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Direito de nomeação de candidato aprovado em cadastro de reserva

Direito de nomeação de candidato aprovado em cadastro de reserva

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O presente estudo analisa e discute os princípios e a legalidade dos cadastros de reserva. Para a análise, foram abordados os princípios constitucionais inerentes à Administração Pública e ao concurso público e sua evolução jurisprudencial.

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO.2 O PRINCÍPIO DO LIVRE ACESSO AOS CARGOS PÚBLICOS.3 A FUNÇÃO DO CONCURSO PÚBLICO.4 O DIREITO À NOMEAÇÃO: DE ATO DISCRICIONÁRIO AO ATO VINCULADO CONFORME EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL. 5 O DIREITO DOS CANDIDATOS EXCEDENTES.6. O CADASTRO DE RESERVA, SEU FUNDAMENTO LEGAL E DIREITO À NOMEAÇÃO.7 CONSIDERAÇÕES FINAIS..REFERÊNCIAS.       


1 INTRODUÇÃO

O acesso aos cargos ou empregos públicos encontra-se disciplinado no artigo 37, inciso II, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 o qual define que depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou provas e títulos. Essa disposição oportuniza a qualquer brasileiro ou estrangeiro que preencha os requisitos previstos em lei, qualidades isonômicas de concorrência a esses cargos, isentando-se aqueles dotados de livre nomeação e exoneração, ad nutum, designados como cargos em comissão. Em razão de vantagens somente auferidas pelo cargo público como estabilidade no cargo, horário definido da jornada de trabalho muitas vezes previsto em lei, progressão funcional além mesmo dos os benefícios inerentes aos empregados da iniciativa privada, tais como, férias e 13º salário, os concursos públicos têm atraído cada vez mais aspirantes. Essas garantias e vantagens não existentes nos empregos da iniciativa privada seduzem muitos interessados.

Em pretexto das aposentadorias dos servidores públicos em atividade, aliadas ao desenvolvimento estatal, emparelhamento dos serviços públicos e o crescimento econômico observada nos últimos anos no Brasil, corrobora com a oferta crescente de vagas públicas. 

Acompanhando esse contexto, testemunhamos diversas transformações jurisprudenciais ao longo dos últimos anos, as quais serão discutidas no presente estudo, como o reconhecimento a direito subjetivo de candidato aprovado dentro do número de vagas previstas no edital do certame. No entanto, recentemente no Brasil criou-se a possibilidade de formação de um cadastro de reserva para preenchimento de cargos e funções públicas conforme necessidade da Administração. Nessa conjuntura, se observa que em quase todos os editais de concursos públicos trazem, no quesito correspondente às vagas objeto da disputa como “cadastros de reserva”.

Essa prática possibilita a classificação de um número maior de candidatos ao número previsto nas vagas, bastando atingir os critérios mínimos exigidos. Assim, apesar de muitos candidatos não terem suas classificações definidas dentro no número estipulado de vagas nada obsta que ainda possam ser convidados à tomar posse e ocupar os cargos ou empregos públicos que concorreram. Isto porque esses candidatos foram aprovados no concurso, estando assim aptos a assumir o cargo ou emprego público, se invitados pela Administração em casos de desistências dos aprovados e classificados, vacância de cargos iguais ao disputado bem como a concepção de novas vagas, pelo prazo de validade do certame.

Ultimamente tem se constatado a vulgarização do dito “cadastro de reserva” nos concursos públicos em todas as esferas da Administração pública nacional, bem como nos diversos Poderes da República. Utilizando-se mecanismo, o órgão ou entidade que realiza o concurso divulga o atinente edital, sem, no entanto, estabelecer o número de vagas oferecidas, assinalando exclusivamente que os candidatos consagrados com a aprovação poderão ser nomeados enquanto durar o prazo de validade do concurso. Tal prática, como será discutido no hodierno estudo, afigura-se extremamente danosa para o instituto do concurso público e ofende o princípio do livre acesso aos cargos e empregos públicos, consagrado na Constituição Federal.

É inteiramente incipiente que a informação quanto ao número de vagas ofertadas no concurso seja definida pelo edital, o que se configura imprescindível para que o indivíduo possa tomar sua decisão de se inscrever ou não na disputa. Não se pode admitir ambiguidades neste entendimento, uma vez que Administração possui plenas condições de averiguar no âmbito administrativo o número de cargos ou funções vacantes ou na sua iminência, possibilitando publicar o edital do concurso com a fixação desse quantitativo. A existência de cargos ou empregos vagos é o que abona a decisão de realizar um concurso público. O concurso unicamente pode ser justificado e autorizado se permanecer o conhecimento da existência de cargo elusivo, uma vez que somente a necessidade do preenchimento do cargo releva o concurso. Por outro lado, não existindo cargo vago e se há o anseio de ampliar o efetivo de servidores em razão do imperativo de serviço, se torna indispensável primeiro criar os cargos para ulteriormente instaurar o concurso.

Neste contexto, observa-se que não seria possível para a Administração averiguar a rotatividade dos aprovados para os cargos pleiteados de forma acurada, pelo fato de se tratar de estimação sem fundamentos concretos proveniente da mera observação da dinâmica de situações anteriores onde concursos para o mesmo cargo ou função ofereciam um número determinado de vagas. Assim, os aprovados em cadastro de reserva, bem como a própria Administração poderia estimar o provável número de aprovados a serem convocados.

Todavia, os gestores públicos têm proporcionado a criação de concursos públicos com destinação exclusiva para a de formação de cadastro de reserva, com a límpida acepção de ludibriar a obrigatoriedade de nomeação dos candidatos aprovados dentro do número de vagas ofertadas no edital do concurso.

Uma vez que a Administração pública não pode afrontar o disposto na Constituição Federal quanto à acessibilidade aos cargos públicos, utilizando-se do instituto do cadastro de reserva para nomeação por critérios de conveniência e oportunidade, o presente estudo objetiva analisar e discutir os princípios e a legalidade destes cadastros de reserva.  Para a análise, serão abordados os princípios constitucionais inerentes à Administração Pública e ao concurso público especificamente, bem como as recentes decisões jurisprudenciais e projetos de Lei sobre o tema.


2 O PRINCÍPIO DO LIVRE ACESSO AOS CARGOS PÚBLICOS

A submissão ao certame público de seleção através de provas ou de provas e títulos é o preceito geral de ascensão aos cargos e empregos públicos. É a forma que a Administração pode estimar a capacidade intelectiva, o ajustamento físico e a capacidade moral, dentre outras condições, dos aspirantes submetidos aos processos seletivos. A aprovação no certame e subsequente classificação se dá de forma suficiente frente ao número de cargos ou empregos aos quais tenham se candidatado.

A seleção através de concursos públicos é instrumento de realização concreta dos princípios constitucionais, especialmente os princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade.

O princípio da acessibilidade aos cargos públicos encontra seu regramento na Constituição da República Federativa do Brasil. Estabelece o artigo 37, caput, e inciso I, que os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis a brasileiros e estrangeiro conforme preceitos legais específicos, conforme se lê in verbis:

"Art. 37. A Administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;"

O ingresso nos cargos públicos é acessível a todos os brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei e aos estrangeiros, na forma da lei. A lei que estabelece requisitos para o acesso aos cargos haverá de ser lei em sentido estrito, emanada do poder legislativo competente, segundo e conforme as determinações constitucionais atinentes.

