Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/31266
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Dignidade da pessoa humana, presunção de inocência e liberdade de expressão.

Efetivação da garantia constitucional e combate à estigmatização precoce do acusado

Dignidade da pessoa humana, presunção de inocência e liberdade de expressão. Efetivação da garantia constitucional e combate à estigmatização precoce do acusado

Publicado em . Elaborado em .

O conceito de dignidade da pessoa humana é a gênese dos direitos fundamentais do homem. Daí, nasce o princípio da presunção de inocência, merecedor de reconhecimento como alicerce fundamental de um Estado Democrático de Direito.

1. INTRODUÇÃO

A Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 05 de Outubro de 1988, em seu artigo 1º, consagra a nação como um Estado Democrático de Direito estabelecendo como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana.

No seu artigo 3º e incisos, impõe como objetivos fundamentais, dentre outros, a construção de uma sociedade justa e livre de qualquer forma de discriminação.

O princípio constitucional da presunção de inocência é o principal norteador de um processo penal democrático e o comportamento contemporâneo da coletividade em condenar antecipadamente o réu representa grave retrocesso e descumprimento do referido preceito constitucional.

É importante reafirmar que o estado de inocência é presumido, conforme se extrai do disposto no artigo 5º, inciso LVII, da Carta Constitucional. O princípio primordial a imperar no processo penal é o da proteção ao estado de inocência. A mantença da qualidade de inocente e preservação da dignidade do acusado impõe óbice intransponível à influência da opinião pública que faz juízo prévio de valor e condena antecipadamente.

Como já defendia Becarria (1966) apud Lopes Jr. (2011, p. 185), “um homem não pode ser considerado culpado antes da sentença do juiz; e a sociedade só lhe pode retirar a proteção pública depois que seja decidido ter ele violado as condições com as quais tal proteção lhe foi concedida”.

Em outra assertiva Suannes (1999) apud Lopes Jr. (2011, p. 187):

“chama a atenção para o fato de que, por aplicação elementar do princípio constitucional da isonomia e do ubi lex non distinguit Nec nos distinguiere debemus, não existem pessoas ‘mais presumidas’ inocentes e pessoas ‘menos presumidas’. Todos somos presumidamente inocentes, qualquer que seja o fato que nos é atribuído.”

Outra doutrina incisiva na crítica ao comportamento contemporâneo da sociedade é a de Rosa; Filho (2011, p. 7):

“Atualmente, experimenta-se a era do expansionismo penal(izante). Há verdadeira sobreposição do discurso alarmista (de terror e do risco – Beck) acerca da ameaça da criminalidade sobre a ótica substancialmente democrática na solução dos inevitáveis conflitos sociais. O combate aos crimes e aos criminosos parece – ilusoriamente – encerrar o grande desafio da sociedade contemporânea”.

A sociedade contemporânea, diante da grande quantidade de meios de informação e comunicação, aliada ao inflamado discurso atual de liberdade de expressão, presume-se preparada e técnica o suficiente para discutir, debater e encontrar soluções em matéria penal. Nunca, em outro momento histórico, o Direito Penal, em sentido amplo, tomou tanto espaço e atenção da opinião pública, cujo entendimento técnico é fundado no senso comum.

Há de se dizer não à prevalência atual do exacerbado “populismo penal” e atuação teatral perpetuada pela mídia sensacionalista, que ilegal e indiscriminadamente condena o acusado antes mesmo de garantir-lhe o direito a um devido processo legal, amparado pelo contraditório, pela ampla defesa, e principalmente pela presunção de inocência, onde cabe ao Estado o ônus da prova, e não ao réu.


2. A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ENQUANTO FUNDAMENTO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO

O legislador constituinte claramente privilegiou a questão dos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, prevendo direitos fundamentais de grande amplitude e, principalmente, não taxativos, de forma a garantir que o reconhecimento de novos direitos relacionados à dignidade da pessoa humana esteja sempre evoluindo.

Nas lições de Sarlet (1988) apud Lopes Jr. (2011a, p. 13), a dignidade da pessoa humana constitui-se:

um valor-guia não apenas dos direitos fundamentais, mas de toda a ordem jurídica (constitucional e infraconstitucional), razão pela qual para muitos se justifica plenamente sua caracterização como princípio constitucional de maior hierarquia axiológica-valorativa.

Destaca o autor ainda que na ocasião de possível conflito entre princípios e direitos de ordem constitucional, “o princípio da dignidade da pessoa humana acaba por justificar (e até mesmo exigir) a imposição de restrições a outros bens constitucionalmente protegidos” (SARLET apud LOPES JR., 2011a, p. 13). Isso ocorre em função da inegável primazia do ideal de dignidade humana na composição estrutural constitucional (LOPES JR., 2011a, p. 13).

Diversos são os diplomas internacionais concernentes a direitos inerentes à condição de ser humano que há longa data já trazem em seu bojo os ideais de presunção de inocência e liberdade de expressão.

A Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, mais conhecida como o Pacto de São José da Costa Rica traz em seu preâmbulo:

(...) os direitos essenciais do homem não derivam do fato de ser ele nacional de determinado Estado, mas sim do fato de ter como fundamento os atributos da pessoa humana, razão por que justificam uma proteção internacional, de natureza convencional, coadjuvante ou complementar da que oferece o direito interno dos Estados americanos.

E, dispõe em seu artigo 8º, sob o título de “Garantias Judiciais”, inciso 2, que “toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente a sua culpa (...)”.

Em relação à liberdade de expressão, prevê o artigo 13 do mesmo diploma que:

Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.

Já o artigo 14, parágrafo 2 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos reza que “toda pessoa acusada de um delito terá direito a que se presuma sua inocência enquanto não for legalmente comprovada a sua culpa”.

O artigo 19, parágrafo 2, do supracitado diploma, por sua vez, prevê:

toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro meio de sua escolha.

A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, em seu artigo 6º, item 2, dispõe que “qualquer pessoa acusada de uma infração presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada”. A previsão de liberdade de expressão vem esculpida no artigo 10º, inciso 1, e assegura que “qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas (...)”.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas ainda em 1948, traz em seu artigo XI, item 1, que:

toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

Em seu artigo XIX, garante que “toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios (...)”.

O documento inicial base dessas disposições remonta à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, elaborada na França e traz em seu artigo 9º que “todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei”. Em seu artigo 11º, diz ser “a livre comunicação das ideias e opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem; todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente (...)”.

Como bem coloca Goldschmidt apud Lopes Jr. (2011a, p. 12), “os direitos fundamentais, como tais, dirigem-se contra o Estado, e pertencem, por conseguinte, à seção que trata do amparo do indivíduo contra o Estado”.

Pode-se observar que a presunção de inocência e a liberdade de expressão remontam aos mesmos antepassados, ambos consubstanciados no conceito de dignidade da pessoa humana, e foram pensados para atuar em conjunto, não se sobreponde nem sobrepujando um ao outro.

Levando-se em consideração que quase a totalidade dos países ocidentais é signatária e submeteu-se a pelo menos um desses pactos, pode-se afirmar com certa convicção que a presunção de inocência e a liberdade de expressão são direitos fundamentais previstos constitucionalmente em praticamente todas as democracias modernas.


