º da Lei 8078/90, que é posterior, diz que será de três a seis anos de reclusão a pena prevista no art. 288 do CP, quando se tratar de crimes hediondos, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo. Como se vê, o legislador novamente se perdeu no emaranhado de leis penais que ele mesmo produziu, sem nenhuma preocupação com a técnica e com a responsabilidade social de lidar com o Direito Penal. O STF e o STJ, como se sabe, acabaram entendendo que se trata de derrogação, e não ab-rogação, de modo que o preceito primário do art. 14 permanece intacto ("duas ou mais pessoas"), mas o seu preceito secundário foi modificado, alterado que foi para a pena de reclusão, de três a seis anos, sem multa, sob o fundamento de que a ab-rogação só acontece quando existe incompatibilidade absoluta, o que não é o caso. Porém, até hoje a questão vem sendo debatida, sem consenso, pela doutrina.

6 O art. 10, §1º, II, da Lei citada diz ser crime "utilizar arma de brinquedo, simulacro de arma capaz de atemorizar outrem, para o fim de cometer crimes", acabando por impossibilitar que tal conduta seja considerada, autonomamente, como crime, isto porque a utilização da arma será passagem natural para o crime de roubo, sendo consumido por este delito principal (além de existir, no art. 10, §1º, II, uma subsidiariedade implícita em relação ao art. 157 do Código Penal). Como o tipo fala em utilizar, não há como fugir deste "suicídio legislativo" a partir da integração das elementares do roubo. Se tivesse falado em portar arma de brinquedo enquanto comete crime, poderia haver concurso formal com constrangimento ilegal, ameaça, furto ou outro crime qualquer, mas fala em utilizar, integrando o tipo do roubo (lembrando que a lei fala em "para cometer crimes", e não um só crime...).

7 O Código de Trânsito (Lei 9503/97), na parte penal, em diversas ocasiões não definiu conduta de maneira adequada, e sim fez, na realidade, remissão aos crimes definidos no Código Penal: praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302); praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor (art. 303). Como se vê, não definiu conduta, e sim criou o preceito primário remetido, sem esquecer que os crimes devem ser praticados na direção do veículo, de modo que deixá-lo em local de alto risco, mas sem assumir o risco de produzir o resultado, acabando por causar sério acidente, com morte, não caracterizará o 302 do Código de Trânsito Brasileiro (inúmeras são as críticas, além destas...).

8 "... os meios de comunicação de massa começaram a atuar, movidos por interesses políticos subalternos, de forma a exagerar a situação real, formando a idéia de que seria mister, para removê-la, uma luta sem quartel, contra determinadas formas de criminalidade ou determinados tipos de delinqüentes, mesmo que tal luta viesse a significar a perda de tradicionais garantias do próprio Direito Penal ou do Direito Processual Penal. Surgiram, então, por influxo da mídia manipulada politicamente, manifestações em favor da law and order (...) À retaguarda da tendência da law and order está um entendimento excessivamente unilateral dos fins do Direito Penal e a esperança de que o delito possa ser eliminado da face da terra. ‘Ambas as condições, por mais que ideologicamente estejam afastadas uma da outra, têm em comum a confiança, ingênua, por um lado, na possibilidade de modificar o curso da história pelo homem e o processo evolutivo e, por outro, uma enorme impaciência frente à conduta desviada. Isso conduz, pois, a uma atividade intervencionista bastante radical, buscando mais a efetividade do Direito Penal que sua formalização e sua concreção jurídica(...) A Lei 8072/90 na linha dos pressupostos e dos valores do Movimento de Lei e Ordem, dá suporte à idéia de que leis de extrema severidade e penas privativas de liberdade pesadas são suficientes para pôr cobro à criminalidade violenta. Nada mais ilusórios (...) É mister que se denuncie, com eloqüência, esta postura ideológica que representa um momento regressivo, quer do direito penal, quer no direito processual penal, quer ainda na própria execução penal. Se esta involução não for decididamente contrariada, não será aventuroso predizer que, para a justificar, em breve voltarão a ouvir-se vozes na doutrina a prevenirem perigos de uma exasperação das garantias pessoais no processo penal; e a lembrarem que elas têm de se submeter ao interesse social no funcionamento do eficiente e sem entraves daquele’" (Alberto Silva Franco, Crimes Hediondos, notas sobre a Lei 8078/90, 2ª edição, RT, 1992, respectivamente pp. 29, 31/32, 33, 44/45/46).