Assim podemos observar nos ensinamentos de Gasparini (2012, p. 119):

"Para o acesso a cargo, emprego ou função não basta ser brasileiro. O interessado há, ainda, que satisfazer aos requisitos estabelecidos em lei, consoante reza a parte final do referido inciso. A lei responsável pela instituição desses requisitos é a de entidade política titular do cargo, emprego ou função pública que se deseja preencher, dada a autonomia que se lhes assegura nessa matéria. Um dos requisitos é sem dúvida, lograr aprovação e classificação em concurso público de provas ou de provas e títulos. A lei em apreço é da iniciativa do Chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, c, da CF), em relação aos cargos, empregos e funções desse Poder. Será, no entanto, resolução quando tratar-se de criação de cargo do serviço administrativo do Legislativo. De fato, não seria lógico, nem prático, que esse Poder pudesse criar cargo sem que se lhe reservasse a competência para estabelecer os requisitos de provimento, por exemplo.

Sobre o assunto, nos ensina Hely Lopes Meirelles (2014, p. 373):

"Por outro lado, o mesmo art. 37, I, condiciona a acessibilidade aos cargos públicos ao preenchimento dos requisitos estabelecidos em lei. Com isso, ficam as Administrações autorizadas a prescrever exigências quanto à capacidade física, moral, técnica, científica e profissional, que entender convenientes, como condições de eficiência, moralidade e aperfeiçoamento do serviço público. Mas à lei específica, de caráter local, é vedado dispensar condições estabelecidas em lei nacional para a investidura em cargos públicos, como as exigidas pelas leis eleitoral e do serviço militar, ou para o exercício de determinadas profissões (Constituição da República, art. 22, XVI). E tanto uma como outra deverá respeitar as garantias asseguradas do art. 5º, da Constituição da República, que veda distinções baseadas em sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas.

O preenchimento de condições estabelecidas em lei adjudica a ampla acessibilidade aos cargos públicos por todos na República Federativa do Brasil. Trata-se de meio técnico que a Administração dispõe para se atingir esses princípios, assim como a moralidade, eficiência e o aperfeiçoamento do serviço público, conforme nos doutrina mais uma vez Hely Lopes Meirelles (2014, p. 387):

"O concurso é o meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se a moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público, e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, consoante determina o art. 37, II, da Constituição da República. Pelo concurso se afastam, pois, os ineptos e os apaniguados, que costumam abarrotar as repartições, num espetáculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos de políticos que se alçam e se mantêm no poder, leiloando empregos públicos".

O concurso público tem como baldrame dois outros princípios constitucionais: princípio da isonomia e princípio da igualdade. Sobre o princípio da isonomia, é mister observar os preceitos de Celso Bastos (1990, p. 168-169):

"Desde priscas eras tem o homem se atormentado com o problema das desigualdades inerentes ao seu ser e à estrutura social em que se insere. Daí ter surgido a noção de igualdade a que os doutrinadores comumente denominam igualdade substancial. Entende-se por esta a equiparação de todos os homens no que diz respeito ao gozo e fruição de direitos, assim como a sujeição a deveres."

Sob essa égide, considerando-se que o princípio da isonomia ou igualdade é efetivamente um travo teórico ao arbítrio que compõe distinções e estabelece prerrogativas, de maneira especial o perpetrado pelo poder público, dá-se o contraponto pela efetivação positivada da ampla acessibilidade aos cargos públicos. O nobre doutrinador Bastos adverte que (1990, p. 169):

"A expressão atual "sem distinção de qualquer natureza" é meramente reforçativa da parte inicial do artigo. Não é que a lei não possa comportar distinções. O papel da lei na verdade não é outro senão o de implantar diferenciações. O que não se quer é que, uma vez fixado o critério de discriminação (p. ex.: ser portador de título universitário para exercer determinada profissão), um outro elemento venha interferir na abrangência desta mesma discriminação. Aí por exemplo se diria: as pessoas com mais de quarenta anos de idade ficam dispensadas do referido título. Nisto, portanto, reside a essência do princípio igualizador. É o impedir que critérios o mais das vezes subalternos, portadores de preconceitos ou mesmo voltados à estatuição de benefícios e privilégios, possam vir a interferir em uma discriminação justa e razoável feita pela lei."

É conciso percorrer que, além das distinções acima aludidas à igualdade de todos os brasileiros perante a lei, há uma vedação às exigências puramente discriminatórias, como as atinentes ao local de nascimento, raça ou qualquer designação social. Assim, em se tratando de requisitos, entende-se que são considerados objetivamente apenas aqueles que se mostrem forçosos ao completo desempenho da função pública, não podendo apresentar cunho discriminatório ou meio de privilegiar a quem quer que seja, ferindo o princípio da impessoalidade. Embora o princípio esteja claro, este talvez seja um dos pontos de maior dissensão em matéria de acessibilidade aos cargos públicos, ou seja, as hipóteses de legalmente se opor restrições a esse mandamento.

Nesse entendimento, o pré-requisito considerado conexo será exclusivamente aqueles relacionados à natureza da função púbica a ser desempenhada, ou seja, conjuntura, fator ou requisito cogente para que a função possa ser bem exercida, o que não se pode confundir com a mera conveniência da Administração ou mesmo conforme as anteposições particulares dos que exercem diretamente o poder público. A carta Magna traz, de forma exemplificativa, alguns fatores de discriminação que são veementemente vedados. É o que se observa no artigo 5º, inciso XLII. No entanto, cumpre advertir que trata-se de rol exemplificativo e que os casos concretos devem ser analisados sob a óptica do princípio da isonomia para de verificar a sua pertinência.

O agente público que desrespeita o princípio da isonomia ao acesso ao cargo ou função pública, estabelecendo pré-requisitos meramente discriminatórios ou como forma de beneficiamento direto de quem quer que seja, constitui ato preconceituoso ensejando a sua nulidade absoluta, sem prejuízo da responsabilização pessoal do agente público. Na esfera criminal, trata-se de crime inafiançável e imprescritível, punido com reclusão. 

Admite-se ainda uma outra forma de acessibilidade especial aos cargos e funções públicas, conforme o dispositivo constitucional, em seu artigo 37, inciso V, in verbis:

"V – as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento; ” (grifo nosso)

Os cargos em comissão, em contratempo aos cargos de provimento efetivo, não carecem de seleção pública para seu preenchimento, sendo de livre nomeação a critério do administrador e de exoneração "ad nutum", conforme critérios de conveniência da Administração.

E, por fim, é mister advertir ainda a possibilidade da contratação por tempo determinado, sendo essa também uma forma especial de exercício da função pública. Essa previsão está explicita no artigo 37, inciso IX da Constituição Federal: "IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público;". A reserva antevista destina-se a possibilitar contratação de pessoal para exercerem cargos ou funções públicas em conjunturas extraordinárias. Entende-se por conjunturas extraordinárias aquelas que não fazem parte do contingente rotineiro de servidores e que necessitam ser executadas sob pena de avaria para à prestação continuada dos serviços públicos. Outra característica a ser observada, é que possui caráter temporário.