3. A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

A garantia constitucional da presunção de inocência está marcada nas letras do inciso LVII do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que dispõe que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

A presunção de inocência não é garantida a um imputado específico. É um estado natural inerente à condição de cidadão, de homem, a todos, sejam eles imputados ou imputáveis, independente da existência de uma investigação ou de um processo penal. Determina uma orientação legitimadora do processo penal, garantindo ao imputado e imputáveis a observância de um processo penal justo.

Segundo Cavalho (2001, p. 51) “o princípio da presunção de inocência não precisa estar positivado em lugar nenhum: é pressuposto – para seguir Eros –, nesse momento histórico, da condição humana”. Conforme Lopes Jr. (2011a, p. 183):

A presunção de inocência remonta ao Direito Romano (escritos de Trajano), mas foi seriamente atacada e até invertida na inquisição da Idade Média. Basta recordar que na inquisição a dúvida gerada pela insuficiência de provas equivalia a uma semiprova, que comportava um juízo de semiculpabilidade e semicondenação a uma pena leve. Era na verdade uma presunção de culpabilidade. No Directorium Inquisitorum, EYMERICH orientava que “o suspeito que tem uma testemunha contra ele é torturado. Um boato e um depoimento constituem, juntos, uma semiprova e isso é suficiente para uma condenação”.

Insigne a obra de Maurício Zanoide de Moraes (2010), inteiramente dedicada à análise do aludido princípio, onde o autor discorre sobre o termo:

(...) “presunção de inocência” é repetida até nossos dias – e sempre o será – não porquanto seja um exemplo de precisão técnico-jurídica nos moldes atuais ou em conformidade com suas raízes romanas, mas porque seu conteúdo político-ideológico induz à ideia motriz que a expressão propicia, o que é essencial para um agir persecutório não preconceituoso, logicamente não deformado e minimamente justo (MORAES, 2010, p.83). (...)

Os iluministas revolucionários, da França do final do século XVIII, ao lutarem pela inscrição de vários direitos humanos em uma Carta Política de enorme significação mundial (à época) e histórica (desde então), não eram técnicos-jurídicos e não tinham suas preocupações voltadas apenas à ciência criminal (penal e processual penal). Atingiram-na, indubitavelmente, mas de maneira consequente e reflexa. Seu motor genérico era a transformação político-social e a ruptura do status quo político institucionalizado. Nesse sentido, o pensamento iluminista francês, embebido pelos avanços humanistas iniciados nos séculos XVI e XVII para o processo penal e o direito penal, foi buscar naquela classificação tripartida de presunção (técnica e mais humana) uma forma de revestir o cidadão de uma proteção ética e jurídica contra os desmandos estatais perpetrados pelo sistema processual penal inquisitivo. A esse termo juntou-se a noção de “inocência”, agora desprovida de conteúdo teológico e voltada a consagrar a noção racional-iluminista de igualdade, um dos pilares da Revolução em todas as áreas (econômica, política, social e, também, jurídica). Por ela, todos são inocentes e gozam desse estado político diante do poder estatal até que, por meio de um sistema probatório racional, consiga-se demonstrar que a conduta externa do cidadão é um crime (MORAES, 2010, p.91).

Nessa construção iluminista, a presunção de inocência apresenta-se como afirmação da natureza honesta do homem, e não criminosa, e que qualquer persecução criminal jamais retratará a perfeição dos fatos, mas se restringirá ao provável. Dessa forma, a pairar inicialmente a dúvida sobre os fatos, plausível preservar o estado de inocência do indivíduo, e não presumir-se a sua culpa, que deve ser a exceção à regra. É a gênese do provérbio latino quilibet praesumitur bonus, donec contrarium probetur (qualquer um se presume bom, até se provar o contrário), e da imposição ao órgão acusador do ônus da prova, devendo este provar a culpa do acusado, e não o acusado provar sua inocência.

A presunção de inocência nasce como clara limitação à atuação Estatal no controle dos seus cidadãos, principalmente após os abusos cometidos durante o período em que vigorou a inquisição como regra:

Seu marco principal ocorreu no final do século XVIII, em pleno iluminismo, quando na Europa Continental, surgiu a necessidade de se insurgir contra o sistema processual penal inquisitório de base romano-canônica, que vigia desde o século XII. Nesse período e sistema o acusado era desprovido de toda e qualquer garantia. Surgiu, daí, a necessidade de se proteger o cidadão do arbítrio do Estado que, a qualquer preço, queria sua condenação, presumindo-o, como regra, culpado (...) (FERREIRA, 2007, p. 165).

Ensina Lopes Jr. (2011a, p. 12):

Pode-se afirmar, com toda ênfase, que o princípio que primeiro impera no processo penal é o da proteção dos inocentes (débil), ou seja, o processo penal como direito protetor dos inocentes (e todos a ele submetidos o são, pois só perdem esse status após a sentença condenatória transitar em julgado), pois esse é o dever que emerge da presunção constitucional de inocência prevista no artigo 5º, LVII, da Constituição. O objeto primordial da tutela no processo penal é a liberdade processual do imputado, o respeito a sua dignidade como pessoa, como efetivo sujeito no processo.

Conforme preceitua a Constituição Federal, somente uma sentença condenatória transitada em julgado tem o condão de afastar a garantia da presunção de inocência. Nem a condição de flagrante delito, nem o reconhecimento da necessidade de uma prisão cautelar, significam o seu afastamento.

Mais sucintamente, Nucci (2012, p. 264):

(...) o estado natural do ser humano, seguindo-se fielmente o princípio da dignidade da pessoa humana, base do Estado Democrático de Direito, é a inocência. Inocente se nasce, permanecendo-se nesse estágio por toda a vida, a menos que haja o cometimento de uma infração penal e, seguindo-se os parâmetros do devido processo legal, consiga o Estado provocar a ocorrência de uma definitiva condenação criminal.

Em virtude da condenação, com trânsito em julgado, instala-se a certeza da culpa, abandonando-se o estado de inocência, ao menos quanto ao delito em foco. Não se que dizer que seja a condenação eterno estigma social, nem tampouco o estágio de inocência se tenha perdido eternamente. A situação é particularizada e voltada a um caso concreto: neste cenário, o condenado, em definitivo, é culpado. Noutros campos, em razão de fatos diversos, mantém-se o estado natural e original de inocência. (...)

O estado de inocência é indisponível e irrenunciável, constituindo parte integrante da natureza humana, merecedor de absoluto respeito, em homenagem ao princípio constitucional regente da dignidade da pessoa humana.

A presunção de inocência constitui o pilar de um processo penal democrático, de modo que é possível medir a qualidade de um sistema processual penal por meio do nível de eficácia do princípio (LOPES JR, 2011a, p. 184)

Segundo Ferrajoli (2010, p. 506), “esse princípio fundamental de civilidade representa o fruto de uma opção garantista a favor da tutela da imunidade dos inocentes, ainda que ao custo da impunidade de algum culpado”. “Isso porque, ao corpo social, lhe basta que os culpados sejam geralmente punidos, pois o maior interesse é que todos os inocentes, sem exceção, estejam protegidos” (LOPES JR, 2011a, p. 184).