9 A hipótese foi analisada pelo mesmo Damásio E. de Jesus, in Dois Temas da Parte Penal do Código Brasileiro de Trânsito, publicado na Revista Consulex, ano V, n. 116, p. 31. O autor defende que não há como aplicar a multa reparatória, prevista no art. 297 e parágrafos, já que o legislador se esqueceu de fazer uma cominação genérica da pena de multa e também da cominação específica (preceito secundário). É dizer: o CBT, nem na sua parte geral, nem na especial, cominou qualquer pena de multa reparatória, não podendo, deste modo, ser aplicada, pois ofenderia o princípio da legalidade, já que pena sem cominação não é pena. Conclui assim, sobre a multa reparatória: "É uma alma perdida vazando na imensidão do Direito Penal à procura de um corpo. Chegaram ao máximo: inventaram uma pena sem crime!."

10 Apesar da expressão "conservador" soar pejorativa, não posso deixar de lembrar que ser conservador não é, em absoluto, algo ruim, pois o que importa não é a conservação em si mesma, e sim o que se quer conservar...

11 É bom lembrar que a República tem como característica básica, ao lado da eletividade, igualdade e segurança jurídica, a responsabilidade dos agentes políticos. Cresce, portanto, a importância do legislador na confecção de tipos penais que inundam a sociedade, fazendo-a refém de si mesma.

12 Aliás, a Lei 8137/90 bem que poderia aumentar a lista de atrocidades legislativas, diante da falta de segurança jurídica e atecnia. Um bom exemplo é a inusitada confusão que a mesma causa na identificação exata dos crimes, até mesmo para os estudiosos da mesma. Outro exemplo é a inicial aparência de que se torna impossível a tentativa dos crimes previstos no art. 1º, I e II da Lei 8137/90, mesmo sendo eles plurissubsistentes e materiais, já que o art. 2º, I, seria ato preparatório ou de execução dos crimes previstos no art. 1º, I e II, aplicando-se o princípio da consunção, aflorando entendimentos de que o crime do art. 2º, I, é etapa necessária para a consumação dos crimes do art. 1º, I e II – antefactum impunível. Este aparente conflito é muito bem resolvido, no entanto, por Guilherme Calmon Nogueira da Gama e Abel Fernandes Gomes, in Temas de Direito Penal e Processo Penal, opus citado, p. 93 e ss., citando Rui Stocco: "‘...enquanto as demais ações físicas constantes dos outros incisos dos artigos 1º e 2º visam suprimir ou reduzir tributo, contribuição social e qualquer acessório, o inciso I do art. 2º tem um espectro de menor abrangência, pois objetiva apenas coibir que o agente se exima ou se isente de pagamento de tributo. Não fez menção à contribuição social nem a quaisquer acessórios, já porque estes, dentro da teoria jurídico-tributária, não se submetem à isenção, sendo impróprio dela falar em relação a esses componentes do débito fiscal, pois a isenção veda a constituição do crédito tributário, mas deixa de pé as obrigações acessórias’ (...). Assim, objetivando espancar qualquer dúvida a respeito, resta fazer a seguinte afirmação: o crime tratado no inciso I, do art. 2167, da Lei n. 8137/90, não pode ser considerado etapa de preparação ou de execução dos tipos penais contidos nos incisos I e II, do art. 1º, da mesma lei, tendo campo de aplicação completamente distinto, por estar relacionado à conduta delituosa fraudulenta no sentido do agente pretender obter isenção total ou parcial do tributo que deveria pagar, não sendo necessária a obtenção da isenção para a consumação do crime, daí a sua natureza de crime formal. E, mesmo porque se trata de crime formal, não pode ser considerado etapa anterior para a prática de crime material, diante da diversidade dos interesses imediatos protegidos relativamente a cada tipo penal tributário". Mais um caso que o legislador complica, e o intérprete descomplica.

13 Lembra o autor que existem entendimentos de que o parágrafo único do art. 1º da Lei 8.137/90 só tem razão de ser se combinado com o "caput" do mesmo artigo, acabando por transformar o crime do parágrafo único em crime material, pois se exige, nesta visão, o resultado de suprimir ou reduzir tributo, contribuição social ou qualquer acessório, quando da desobediência. Neste sentido, Alécio Adão Lovato, Crimes Tributários – Aspectos Criminais e Processuais, Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2000, p. 100 e também Fernando Arruda.

