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A inconstitucionalidade da exigência da apresentação de certificado de pré-registro das cooperativas na OCB como condição para o registro de seus atos constitutivos nas juntas comerciais

A inconstitucionalidade da exigência da apresentação de certificado de pré-registro das cooperativas na OCB como condição para o registro de seus atos constitutivos nas juntas comerciais

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O artigo trata da inconstitucionalidade da exigência comumente estabelecida em leis estaduais que condicionam o registro dos atos constitutivos das cooperativas nas juntas comerciais à apresentação de certificado de pré-registro na OCB.

A partir da vigência do atual Código Civil, o registro das cooperativas foi alvo de intensas discussões jurídicas em torno do órgão competente para promovê-lo, haja vista a condição de sociedade simples conferida pelo art. 982, parágrafo único, o que suscitou divergências doutrinárias sobre se a atividade até então desempenhada pelas juntas comerciais cederia lugar ao registro civil das pessoas jurídicas.

Embora sociedade simples, prevaleceu a orientação no sentido de que as cooperativas permaneciam sujeitas à inscrição nas juntas comerciais, por força da previsão especial do art. 18 da Lei Federal 5.764/71, compatível com o art. 1.093 do Código Civil.

Neste sentido, é válido destacar o enunciado no 69 da I Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal, que possui a seguinte redação: as sociedades cooperativas são sociedades simples sujeitas à inscrição nas juntas comerciais”.

Acontece que, em várias unidades da federação, existem leis estaduais condicionando o registro dos atos constitutivos das cooperativas na junta comercial à apresentação de um certificado comprobatório de análise e aprovação dos documentos (pré-registro), emitido pela Organização das Cooperativas Brasileiras – OCB.

No entanto, por quaisquer dos ângulos, tais normas padecem de evidente mácula de inconstitucionalidade.   

Sob o aspecto formal, observa-se flagrante inconstitucionalidade por invasão de competência da União para legislar sobre registros públicos, prevista no art. 22, XXV, da Carta Magna.

Destaque-se que, com base nessa competência legislativa, a União editou a Lei 8.934/94, que trata do registro público de empresas mercantis e atividades afins, disciplinando que o registro compreende o arquivamento dos documentos relativos à constituição, alteração, dissolução e extinção de firmas mercantis individuais, sociedades mercantis e cooperativas.

Especificamente quanto à constituição dessas pessoas jurídicas, o art. 37 da Lei 8.934/94 arrola os documentos necessários ao arquivamento do ato perante as juntas comerciais, conforme abaixo:

Art. 37. Instruirão obrigatoriamente os pedidos de arquivamento:

I - o instrumento original de constituição, modificação ou extinção de empresas mercantis, assinado pelo titular, pelos administradores, sócios ou seus procuradores;

II - declaração do titular ou administrador, firmada sob as penas da lei, de não estar impedido de exercer o comércio ou a administração de sociedade mercantil, em virtude de condenação criminal;      

III - a ficha cadastral segundo modelo aprovado pelo DNRC;

IV - os comprovantes de pagamento dos preços dos serviços correspondentes;

V - a prova de identidade dos titulares e dos administradores da empresa mercantil.

Parágrafo único. Além dos referidos neste artigo, nenhum outro documento será exigido das firmas individuais e sociedades referidas nas alíneas a, b e d do inciso II do art. 32.

Observe-se que o parágrafo único do art. 37 é peremptório ao prescrever que “além dos referidos neste artigo, nenhum outro documento será exigido das firmas individuais e sociedades referidas nas alíneas a, b e d do inciso II do art. 32”[1].

Sendo assim, em matéria de arquivamento dos atos constitutivos das cooperativas nas juntas comerciais, a lei federal é taxativa: somente os documentos arrolados no art. 37 da Lei 8.934/94 podem ser exigidos, não se admitindo nenhum outro documento.

Logo, a legislação estadual não poderia criar requisitos novos ou instituir novas exigências para a prestação do serviço público de registro de cooperativas.

De outro lado, sob o enfoque material, a exigência de pré-registro das cooperativas na OCB como condição para o registro de seus atos constitutivos nas juntas comerciais esbarra no princípio da liberdade de associação e filiação (art. 5º, XX, CF/88).

Nesta linha, segue entendimento adotado pela Justiça Federal do Rio Grande do Sul, em mandado de segurança no qual se declarou a inconstitucionalidade da exigência de pré-certificação da OCERGS para constituição de cooperativa:

“(...) De fato, a exigência em pauta cerceia o direito constitucional de livre associação, uma vez que o art. 5º, XX, da CF/88 diz que ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado. Ademais, também a Constituição garante, pretendendo incentivar a criação de cooperativas, que estas não dependem de autorização do Poder Público para serem criadas. Ora, se não dependem sequer de autorização do Poder Público, por que dependeriam de autorização de pessoas jurídicas de direito privado, como os sindicatos? E em que pese a lei estadual não mencionar o vocábulo ‘autorização’, a exigência de pré-registro no Sindicato funciona como verdadeira autorização para funcionarem as cooperativas, na medida em que sem tal medida não conseguem efetivar o registro na Junta Comercial, em conseqüência, no CNPJ, inviabilizando inteiramente a atividade da Cooperativa, o que denota a presença do periculum in mora. (...)”[2]

A par disso, convém mencionar que, além dos princípios de liberdade de associação e de filiação, a Constituição estabeleceu no art. 174, § 2º, que a “lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo”, razão por que qualquer restrição do Poder Público a esse segmento não tem guarida constitucional, restando, obviamente, eivado de inconstitucionalidade.

Por fim, não se deve olvidar que as junta comerciais, embora administrativamente subordinadas ao governo da unidade federativa que integram, no plano técnico, seu vínculo se estabelece com o Departamento de Registro de Empresa e Integração (DREI), órgão sucessor do Departamento Nacional de Registro de Comércio (DNRC).

Isso implica reconhecer que, quando as juntas praticam “atos de registro”, atuam no âmbito da aplicação das normas federais a respeito de registro público, e nesses termos, submetem-se exclusivamente à orientação normativa do DREI, que já firmou sólido posicionamento de que não cabe às juntas comerciais perquirir a regularidade das cooperativas em suas entidades representativas.

Por todas essas razões jurídicas, tem-se por inconstitucional a exigência instituída por leis estaduais que condiciona o registro dos atos constitutivos das cooperativas nas juntas comerciais à apresentação de certificado de pré-registro na Organização das Cooperativas Brasileiras – OCB.   


Notas

[1] Art. 32. O registro compreende:

(...)

II - O arquivamento:

a) dos documentos relativos à constituição, alteração, dissolução e extinção de firmas mercantis individuais, sociedades mercantis e cooperativas;

(…)

[2] Mandado de Segurança 2003.71.00.01.7767-7, Seção Judiciária do Rio Grande do Sul, Juízo Federal da 6ª Vara Federal, Juiz: Altair Antonio Gregorio.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DUARTE, João Paulo Gaia. A inconstitucionalidade da exigência da apresentação de certificado de pré-registro das cooperativas na OCB como condição para o registro de seus atos constitutivos nas juntas comerciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4183, 14 dez. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31058. Acesso em: 28 mar. 2024.