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Obrigação de não fazer o Mal

Obrigação de não fazer o Mal

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Por que somos obrigados a usar o cinto de segurança?

~~ A pergunta intriga a muitos, porque acreditam ser os donos do próprio nariz; como portadores dos direitos individuais não deveriam ser obrigados pelo Estado a preservar sua vida: “A vida é um direito do cidadão, cada um cuida da sua como bem entender”. Nesse máximo de individualismo jurídico, a intervenção excessiva do Estado é prejudicial à vida comum do homem médio. Devemos zelar pelo Estado mínimo, alegam.
 Pois bem, ocorre que se o condutor imprudente – bêbado, em alta velocidade ou em meio a outras tantas mazelas do trânsito bastante caótico – tiver algum sinistro consigo ou com seu automóvel, imediatamente, colocará em risco outras pessoas. Basta pensar que, sem o cinto de segurança, e acometido de mal súbito, o motorista morre, bate fortemente o carro e, em seguida, cai por cima do passageiro a seu lado. Seu peso será o suficiente para vitimar a outra pessoa. Pense, então, que sentado no banco de trás, sem sinto, e alvo de uma freada brusca, seu peso lançado à frente – no motorista ou no passageiro, dependendo do lado em que esteja – poderá chegar a algumas toneladas. Desse modo, o motorista ou o passageiro, devidamente presos por cintos de segurança, seriam esmagados por quem estivesse no banco de trás - e sem o cinto.
 Isto é, o cinto de segurança é obrigatório porque – apesar da vida ser um direito individual e garantido pelo Estado (art. 1º, III; art. 5º caput, X – CF/88) – a imprudência, a negligência ou a imperícia de alguns, em relação a este direito máximo, não podem colocar em risco o direito a vida de outrem. Por isso, salvo em caso de guerra declarada, a pena de morte é repelida (art. 5º, XLVII, “a”; art. 84, XIX - CF/88).
 O exemplo simples ainda nos revela que os direitos fundamentais individuais são tutelados e garantidos pelo Estado de Direito, a fim de que haja efetiva proteção e fruição desses mesmos direitos (inalienáveis, intransponíveis, indisponíveis, insolvíveis). Nenhum direito pode ser absolutizado, pelo individualismo jurídico, a ponto de que o sentido elementar, fulcral, possa ser corrompido. Os direitos individuais devem ser gozados plenamente, mas em comunhão com as exigências da sociedade.
 Em outro caso ilustrativo, um bilionário japonês adquiriu um quadro de pintura clássica – avaliado em uma fortuna de dólares – e, antes de sua morte, deixou um testamento pedindo que o quadro fosse enterrado consigo. Depois de enorme controvérsia, o testamento foi anulado judicialmente, pois a Corte Suprema japonesa entendeu que, dada a magnificência da obra de arte, o quadro passaria a ser considerado Patrimônio Cultural da Humanidade. O que, logicamente, impedia sua destruição nas catacumbas esquecidas do direito individual – de vontade mesquinha.
 No direito brasileiro, é batido (quase nunca respeitado) o preceito de que a propriedade privada – como direito individual singular – deve obedecer à finalidade social. Afinal, seria absurdo supor a Justiça Social sem que se mexesse – juridicamente – no estatuto da propriedade privada. Esta ainda pode ser desapropriada, em razão do interesse público ser superior ao particular e mediante indenização.
 Desse modo, vê-se que – na República balizada pelo Estado Democrático de Direito – ninguém é livre, leve e solto para fazer o que bem quer. Na verdade, somos obrigados juridicamente, moralmente a propugnar pelo Bem Público. Cabe a todos a “obrigação de não-fazer” o Mal ao povo e assim defender a República.
 


Autor

  • Vinício Carrilho Martinez

    Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

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