Sedimenta Ferrajoli (2010, p. 506) que “a culpa, e não a inocência, deve ser demonstrada, e é a aprova da culpa – ao invés da inocência, presumida desde o início – que forma o objeto do juízo”.

Como já defendia Beccaria (1966) apud Lopes Jr. (2011a, p. 185), “um homem não pode ser considerado culpado antes da sentença do juiz; e a sociedade só lhe pode retirar a proteção pública depois que seja decidido ter ele violado as condições com as quais tal proteção lhe foi concedida”.

Por tudo, a presunção de inocência é o direito garantido de não ser declarado culpado senão por força de uma sentença penal condenatória com trânsito em julgado, ao final de um devido processo legal, onde tenha sido assegurado ao acusado a utilização de todos os meios de prova necessários à sua defesa (garantia da ampla defesa) em oposição às provas apresentadas pelo acusador (garantia do contraditório) (MORAES, 2003).

Já em seu artivo 5º, inciso IV, a Constituição Federal prevê ser “livre a manifestação do pensamento (...)”. No mesmo sentido, dispõe o inciso IX, onde “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica, e de comunicação, independentemente de censura ou licença”; e o inciso XIV, em que “é assegurado a todos o acesso à informação (...)”. Dispõe ainda o artigo 220 que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição (...)”.

Talvez pela experiência recente do país com a ditadura e supressão de direitos individuais que aquela época representou, é que a liberdade de expressão e mais especificamente a liberdade de imprensa, tenha tamanho significado e influência na vida dos brasileiros.

A garantia da imprensa livre surge como uma efetivação da e preservação da própria liberdade dos cidadãos, com esta se confundindo. Assim como o Estado não pode cercear liberadamente o direito de ir e vir do cidadão, também não pode restringir o seu direito de informar e ser informado.

Conforme Silva (2007) apud Mello (2010, p. 1):

Esses direitos e garantias foram consagrados na Constituição Federal Brasileira de 1988, a fim de oferecer proteção ao cidadão perante o Estado. Dentre eles, a Lei Maior assegura a todos o direito de informação, que efetiva a liberdade de expressão e manifestação de pensamento, quando, sob formas apropriadas, garante a difusão para o público de notícias, fatos ou elementos de conhecimento, ideias ou opiniões.

Ainda segundo os autores:

É na liberdade de informação jornalística que se realiza a liberdade de informação (anti­gamente, denominada de liberdade de imprensa), ou seja, o acesso à informação, a sua obtenção e transmissão sob a forma de notícia, comentário ou opinião, por qualquer veículo de comuni­cação social, seja ele impresso ou de radiodifusão, e o direito de ser informado (SILVA, 2007, apud MELLO, 2010, p. 3).

A imprensa não se resume mais transmissão de informação. Ela se tornou algo muito maior, se transformou num meio de discussão e debate social. É impossível pensar em uma sociedade livre e democrática sem a existência dos ideais de liberdade de expressão e de imprensa, haja vista estes se confundirem com os próprios pressupostos que definem uma democracia.


4. A MÍDIA MODERNA E O SENSACIONALISMO EXACERBADO

Segundo Traquina (2004) apud Budó (2006, p. 6-7), após uma primeira fase artesanal, predominou por algum tempo o jornalismo literário e político, marcado por características como a mistura entre fatos e opiniões e uma narrativa literária. O foco principal das pioneiras formas de jornalismo era a conscientização para questões políticas e sociais do momento. A propagação de ideais revolucionários e de transformação social eram a tese principal do jornalismo literário. Felizes esses tempos.

Ao final do século XIX e início do século XX, surgem outras concepções de atuação jornalística, dentre elas o jornal barato e menos elitista, como produto de consumo, e com o objetivo único de relatar fatos (BUDÓ, 2006, p. 7). Segundo a autora:

Ao passar da fase político-literária, para outra de cunho comercial, o jornalismo teve que suportar diversas modificações na sua estrutura. Suas características principais são a busca pelo lucro e a influência da propaganda. Passa-se para um sistema onde os proprietários do órgão determinam uma linha editorial capaz de agradar aos públicos e aos anunciantes, na busca por um maior lucro. Além disso, a necessidade de se obter credibilidade, e uma mudança de perspectiva da função do jornalismo fica patente em qualquer observação, onde o discurso da objetividade vem casada com o denuncismo político e acusações de “criminosos” (BUDÓ, 2006, p.7).

Atualmente, pouca ou nenhuma barreira existe à transmissão de conteúdo. O compartilhamento de experiências e informações atingiu um nível que não permite sequer imaginar como ir além. Amplo acesso à internet, sites especializados em notícias, grandes canais de mídia com transmissão ao vivo através da internet, rede sociais, etc. Não há limites para a comunicação e o compartilhamento de informações, e os conteúdos compartilhados atingem gigantesco número de pessoas em apenas poucos minutos.

Nesse contexto,

diante de um sistema capitalista altamente sufocador no comando da socie­dade e, onde as inovações tecnológicas se fazem cada dia mais frequente na vida de milhares de pessoas, a mídia desempenha um papel de extrema importância, uma vez que é imprescindível ao crescimento e desenvolvimento de um país, bem como à formação da cultura, de forma geral. (MELLO, 2010, p. 5)

Diversos são os meios de comunicação e canais de informação disponíveis à sociedade. As notícias não mais se resumem a acontecimentos ou fatos locais, nem sua divulgação restringe-se à específica localidade. E essa facilidade de acesso e transmissão, se por um lado encurtou distâncias e difundiu conteúdo, por outro revelou uma faceta perigosa desse amplo alcance.

Se a mídia de massa, antes restritas às páginas de jornais e revistas, já exercia grande poder de convencimento e indução sobre a opinião pública, com essa ampla facilidade que hoje lhe permite alcançar imensuráveis contingentes de pessoas, o poder “outorgado” à imprensa tornou-se ilimitado.

A principal preocupação é justamente a qualidade da informação transmitida, que quando intencionalmente, e quase sempre, manipulada, pode se tornar uma arma perigosa à serviço da imprensa que vende sensacionalismo.

E sensacionalismo é garantia de lucro certo, mesmo que às custas da privacidade, da honra, da imagem, e, mais perigosamente, às custas da presunção de inocência constitucionalmente garantida.

Tal espécie de imprensa, por sua vez, se utiliza do exagero, da execração pública do acusado, para auferir lucro, para captar audiência, sem pensar nas consequências do poder de influência que exerce sobre a opinião pública. Para legitimar sua atuação, ampara-se na liberdade de expressão garantida pela Constituição, justificando ser direito do cidadão a informação, livre de qualquer censura.

Infelizmente, prepondera atualmente o valor comercial que a notícia a ser veiculada possui. Opta-se por divulgar notícias de interesse do público – não necessariamente de importância – que permitam a “sensacionalização” do fato. Deixa-se de lado a informação, privilegia-se o entretenimento.