3 A FUNÇÃO DO CONCURSO PÚBLICO

Para escolher seus servidores, a Administração Pública dispõe do concurso público, o qual é considerado um procedimento administrativo que é regido pelos princípios da moralidade e eficiência, que tem como finalidade avaliar o desempenho de candidatos ao cargo almejado. Assim, presume-se que, ao final, será contratado aquele interessado que melhor desempenhou as fases do certame público, e, por consequência lógica, melhor cumprirá as funções intrínsecas ao cargo pleiteado. Este é o entendimento do renomado jurista José dos Santos Carvalho Filho (2010, p. 679), a respeito da matéria, conforme se observa literis:

Concurso público é o procedimento administrativo que tem por fim aferir as aptidões pessoais e selecionar os melhores candidatos ao provimento de cargos e funções públicas. Na aferição pessoal, o Estado verifica a capacidade intelectual, física e psíquica de interessados em ocupar funções públicas e no aspecto seletivo são escolhidos aqueles que ultrapassam as barreiras opostas no procedimento, obedecida sempre a ordem de classificação. Cuida-se, na verdade, do mais idôneo meio de recrutamento de servidores.

Desta forma, respeitando o procedimento do concurso público para o preenchimento dos cargos e funções públicas, a Administração Pública estará ainda aplicando os princípios da igualdade e da impessoalidade, uma vez que todos os interessados que atestem os requisitos antevistos em lei têm o direito de competir em igualdade de condições ao cargo ou função postos à concorrência, sem que o Estado possa eleger qualquer aspirante por critério diferente no estabelecido pelo edital do concurso.

A Constituição Federal, ao estabelecer o procedimento de concurso público buscou zelar pela primazia do mérito de seus servidores, objetivando a excelência do serviço público, sendo este prestado pelos aprovados em todas as fases do concurso, onde possa haver a possibilidade do candidato ser testado em todas as habilidades necessárias ao desempenho da função pleiteada.  Sob essa ótica, qualquer candidato que preencha os requisitos previamente estabelecidos no edita e que possuam relação com o cargo ou função pleiteado, poderá vir a ser habilitado para os quadros da Administração Pública. Neste contexto, o certame deverá buscar a melhor forma possível de seleção.

A Carta Magna faz referência ao concurso de provas e títulos para avaliação do candidato, o que poderá configurar diferentes etapas avaliativas que se propõem a estimar os conhecimentos e habilidades dos candidatos no transcorrer do certame. Atualmente não se pode idealizar um concurso público exclusivamente por verificação de provas de títulos, haja visto que essa forma de seleção é falha e pode contrariar o princípio da igualdade de oportunidades. Isto porque a titulação dos candidatos não propende aferir os conhecimentos dos concorrentes, visto que apenas auferem o cumprimento de uma formação ou não. Mais amplamente, se faz necessária a aplicação de provas de conhecimentos gerais e específicos.

Nada obstante, é perfeitamente aceitável avaliar a titulação dos candidatos objetivando classifica-los, como uma das fases do certame público. No entanto, este tipo de avaliação não poderá ser utilizado como critério de reprovação, uma vez que os títulos conferem mérito ao candidato, sem conferir como fato terminante para auferir a sua capacidade para exercer as funções públicas inerentes aos cargos postos à concorrência. Destarte, se faz necessária a obediência ao princípio da proporcionalidade, atribuindo de forma razoável a pontuação para os títulos avaliados, de forma a não haver prejuízos injustificáveis e incoerentes ao cargo pleiteado.

Assim, a Administração Pública tem o dever legal de garantir a realização do certame revestido pelas garantias constitucionais e legais, permitindo assim, que os candidatos compartilhem de um processo democrático e livre de ilegalidades e arbitrariedades, onde o discernimento seja verdadeiramente o mérito de cada concorrente. Desta forma irá prevalecer o mérito daquele que se demonstrou o mais qualificado para o cargo.

Para Hélio Saul Mileski (2003, p. 92), para a realização de um concurso público é preciso aperfeiçoar, em processo administrativo devidamente instruído, o preenchimento dos seguintes requisitos materiais e formais:

“(a) a existência de vagas devidamente instituídas por lei; (b) a real necessidade de novos servidores para dar conta da demanda de serviços; (c) demonstrativo de estimativa de impacto orçamentário-financeiro no exercício em que iniciar a execução e nos dois seguintes (art. 16, I, da LRF); (d) demonstração da origem dos recursos para o custeio (art. 17, § 1°, da LRF); (e) comprovação de que a despesa a ser criada não afetará as metas de resultado fiscal previstas no Anexo de Metas Fiscais (art. 17, § 2°, da LRF), indicando a forma de compensação dos efeitos financeiros nos exercícios seguintes; (f) comprovação de compatibilidade com a LDO e de adequação orçamentário-financeira (dotação na LOA e disponibilidade financeira); (g) declaração do ordenador da despesa sobre adequação orçamentária e financeira à LOA (art. 16, I, LRF) e de compatibilidade com o PPA e da LDO (art. 16, II); (h) autorização específica na LDO (art. 169, § 1°, II, CF/88 e art. 118 da CE/SC); e (i) prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes (art. 169, § 1°, I, CF/88 e art. 118 da CE/SC).”

Por fim, verifica-se que o concurso público é a melhor configuração que possui a Administração Pública, para possibilitar o acesso do cidadão aos cargos e funções públicas, uma vez que possibilita selecionar o candidato que possui as melhores habilidades físicas, psicológicas e de conhecimentos relacionados às funções inerentes ao cargo posto a disputa. Complementarmente, é pelos concursos por provas e provas e títulos que se abona a moralidade administrativa, a igualdade de oportunidades, impessoalidade e eficiência, princípios norteadores da Administração Pública.


4 O DIREITO À NOMEAÇÃO: DE ATO DISCRICIONÁRIO AO ATO VINCULADO CONFORME EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL

Por vários anos, a doutrina e a jurisprudência brasileira encostaram-se no entendimento de que a aprovação em concurso público suscitava mera expectativa de direito a nomeação. Essa expectativa apenas se constituía em direito líquido e certo quando se violava a ordem classificatória preterindo-se um candidato classificado em ordem posterior. Assim, o candidato preterido poderia ter direito a ser reclamado perante o Poder Judiciário. Esse juízo é concebido atualmente como uma prática censurável, uma vez que o candidato mesmo atendendo a todos os requisitos propostos no edital e estando classificado entre as vagas ofertadas pelo certame, sua nomeação era considerada um ato administrativo discricionário, ou seja, dependia da conveniência e oportunidade da Administração Pública em nomeá-lo.

Destarte, esse entendimento foi sustentado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por muito tempo, conforme se observa no MS: 21870 DF:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CONCURSO PÚBLICO. DIREITO A NOMEAÇÃO. Súmula 15-STF. I. - A aprovação em concurso não gera direito a nomeação, constituindo mera expectativa de direito. Esse direito somente surgira se for nomeado candidato não aprovado no concurso ou se houver o preenchimento de vaga sem observância de classificação do candidato aprovado. Súmula 15-STF. II. - Mandado de Segurança indeferido.

(STF - MS: 21870 DF, Relator: CARLOS VELLOSO, Data de Julgamento: 07/10/1994, TRIBUNAL PLENO, Data de Publicação: DJ 19-12-1994 PP-35181 EMENT VOL-01772-02 PP-00394).                                                                                                             

Por outro lado, o direito de o candidato ser nomeado nascia apenas na situação onde ocorria a preterição na ordem classificatória. De tal modo, a Súmula 15 do STF anteviu que "Dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem direito à nomeação quando o cargo for preenchido sem observância da classificação”. Importante observar que a preterição supracitada advém quando a Administração Pública decide nomear candidato em posição classificatória inferior a outro aprovado que ainda não tenha sido nomeado.

