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Muito além da Revolução

os aspectos políticos e sociais da maior revolução da idade moderna

Muito além da Revolução. os aspectos políticos e sociais da maior revolução da idade moderna

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O presente estudo pretende analisar o cenário sócio-político da Revolução Industrial bem como suas implicações para a sociedade pós-moderna.

Resumo: Antes de representar uma mudança no processo de produção de mercadorias e, posteriormente, na industrialização deste processo, a Revolução Industrial trouxe uma verdadeira mudança nas relações sociais e no modo de se viver na Europa Ocidental a partir do século XVIII. O trabalho, antes feito de modo artesanal, praticamente familiar, em que o patrão mais se assemelhava a um pai do que propriamente um patrão, ganhou ares totalmente adversos. Agora, a jornada de trabalho se fixava no tempo e o relógio passou a ser utilizado de forma quase que escravista. As antigas corporações de ofício perderam a vez para as grandes fábricas e os trabalhadores, que antes tinham a noção de todo o processo de produção e que, até certo ponto, tinham um modo de produção bastante flexível, passaram a ficar alienados e escravos da produtividade. Se antes os indivíduos trabalhavam de acordo com sua disponibilidade, com a Revolução Industrial a vida social ficaria em segundo plano, e a vida laboral dava lugar a uma grande massa de trabalhadores cada vez mais dependentes dos capitalistas, os donos dos meios de produção. O presente estudo analisa o contexto histórico-social da Revolução Industrial e os impactos que ela trouxe para a vida da coletividade da época. A História é a ciência do presente, pois parte da análise e da compreensão do passado para que possamos entender melhor nosso agora e, a partir disso, construir um futuro melhor.

Palavras-chave: Revolução Industrial, Política, Sociedade, Luta de Classes


Introdução

Entre meados do século XVIII e a segunda metade do século XIX, a Europa Ocidental passou por um processo de grandes transformações econômicas, tecnológicas e, principalmente, sociais. Iniciadas na Inglaterra, essas transformações assumiram um caráter revolucionário, embora tenham ocorrido sem derramamento de sangue e sem a derrubada de governos.

O conjunto dessas mudanças ficou conhecido como Revolução Industrial e seu impacto foi tão grande na Europa e no mundo que transfigurou não somente a sociedade inglesa, mas também a face do planeta, alterando até mesmo as relações entre o ser humano e a natureza.

Do ponto de vista econômico, a Revolução foi, sobretudo, a passagem de um sistema de produção marcadamente agrário e artesanal para outro de cunho industrial, dominado pela fábrica e pela maquinaria. Uma de suas características básicas foram as sucessivas inovações tecnológicas verificadas nesse período, dentre elas, o aparecimento de máquinas modernas rápidas, regulares e precisas, que substituíram o trabalho de milhares de homens e mulheres, antes realizado à mão; utilização do vapor como fonte de energia para acionar as máquinas, em substituição à energia hidráulica, eólica, humana e animal; novas formas de se utilizar as matérias-primas de origem mineral, que deram impulso à metalurgia e à indústria química.

Essas inovações tiveram lugar inicialmente na Inglaterra, devido a uma série de condições favoráveis ligadas ao processo do feudalismo ocorrido na Europa Medieval. Foi durante a fase do capitalismo mercantil, nos séculos XV ao XVIII, que tais condições se concentraram e aceleraram, com a Revolução Comercial, a conquista da América, a formação de um mercado mundial e a exploração de ouro e prata em grande quantidade nas terras americanas.

Esse novo cenário permitiu à burguesia acumular riquezas e aplicá-las na produção manufatureira. Ao mesmo tempo, ocorreu na Inglaterra o processo de cercamentos, levando à liberação de mão-de-obra de origem rural e sua concentração nas cidades cada vez em crescimento. Isso faria surgir a maior parte da classe trabalhadora fabril, fundamental para a formação do chamado capitalismo industrial. Reunindo os capitais proporcionados pela expansão comercial dos séculos anteriores, a burguesia pôde mobilizar a mão-de-obra disponível para lançar-se ao empreendimento industrial de grande escala a partir do século XVIII.