14 O autor diz que os tribunais começam a considerar a hipótese, como na declaração de voto vencido do i. Des. Celso Limongi, na Revisão Criminal n. 260.338.3-0, publicada no Boletim do IBCCrim n. 101, abril/2001.

15 Habeas Corpus n. 68.793, 1ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 13.02.1992. O Min. Moreira Alves diz que é possível a compatibilização do art. 14 da Lei 6368/76 com o art. 8º da Lei 8078/90, através de uma interpretação corretiva, porque "o art. 8º da Lei n. 8.072/90 se dirige à pena e a que o artigo 10 dessa mesma Lei tem inequivocadamente como um vigor o tipo delituoso previsto no art. 14 da Lei n. 6368/76, a forma de afastar-se a interpretação ab-rogante – que só deve ser utilizada no caso extremo de incompatibilidade absoluta – será a conciliação sistemática, mediante a interpretação restritiva de ambos os dispositivos, deixando ao primeiro a fixação da pena inclusive para a quadrilha que se forma para a prática de crime de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, e ao segundo a especialização do tipo do crime de quadrilha com essa finalidade". Bem se vê, assim, que a compatibilização só foi possível porque as Leis referidas tiveram a mesma ratio e os arts. 10 e 14 da Lei 8.072/90 fizeram expressa menção à Lei 6368/90, o que não acontece com o parágrafo único da Lei 8137/90 (Lei dos Crimes Contra a Ordem Tributária) com o art. 330 do Decreto-Lei 2848/40 (Código Penal).

16 Recurso Especial n. 85.965-SP, 6ª Turma, Rel. Min. Vicente Cernicchiaro. O próprio Ministro Cernicchiaro, além de ratificar a possibilidade de compatibilizar porque existe a mesma ratio e menção de uma Lei à outra, acaba por dar vazão ao princípio da proporcionalidade, ao dizer que "Meu entendimento, seguindo longo voto do Ministro Moreira Alves, do Supremo Tribunal Federal, é no sentido da convivência do art. 14 da Lei de Tóxicos e do art. 8º da Lei n. 8072/90 que acrescentou um parágrafo ao art. 288. Há compatibilidade porque o art. 14 fala em associarem-se duas ou mais pessoas e o art. 288 em associarem-se três ou mais no caso para o tráfico de entorpecentes. Acrescentou-se também à conclusão daquele acórdão do Supremo Tribunal Federal, buscando coexistência das normas jurídicas – são certos pormenores, esse acórdão que reputo, talvez o mais importante do Supremo Tribunal Federal, foi capitaneado por um civilista que é o Ministro Moreira Alves -, no sentido de que o crime mais grave tem que ter pena mais grave do que o menos grave e que o crime menos grave tem que ter pena menos grave em relação à infração mais grave. É evidente, reunião de três ou mais pessoas é mais grave que a de duas ou mais pessoas, dando a possibilidade, pelo menos em tese, de maior sucesso, relativamente à consumação. Ora, ocorreu que o art. 14, originariamente, a pena cominada, reclusão de três a dez anos, e o art. 288,de acordo com a Lei n. 8072, de três a seis anos, ou seja, com aquela orientação do Supremo Tribunal Federal, que considero escorreita, foram unificados."