Entretanto, esse direito à nomeação se configura apenas quando a Administração Pública age conforme sua conveniência, não existindo abuso de autoridade ou ilegalidade pelo Poder Público na quebra de ordem classificatória por decisão judicial, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CONCURSO PÚBLICO. QUEBRA NA CLASSIFICAÇÃO. NOMEAÇÃO DECORRENTE DE ORDEM JUDICIAL. AUSÊNCIA DE PRETERIÇÃO. PREQUESTIONAMENTO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. ANÁLISE DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO STF. 1. Quanto à ocorrência de violação à ordem convocatória, a jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que não há falar em preterição - ou violação da Súmula 15/STF - se o provimento no cargo deu-se diretamente por determinação judicial. 2. Em relação aos demais pontos, esta Corte Superior posicionou-se de forma clara, adequada e suficiente acerca do fato de que a classificação e aprovação do candidato, ainda que fora do número mínimo de vagas previstas no edital do concurso, confere-lhe o direito subjetivo à nomeação para o respectivo cargo se, durante o prazo de validade do concurso, houver o surgimento de novas vagas, seja por criação de lei ou por força de vacância. 3. É de se destacar que os órgãos julgadores não estão obrigados a examinar todas as teses levantadas pelo jurisdicionado durante um processo judicial, bastando que as decisões proferidas estejam devida e coerentemente fundamentadas, em obediência ao que determina o art. 93, inc. IX, da Constituição da República vigente. Isto não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC. 4. A jurisprudência desta Corte Superior é pacífica no sentido de que não cabem embargos de declaração para que o STJ enfrente matéria constitucional, ainda que para fins de prequestionamento, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal. 5. Embargos de declaração parcialmente acolhidos, sem efeitos modificativos.

(STJ - EDcl no RMS: 39906 PE 2012/0270940-5, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 14/05/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/05/2013).

No que se refere à convocação de aprovados com concurso vigente sobre aprovados em novos concursos, a Constituição Federal de 1988 tratou em seu art. 37, IV, que “durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos será convocado com prioridade sobre novos concursados para assumir cargo ou emprego, na carreira”. Neste entendimento, a prioridade de nomeação recai sobre o aprovado em concurso anterior, ou seja, somente serão investidos os aprovados em novo concurso quando todos os aprovados em concurso anterior forem nomeados. Com isso os Tribunais passaram a deliberar que, a abertura de novo edital para o mesmo cargo ou função, ainda restando candidatos aprovados em concurso anterior vigente, também acendia direito ao candidato, segundo se observa na AC 200733000185470 BA - TRF 1:

APELAÇÃO CÍVEL. REMESSA OFICIAL. CONCURSO PARA DOCENTE DO MAGISTÉRIO SUPERIOR. CANDIDATOS APROVADOS EM CERTAME COM PRAZO DE VALIDADE EM VIGOR. PUBLICAÇÃO DE NOVO EDITAL PARA CONTRATAÇÃO DE PROFESSOR SUBSTITUTO PARA IDÊNTICA ÁREA. COMPROVAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE VAGAS E DA NECESSIDADE DA ADMINISTRAÇÃO. PRETERIÇÃO CONFIGURADA. DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. ART. 37, IV, DA CF. SENTENÇA MANTIDA. 1. A Constituição Federal é expressa em dispor que (art. 37, inciso IV), "durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos será convocado com prioridade sobre novos concursados para assumir cargo ou emprego, na carreira". 2. Os candidatos classificados em concurso público, fora do número de vagas previstas no edital, possuem mera expectativa de direito à nomeação. Todavia, a abertura de novo processo seletivo, no prazo de validade do certame anterior, indicando a existência de vagas, revela o interesse da Administração Pública no seu provimento e, por conseguinte, enseja o direito à nomeação de candidato aprovado em concurso público anterior. Precedentes desta Corte, do Superior Tribunal de Justiça e também do Supremo Tribunal Federal (RE-227.480, Relatora para o Acórdão a Ministra Cármen Lúcia, DJ de 21.8.2009). 3. Hipótese em que restou flagrante a indevida preterição dos aprovados, porquanto a Administração optou por efetuar contratação temporária de professores substitutos para desempenhar as mesmas funções dos professores efetivos - cargo para o qual há candidatos aprovados em certame com prazo de validade em vigor. 4. Honorários advocatícios mantidos conforme determinado na sentença - R$1.000,00 (um mil reais), vez que considerando a inexistência de proveito econômico da referida demanda, o magistrado pode, nos termos do disposto no § 4º do art. 20 do CPC, estipular o valor da verba. 5. Apelação, remessa oficial e recurso adesivo a que se nega provimento.

(TRF-1 - AC: 200733000185470 BA 2007.33.00.018547-0, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL KASSIO NUNES MARQUES, Data de Julgamento: 18/10/2013, SEXTA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p.198 de 04/11/2013).

Uma prática que foi bastante utilizada por gestores da Administração Pública para se evadir da obrigação de nomear aprovados em concursos públicos vigentes e ainda para a prática de nepotismo e clientelismo, foi desviar servidores ocupantes de cargos em comissão ou contratação de serviços terceirizados para as mais diversas funções anteriormente previstas em concurso. Essa prática ocorria para que não fossem os aprovados investidos no cargo. Conforme Carvalho Filho (2010, Pág. 568), o candidato tem total direito a nomeação nesses casos, uma vez que se existe a vaga para determinado cargo e existe candidato aprovado com concurso em vigência:

Não obstante, se o candidato é aprovado no concurso e há omissão ou recusa para a nomeação, apesar de ficar comprovado que a Administração, certamente por incompetência ou improbidade, providenciou recrutamento através de contratação precária para exercer as mesmas funções do cargo para o qual o candidato foi aprovado, passa este a ter direito subjetivo ao ato de nomeação. Tal direito subjetivo tem fundamento na constatação de que a Administração tem necessidade da função e, por conseguinte, do servidor para exercê-la, não podendo suprir essa necessidade por contratação precária se há aprovados em concurso para supri-la.

O STF também consagrou esse entendimento, o qual pode ser examinado conforme o RE 273605/SP:

Recurso extraordinário. Administrativo. Concurso Público. 2. Acórdão que negou provimento à apelação, assentando a inexistência de direito subjetivo à nomeação de candidatos aprovados em concurso para provimento de cargo de Professor Assistente. 3. Criação de dois cargos de Professor Assistente no Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito, quando se encontrava em pleno curso o tempo de eficácia do concurso público. Ocorrência de contratação de professores e renovação de contrato. 4. Precedente da Turma no RE 192.569-PI, em que se assegurou a nomeação de concursados, eis que existentes vagas e necessidade de pessoal. 5. Constituição, art. 37, IV. Prequestionamento verificado. 6. Recurso extraordinário conhecido e provido.

(STF - RE: 273605 SP, Relator: Min. NÉRI DA SILVEIRA, Data de Julgamento: 23/04/2002, Segunda Turma, Data de Publicação: DJ 28-06-2002 PP-00143 EMENT VOL-02075-07 PP-01493).