Uma das características da Revolução Industrial foi a substituição em grande escala do trabalho humano pelas máquinas. Como reação a isso e às relações sociais baseadas exclusivamente no dinheiro, surgiu na Europa o Romantismo, um movimento estético que propunha a liberdade de expressão, o predomínio da emoção sobre a razão e o retorno a formas comunitárias de vida, semelhante às da aldeia medieval. Em pouco tempo, a nova tendência empolgou artistas e escritores. Alguns deles idealizavam a Idade Média e a monarquia, contrapondo-as à sociedade burguesa e à República. Outros se tornaram críticos ferozes do capitalismo e das desigualdades sociais.


O contexto histórico da Revolução

O desenvolvimento agrícola ocorrido a partir do século XVI, com os cercamentos dos campos deu a esse setor da economia inglesa características diferentes do sistema até então em vigor, que era baseado na produção autossuficiente e de baixo nível técnico nas pequenas propriedades independentes de cultivo familiar.

Os cercamentos, na maioria dos casos, eram destinados para criação de ovelhas para a obtenção de lã, que, por sua vez, era utilizada como matéria-prima na manufatura dos tecidos. O surgimento desse processo levou à diminuição das áreas cultivadas para dar mais espaço às pastagens. A partir de 1688, após a Revolução Gloriosa, os cercamentos foram legalizados pelo Parlamento, o que deu ainda mais força aos senhores de terras.

Enquanto isso, nas áreas cultivadas, os grandes proprietários começaram a investir em métodos novos e mais eficazeis de plantio. A partir daí foram pouco a pouco introduzindo algumas melhorias técnicas, que levariam à substituição do trabalho braçal pela energia mecânica, empregando as máquinas no processo.

Com esse processo, os trabalhadores rurais foram duplamente pressionados a abandonar os campos. Sem ter para onde ir, esses homens e suas famílias migraram em massa para áreas urbanas. Uma vez nas cidades, ficavam à disposição de empresários capitalistas, sujeitando-se a baixos salários e a condições sub-humanas de vida.

Ao mesmo tempo, a pecuária também se desenvolveu, pois o cultivo de forrageiras evitou que, por falta de áreas de pastagens, grande parte do rebanho fosse abatida durante o inverno. Isso garantiu a melhora qualitativa da alimentação da população em geral, possibilitando o crescimento demográfico pela queda da tava de mortalidade.

Dessa forma, a agricultura estava em condições de cumprir duas funções fundamentais para a industrialização: aumentar a produção e a produtividade para baratear o preço dos alimentos, suprindo a crescente demanda das áreas urbanas e fornecer mão-de-obra abundante e barata para o trabalho industrial.

Nos primeiros anos da Era Moderna as atividades agrícolas eram complementadas pela produção doméstica de tecidos de lã por meio de uma longa cadeia de operações. A lã era escolhida, depois limpa e, por último, fiava-se. Essas tarefas, muitas vezes, eram feitas por mulheres e crianças. Os demais serviços, como penteação, tecelagem, tingimento, pisoagem, estiragem, desbaste e corte eram tarefas destinadas aos homens.

O negócio de tecidos de lã era bastante lucrativo para os comerciantes. Em pouco tempo, eles passaram a investir parte de seus lucros nos equipamentos e instalações, passando a concentrar os principais processos de produção.

Além de estimular a produção de mercadorias, o capital mercantil acumulado durante a etapa do capitalismo comercial acelerou o processo de divisão social do trabalho, gerando maior especialização. Assim, a partir de certo momento, cada trabalhador passou a realizar apenas uma etapa na elaboração do produto. Essa especialização levou à ampliação do sistema produtivo.

O desenvolvimento do setor têxtil acelerou-se após o surgimento da indústria do algodão, que suplantou em importância a manufatura de lá durante a Revolução Industrial. De fato, depois dos Atos de Navegação de 1651, o comércio ganhou impulso, enquanto o mercado se expandia com a conquista, pela Inglaterra, de novas áreas coloniais. Uma dessas áreas era a Índia, região produtora de algodão e altamente consumidora dos tecidos fabricados com essa matéria-prima.

