Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/31364
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

O princípio da igualdade em suas acepções na Constituição Federal de 1988

O princípio da igualdade em suas acepções na Constituição Federal de 1988

Publicado em . Elaborado em .

O presente trabalho trata do princípio da igualdade e a tutela dada pela Constituição Federal de 1988, compreendendo a igualdade de raça, gênero, entre outras disposições,

1. INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios apregoados pelo ordenamento jurídico.

Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito, sem que se esqueça, porém, como ressalvado por Fábio Konder Comparato, que as chamadas liberdades materiais têm por objetivo a igualdade de condições sociais, meta a ser alcançada, não só por meio de leis, mas também pela aplicação de políticas ou programas de ação estatal.

A igualdade se configura como uma eficácia transcendente de modo que toda situação de desigualdade persistente à entrada em vigor da norma constitucional deve ser considerada não recepcionada, se não demonstrar compatibilidade com os valores que a constituição proclama.

O princípio da igualdade consagrado pela constituição opera em dois planos distintos. De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio executivo, na edição, respectivamente, de leis, atos normativos e medidas provisórias, impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que encontram-se em situações idênticas. Em outro plano, a obrigatoriedade ao intérprete, basicamente, a autoridade pública, de aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas, ou políticas, raça, classe social.

A Constituição atua nesses dois sentidos, tanto para impedir que o legislador institua tratamento diferenciado de maneira injusta, quanto para fazer com o que os operadores do Direito busquem a efetiva igualdade material.

2.DO FUNDAMENTO

O fundamento do direito de igualdade encontra-se no princípio de que todos devem ser tratados de forma igual perante a lei. Todos nascem e vivem com os mesmos direitos e obrigações perante o Estado. A igualdade foi um dos ideais da Revolução Francesa atingidos com a abolição dos antigos privilégios da nobreza e do clero. Todos passaram a ter o mesmo tratamento perante a lei, a igualdade formal.

3.NOÇÕES HISTÓRICAS

É preciso já de antemão demonstrar algumas peripécias pelas quais o princípio da igualdade passou até chegar na dimensão  hodierna, sendo necessário apresentar uma noção   histórica deste princípio com o intuito de elucidar a evolução do seu sentido diante das transformações ocorridas na sociedade.

Considera-se o direito à igualdade o alicerce da democracia e este princípio basilar se reflete em inúmeros dispositivos da Constituição Federal em vigor, sendo abordado no artigo 5.º, que trata dos Direitos e Garantias Individuais, e em vários de seus incisos. A igualdade constitucional que se busca é essencialmente a "igualdade material", qual seja, a igualdade efetiva ou real perante os bens da vida humana, no dizer de Guilherme Peña de Moares[1].

Boécio, filósofo grego, chancelou a ideia de natureza comum aos homens no século VI, definindo a pessoa não como uma exterioridade, mas pela própria substância do homem. Foi a partir desse conceito que se iniciou a elaboração do princípio da igualdade de todo o ser humano, apesar das diferenças externas de ordem biológica ou cultural. Essa igualdade de essência das pessoas forma o núcleo do conceito universal dos direitos humanos.

Aristóteles (384 a.C. a 322 a.C.) defendia a ideia de igualdade estando relacionada com a ideia de justiça ao conceder algo a cada um de acordo com seus méritos e de exigir de cada um aquilo que sua capacidade e possibilidade permitirem:

"A justiça é uma espécie de meio-termo, porém não no mesmo sentido que as outras virtudes, e sim porque se relaciona com uma quantia ou quantidade intermediária, enquanto a injustiça se relaciona com os extremos. E justiça é aquilo em virtude do qual se diz que o homem justo pratica, por escolha própria, o que é justo, e que distribui, seja entre si mesmo e um outro, seja entre dois outros, não de maneira a dar mais do que convém a si mesmo e menos ao próximo (e inversamente no relativo ao que não convém), mas de maneira a dar o que é igual de acordo com a proporção; e da mesma forma quando se trata de distribuir entre duas outras pessoas[2]"

 

Evidencia-se, portanto, que o estagirista deu início à formação do conceito de igualdade material, que consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida da desigualdade.

Malgrado os diversos documentos que foram elaborados reconhecendo a igualdade entre os homens, é necessário apregoar que a evolução de fato do princípio em questão ocorreu a partir do constitucionalismo moderno, no final do século, que firmaram declarações de direitos com o objetivo de limitar o poder estatal, inspirados na crença da existência de direitos naturais e inerentes ao homem.