Dessa forma, observamos que o candidato aprovado em concurso público, independente de classificação, anteriormente apreendia simplesmente a expectativa de direito de ser convocado, segundo interesse e conveniência da Administração pública. Esse entendimento então evolucionou admiravelmente com o advento do direito subjetivo à nomeação nas situações em que se verificasse contratação precária de servidores, preterição, ou abertura de novo concurso público para ocupação de cargos ou funções idênticas. Portanto, conforme entendimento jurisprudencial, o candidato aprovado em concurso público e classificado dentro do número de vagas previsto inicialmente no edital convocatório, passou a ter direito subjetivo a nomeação, derrubando os argumentos de que a nomeação de aprovado em concurso público seria meramente um ato discricionário da Administração, conforme seu entendimento de conveniência e oportunidade. Nasce assim, a ideia de obrigação vinculada à previsão dos cargos pelo edital e da necessidade dos novos servidores, obrigando que se proceda em sua investidura. Os Tribunais entenderam que quando a Administração Pública resolve promover um concurso público, é feito um estudo com análise da necessidade do preenchimento de vagas e do impacto no orçamento público com previsão em Lei anterior. Dessa forma não poderia prosperar o argumento de que as nomeações estariam sujeitas puramente à conveniência da Administração. É o que se observa no AgRg no AREsp: 207155 do STF:

ADMINISTRATIVO - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - CONCURSO PÚBLICO - CANDIDATO APROVADO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTO NO EDITAL - DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO - ACÓRDÃO RECORRIDO NO MESMO SENTIDO DA JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE: SÚMULA 83/STJ. 1. O candidato aprovado dentro do número de vagas previsto no edital tem direito subjetivo a ser nomeado no prazo de validade do concurso. 2. Agravo regimental não provido.

(STJ - AgRg no AREsp: 207155 MS 2012/0157084-5, Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 02/05/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/05/2013).


5 O DIREITO DOS CANDIDATOS EXCEDENTES

Em decisão do REsp 1232930 AM 2011/0011541-9, o Ministro Mauro Campbell Marques afirmou que “A jurisprudência desta Corte Superior tem se firmado no sentido de reconhecer que, quando a Administração Pública demonstra a necessidade de preenchimento dos cargos no número de vagas dispostas no edital de abertura do concurso, a mera expectativa de direito dos candidatos aprovados - antes condicionada à conveniência e à oportunidade da Administração (Súmula n. 15 do STF)- dá lugar ao direito líquido e certo à nomeação dos candidatos aprovados e classificados dentro do número de vagas oferecidas”. Entretanto, a partir desse entendimento abrolhou a desconfiança se o candidato imediatamente subsequente ao último aprovado dentro do número de vagas ofertadas, ou seja fora das vagas inicialmente previstas, teria direito subjetivo a nomeação, em caso de fortuita abdicação ou impedimento de candidato classificado.

Sobre o tema, também se posicionou o STF favorável ao interessado, reconhecendo o seu direito de configurar entre os classificados pela desistência de candidato aprovado em classificação superior:

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO QUE PASSA A FIGURAR DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS NO EDITAL. DESISTÊNCIA DE CANDIDATO CLASSIFICADO EM COLOCAÇÃO SUPERIOR. DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I O Plenário desta Corte, no julgamento do RE 598.099/MS, Rel. Min. Gilmar Mendes, firmou entendimento no sentido de que possui direito subjetivo à nomeação o candidato aprovado dentro do número de vagas previstas no edital de concurso público. II - O direito à nomeação também se estende ao candidato aprovado fora do número de vagas previstas no edital, mas que passe a figurar entre as vagas em decorrência da desistência de candidatos classificados em colocação superior. Precedentes. III Agravo regimental a que se nega provimento.

(STF - ARE: 797677 DF, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 01/04/2014, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-074 DIVULG 14-04-2014 PUBLIC 15-04-2014).

Percorrendo esse progresso no juízo jurisprudencial dos Tribunais pátrios, um dos avanços mais extraordinários se configura pela posição do Superior Tribunal de Justiça (STJ) quanto à nomeação de candidatos aprovados fora do número de vagas previstas pelo edital. Para o STJ, o concorrente aprovado fora do número de vagas oferecidas primeiramente no edital tem direito de ser nomeado se, quando durante o prazo de validade do concurso, surgirem novas vagas para o cargo. Essas novas vagas poderiam surgir pelos mais diversos motivos como falecimento, demissão ou aposentadoria de servidor ou quando forem criadas novas vagas dada a necessidade da Administração Pública, por meio de Lei específica que disciplina a carreira ou função. Essa posição pode ser observada no MS: 19884 do STJ:

MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. AGENTE ADMINISTRATIVO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. LEGITIMIDADE DA AUTORIDADE COATORA. APROVAÇÃO DENTRO DO CADASTRO DE RESERVA PREVISTO EM EDITAL. ABERTURA DE NOVA VAGA NO PRAZO DE VALIDADE DO CERTAME. DIREITO À NOMEAÇÃO.

(STJ - MS: 19884 DF 2013/0065812-0, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 08/05/2013, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 14/05/2013).

Entretanto, algumas exceções são levantadas pelo Poder Judiciário ao direito de nomeação pela abertura de nova vaga. São as ocorrências que abrangem a o caso fortuito, força maior e os limites estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei nº 101/2000).

No que diz respeito às situações como inundações, guerras ou qualquer situação que exceda as possibilidades de controle do Estado podem, de forma justificada, aprazar a nomeação de candidatos aprovados.

No que tange à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), advertimos que esta fixa um percentual da renda líquida dos entes públicos que pode ser comprometida com pagamento de servidores. O limite máximo com despesa de pessoal é 49% da receita líquida para os Estados e de 54% para os Municípios (art. 20 II-c e III-b da LRF). Essa exceção com forte fundamento legal pode constituir-se em um óbice importante para a nomeação.

É uma situação bastante comum os Estados e Municípios brasileiros encontrarem-se endividados e trabalhando no limite de liberdade de gastos e despesas. Assim, os gestores têm a obrigação legal de primar pelas contas públicas, respeitando os limites orçamentários. Desta forma, muitos gestores abnegam a obrigatoriedade de nomear aprovados em concursos com fundamento na LRF, culminando intencionalmente na perda da validade do certame. Nada obstante, adverte-se para uma situação especial que se verifica em relação aos candidatos aos cargos ou funções consideradas essenciais pela referida LRF.  Em seu art. 22, parágrafo único, inciso IV a lei estabelece que:

[...]

Art. 22. A verificação do cumprimento dos limites estabelecidos nos arts. 19 e 20 será realizada ao final de cada quadrimestre.

Parágrafo único. Se a despesa total com pessoal exceder a 95% (noventa e cinco por cento) do limite, são vedados ao Poder ou órgão referido no art. 20 que houver incorrido no excesso:

[...]

 IV - provimento de cargo público, admissão ou contratação de pessoal a qualquer título, ressalvada a reposição decorrente de aposentadoria ou falecimento de servidores das áreas de educação, saúde e segurança;

Desta forma, os candidatos que prestaram concurso para as áreas de educação, saúde e segurança pública são considerados essenciais e poderão ser nomeados mesmo excedendo os limites estabelecidos pela LRF, em casos como aposentadoria ou falecimento de servidor já investido no cargo.