Em decorrência disso, os empresários do setor têxtil começaram a investir mais na indústria algodoeira do que na produção de tecidos de lá. Mais leves e mais baratos, os panos de algodão tinham ampla aceitação nas regiões de clima tropical e eram utilizados como parte do pagamento na compra de escravos africanos.

Para aumentar a produção, os fabricantes passaram a estimular o desenvolvimento tecnológico, utilizando máquinas cada vez mais rápidas e complexas. Isso acabou por transformar a estrutura da indústria. Não apenas a indústria têxtil, mas também a de máquinas e equipamentos.

Além da indústria têxtil. Dois outros setores da economia se destacaram no processo da Revolução Industrial na Inglaterra: o da extração de minerais, como ferro e carvão e o da fundição de ferro.

No início do século XVIII, surgiu a primeira tentativa vitoriosa de obter ferro fundido em grande escala, com a utilização do carvão-de-pedra, riqueza natural do solo inglês. Em 1783, a invenção da pudlagem e da laminação possibilitou a fabricação de ferro quase sem impurezas. Até essa data, o metal era fabricado com o uso de carvão vegetal e as máquinas ainda eram quase todas de madeira.

A obtenção de ferro com grau mínimo de impurezas foi um dos pré-requisitos para a expansão da metalurgia. Obtido por pudlagem, o metal foi pouco a pouco aperfeiçoado, até se chegar ao aço em uma etapa posterior. No curso desse processo, ele passou a ser utilizado de forma crescente na construção de pontes e na fabricação dos mais diferentes objetos, o que contribuiu para a melhoria das estradas e dos meios de transporte.


Condições Políticas da Revolução

No início do século XVIII, a Inglaterra possuía certa estabilidade política e havia se tornado Reino Unido da Grã-Bretanha, com a incorporação da Escócia, no ano de 1707. Nesse período, o governo inglês reforçou suas ligações com as colônias americanas, o que garantiu a obtenção de matérias-primas e a exportação de produtos manufaturados, segundo o princípio de comprar barato e vender caro. Ao mesmo tempo, as guerras contra a França possibilitaram a expansão do império britânico e dos mercados ultramarinos na Índia e no Canadá.

A existência de interesses comuns entre a nobreza rural e os empresários do comércio e da indústria representou uma das condições para essa política. Essa união de interesses foi favorecida pela monarquia parlamentar, que estabilizou a moeda, protegeu as indústrias da concorrência estrangeira e estabeleceu medias especiais para desenvolver a navegação e o comércio ultramarino, bem como a indústria têxtil.

A burguesia, classe dominante no Parlamento, órgão responsável pelas questões tributárias, além de todos os benefícios que já tinha, não era cobrada por impostos muito pesados. Em função dessa cobrança bastante branda, teve condições de acumular capitais mais rapidamente, permitindo-lhe investir de forma maciça em inovações técnicas, possibilitando a eclosão da Revolução Industrial.


A Substituição do Homem pela Máquina e a Divisão do Trabalho

A introdução de máquinas do processo produtivo foi responsável pelo aprimoramento técnico dos demais equipamentos. Como exemplo, podemos citar a invenção da lançadeira volante, em 1733, ao qual sua implantação na indústria têxtil aumentou a capacidade de tecelagem, levando ao desenvolvimento da máquinas que aceleraram a produção de um maior número de fios.

Com essas inovações, a ferramenta e a própria energia humana foram substituídas pela máquina e a energia mecânica. Assim, a partir de melhorias sucessivas na etapa de fiação, que culminaram na obtenção de grande número de fios finos e resistentes, foi necessário um novo estímulo na etapa de tecelagem, levando à invenção do tear mecânico.

Para agilizar o processo e baratear os custos de produção, os empresários começaram a concentrar os equipamentos e as atividades especializadas, como o tingimento e a tecelagem em unidades fabris, onde podiam racionalizar a produção.