Notícias que envolvam crimes são as que mais tendem ao sensacionalismo. Conforme Lage (1979) apud Budó (2006, p. 8):

o sensacionalismo permite que se mantenha um elevado índice de interesse popular (o que é conveniente para o veículo, na época de competição por leitores e de maximalização publicitária), refletindo, na divulgação de crimes e grandes passionalismos, uma realidade violenta muito próxima de imprecisos sentimentos do leitor; oferece-lhe, em lugar da consciência, uma representação de consciência (...). Quanto aos problemas, eles se esvaziam no sentimentalismo ou se disfarçam na manipulação da simplificação e do inimigo único.

Para Amaral (2006) apud Mello (2010, p. 6),

o sensacionalismo está ligado ao exagero, à intensificação, valorização da emoção; à exploração do extraordinário, à valorização de conteúdos descontextualizados; à troca do essencial pelo supérfluo ou pitoresco e inversão do conteúdo pela forma

Há alguns anos tomou conta no Brasil o cômico jornalismo policial. Programas com apresentadores que são verdadeiros “arautos da justiça”, verdadeiras “autoridades” em segurança pública e política criminal. Para esses programas, o importante é difundir a “verdadeira” situação da criminalidade no país. Não bastasse, tecem críticas nem um pouco construtivas e totalmente desprovidas de fundamento, deixando bem claro o descontentamento da “sociedade” com as garantias existentes.

Para eles, falar em garantias constitucionalmente asseguradas é “defender bandido”. Não sabem, todavia, que tais garantias foram conquistadas arduamente para atuar em favor da sociedade, de verdade, e não em favor dos criminosos, como sustentam. Essa falta de conhecimento dos institutos que regem um processo penal democrático é transmitida para todo o país, da mesma forma que empregam termos jurídicos incorretamente, provocando uma desinformação e um descrédito absurdos. Fazem do Direito Penal um instrumento de vingança, como o meio pelo qual há de se pacificar a violenta sociedade contemporânea.

A violência simbólica dos meios de comunicação de massa é bem delineada por Rosa e Filho (2011, p.3) em sua excelente obra:

Nos sistemas penais do capitalismo tardio ocorre uma especial vinculação entre os meios de comunicação e o sistema penal. Esta vinculação faz com que seja transformada (ideologicamente) a mera função comunicativa da mídia, tornando-se verdadeira agência do sistema penal. A mídia procede a mobilização dos aparatos de punição, seja através de mensagens explícitas, como nos mais variados programas policiais atualmente existentes, ou mesmo implícitas, em diversos níveis de expressões. Seu papel de protagonista da “seleção” é inescondível, com interesses nem sempre manifestos.

Imperioso que o jornalismo sensacionalista atua evolua e dedique-se mais a construir também um jornalismo com um mínimo satisfatório de conteúdo jurídico, transmitindo à sociedade a maneira correta de funcionamento das instituições.


5. A DIFUSÃO DO MEDO QUE INFLUI NO PROCESSO PENAL

Como apontando, a mídia desenvolve um papel inaceitável ao articular uma sensação de insegurança exacerbada com uma abordagem excludente e desigual, legitimando o aumento da repressão penal e a seletividade do sistema (BUDÓ, 2006, p. 9). É essa intensificação do medo e da insegurança provocado pela mídia que legitima a atuação Estatal de reprimenda e por consequência legitima também o sistema penal repressivo.

Com a exagerada propagação de discursos instigadores pela necessidade de maior punição, suprimem-se os direitos e garantias individuais, seja do condenado, do acusado, ou mesmo do suspeito, em detrimento da “ordem pública”. Falar em presunção de inocência, contraditório, ampla defesa e garantismo é discurso de advogado pra defender bandido. Voltemos à inquisição.

Muito bem colocadas as palavras de Luiz Flávio Gomes:

Não existe “produto” midiático mais rentável que a dramatização da dor humana gerada por uma perda perversa e devidamente explorada, de forma a catalisar a aflição das pessoas e suas iras. Isso ganha uma rápida solidariedade popular, todos passando a fazer um discurso único: mais leis, mais prisões, mais castigos para os sádicos que destroem a vida de inocentes indefesos. (GOMES, 2010).

O show de terror criado pela mídia influencia diretamente na opinião pública instigando-a a buscar por “justiça”, preferindo o aspecto simbólico do direito penal em detrimento do seu caráter democrático. Segundo Baratta (1994) apud Budó (2006, p. 11), o “espetáculo acaba servindo como resposta à demanda por segurança, mesmo que na prática não realize as funções instrumentais prometidas”.

Mello (2010, p. 2) bem escreve quando afirma que:

Com o intuito de lhe gerar lucro, a mídia explora o fato, transformando-o em verdadeiros espetáculos, em instrumentos de diversão e entretenimento do público; as notícias não passam por crítico processo de seleção, tudo é notícia, desde que possam render audiência e, consequen­temente, dinheiro. Mais grave que isso, é o fato de a mídia constituir um poderoso instrumento de formação da opinião pública. Quando um fato é divulgado pelos meios de comunicação, sobre ele, já incide a opinião do jornalista, ou seja, o modo como ele viu o acontecimento é a notícia e, esta visão, justamente pelos motivos acima apresentados, nem sempre demonstra a realidade.

É inadmissível o jogo de conceitos que a mídia faz, colocando no mesmo patamar presunção de inocência e impunidade. A impunidade é reflexo do despreparo estrutural da justiça, que demora na prestação jurisdicional. A impunidade não advêm do fato do réu ser considerado inocente, mas do fato da justiça não julgá-lo em tempo hábil.

Bem observa o professor Aury Lopes Júnior:

Se é verdade que os cidadãos estão ameaçados pelos delitos, também o estão pelas penas arbitrarias, fazendo com que a presunção de inocência não seja apenas uma garantia de liberdade e de verdade, senão também uma garantia de segurança (ou de defesa social), enquanto segurança oferecida pelo Estado de Direito e que se expressa na confiança dos cidades na Justiça. É uma defesa que se oferece ao arbítrio punitivo. Destarte, segue FERRAJOLI, o medo que a Justiça inspira nos cidadãos é signo inconfundível de perda da legitimidade política da jurisdição, e, ao mesmo tempo, de sua involução irracional e autoritária. (LOPES JR, 2011a, p. 185).

Ensina Rosa e Filho (2011, p. 7) que:

No âmbito do sistema penal, os meios de comunicação exercem um importante papel ideológico, pois sem eles não seria possível induzir os medos no sentido desejado, nem reproduzir os fatos conflitivos interessantes de serem reproduzidos em cada conjuntura, ou seja, no momento em que são favoráveis ao poder das agências do sistema penal.

Atualmente, experimenta-se a era do expansionismo penal(izante). Há verdadeira sobreposição do discurso alarmista (de terror e do risco – Beck) acerca da ameaçada criminalidade sobre a ótica substancialmente democrática na solução dos inevitáveis conflitos sociais. O combate aos crimes e aos criminosos parece – ilusoriamente – encerrar o grande desafio da sociedade contemporânea.