Não restando demonstrado que houve casos de preterição de candidatos, criação de novas vagas ou novo concurso público, ademais as exceções acima apontadas, a jurisprudência dos Tribunais superiores tem se posicionado no sentido de que se não restarem demonstradas às presunções excepcionais a decompor a mera expectativa de direito em direito subjetivo, não há direito líquido e certo do aspirante do concurso público e, consequentemente, não estará a Administração Pública compelida a nomear.  É o que ressalta dos julgados AgRg no AREsp 347443 RJ 2013/0158725-0 e também no AgRg no AgRg no REsp 778118 MG 2005/0145135-8, ambos do STJ:

ADMINISTRATIVO. SELEÇÃO PÚBLICA PARA EXERCER CARGO EM PROGRAMA SOCIAL DO GOVERNO. APROVAÇÃO NO CONCURSO FORA DO NÚMERO DE VAGAS. NOMEAÇÃO. EXPECTATIVA DE DIREITO. DANO MORAL NÃO RECONHECIDO. SÚMULA 7/STJ. 1. O Tribunal de origem consignou que a hipótese dos autos não retrata nenhuma das situações em que se reconhece o direito à nomeação do candidato aprovado, mas tão somente uma expectativa de direito, razão pela qual o autor não faz jus ao recebimento de indenização a título de danos morais. 2. Verifica-se que a análise da controvérsia demanda reexame do contexto fático-probatório, o que é inviável no Superior Tribunal de Justiça, ante o óbice da Súmula 7/STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja Recurso Especial." 3. Agravo Regimental não provido.

(STJ - AgRg no AREsp: 347443 RJ 2013/0158725-0, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 05/09/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/09/2013).

AGRAVO REGIMENTAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. APROVAÇÃO FORA DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS NO EDITAL. NOMEAÇÃO. EXPECTATIVA DE DIREITO. 1. A aprovação em concurso público gera mera expectativa de direito, competindo à Administração, dentro de seu poder discricionário, nomear os candidatos aprovados de acordo com a sua conveniência e oportunidade. 2. O surgimento de vaga, dentro do prazo de validade do concurso, não vincula a Administração, que em seu juízo de conveniência e oportunidade, pode aproveitar ou não os candidatos classificados fora do número de vagas previstas no edital. 3. Esta Corte, examinando a sequência de fatos expostos nos presentes autos, concluiu que, não obstante a edição de lei prevendo novas vagas, inexiste direito dos candidatos a serem convocados para participar do processo seletivo, ou a serem nomeados, após o decurso do prazo de validade do concurso. 4. Agravo regimental improvido.

(STJ - AgRg no AgRg no REsp: 778118 MG 2005/0145135-8, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 18/12/2012, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/02/2013).

Esse entendimento também é compartilhado pelo STF, conforme se observa no RE: 607590 PR:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONCURSO PÚBLICO. APROVADOS FORA DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS NO EDITAL. PRETERIÇÃO NÃO CONFIGURADA. AUSÊNCIA DE DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. PRORROGAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO. ATO DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO. PRECEDENTES. O Supremo Tribunal Federal, após reconhecer a existência de repercussão geral da matéria no RE 598.099-RG, julgado sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes, entendeu que, em regra, apenas o candidato aprovado entre as vagas previstas no edital de concurso público tem direito líquido e certo à nomeação. A jurisprudência desta Corte é pacífica ao afirmar se tratar de decisão discricionária da Administração a questão relativa à prorrogação ou não de concurso público. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento.

(STF - RE: 607590 PR, Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 11/03/2014, Primeira Turma, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-070 DIVULG 08-04-2014 PUBLIC 09-04-2014).

Ante o exposto, pode-se ultimar que os candidatos aprovados fora do número de vagas previstas no edital, regra geral, tem exclusivamente mera expectativa de direito à nomeação, restando comprovar, no caso concreto, as excepcionalidades.


6. O CADASTRO DE RESERVA, SEU FUNDAMENTO LEGAL E DIREITO À NOMEAÇÃO

O chamado cadastro de reserva merece ser analisado sob a ótica dos princípios norteadores da Administração pública, bem como do concurso público como forma de acesso ao serviço público. O princípio da moralidade reveste-se de caráter objetivo, o que denota que comportamentos que contrariam as boas práticas da Administração pública, que podem ser consideradas imorais, mesmo ponderando que o administrador público tenha agido de boa-fé.

Uma das vantagens apontadas pela determinação do número de vagas no certame se relaciona ao direito subjetivo à nomeação dos aprovados classificados dentro das vagas iniciais evitando a ocorrência de desvios de finalidade como, por exemplo, uma autoridade administrativa resolver não nomear os concorrentes vencedores que por ventura não tenha interesse pessoal, deixando correr deliberadamente o prazo de validade do concurso para, em seguida, abrir novo certame. Essa hipótese exequível traz uma possibilidade clara de lesão do princípio da impessoalidade. Outra possibilidade plausível está relacionada ao nepotismo, vedado pela Súmula Vinculante n.º 13. Neste evento, não se discute se a autoridade que nomeia o parente para o cargo em comissão age de má-fé ou não ou mesmo se a pessoa nomeada está revestida ou não da qualificação necessária ao exercício da função. A indicação de parentes para cargos em comissão, afronta, por si só, de forma objetiva, a moralidade administrativa, sendo irrelevante o real desígnio do agente público ao perpetrar o ato.

Neste entendimento, observa-se que o concurso público que se destina tão-somente à formação de cadastro de reserva afronta objetivamente o princípio da moralidade administrativa, pois possibilita a ocorrência de fraude no processo de nomeação. Assim, nos casos de concursos que se destinam apenas ao cumprimento de cadastro de reserva sem a devida definição no número de vagas atribui ao agente público a plena discricionariedade para nomear os candidatos classificados, representando grave ofensa à impessoalidade. A decisão de quantos concorrentes nomear não pode ser consentida à completa discricionariedade do prelado administrativo, uma vez que os nomes dos aprovados se torna conhecido, possibilitando o desvio da finalidade do concurso. Esse entendimento é compartilhado por Luciano Ferraz (2007, p. 250) o qual afirma que:

“de nada adiantaria definir regras legais para os concursos, se a Administração Pública pudesse simplesmente deixar de nomear aprovados, repetindo sucessivamente o certame até que os selecionados atendessem às querenças do agente administrativo competente para a nomeação.

Outro princípio que restaria afrontado pelo cadastro de reserva, seria o da publicidade. O candidato ao preparar-se para se submeter a um certame público decide investir na carreira ainda fundamentado nas reais chances de aprovação, dentro de um número previsto de vagas a serem oferecidas. Entende-se que a Administração pública, ao abrir um concurso público, o faz dentro de um planejamento cuidadoso para atender à funções e necessidades públicas já definidas em lei, conforme existam demandas reais no serviço.  A adoção de cadastro de reserva admite a realização de concurso mesmo quando não haja qualquer cargo vago, o que pode fundar, indistintamente, um verdadeiro ataque aos princípios da Administração pública, embaindo os candidatos, ao criar-lhes infidas perspectivas de nomeação. O difícil empenho e dedicação de um aspirante em estudar, muitas vezes por um longo tempo, para um concurso público, ser classificado e porém permanecer anos na perspectiva de uma nomeação que poderá jamais advir é uma conjuntura que acende extrema incerteza e consternação no indivíduo, afrontando ainda os princípios da segurança jurídica, bem como da dignidade da pessoa humana.