Na oficina artesanal, o trabalhador se encarregava de todas as etapas da produção. Com o surgimento da fábrica, a produção tornou-se cada vez mais parcelada, passando cada trabalhador a realizar apenas uma parte do processo. O patrão e seus representantes mais próximos articulavam racionalmente a produção, visando a uma maior produção, com custos mais baixos. Dessa forma, assumiram o controle sobre o processo de trabalho e eliminaram os antigos núcleos domésticos de produção.

Com o tempo, as inovações tecnológicas da industria têxtil, especialmente do algodão, e das indústrias siderúrgicas possibilitaram melhorias nos transportes e nas comunicações, fatores importantes para a integração dos mercados.


A Revolução Social

Uma das consequências da Revolução Industrial foi a integração, em escala internacional, dos vários fatores de produção, ou seja, capital, matérias-primas, recursos naturais e mão-de-obra. Essa integração favoreceu a expansão do mercado mundial, pela crescente necessidade de escoamento dos excedentes da produção e de acesso a fontes de matérias-primas. Surgiu, assim, uma nova articulação econômica entre os países industrializados e as regiões menos desenvolvidas do planeta, conhecida como divisão internacional do trabalho.

De acordo com essa divisão, as colônias tenderam a se concentrar na exploração de seus recursos naturais, especializando-se no cultivo e extração de produtos primários. Dessa forma, elas foram integradas ao sistema capitalista de um modo peculiar. Sem condições para industrializar-se no mesmo ritmo dos países mais desenvolvidos, fixaram-se como produtoras de matérias-primas e mercados consumidores de produtos manufaturados.

Ao mesmo tempo, nos países engajados na revolução, o capital se concentrava cada vez mais nas mãos da minoria burguesa, enquanto cresciam a miséria e a pobreza entre os trabalhadores. Destituídos dos meios de produção, estes últimos sobreviviam apenas com a venda de sua força de trabalho, sujeitando-se a salários degradantes, a condições de vida sub-humanas e às severas normas de disciplina impostas pelos contramestres nas fábricas.

Entretanto, os trabalhadores não se contentaram em assistir passivamente à degradação de suas condições de vida e de trabalho. Na Inglaterra, essa situação provocou inúmeras manifestações de revolta entre a classe trabalhadora, como a quebra de máquinas e a depredação de instalações industriais pelo movimento ludita.

Entre os anos de 1811 a 1813, o movimento ludita responsabilizava as máquinas pelas condições de miserabilidade e desemprego dos trabalhadores. Em função disso, semeavam o terror nos distritos industriais do centro da Inglaterra, destruindo máquinas indepdentemente do lugar onde estivessem. Os luditas foram ferozmente reprimidos pelo governo, com julgamentos sumários que terminaram em enforcamentos e deportações.

A Revolução Industrial permitiu que o capitalismo, com base na transformação técnica, atingisse seu processo específico de produção, caracterizado pela produção em larga escala, realizada nas fábricas. Nesse modo de produção, consolidado com a revolução industrial, há uma radical separação entre o trabalho e o capital. O trabalhador dispõe apenas da força de trabalho, enquanto o capitalista detém a propriedade dos meios de produção.


A Moral da Burguesia

A moral da classe burguesa, no que diz respeito à sexualidade, nos séculos XVIII e XIX, apresentou um comportamento duplo, bem próximo ao que ainda pode ser percebido em algumas sociedades atualmente, é dizer, as mulheres solteiras tinham que permanecer sob o manto da castidade e as casadas, fiéis aos seus maridos. Em contrapartida, para os jovens burgueses solteiros era permitido ter muitas mulheres e o adultério era tolerável para os casados. Entretanto nada poderia colocar em risco a estabilidade da família ou da propriedade burguesa.

 Durante o século XIX, a classe média, que era constituída pelos profissionais liberais, homens de negócios e funcionários públicos, cresceu e prosperou. A classe burguesa se abriu para aqueles que possuíam escolaridade e talento para os negócios. Suas casas não eram somente o lugar que abrigava o núcleo familiar; eram também “o repouso do guerreiro” e o local de onde o empreendedor operava, sob o olhar de admiração da mulher e dos filhos, embevecidos pela sua capacidade de produzir riquezas e conforto.