17 Guilherme C. N. da Gama e Abel F. Gomes, in Temas..., op. cit., pp. 31 e ss., citam: Valdir Sznick, Comentários à Lei dos Crimes Hediondos, 3ª ed., SP, Leud, p. 361: "Há aqui uma impropriedade. A lei de Entorpecentes prevê a associação no art. 14, a pena é de 3 a 10 anos; o art. 8º dispõe de 3 a 6 anos. Qual prevalece? A lei especial, que é a mais severa, a de Entorpecentes"; Alberto Silva Franco, Crimes Hediondos, 2ª ed., RT, pp. 227/228: "... o texto do art. 8º da lei 8072/90 é explícito demais para que se possa admitir a subsistência do art. 14 da Lei 6368/76. Se a lei mais recente aborda a questão da associação criminosa organizada para o fim do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, é óbvio que uma figura criminosa anterior, que verse sobre a mesma matéria, foi, logicamente, revogada. Depois, porque a equivocada referência ao art. 14 da Lei 6368/76, feita no artigo 10 da Lei 8072/90, não basta para garantir-lhe sobrevida. A regra do art. 10 do novo diploma legal refere-se, com exclusividade, à questão de prazos procedimentais e não é suficiente para ressuscitar, em nível penal, um tipo que o art. 8º da mesma lei deu por morto. Por fim, porque não tem cabimento a adoção de uma interpretação atentatória à regra de que não podem existir, sobre o mesmo objeto, disposições legais incompatíveis entre si"; Vicente Greco Filho, Tóxicos: Prevenção-Repressão, 7ª ed., SP, Saraiva, p. 109: "Como não se pode, em termos interpretativos, combinar leis para fazer uma terceira, as penas do art. 288 do Código Penal, com os limites da Lei n. 8072/90, só poderão ser aplicadas se se entender revogado o art. comentado. E essa revogação, que em nosso entender ocorreu, se aplica integralmente, inclusive quanto aos elementos do tipo. É estranho, porém, que a mesma Lei n. 8072/90, pelo art. 10, ao introduzir parágrafo único ao rt. 35 da lei comentada, duplicando os prazos, se refere ao art. 14, que entendemos tacitamente revogado pelo seu art. 8º."

18 É possível dizer, mesmo sem a concordância de boa parte da doutrina e da jurisprudência, que a rejeição da denúncia (decisão com força de definitiva) acontece nos casos de falta de lastro probatório e inexistência de condições da ação, cf. art. 43, incisos I e II, do CPP (atipicidade e extinção da punibilidade), possibilitando a apelação (art. 593, II), enquanto o não-recebimento (decisão interlocutória mista terminativa) acontece na ausência dos requisitos do art. 41 e, também, se for o caso de ilegitimidade ou ausência de outra condição exigida pela lei para o exercício da ação penal (art. 43, III e parágrafo único), possibilitando o recurso em sentido estrito (art. 581, I), não fazendo coisa julgada material, e sim formal, podendo o "Parquet" reapresentar a denúncia, se satisfazer a exigência legal descumprida. Ada P. Grinover, Antônio M. G. Filho e Antônio S. Fernandes, em Recursos no Processo Penal, 2ª edição, RT, p. 171 discorda deste posicionamento, entendendo que, independentemente da decisão ser considerada definitiva ou terminativa, caberá sempre recurso em sentido estrito. No entanto, José Antônio Paganella Boschi, Ação Penal - Denúncia, Queixa e Aditamento, Aide, 1993, pp. 161/163, professa no sentido destas idéias.

19 Caso se entenda que a pena deve ser aquela prevista no art. 330 do Código Penal, aplicando-se o princípio da proporcionalidade, como entende Luiz Otávio de Oliveira Rocha, op. citado, certamente que o juiz deverá declarar-se incompetente (art. 109, CPP), e enviar os autos ao juízo competente (que será, no caso, o Juizado Especial Criminal).

20 O Estado surgiu, basicamente, pela necessidade inegável de um terceiro, com força e autoridade suficientes para interferir nos conflitos entre os membros da sociedade. O Estado, neste sentido, tem à sua disposição o meio mais eficaz para, em primeiro plano, retratar sua força e irradiar sua mensagem para a sociedade, que é o Direito Penal, na medida em que prevê abstratamente comportamentos que serão castigados.

21 Vide, por exemplo, a sentença prolatada no processo 1997.35.00.0160080-2, da 5ª Vara Federal da Seção Judiciária de Goiás, onde o MM. Juiz absolveu o acusado que vinha pagando seus funcionários uma quantia bem superior àquela registrada na CTPS, acabando por pagar a contribuição previdenciária baseada em valores irreais, lesando o INSS. O MM. Juiz absolveu não por falta de provas ou outra tese defensiva factual, mas sim porque o Parquet Federal classificou a conduta na alínea "c" do art. 95, da Lei 8212/91, e tal artigo foi revogado pela Lei 9983/00, acabando por extinguir a punibilidade face à "abolitio criminis" (art. 107, III, do CP), até mesmo fazendo a consideração de que o fato não tinha pena prevista em lei, daí o reforço, na sua visão, da impossibilidade de condenação.

22 Alínea "c": "constitui crime omitir total ou parcialmente receita ou lucro auferidos, remunerações pagas ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições, descumprindo as normas legais pertinentes."