A “solução” oferecida pelo Direito Penal torna-se a menina dos olhos da opinião pública. Insere-se diariamente o sistema penal no cotidiano da população, levando a discussão para o âmbito do senso comum e para longe do debate científico, numa clara manipulação pelos meios de comunicação de massa, que constroem a ideia de que o combate à criminalidade deve ser o mais rígido e brutal possível (ROSA; FILHO, 2011, p. 7-8).

E os mesmos autores tocam direto no ponto central desse tipo de atuação da mídia:

A problemática apontada situa-se, contudo, em outro plano: a exploração dos casos extremos como forma de difundir o medo, a insegurança, e, consequentemente, proceder cada vez mais à legitimação do poder punitivo. Reiteradamente (nos) é insinuada a ideia segundo a qual a violência e a insegurança se esgotam na criminalidade (convencional), ideia essa que estabelece o consenso acerca da necessidade de endurecimento do sistema penal e, assim, abrindo espaço para mitigação de garantias e direitos fundamentais (ROSA; FILHO, 2011, p. 8-9).

E tal legitimação do sistema penal que a mídia busca atinge como auge o momento em que toma conta dos debates sociais a falta de paz e tranqüilidade, que apenas não existe por conta da ineficiência do sistema penal, sem levar em conta ou consideração os demais problemas sociais, que acabam sendo esquecidos por ora.  O mais importante é o “arrocho dos meios coercitivos, demarcando o simbolismo necessário para edição de mais e mais leis penais severas, incrementando verdadeira legislação de terror” (ROSA; FILHO, 2011, p. 47).

O discurso da mídia indica apenas um caminho: o da imperiosa expansão penal. Explorando o medo e a insegurança, ela divulga um discurso de necessária e radical reforma da legislação penal, das políticas criminais, sempre pregando o terror, ao mesmo tempo que relega as outras conquistas históricas concernentes nos direitos e garantias individuais, e até da própria sociedade, mas que a seu julgar são empecilhos na busca pela paz.


6. LIBERDADE DE EXPRESSÃO EXERCIDA EM VIOLAÇÃO À PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA DESRESPEITA OS PRÓPRIOS PRINCÍPIOS QUE A LEGITIMAM E MERECE RESTRIÇÃO

Pois bem. O princípio da presunção de inocência prima pela manutenção da honra e da imagem do acusado, assegurando a este o direito de ser tratado e visto como pessoa que ele é, e não como um ser a ser extirpado da sociedade. E partir do momento que a mídia invade esse espaço íntimo do réu e faz da sua vida ou do fato a ele relacionado um espetáculo digno de cinema, fere não só a presunção de inocência que lhe é assegurada, assim como a proteção esculpida nos referidos incisos do artigo 5º da Constituição Federal.

Não é admissível a utilização pela imprensa da liberdade que lhe é outorgada para denegrir, degradar e expor a imagem de acusados, se afastando por completo dos próprios princípios democráticos que a legitimam. É imensa a preocupação por parte de todos os envolvidos no processo penal com a divulgação e julgamento antecipado do acusado, sem qualquer possibilidade de defesa ou contraditório, sem qualquer possibilidade de recurso e eivados de parcialidades.

É deveras preocupante essa condenação pública consolidada pela opinião induzida. Preocupante, pois representa o completo afastamento da presunção de inocência garantida. A mídia confunde o direito – e obrigação – que tem de informar, e não informa, mas emite opinião, e apressadamente cristaliza a culpa do acusado.

A própria mídia elege os assuntos de seu interesse, os quais julga importantes e são certeza de grande audiência. Escolhem um caso, jogam ao público informações imprecisas e imparciais, tudo num espetáculo exacerbadamente sensacionalista. A única verdade é aquela que ela propaga.

Não são poucos os casos em que todos os grandes veículos nacionais de comunicação divulgam o mesmo fato, no mesmo momento, numa briga ferrenha pela audiência da sociedade. É dessa forma que a mídia manipula as informações direcionadas à população, formando e orientando a opinião pública no sentido que lhes é conveniente.

Não há dúvidas de que a criminalidade é um dos grandes medos da sociedade contemporânea. E é disso que a mídia se aproveita. Dentre as ocorrências, ela escolhe aquela mais impactante, com maior o requinte de crueldade possível, receita certa para prender a atenção do público.

Chamou a atenção Mello (2010, p.2):

 As cenas do crime se repetem incessantemente; imediatamente o até então suspeito é feito autor do delito; tem sua imagem revelada; seu perfil é estereotipado; sua privacidade é invadida; tudo é notícia: para onde vai, de onde veio, quando saiu, o que comeu e até mesmo quem são seus familiares e amigos. O circo está armado e vai começar o espetáculo; o palhaço entrou em cena e o público é “sutilmente” convidado a participar do show.

E sustenta:

Holofotes cinematográficos são dirigidos ao suspeito do crime com o intuito de re­velar sua identidade e personalidade. Em poucos segundos, sabe-se de tudo, detalhadamente, a respeito da vida privada desse cidadão e de seus familiares. Tudo é vasculhado pela mídia. Bastam alguns momentos para que eles se vejam em todas as manchetes de telejornais, revistas e jornais. A mídia, assim, vai produzindo celebridades para poder realimentar-se delas a cada instante, ignorando a sua intimidade e privacidade (MELLO, 2010, p.11-12).

Reforçando a crítica ao trabalho de rotulação dos meios de comunicação, Rosa e Filho (2011, p. 10-11):

E não há dúvidas em se afirmar que uma das manifestações mais cruéis da violência simbólica exercida pela mídia é identificada no processo de ‘etiquetamento’, de rotulação e na criação do estereótipo criminoso, pois como ensina Pedrinho Guareschi “os que detêm a comunicação chegam até a definir os outros, definir determinados grupos sociais como sendo melhores ou piores, confiáveis ou não confiáveis (...). Quem tem a palavra constrói identidades pessoais ou sociais”.

E conclui que

O estigma difundido no “imaginário coletivo”, via “violência simbólica”, passa a ser suficiente para se presumir a periculosidade do etiquetado, bem ao estilo lombrosiano, que carrega consigo – numa espécie de pena perpétua – a contingência de ser diferente: são “eles”, os “outros”, intolerantemente, diferentes de “nós” e dos “nossos”. (...) Afirma Vicente Romano que “a violência e a contraviolência representam na comunicação estereotipada dos chamados ‘meios de massa’ a luta épica entre o bem e o mal, a luz e as trevas, a democracia e o totalitarismo, a civilização e a anarquia, a ordem e o caos. A maior parte do conhecimento público acerca da violência, dessa luta, baseia-se nas imagens, definições e explicações proporcionadas pelos meios (ROSA; FILHO, 2011, p. 12-13).

A mídia se utiliza da liberdade que lhe é inerente de forma desvirtuada, veiculando notícias dramáticas sobre crimes e com pré-julgamentos constituídos do caso. E essa violação aos direitos do acusado é ainda mais agravada por conta do já mencionado alcance e poder de influência na opinião pública que a mídia tem.