Para a massa expropriada os bairros pobres, desprovidos de saneamento básico, iluminação e outros serviços públicos era o que lhes restava. Esse contexto de miserabilidade contribuiu para o surgimento de críticas à condição degradante do trabalhador e de movimentos operários de intensidades diferentes.


O Trabalho na Era Industrial

A industrialização na Inglaterra foi muito mais do que o fruto de uma revolução técnica e científica. Ela representou uma mudança social profunda na medida em que transformou a vida dos indivíduos, implicando elevados custos sociais e, até mesmo, ambientais.

Uma das transformações sociais mais notáveis se refere ao próprio significado da palavra trabalho. O que antes significava o castigo divino pelo pecado original de Adão e Eva, apregoada pela Igreja Católica Medieval, implicando dor e humilhação, passou a designar uma condição básica para a salvação diante de Deus, que poderia propiciar riqueza e dignidade. O trabalho passou a dignificar o homem e a qualificá-lo, tornando-se um indicador de posição social.

Outro ponto que merece destaque é o controle técnico do processo de produção, que passou a se concentrar nas mãos do capitalista, no momento em que se instituiu a divisão do trabalho. O resultado foi uma verdadeira alienação do trabalhador em relação ao seu trabalho, cada vez mais afastado do produto final do seu esforço. Ou seja, o trabalhador perdeu totalmente a visão do processo de produção como um todo, tendo conhecimento apenas do seu serviço individualizado.

A revolução também deu origem a uma espécie de “robotização do trabalhador”. O operário passou a servir a uma máquina, se transformando num operário que desempenhava atividades cotidianas totalmente cansativas. Também se transformou num trabalhador mais vulnerável a acidentes de trabalho devido à própria condição de suas atividades.

Para baratear os custos da produção, os industriais passaram a buscar o trabalho feminino e infantil. A industrialização rapidamente passou a englobar todos membros da família, submetendo-os ao poder do empresário capitalista. Certas funções femininas, como as tarefas domésticas, o aleitamento e a educação das crianças, foram quase totalmente suprimidas, causando um considerável descontrole familiar. Sem contar que os salários das mulheres e das crianças eram bem menores do que os dos homens.

A cidade também mudou de fisionomia, em virtude da concentração de grandes multidões nas áreas fabris. Até o início da industrialização, eram centros comerciais de dimensões relativamente reduzidas, voltadas para a administração, o comércio e todo tipo de prestação de serviços. Nelas viviam funcionários públicos, artesãos, mercadores e etc.

A indústria modificou os núcleos urbanos, em que pobres habitavam bairros populosos com péssimas condições de habitação. A burguesia morava nos bulevares, alamedas largas, com suas suntuosas e caras habitações, porém funcionais, na medida em que o mundo burguês procurava basear-se na praticidade e na beleza.


A Propagação da Revolução

De 1760 a 1830, a Revolução se limitou praticamente somente à Inglaterra. Era proibido exportar máquinas e técnicas de produção industrial. Mas não foi possível conter por muito tempo os interesses dos fabricantes de equipamentos industriais, desejosos em exportas as máquinas para terem ainda mais lucro.

No ano de 1807, dois ingleses criaram uma fábrica de tecidos em Liège, na Bélgica. Seu desenvolvimento foi bastante rápido, facilitado pela existência de carvão e de ferro nessa região. A França que estivera mergulhada na Revolução Francesa desde 1789, em função disso, teve seu desenvolvimento retardado. Mais tarde, sua tradição de pequena indústria e de produção de artigos de luxo dificultou a concentração industrial e a acumulação de capitais que permitissem a continuidade do desenvolvimento.

Na Alemanha, o progresso veio apenas depois da unificação política, em 1870. O progresso foi devido à existência de ferro e cartão no país. No final do século XIX, a Alemanha superava a Inglaterra no tocante à produção de aço de produtos químicos. Nesta mesma época se dava a industrialização na Rússia, em virtude de investimento de capitais estrangeiros, principalmente franceses.