23 Inciso I: "constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias."

24 Expressão originalmente utilizada por Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, Vol. I, Forense, 1949, p. 121. Assim, os soldados de reserva só entram em campo se os soldados titulares não puderem ser utilizados para abarcar a conduta de alguém. É o que ocorre, por exemplo, com o crime de dano (art. 163, CP) (soldado de reserva) em relação ao crime de furto qualificado pela destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa (art. 155, §4º, I, CP) (soldado titular); do crime de ameaça (art. 147, CP (soldado de reserva) em relação ao crime de constrangimento ilegal (art. 146, CP) (soltado titular); do crime de omissão de socorro (art. 135, CP) (soldado de reserva) em relação ao crime de homicídio culposo (art. 121, §4º, CP) (soldado titular). Como, no caso, a pena dos crimes do art. 1º da Lei 8137/90 eram menores que a pena dos crimes das alíneas "d", "e" e "f" do antigo art. 95, da Lei 8212/91, aquele artigo só seria utilizado se a conduta não se enquadrasse nas alíneas referidas, daí porque o art. 1º sempre foi soldado de reserva em relação as alíneas referidas, e não em relação às alíneas "a", "b", "c", "g", "h", "i" e "j", como se verá.

25 Cômpar deste entendimento está Fernando de Almeida Pedroso: "A enunciação do princípio, literalmente, tem o mesmo significado, com outras palavras, que o princípio da especialidade, aduzindo que o preceito de lei principal (tipo especial) prevalece sobre o que lhe é subsidiário e supletivo (tipo geral) (...) Assim, sempre que um tipo especial não puder, por um motivo qualquer, abrigar tipicamente o episódio que se analisa e examina, o tipo geral, subsidiária e supletivamente, como reserva do tipo especial (já que contém todos os seus elementos), outorgará guarida típica ao fato" (grifei) (Conflito aparente de normas penais, Revista dos Tribunais, São Paulo (673), nov. de 1991, página 294). Também Damásio E. de Jesus, obra citada, p. 98: "(...) Sob outro aspecto, se a sanctio juris da norma primária (sempre de maior punibilidade que a da figura típica famulativa) é excluída por qualquer circunstância, a pena do tipo subsidiário subsidiário ‘pode apresentar-se como ‘soldado de reserva’ e aplicar-se pelo residuum" (grifei).

26 O princípio da subsidiariedade anda muito próximo ao o princípio da especialidade, de tal modo que muitos proclamam sua absoluta inutilidade, tendo-se em vista que termina por levar ao mesmo resultado, que é a exclusão de uma norma penal no caso de ambas, aparentemente, englobarem o mesmo fato (unidade de fato). Neste sentido, Francesco Antolisei, Manual de derecho penal, trad. Juan Del Rosal e Angel Torio, Buenos Aires, 1960, p. 86, citado por Damásio, op. cit., p. 98, e Marcelo Fortes Barbosa, Concurso de normas penais, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1976, p. 190, citado por Julio Fabbini Mirabete, Manual de Direito Penal, Atlas, 2000, p. 120 (pedindo licença a Mirabete para lembrar que Marcelo Barbosa acredita que exista uma relação de subsidiariedade entre a norma principal e a norma subsidiária, mas só não acredita que tal relação é uma relação concursal no concurso aparente de normas. Vale dizer: para Marcelo, a relação de subsidiariedade é uma forma para se descobrir a relação de especialidade ou de consunção, acabando por defender que a relação deveria ser tratada como modalidade criminosa, na teoria geral do crime, sob o título de "crime subsidiário" - op. cit., pp. 112/115). O princípio da especialidade se diferencia do princípio da subsidiariedade porque na especialidade o tipo especial só acrescenta alguns elementos especializantes (subjetivos ou objetivos) ao tipo geral, havendo uma relação de gênero-espécie, enquanto na subsidiariedade não existe esta relação porque não há acréscimos de elementos ao tipo geral, e sim um novo tipo, a partir de graus maiores e menores de violação dos bens jurídicos protegidos (se bem que, na construção do novo tipo, a norma subsidiária acaba prevendo a conduta com maior especificidade, porém sem aumentar elementos especializantes à norma principal, daí a confusão por vezes percebida entre princípio da subsidiariedade e princípio da especialidade), e também porque, no princípio da especialidade, o tipo penal com pena maior não exclui o de pena menor (como acontece na relação homicídio-infanticídio), enquanto que na subsidiariedade o tipo penal com pena maior exclui o tipo penal com pena menor (aliás, cf. Marcelo Barbosa, cit., p. 73, o Código Penal Argentino, no art. 54, diz: "Quando um fato se situar sob mais de uma sanção penal, se aplicará somente a que fixar pena maior"). Além destas nuanças, é de se lembrar que, no princípio da especialidade, a aplicação desta ou daquela norma é possível pela análise abstrata das normas gerais e especiais, sem necessidade de analisar o fato criminoso, enquanto que no princípio da subsidiariedade a aplicação da norma principal ou da norma subsidiária só é possível compulsando os fatos concretos, em todos os seus detalhes.