Conforme Moraes (2010, p. 513-514):

(...) os meios de comunicação não refletem os fatos, mas os influenciam e os amoldam, muitas vezes, ao feitio dos responsáveis pelas programações ou pelas pautas tendo em vista a melhor obtenção de dividendos com a notícia. A “causa criminal” passa a ser uma “mercancia” por meio da qual as notícias se auto-alimentam em uma sucessão de versões dentro das quais o “fato original” perde importância e “elas” passam a ser o “fato”.

(...) “A inocência nunca é notícia”. Os “especialistas” consultados e levados à mídia para comentarem aspectos jurídicos trabalham apenas com a versão da culpa, sempre a mais interessante. As imagens e as versões formam, progressivamente, “convicções” que passam a ser debatidas nos meios sociais; a “inocência” passa a não ser mais admissível e, mesmo se ocorrente em decisão final de órgão judicial colegiado, creditam-na ao já lugar comum das “ineficiência legislativa”, da “demora do sistema” ou, ainda, das “ilegalidades” perpetradas ou anuídas pelos agentes (públicos ou privados) da persecução penal. A verdade perde espaço para a versão criada; a prova constante dos autos perde espaço para a imagem construída ao feitio de uma capa de jornal ou de revista periódica.

Dentre os abusos cometidos está a divulgação de elementos constantes ainda de inquérito policial. Diariamente os jornais divulgam diligências em andamento, sendo a sua preferida a divulgação de interceptações telefônicas. Como pode ser possível à imprensa confundir a liberdade de expressão e informação com a quebra de sigilo? São constantes as ocorrências nesse sentido, editoriais que expõem provas sigilosas, causando danos irremediáveis à todo o futuro desenvolvimento processual.

Ao se afastar do processo a presunção de inocência, o dano causado à honra e à imagem do acusado são de igual medida, senão piores, do que qualquer pena a ser prolatada em sentença, se devidamente provada sua culpa.

Da forma que a mídia atualmente insiste em atuar, flagrante o choque dos dois princípios constitucionais levantados durante o texto, qual seja, a liberdade de expressão, representada pela liberdade de imprensa, e a presunção de inocência.

O desejo da Constituição, sem sombra de dúvidas, é que as duas garantias atuem em conjunto, posto que objetivam, de certa forma, fazer prevalecer o indivíduo frente à atuação Estatal. São determinações pelas quais o Estado deve e tem obrigação de se pautar. São princípios intrínsecos ao Estado Democrático de Direito. Qualquer democracia que assim se intitule deve assegurar ao seus integrantes a garantia de serem presumidos inocentes, e o direito a uma imprensa livre de censuras.

O equívoco se dá por parte da mídia, que se utiliza da liberdade irrestrita que lhe é assegurada e passa por cima do direito também assegurado ao indivíduo. Não foi para se prestar a esse papel de execração pública e sensacionalista, de condenação antecipada, de transformar a dor de alguns em espetáculo circense, que a Constituição assegurou a liberdade de imprensa.

Budó (2006, p. 12) bem resume o pensamento:

A fundamental importância do jornalismo para o conhecimento na sociedade atual leva a diversos questionamentos quanto à sua prática. Da violação de direitos humanos que, por vezes tem lugar nas páginas de jornais à violação de direitos pelos próprios jornais há um vácuo onde a autocrítica jamais se estabelece. A aceitação de valores comuns, mas que trazem em seu âmago preconceitos enraizados a respeito do crime e do criminoso leva a uma redução do caráter crítico que a divulgação de fatos deveria conter. Difundir valores que buscam segregar determinadas parcelas da população, além de incitar o aumento da repressão penal são atos que não coincidem em nada com o humanismo dentre o qual surgiu o jornalismo.

Tal prática é de todo inescrupulosa, violando a Constituição em razão de interesses particulares, estritamente econômicos. Tais interesses valem mais que a própria Constituição. Essa somente tem seu valor reconhecido quando necessária à defesa desses próprios interesses e não contra eles, pois assim fazer seria violar a liberdade de imprensa e o direito de informação, retornando os tempos de censura. Apenas esquecem que qualquer poder exercido sem limite ou regulação, constitucional ou infraconstitucional, tende a tornar-se absoluto.

Não se pode deixar de mencionar também a parcela de culpa dos outros agentes envolvidos, quais sejam, aqueles que vazam as informações sigilosas e fomentam o sensacionalismo midiático, e prejudicam a sua própria atuação. Nesse sentido, perfeita a colocação de Moraes (2010, p. 513), ao constatar que “dessa promiscuidade entre agentes públicos e mídia nasce a maior fonte de descrença popular na presunção de inocência”. Continua a insatisfação do autor:

Para tal conluio, deve haver uma necessária responsabilização penal e civil de ambas as partes (pública e privada). Não se pode mais tolerar que não se indague, ache-se normal e, pior, parte de uma sociedade democrática, que autos criminais “sigilosos” sejam conhecidos primeiro pela mídia e pela população do que pelas partes processuais e até mesmo pelo juiz da causa. (MORAES, 2010, p. 513).

A publicação de conteúdo de prova resguardada sob o segredo de justiça afeta não só a concepção da opinião pública sobre o acusado, como também o próprio exercício do contraditório, e por conseguinte o atendimento à plenitude de defesa. A proteção do segredo de justiça, ao menos em tese, deve corresponder à estrita proibição de exposição dessas provas, pois significa a imposição de uma proteção a direitos e garantias fundamentais propriamente ditos. A divulgação, obviamente, vai em sentido contrário, destruindo essa proteção conferida pelo segredo de justiça, violando, outrossim, a Constituição.

Como assevera Souza (2011, p. 334):

O fato de uma prova encontrar-se sob o resguardo normativo do segredo de justiça, tem por finalidade proteger um bem jurídico de natureza processual penal constitucional que sinaliza para a existência de um sistema acusatório, ou seja, o direito de toda pessoa, nacional ou estrangeira, de ser julgada apenas e somente por um Tribunal competente, por meio de um juiz imparcial, e por meio de um contraditório e uma ampla defesa em todo o arco do procedimento.

Quando a imprensa assim age está ela mesma por se deslegitimar, desvinculando-se do importantíssimo propósito que a Constituição lhe conferiu, passando à qualidade de agressora da Lei Maior, atingindo de morte o princípio da presunção de inocência.

Esquece a mídia que a mesma Constituição que legitima sua atuação também prevê, em seu artigo 5º, inciso LVII, a presunção de inocência, e tudo que ela significa, como direito fundamental.

A imprensa eleva ao máximo a garantia da liberdade de expressão e reduz ao mínimo a garantia da presunção de inocência. De sua parte, não há qualquer ponderação de valores; pelo contrário, há a supressão total do estado de inocência do indivíduo alvo da notícia do momento. Dessa forma, imperioso que se debata alguma forma de evitar essa incoerência.

Cumpre observar o que dispõe o §1º do artigo 220 da Constituição Federal:

§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

Possível perceber que o próprio texto constitucional deixa espaço para uma possível forma de “controle” do conteúdo exposto pela mídia.

Importante nesse momento a revisão dos diplomas anteriormente mencionados que legitimaram e construíram a muito custo o direito à liberdade de expressão e à presunção de inocência, a iniciar pelo artigo 11º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que elevou a liberdade de comunicação das ideias e opiniões como um dos direitos mais “preciosos” do homem.