Na América, os Estados Unidos foram o único país que passaram pela Revolução Industrial, no final do século XIX. Nesse período, os americanos já eram grandes produtores de artigos manufaturados, superando até mesmo a pioneira Inglaterra e a Rússia.

Concentrou-se no Japão a principal industrialização da Ásia, que num certo período de tempo conseguiu implantar a revolução graças à exploração do baixo custo dos salários e das medidas governamentais. Após a Revolução Meiji, em 1868, surgiu um programa sistemático de industrialização do país, visando tornar o Japão uma grande potência pela assimilação da técnica ocidental.

Como um todo, a Revolução Industrial deu condições para uma revolução também nos transportes que, por sua vez, acentuaram ainda mais o processo de industrialismo. Depois do surgimento da locomotiva a vapor, no ano de 1830, as estradas de ferro se multiplicavam. As primeiras foram construídas nos Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha e Bélgica. Na França a primeira estrada de ferro foi construída em 1831, mas somente após 1870 elas foram expandidas.

O comércio internacional fez surgir uma especialização mundial da produção, em que os países mais avançados se especializaram na produção industrial e os mais atrasados da Europa, América e Ásia concentraram seus esforços no setor primário, fornecendo alimentos e matérias-primas para os países industrializados. A Europa passou a ser o centro do capital, exigindo novos setores para investimentos, em que foram canalizados para diversos países estrangeiros sob a forma de empréstimos, e utilizados na implantação de vias férreas ou outros empreendimentos semelhantes.

Um outro importante fenômeno que surgiu com a Revolução foi o desenvolvimento do imperialismo, em que o processo de industrialização criou para os países capitalistas uma série de problemas cuja solução dependia da manutenção do ritmo de desenvolvimento industrial.

As potências capitalistas necessitavam de mercados externos que servissem de escoadouro para seu excedente de mercadorias. Precisavam também de minérios e matérias-primas que, muitas vezes, não existiam em seu próprio território e que eram extremamente necessários para produção de artigos industriais, além de mão-de-obra barata e de áreas favoráveis ao investimento seguro e lucrativo de seus capitais.

Tais necessidades fizeram com que os países capitalistas desenvolvessem, na segunda metade do século XIX, uma política de expansão externa que ficou conhecida como imperialismo. A expansão imperialista atingiu, principalmente, a Ásia, África e América Latina. Esses continentes foram divididos em colônias ou áreas de influência das grandes potências industriais. Na passagem do século XIX para o XX a expansão do imperialismo provocou uma série de rivalidades entre as grandes potências pela divisão do mercado mundial, que desencadearam, em 1914, a I Guerra Mundial.

A expansão tecnológica não teve fim com a Revolução Industrial. Ao contrário, na sociedade capitalista atual, ela ainda é vista como um dos fatores que dividem o mundo entre os países chamados “desenvolvidos” e os “subdesenvolvidos”.

Se, por um lado, o desenvolvimento tecnológico trouxe inovações importantes para a sociedade como os avanços na medicina, nas telecomunicações, nos transportes e na produção de bens de consumo, por outro trouxe também o chamado “desemprego estrutural”. Milhares de trabalhadores, no mundo inteiro, estão sendo substituídos por máquinas ou por operários multifuncionais – isto é, por aqueles que desempenham múltiplas funções no sistema produtivo. Mais uma vez, grupos sociais inteiros vão sendo historicamente colocados à margem dos benefícios gerados pelo desenvolvimento econômico.


A Revolução Urbana

A Europa ocidental já possuía uma antiga, porém, significativa, rede urbana, mas boa parte das cidades ainda estava limitada por suas muralhas medievais. Com o aumento da população e a expansão das indústrias, essa cidades cresceram e já na metade do século XIX algumas se tornaram verdadeiras metrópoles, como Londres e Paris.

Sem nenhum planejamento e organização, essas cidades ofereciam duras condições de vida às pessoas por elas atraídas, geralmente originárias do campo. Sem infra-estrutura de saneamento básico e higiene, tornavam-se também focos de doenças e epidemias.