É dominante na doutrina que a primeira declaração de direitos desse período é a Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia, datado do dia 12 de junho de 1776, que em seu parágrafo 1º reconhece a igualdade entre todos os seres humanos:

 

"Todos os seres humanos são, pela sua natureza, igualmente livres e independentes, e possuem certos direitos inatos, dos quais, ao entrarem no estado de sociedade, não podem, por nenhum tipo de pacto, privar ou despojar sua posteridade; nomeadamente, a fruição da vida e da liberdade, com os meios de adquirir e possuir a propriedade de bens, bem como de procurar e obter a felicidade e a segurança".

Tempos depois, em 1776, a Declaração de Independência dos Estados Unidos, documento que teve maior repercussão e que representou o ato inaugural da democracia moderna, defendia a igualdade entre os homens no seguinte trecho:

"Consideramos as seguintes verdades como auto-evidentes, a saber, que todos os homens são criaturas iguais, dotadas pelo seu Criador de certos direitos inalienáveis, entre os quais a vida, a liberdade e a busca da felicidade.É para assegurar esses direitos que os governos são instituídos entre os homens, sendo seus justos poderes derivados do consentimento dos governados".

Essa ideia foi reforçada posteriormente na Revolução Francesa, como se verifica do art. 1º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que estabeleceu que "os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos".


4.ISONOMIA FORMAL E A ISONOMIA MATERIAL

Apesar da igualdade no que compete ao fundamento elencado no artigo 1º, inciso III, da Carta Maior, os homens são desiguais no que se refere a questões sociais, culturais, biológicas, entre outras, o que requer, por vezes, da efetivação do princípio da igualdade sob o aspecto da igualdade formal e também material.

A Constituição busca deixar próximo os dois tipos de isonomia, na medida em que não se limitara ao simples enunciado da igualdade perante a lei; menciona também igualdade entre homens e mulheres e acrescenta vedações a distinção de qualquer natureza e qualquer forma de discriminação[3].

A igualdade formal é a igualdade perante a lei. Diante da lei, todos somos iguais, sem distinção de renda, sexo, orientação sexual, origem, cor, raça, idade, trabalho, credo religioso, convicções religiosas entre outras.

 Dessa forma, impõe-se o tratamento uniforme ao homem.
A prevalência da igualdade formal esteve engajada no Estado Liberal marcado pela garantia dos direitos individuais, ausência de previsão de direitos sociais nos textos constitucionais, e o absenteísmo estatal.

No Estado Liberal, portanto, vigiam os direitos humanos de primeira geração, também chamados de direitos de liberdade, que impõem uma prestação negativa ao Estado, que se restringe a proteger a esfera de autonomia do indivíduo.

Todavia, o Estado Liberal, exacerbadamente individualista, acabou por provocar forte acumulação de capitais e concentração de riquezas. Essa situação tem por conseqüência o aumento das desigualdades entre os cidadãos. Constatando-se, portanto, como corolário do liberalismo a opressão das classes menos favorecidas.

Posteriormente, já no Estado Social, o princípio da igualdade ganhou um novo contorno incorporando também a igualdade material, que legitima o tratamento diferenciado dos grupos socialmente vulneráveis, direcionado neste momento para os trabalhadores e para os mais pobres, tendo como marcos constitucionais a Constituição Mexicana e a de Weimar, respectivamente de 1917 e 1919.

Rizzatto Nunes nos apresenta seu entendimento de que o respeito ao princípio da igualdade deve atender tanto à igualdade formal como à igualdade material:


"É preciso que coloquemos, então, o que todos sabem: o respeito ao princípio da igualdade impõe dois comandos. O primeiro, de que a lei não pode fazer distinções entre as pessoas que ela considera iguais – deve tratar todos do mesmo modo; o segundo, o de que a lei pode- ou melhor, deve – fazer distinções para buscar igualar a desigualdade real existente no meio social, o que ela faz, por exemplo, isentando certas pessoas de pagar tributos; protegendo os idosos e os menores de idade; criando regras de proteção ao consumidor por ser ele vulnerável diante do fornecedor etc.É nada mais que a antiga fórmula: tratar os iguais com igualdade e os desiguais desigualmente[4]".

É mister apregoar que o  princípio da igualdade deve operar tanto no sentido de se tornar uma vedação ao legislador na edição das normas que possam criar privilégios entre pessoas que se encontram em situação idêntica como deve ser considerado uma regra de interpretação para o operador do direito, que deverá aplicar a lei e os atos normativos de forma igualitária, ou seja, sem distinções, se estiver diante de pessoas em situações iguais. Além disso, esse princípio exerce uma função limitadora perante os particulares, que não poderão praticar condutas discriminatórias, sob pena de responsabilidade civil e penal, nos termos da legislação vigente.

5.IGUALDADE COMO DIREITO FUNDAMENTAL DE 2ª DIMENSÃO

            A visão dos direitos fundamentais em termos de gerações indica o caráter cumulativo da evolução desses direitos no tempo. Não se deve deixar de situar todos os direitos num contexto de unidade e indivisibilidade. Cada direito de cada geração interage com os das outras e, nesse processo, dá-se à compreensão.