Essa atitude faz com que os candidatos fiquem em estado de expectativa e volubilidade por ignorarem quando haverá e se haverá a sonhada convocação. Por outro lado, o domínio de legalidade dos atos da Administração torna-se mais abstruso por conta do dilatado alvedrio conferido ao gestor, tornado complexa a configuração dos eventuais desrespeitos ao princípio da impessoalidade.

Diante dessas condições, a edição de concurso público sem se tenha pelo menos um concorrente aprovado e nomeado ao cargo pleiteado, ainda que o referido certame tenha ocorrido exclusivamente para preenchimento de cadastro de reserva, se configura ilegal em pretexto da incúria do gestor público em advertir o cumprimento das etapas de planejamento interno para justificar e fundamentar o concurso.

Conforme entendimento de Fabrício Motta (2011), a existência de cargos constitui, em princípio, pressuposto lógico para a realização do procedimento de seleção. O pensamento do nobre jurista se mostra oportuno se decodificarmos a composição da existência de cargos, como existência de vagas. Assim se interpreta pois, segundo exposto na hodierna discussão, quando a Administração Pública provoca a realização de concurso público, ela desponta autêntica aspiração no provimento de cargo ou emprego especificamente planejado para o certame. Neste entendimento, não seria possível admitir um concurso público criado para cargo cuja vaga prontamente esteja ocupada por distinto servidor, se despontando o processo seletivo como meio lógico inapropriado para objetivo diverso. Em outras palavras significaria selecionar alguém para algo que não existe. Dessa forma, esse elemento é fundamental no edital do concurso público, conforme leciona Francisco Lobello de Oliveira Rocha (2006, p. 56):

Para que os candidatos possam definir se têm interesse em concorrer às vagas oferecidas, o edital deve conter o(s) cargo(s) ou emprego(s) oferecido(s), o número total de vagas já existentes bem como o número de vagas reservadas aos deficientes físicos, a remuneração inicial, o local ou os locais em que o serviço deverá ser prestado, as atribuições do cargo ou emprego, e outros dados que possam ser relevantes para a decisão do candidato.

Do ponto de vista normativo, observa-se que, em âmbito federal, existe uma norma que obriga os editais de concurso a divulgarem o número de vagas oferecidas. A regra consta do art. 39, I, do Decreto 3.298/1999:

Art. 39.Os editais de concursos públicos deverão conter:

I–o número de vagas existentes, bem como o total correspondente à reserva destinada à pessoa portadora de deficiência;

[...]

Complementarmente, o § 2.º do art. 5.º da Lei 8.112/1990, adverte que os concursos públicos para o preenchimento de cargos federais devem proporcionar um número determinado de vagas, a fim de que se possa calcular o quantitativo de cargos destinados às pessoas portadoras de deficiência:

Art. 5º

[...]

§2.ºÀs pessoas portadoras de deficiência é assegurado o direito de se inscrever em concurso público para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que são portadoras; para tais pessoas serão reservadas até 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas no concurso.

Pois bem, se o concurso deve oferecer um número acertado de vagas, a fim de se calcular a percentagem legalmente destinada aos candidatos deficientes, não se pode acolher a publicação de um edital de concurso público sem essa informação. Do contrário, como poderia a pessoa portadora de deficiência nas definições legais tomar a decisão de participar ou não do concurso, uma vez que não há como estimar qual número de vagas corresponderia à 20%. E ainda, como poderia a sociedade e as instituições públicas responsáveis fiscalizar o cumprimento do dever legar estabelecido?

Ainda neste contexto, recentemente destaca-se o sancionamento da Lei 12.990 de 09 de junho de 2014 que prevê a reserva aos negros vinte por cento das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da Administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União. Como poderá essa norma ser respeitada ou fiscalizada sem que haja a devida previsão no edital do número de vagas destinadas ao certame?

Destaca ainda o dispositivo legal que o número exato de vagas deve ser estabelecido no edital, conforme se lê, in verbis:

Art. 1o Ficam reservadas aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da Administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União, na forma desta Lei.

[...]

§ 3o A reserva de vagas a candidatos negros constará expressamente dos editais dos concursos públicos, que deverão especificar o total de vagas correspondentes à reserva para cada cargo ou emprego público oferecido.

Não obstante ao argumentado acima, a possibilidade de adoção do cadastro de reserva nos concursos públicos do Poder Executivo Federal foi prevista pelo chefe do Poder Executivo Federal ao editar o Decreto n.º 6.944/2009. O referido dispositivo traz, em seu art. 12 que:

Art. 12. Excepcionalmente o Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão poderá autorizar a realização de concurso público para formação de cadastro reserva para provimento futuro, de acordo com a necessidade, de cargos efetivos destinados a atividades de natureza administrativa, ou de apoio técnico ou operacional dos planos de cargos e carreiras do Poder Executivo federal.

Adverte-se que a autorização acena exclusivamente aos cargos de natureza administrativa ou de apoio técnico ou operacional dos planos de cargos e carreiras do Poder Executivo federal, em caráter excepcional. Contudo, posteriormente a publicação desse Decreto, editais de concursos sem fixação do número de vagas e predizendo tão-somente a formação de cadastro de reserva, tem se energizado, não só no que atine aos cargos e funções públicas do Poder Excetivo, mas também e de forma extensiva, no Poder Judiciário. Aquiesça o Ministro do STF Marco Aurélio Mello, o qual já destacou que "a Administração Pública não pode brincar com o cidadão, convocando-o para um certame e depois, simplesmente, deixando esgotar o prazo de validade do concurso sem proceder às nomeações"[1]. Esse entendimento deve aproveitar-se para os concursos que não proclamam o número de vagas a serem preenchidas, limitando-se a apregoar que o certame se propõe à formação de cadastro de reserva, exclusivamente.

Por outro lado, observa Silva (2010) que o aludido Decreto pode ainda ser atacado por Ação Direta de Inconstitucionalidade, possuindo característica de ato autônomo abstrato. Para tal afirmação, o autor no art. 84, VI, "a", da Constituição Federal. Conforme entendimento do STF no julgamento da ADI: 1969 DF, do Relator: Min. MARCO AURÉLIO: "possuindo o decreto característica de ato autônomo abstrato, adequado é o ataque da medida na via da ação direta de inconstitucionalidade".

Há que tente abonar a positivação do cadastro de reserva, sob a argumentação de que ele concebe eficiência no serviço público, ao consentir que a Administração organize antecipadamente uma lista de sujeitos habilitados a assumir cargos ou empregos públicos, permitindo assim que no surgimento das respectivas vagas, seja possível convocar prontamente os aprovados para assumir, evitando-se descontinuidade na prestação dos serviços. Esse argumento não poderia prosperar uma vez que não se pode afastar os princípios da moralidade, impessoalidade e da publicidade em nome de uma suposta eficiência pública.