Nas cidades, o modo das pessoas verem o mundo, a natureza e os seres humanos começou a mudar também. Lentamente, o distanciamento da natureza foi se concretizando. O tempo diário passou a ser medido pelo relógio, que regrava o tempo do trabalho e da vida. As atividades comerciais e culturais e as comodidades urbanas se multiplicaram; o acúmulo de conhecimento e a rapidez das informações tendiam a se concentrar nas cidades; estas começaram a mudar cada vez mais rápido.

A vida social fora das fábricas era difícil. Nos bairros populares dos centros urbanos em crescimento, o preço da moradia era alto, não havia saneamento básico nem higiene, muito menos lazer. Em condição social diferente, a burguesia, formada pelos proprietários das fábricas, dos estabelecimentos comerciais e financeiros, também ampliou sua presença na sociedade, ocupando lentamente o lugar político e econômico da antiga nobreza.


A Revolução e as Novas Ideologias

O rápido processo de industrialização gerou uma grande repercussão em vários aspectos da vida social, fazendo gerar um vívido debate sobre a Revolução Industrial e suas consequências para a sociedade. No centro desse debate, estavam trabalhadores e empresários, que tinham interesses totalmente divergentes. Os operários estavam desejosos por condições dignas de trabalho, enquanto do lado oposto a burguesia desejavam somente aumentar seus lucros e fazer crescer ainda mais seus negócios.

A crescente polêmica deste conflito de interesses contribuiu para a elaboração de várias teorias sociais. Algumas dessas teorias justificavam os novos rumos da nova e crescente sociedade industrial capitalista, outras, que se identificavam com os anseios dos operários, denunciavam a exploração do trabalho e pregavam uma sociedade menos injusta e mais livre.

A situação de extrema exploração na qual se encontravam os trabalhadores, além de resultar no nascimento do movimento operário, fez surgirem teorias que condenavam o sistema capitalista e as desigualdades sociais trazidas por ele e propunham novas formas de organização da sociedade. O conjunto dessas teorias ficou conhecido como socialismo.

Entre os criadores das primeiras correntes socialistas modernas, destacaram-se os teóricos franceses conde de Saint-Simon e Pierre-Joseph Proudhon e o britânico Robert Owen.

Saint-Simon criticou o liberalismo econômico e a desumana exploração dos trabalhadores pelos proprietários dos meios de produção. Defendia a extinção das diferenças de classe e a construção de uma sociedade em que cada um ganhasse de acordo com o real valor de seu trabalho. Proudhon afirmava que a propriedade privada era um roubo. Pregava a igualdade e a liberdade para todos os indivíduos, que passariam a viver numa sociedade harmônica, sem a força do Estado. Owen acreditava na organização da sociedade em comunidades cooperativas compostas de operários, em que cada um receberia de acordo com as suas horas de trabalho.

Já os pensadores alemães Karl Marx e Friedrich Engels desenvolveram posteriormente a corrente socialista do socialismo científico, também conhecida como marxismo. De acordo com essa concepção, depois de tomar o poder, a classe operária deveria por um fim na propriedade privada dos meios de produção e de troca e criar uma sociedade baseada na associação autônoma dos trabalhadores e em formas coletivas de propriedade. Essa doutrina atribuía ao proletariado a missão histórica de destruir o capitalismo e conduzir a humanidade para uma sociedade igualitária.


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Autor

  • Francisco Renato Silva Collyer

    Professor nas áreas de Legislação, Logística, Ética e Sociologia. Mestre em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito do Sul de Minas. Especialista em Filosofia, Direito Público, Ciência Política e Direito Ambiental. Graduado em Direito e Ciências Sociais. Possui cursos de formação complementar nas áreas de Direito, Filosofia, Sociologia, Ética, Meio Ambiente e Gestão Ambiental.

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COLLYER, Francisco Renato Silva. Muito além da Revolução. os aspectos políticos e sociais da maior revolução da idade moderna. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4242, 11 fev. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31268. Acesso em: 28 mar. 2024.