A segunda parte do referido artigo dispõe que “todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei”.

O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, prevê em seu artigo 19 – o mesmo que impõe a liberdade de expressão – em seu parágrafo 3, que:

O exercício do direito previsto no parágrafo 2 do presente artigo implicará deveres e responsabilidades especiais. Conseqüentemente, poderá estar sujeito a certas restrições, que devem, entretanto, ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para: a) assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas; b) proteger a segurança nacional, a ordem, a saúde ou a moral públicas.

Não menos importante, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o Pacto de São José da Costa Rica, em seu artigo 19, inciso 2, assegura o mesmo:

O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidade ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei a ser necessárias para assegurar: a) o respeito aos direitos e à reputacao das demais pessoas; ou b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.

Bem observa Nucci (2012, p. 346):

Sob outro aspecto, a Constituição Federal garante a liberdade de comunicação social ao preceituar que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição” (art. 220, caput). No §1º, estima que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV”. Portanto, a liberdade de informação é a regra, de onde se podem extrair as suas fronteiras: o anonimato, o direito de resposta, o direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, a liberdade de trabalho, conforme qualificação legal e o sigilo da fonte.

O direito à informação, com seus limites constitucionalmente impostos, deve respeitar a intimidade e a vida privada. Por isso, o processo também conta com o segredo de justiça, devendo o magistrado zelar pela observância da perfeita harmonia entre informação e intimidade, ora decretando o sigilo, ora assegurando a publicidade dos atos processuais.

Fica claro que tais dispositivos atuam no sentido de que a partir do momento que a “liberdade de informação” atinge e fere outros direitos assegurados, é legítimo impor certas restrições à atuação midiática. É necessária uma limitação da liberdade de expressão desvirtuada, sob pena de se ferir de morte um princípio de tamanha amplitude como o da presunção de inocência.

Mais importante, essa limitação encontra amparo constitucional e nos diversos diplomas que construíram ao longo dos anos os direitos fundamentais baseados na dignidade da pessoa humana, pois seria absurdo contrassenso admitir que a previsão de um direito pudesse autorizar a violação a outro, principalmente quando já demonstrado que estes podem coexistir.

Não bastasse, a notícia que os veículos de comunicação devem transmitir deve obedecer ao critério da verdade e do interesse público – interesse público no sentido de socialmente relevante, e não o que o público anseia por ver. Não sendo assim, e tratando de assuntos sem essas características, não se poder lhes atribuir a permissão concedida com fulcro na liberdade de imprensa, por não possuírem qualquer conteúdo jornalístico, mas sim notícias meramente especulatórias, privilegiando a diversão e o entretenimento em detrimento da universal garantia da dignidade da pessoa humana (MELLO, 2010, p. 4).

Por mais que insista em veicular matérias de denúncias e crimes, a mídia nunca deixará de ser efetivamente “leiga” no assunto. A maneira do seu proceder revela isso. E esse desconhecimento técnico da mídia, reflete diretamente naquilo que é veiculado. A transmissão da informação tem como único foco provocar a comoção social e a indignação popular.

Dessa forma, não é intento apontar que devam existir restrições ou qualquer tipo de censura ao conteúdo ou aos meios utilizados pelos meios de comunicação para divulgar as notícias, mas a necessidade de limites e regulações ao que é divulgado e como é divulgado.

Souza (2011, p. 295-296) traz indagações necessárias e pertinentes:

Na realidade, como bem asseverou Glauco Giostra na sua palestra no Tribunal de Milão, seria ilusão ou ingenuidade pensar que alguma legislação, seja de que país democrático advenha, possa impedir a concretização em forma de notícia dos interesses provenientes dos meios de comunicação de massa, representados pela divulgação de um conteúdo probatório que está sob segredo de justiça, principalmente quando os fundamentos da própria existência e eficácia da informação midiática são a sua atualidade e o seu impacto sensacionalista na opinião pública.

É utopia pensar que uma ordem jurídica normativa possa impedir, nos dias atuais, a divulgação de uma prova adquirida sob a égide do segredo de justiça, quando este fato tenha despertado o interesse seletivo dos meios de comunicação em massa. Essa ordem normativa, como se percebe atualmente, não teria, como não tem, qualquer eficácia social, pois se contrapõe a um dos elementos psicológicos mais influentes da condição humana, a curiosidade.

E mais adiante expõe o triste, mas atual, tratamento que se dá ao assunto:

Até o presente momento, a doutrina e a jurisprudência, diante de um conteúdo probatório ou fonte de prova divulgada pelos meios de comunicação em massa, restringem-se a exigir no âmbito penal a punição dos culpados pelo “vazamento” de informação, e no âmbito civil solicitar a reparação dos danos. Mas isso é ineficaz e falacioso, pois quantos proprietários de grandes veículos de informação são réus em processo penal ou civil por terem permitido a divulgação de provas que se encontravam em segredo de Justiça? Quantos informantes dessas provas estão também sob o crivo da justiça? (SOUZA, p. 304-305).

Nesse sentido, Moraes (2010, p. 511-512) apresenta alguns apontamentos, que certamente ajudariam a melhorar o quadro de desrespeito que vige:

Nada impede que os órgãos de comunicação assumam a responsabilidade social e constitucional de produzirem auto-regulamentações a fim de exercer seu importante papel de informação e, ao mesmo tempo, respeitar às normas constitucionais. Assim, por exemplo, conforme se sabe da experiência de outros países, melhor seria que: antes de existir acusação formal, as notícias omitissem o nome dos envolvidas na investigação ou suspeitos; ou, ainda, se vedasse a exposição da imagem pejorativa de pessoas algemadas, carregadas e expostas de forma a representarem um troféu da autoridade pública que efetuou a prisão, ou, pior, para diminuí-las em sua autoestima e respeitabilidade social. Essas sugestões parecem ser um válido ponto de partida para a discussão, uma vez que neutralizariam a maior razão para os abusos dos meios de comunicação consistentes em “agarrar o telespectador a todo custo pelo sensacionalismo, numa pauta altamente conservadora, ideologicamente conservadora”.

No tocante a propostas para o atingimento dessa melhoria necessária, interessante a construção a construção de Souza (2011, p. 337-338):

Se o Estado, apesar de todo aparato instrumental que possui, não consegue impedir a divulgação do ato inicial de formação probatória que se encontra em segredo de Justiça, e sob a tutela do próprio Estado-juiz, permitindo que se coloquem em risco os princípios constitucionais (...), essa prova, que enquanto sujeita a segredo era legítima, deve, a partir de sua publicização pelos mass media, ser considerada inutilizável, para justificar um decreto condenatório no âmbito do processo penal (...)

A partir do momento em que o procedimento de legitimação da formação da prova não é observado em todos os seus aspectos constitutivos e delimitativos, a prova dele decorrente deve ser considerada (...) ilegítima no âmbito do subsistema processual penal.