Ante o exposto, se torna iminente e imperativa vedação ao cadastro de reserva expressa em lei para acastelar contingentes ilegalidades na realização de concursos públicos, conforme tem se tornado prática corriqueira em todas as esferas nacionais e em todos os segmentos da Administração direta e indireta. Desta forma, tramita no Senado Federal diversos projetos de lei sobre o tema, incluindo o Projeto de Lei n.º 369/2008, de autoria do Senador Expedito Júnior, que veda a realização de concurso público exclusivo para a formação de cadastro de reserva. Assim, caso aprovado e sancionado, nenhum edital de concurso público poderá deixar de prever a especificação do número de cargos a serem providos e a formação de cadastro de reserva somente será permitida para candidatos aprovados em número excedente ao inicialmente previsto.

De forma semelhante, tramita ainda o PL 074/2010 de autoria do Senador Marconi Perillo, o qual pretende regulamentar o art. 37, inciso II da Constituição Federal, estabelecendo normas gerais para a realização de concursos públicos no âmbito da União. Em seu art. 13, o referido projeto prevê que:

Art. 13. O conteúdo mínimo do edital de abertura do concurso será composto de:

I – identificação da instituição organizadora do concurso e do órgão ou entidade pública que o promove;

II – ato oficial que autorizou a realização do concurso público;

III – lei de criação do cargo ou emprego público e da carreira, bem como seus regulamentos;

IV – identificação do cargo ou emprego público, suas atribuições, requisitos de investidura, classe de ingresso e remuneração inicial, discriminando-se as parcelas que a compõem, bem como sua natureza fixa e variável e seus limites de variação, quando for o caso;

V – quantidade de cargos ou empregos a serem providos, vedada a oferta simbólica de vagas ou a adoção exclusiva de cadastro de reserva, nos termos do art. 14 desta Lei;

[..]

Observa-se que a exigência do inciso III de divulgação da Lei que cria o cargo ou emprego público, bem como seus regulamentos, previne a eventual realização de certame para preenchimento de cargos jamais previstos em lei, fato que, por mais esdruxulo que parece, tem se repetido. Complementarmente, o inciso V traz a expressa vedação à realização de concurso público exclusivamente para preenchimento de cadastro de reserva.

Ainda que aceitássemos a possibilidade da intenção dos gestores como legítima, pela busca da continuidade do serviço público e eficiência administrativa, o fato é que a adoção indiscriminada do cadastro de reserva em concursos públicos configura, por si só, prática objetiva que pode gerar os desvirtuamentos conforme exposto anteriormente, procriando grave insegurança jurídica. Por assim entender, advoga-se que o instituto do cadastro de reserva possa legalmente ser banido de qualquer processo de seleção pública.


7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ante a argumentação e discussão exposta, algumas considerações podem ser elencadas em conclusão, suscitando novos debates sobre o tema. Observa-se que o concurso público é a configuração mais apropriada para selecionar servidores públicos, considerando-se que o modelo permite avaliar previamente o candidato quanto aos seus conhecimentos e habilidades inerentes ao cargo ou função. Trata-se ainda de uma forma justa, isonômica e democrática, em respeito ao princípio da acessibilidade definido pela Constituição da República Federativa do Brasil. Proporciona à todos os brasileiros e estrangeiros que preencher os requisitos dispostos em lei, concorrerem em situação de igualdade.

A disposição do processo seletivo em edital permite ainda uma ampla publicidade ao processo seletivo, culminando também em segurança jurídica para os aspirantes e também para a própria Administração. Dentro dessa perspectiva, os candidatos ao cargo ou função pública assentam a sua fé no processo que, muitas vezes é longo e difícil, aferindo os conhecimentos técnicos e as aptidões de quem deseja se tornar servidor público. Ao estabelecer as regras de forma clara e objetiva, a Administração pública atende aos preceitos definidos pelo princípio da moralidade administrativa.

Neste contexto, não se concebe que a Administração pública quebre com o seu compromisso previamente estabelecido no edital do certame não nomeando os candidatos classificados dentre o número de vagas estabelecidas, ou ainda não convocar a todos os classificados uma vez que o quantitativo de cargos ou funções a serem providos deve ser definido em previsão orçamentária com este fim específico. Complementarmente também não se concebe à Administração Pública o direito de invalidar o compromisso feito aos candidatos com práticas que claramente visam embaçar o processo seletivo, como podemos citar de forma exemplificativa, a não nomeação de candidatos existindo vagas em aberto ou provendo estas vagas com contratações temporárias precárias no decurso do prazo de validade do certame.

Em se tratando especificamente do cadastro de reserva, a despeito da publicação do Decreto nº 6.944, de 21 de agosto de 2009, resta fulgente a inconstitucionalidade de norma que venha a positivar a possibilidade de realização de concursos públicos exclusivamente para a formação de cadastro de reserva, por límpida afronta aos princípios da impessoalidade, da moralidade administrativa, da publicidade e do livre acesso aos cargos e empregos públicos. Se torna imperativo citar que o aludido Decreto pode ser atacado por Ação Direta de Inconstitucionalidade, uma vez que se trata de um decreto autônomo, com base no art. 84, VI, "a", da Constituição Federal, conforme jurisprudência do próprio STF.

Pelo exposto, se mostra urgente e imprescindível a vedação do cadastro de reserva expressa de forma contundente em lei, possibilitando assim a prevenção de práticas de ilegalidades na realização de concursos públicos, conforme tem se tornado ordinária em todas as esferas nacionais e em todos os segmentos da Administração direta e indireta.


REFERÊNCIAS

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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 02/02/2014.

BRASIL. Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999. Regulamenta a Lei no 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3298.htm. Acesso em 15/04/2014.

BRASIL. Decreto nº 6.944, de 21 de agosto de 2009. Estabelece medidas organizacionais para o aprimoramento da Administração pública federal direta, autárquica e fundacional, dispõe sobre normas gerais relativas a concursos públicos, organiza sob a forma de sistema as atividades de organização e inovação institucional do Governo Federal, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6944.htm. Acesso em 15/04/2014.

BRASIL. Lei 12.990 de 09 de Junho de 2014. Reserva aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da Administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União. Publicada no D.O.U. em 09 de Junho de 2014. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/topicos/27459759/lei-n-12990-de-09-de-junho-de-2014. Acesso em 14 de junho de 2014.

BRASIL. Lei nº 101 de 04 de maio de 200. Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm. Acesso em 02/04/2014.

BRASIL. Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8112cons.htm. Acesso em 15/04/2014.

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[1] Voto proferido na AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 77, INCISO VII, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. TEXTO NORMATIVO QUE ASSEGURA O DIREITO DE NOMEAÇÃO, DENTRO DO PRAZO DE CENTO E OITENTA DIAS, PARA TODO CANDIDATO QUE LOGRAR APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO DE PROVAS, OU DE PROVAS DE TÍTULOS, DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS OFERTADAS PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ESTADUAL E MUNICIPAL. Precedente: RE 229.450, Rel. Min. Maurício Corrêa. Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do inciso VII do artigo 77 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro. (STF - ADI: 2931 RJ, Relator: CARLOS BRITTO, Data de Julgamento: 24/02/2005, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 29-09-2006 PP-00031 EMENT VOL-02249-03 PP-00426 RTJ VOL-00199-01 PP-00168 LEXSTF v. 28, n. 335, 2006, p. 37-52).


Autor

  • Rauirys Alencar

    Advogado e Fisioterapeuta. Especialista em Direito Administrativo. Doutor em Eng. Biomédica e Mestre em Doenças Tropicais. Professor Universitário e Sócio do escritório Alencar, Fernandes & Veloso soluções jurídicas.

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