27 O concurso aparente de normas se resolve, principalmente a nível doutrinário, pela aplicação dos princípios da especialidade, da consunção e da subsidiariedade (e, para alguns, também pelo princípio da alternatividade), e o concurso real de normas se resolve, por exatamente por ser efetivo, se resolve principalmente a nível legal, por meio do concurso formal, material e do crime continuado.

28 Afinal, se os reservas morrerem (ou, no caso, forem revogados), o jogo continua, pois os titulares continuam em campo (isto é, o enquadramento típico continua existindo). Assim, se no decorrer de um processo, o acusado responde pelo crime de estupro (art. 213, CP), e este crime vem a ser revogado, o processo pode continuar em relação aos tipos subsidiários, como constrangimento ilegal (art. 146), lesão corporal (art. 129), injúria (art. 140) etc.

29 É o exemplo do juízo da 11ª Vara Federal da Seção Judiciária de Goiás, processo n. 2001.35.00.002402-6, que, na sentença, desconsiderou o art. 95, da Lei 8212/90, para considerar aplicável ao caso a Lei 8137, dizendo que as alíneas "a", "b", "c", "g", "h", "i" e "j" eram "figuras meramente decorativas."

30 "PROCESSO PENAL. OMISSÃO NO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. LEI 8212/91. ART. 95 - ´D´. LEI 9983/2000. ART. 168-A DO CÓDIGO PENAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. ABOLITIO CRIMINIS. INOCORRÊNCIA. CRIME OMISSIVO PURO (OU PRÓPRIO). 1 - Não há que se falar em abolitio criminis por ter o art. 3º, da Lei 9983/2000, revogado o artigo 95, da Lei 8212/91, já que conduta idêntica passou a ser prevista no art. 168-A, do Código Penal. 2 - O simples fato de o legislador haver optado pelo nomem juris apropriação indébita previdenciária para o crime previsto no recém criado artigo 168-A, do Código Penal, não impõe, para a realização do tipo, a verificação do elemento volitivo consistente no animus rem sibi habendi (opinativo da douta PRR 1ª Região no RCCR nº 2001.01.00.012744-0/MG)." (RCCR 1997.38.00.050000-0/MG, Rel. Juiz Hilton Queiroz, 4º Turma, DJ 23.04.2001, votação unânime, p. 22).

31 O próprio Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de referendar a quase unanimidade da doutrina, dividindo os tributos em: a) impostos; b) taxas; c) contribuições (de melhoria, parafiscais, especiais e sociais); e d) empréstimos compulsórios (vide RDA 190/78). Sobre a natureza jurídica das contribuições sociais, afirmou Hugo Brito Machado: "Diante da vigente Constituição, portanto, pode-se conceituar a contribuição social como espécie de tributo com finalidade constitucionalmente definida, a saber, intervenção no domínio econômico, interesse das categorias profissionais ou econômicas e seguridade social. É induvidosa, hoje, a natureza tributária destas contribuições. Aliás, a identificação da natureza jurídica de qualquer imposição do Direito só tem sentido prático porque define o seu regime jurídico, vale dizer, define quais são as normas jurídicas aplicáveis. No caso de que se cuida, a Constituição afastou as divergências doutrinárias afirmando serem aplicáveis às contribuições em tela as normas gerais de Direito Tributário e os princípios da legalidade e da anterioridade tributárias(...)". (Curso de Direito Tributário, 19ª edição, São Paulo, Malheiros, 2001, pp. 352-353).


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PONTES, Bruno Cezar da Luz. Crime sem pena. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3044. Acesso em: 4 maio 2024.