Com a divulgação pelos meios de comunicação em massa do conteúdo material da prova colhida mediante quebra de sigilo, configurou-se falha na execução da formação da prova, ensejando a ilegitimidade de sua utilização para fundamentar um decreto condenatório.

Mais do que coerente a proposta do doutrinador supracitado, pois, se para a produção daquela prova é exigido o caráter absolutamente sigiloso, sendo este violado, resta toda a prova afetada. Não que esta prova seja ilegal ou nula. Mas deveria ser considerada ilegítima. A sua produção foi autorizada sob a condição de certos rigores pela Constituição e pela lei impostos, determinada por uma magistrado revestido de competência para tanto. Todavia, a exposição dessa prova sigilosa rompe com todos os fundamentos que a legitimam. Afastou-se o caráter de sigilo, assim como foram descumpridos os fundamentos que a autorizavam.

Por isso, nada mais justo que a “inutilização” dessa prova, que perdeu sua condição de legítima. Afinal, o fundamento de existência e produção dela, a priori, é embasar futura denúncia a ser oferecida e comprovar cabalmente a imputação que é feita ao acusado, para então, somente, retirar-lhe a condição de inocente. Apresentar essa prova à opinião pública, e por conseguinte a um juízo prévio seguramente imparcial, atropela todas as etapas necessárias ao desenvolvimento de um “devido processo penal” democrático. O julgamento será de imediato, e sem direito a defesa.

Baseando-se nessas proposições, uma regulação ideal, infelizmente utópica, seria a determinação legal de que qualquer prova produzida que tenha sofrido as violações expostas, ou com outras ainda que não mencionadas, mas que comprovadamente tenham ferido direitos e garantias fundamentais do cidadão fossem consideradas inaptas a servirem de fundamento e legitimidade para um decreto condenatório.

Aludida regulamentação só será possível através de uma séria e debatida atuação legislativa, com a participação de todos os setores envolvidos. Autoridades policiais, advogados militantes, Ministério Público, magistratura, representantes dos meios de comunicação em massa e o próprio Congresso Nacional.


7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não se pode afirmar, indiscriminadamente, que toda e qualquer atividade midiática que relacione-se a matéria criminal tenha cunho violador da presunção de inocência, da honra, intimidade ou à vida privada do acusado. Todavia, deve ser inadmissível, ao extremo, a exposição que concretize a condição de culpado do acusado, ao configurar abuso no exercício da liberdade de expressão e informação.

Deveras temerária, essa atuação sensacionalista da mídia é uma forma inconstitucional e disfarçada de se executar penas sem qualquer processo ou condenação. A cobertura da mídia em cima do fato criminoso e a forma de proceder dos veículos de comunicação promove uma ilegal e antecipada sentença condenatória do acusado.

Antes mesmo da instauração do devido processo legal, do exercício do contraditório e da ampla defesa, e do trânsito em julgado de uma sentença condenatória, o acusado já começa a cumprir a sua pena. Já foi execrado publicamente, teve sua intimidade e sua honra violados, foi estigmatizado, e, principalmente, teve seu direito a ser presumido inocente completamente rasgado. Ainda que absolvido, não há nada a recuperar. Ainda que condenado, não há mais o que ressocializar.

As consequências sobre a pessoa comum que é vítima de uma exacerbada atenção jornalística são, sem sobra de dúvidas, devastadores, pois essa repentina condição de “celebridade” afeta negativamente seu espírito, prejudica sua credibilidade e confiança, transforma seus familiares em alvos de humilhação e chacota, dentre vários outros óbvios motivos.

Tal situação fere de morte o ideal humanitários inscrito no preceito de presunção de inocência, assegurado após árdua batalha, tudo por se priorizar um anseio social de ser ver condenados bodes expiatórios escolhidos a dedo. Injustiças desse porte, ainda que reconhecidamente comprovadas, geram consequências de difícil reparação.

Nunca é demais dizer que a Constituição Federal garante ao mesmo tempo o direito à liberdade de expressão e de informação e o direito à presunção de inocência. Assim como a presunção de inocência tem suas limitações, ante à possibilidade de decretação de uma segregação cautelar, a liberdade de expressão e de informação também as deve ter. Informar e noticiar exigem seria responsabilidade.

E, como já exposto, o princípio da presunção de inocência impõe não só aos atores necessariamente envolvidos no processo penal – delegados de polícia, advogados, promotores, magistrados – como à própria mídia que nele interfere, o dever e obrigação de respeitar os direitos e garantias fundamentais já mencionados – a imagem do indivíduo, sua honra, intimidade e vida privada –, evitando-se, de qualquer forma, um julgamento fora do devido processo penal democrático, pois referido princípio a todos vincula.


REFERÊNCIAS

BRICKMANN, Carlos. Condenação pela imprensa: perpétua e definitiva. Artigo publicado no site Consultor Jurídico em 28 de dezembro de 2011. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2011-dez-28/condenacao-imprensa-perpetua-definitiva>. Acesso em: 28 dez. 2011.

BUDÓ, Marília Denardin. Mídia e crime: a contribuição do jornalismo para a legitimação do sistema penal. UNIrevista, Florianópolis, v. 1, n.3, p. 1-14, 2006. Disponível em: <http://www.unirevista.unisinos.br/_pdf/UNIrev_Budo.PDF>. Acesso

em: 10 set. 2010.

CARVALHO, Amilton Bueno de. Lei, Para que(m)?. In: Escritos de Direito e Processo Penal em Homenagem ao Professor Paulo Cláudio Tovo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.

CRETELLA JR., José. Crimes e julgamentos famosos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão – teoria do garantismo penal. 3ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.

FERREIRA, Michele Kalil. O princípio da presunção de inocência e a exploração midiática. De Jure: revista jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, n. 9, p. 150-181, jul./dez. 2007. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/ dspace/handle/2011/27368>. Acesso em: 26 jan. 2010.

GOMES, Luiz Flávio. Casal Nardoni: inocente ou culpado? (parte 1). Disponível em:

<http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20100315111040784>. Acesso em: 12 jan. 2011.

LOPES JR., Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Vol. I. 7ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.

_______. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. Vol. II. 5ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.

MELLO, Carla Gomes de. Mídia e crime: liberdade de informação jornalística e presunção de inocência. In: Revista de Direito Público, v. 5, n. 2, p. 106-122, Agosto 2010. Disponível em <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/dow nload/7381/6511>. Acesso em: 15 jan. 2011.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2007.

MORAES, Maurício Zanoide de. Presunção de inocência no processo penal brasileiro: análise de sua estrutura normativa para a elaboração legislativa e para a decisão judicial. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

_________. Princípios constitucionais penais e processuais penais. 2ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.

ROSA, Alexandre Morais da; FILHO, Sylvio Lourenço da Silveira. Para um processo penal democrático: crítica à metástase do sistema de controle social. 3ª Tiragem. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.

SOUZA, Artur César de. A decisão do juiz e a influência da mídia. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no processo penal brasileiro. 4ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Almeidinha. Dignidade da pessoa humana, presunção de inocência e liberdade de expressão. Efetivação da garantia constitucional e combate à estigmatização precoce do acusado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4262, 3 mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31266. Acesso em: 29 mar. 2024.