            Pode se dizer que os direitos fundamentais surgiram com a Revolução Francesa no século XVIII, em que surgiram os princípios norteadores do conteúdo que estava por vir acerca dos direitos fundamentais: liberdade, igualdade e fraternidade.

            Nesse sentido, a primeira dimensão de direitos fundamentais, veio para marcar a transição de um Estado totalitário para um Estado de Direito, visando garantir a liberdade do cidadão. Tal como a igualdade, a liberdade abriga uma gama de direitos: liberdade religiosa, liberdade de profissão, liberdade de opinião, entre outras. Isto é, a primeira geração de direitos fundamentais veio para proteger o cidadão contra as arbitrariedades dos governantes. Em essência, tratam-se dos direitos civis e políticos.

            Na classificação de Jellinek, os direitos de liberdade teriam “status negativo”, pois garantem uma abstenção do Estado, uma verdadeira separação entre Estado e Sociedade, procura-se por o homem em evidência, priorizando-o.

            Nas palavras de Paulo Bonavides:

“(...) os direitos de primeira geração ou direitos de liberdades têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado[5]”.

            Esta é a garantia mais básica do cidadão em um Estado de Direito. Se hoje os direitos civis e políticos nos parecem óbvios e essenciais, tais garantias só vieram após muita luta e resistência às arbitrariedades em regimes totalitários, após um longo processo em que muitos tiveram seus direitos tolhidos, para que no futuro as próximas gerações pudessem desfrutar das garantias de liberdades, hoje pacíficas e trazidas em constituições de todo o mundo.

            Em um momento posterior, houve o advento consagrado pela doutrinados direitos da segunda dimensão, que traz os direitos de igualdade, tema tratado no presente artigo, que merecem um exame mais detido.

            Enquanto a primeira dimensão de direitos fundamentais priorizou o homem, a segunda geração vem para dar destaque à coletividade, presentes não somente num Estado de Direito, mas sim, num Estado Social. Ao contrário dos direitos de liberdade, os direitos de igualdade exigem do Estado uma prestação, ou seja, o Estado tem “status positivo”.

            Os direitos de igualdade surgiram no século XX, essencialmente, após a Revolução Industrial Européia, em decorrência das péssimas condições de trabalho a que eram submetidos os trabalhadores, que passaram a reivindicar uma atuação estatal, como forma de inibir abusos por parte dos empregadores.

            A segunda dimensão de direitos fundamentais trouxe os direitos sociais, culturais e econômicos, marcado por um novo clamor do povo: o de um Estado Social e igualitário, que proporcione a materialização da igualdade formal prevista no texto constitucional, reduzindo as desigualdades sociais existentes.

            Ingo Sarlet ensina-nos o seguinte:

“[a] expressão ‘social’ encontra justificativa, entre outros aspectos (...), na circunstância de que os direitos de segunda dimensão podem ser considerados uma densificação do princípio da justiça social, além de corresponderem a reivindicações das classes menos favorecidas, de modo especial a classe operária, a título de compensação, em virtude da extrema desigualdade que caracteriza (e, de certa forma, ainda caracterizada) as relações com a classe empregadora, notadamente detentora de um menor grau de poder econômico[6]”.

            O autor entende que os direitos de igualdade vieram como forma de oferecer uma compensação à classe menos favorecida em razão dos abusos praticados pelos empregadores e grandes industriais, vêm para reparar as injustiças.

            Porém, a segunda dimensão de direitos fundamentais sofreu uma crise momentânea, visto que exigia do Estado uma prestação, portanto, vieram nas constituições como normas programáticas, ou seja, que necessitavam de uma posterior estruturação pelo próprio governo.

            Inicialmente, embora previstos, muitas vezes tais normas foram inócuas, pois durante longo tempo careceram de normatividade e efetiva regulação. Bonavides bem explana o tema: “Mas passaram primeiro por um ciclo de baixa normatividade ou tiveram eficácia duvidosa, em virtude de sua própria natureza de direitos que exigem do Estado determinadas prestações materiais nem sempre regatáveis por exigüidade, carência ou limitação essencial de meios e recursos[7].

            Como exemplo, podemos citar o direito de sindicalização, direito de greve e os direitos fundamentais dos trabalhadores, que serão abordados novamente neste trabalho.

            Vale destacar, ainda não se pode dizer que os direitos de igualdade formal foram efetivamente conquistados, pois, verbi gratia com os direitos dos trabalhadores, ainda temos no Brasil a categoria dos servidores públicos sem a regulamentação ao direito de greve.

            Porém, uma importante disposição trazida pela Constituição Federal de 1988, é o parágrafo 1º, do art. 5º: “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”, que permite que, mesmo ausente a lei de responsabilidade do Estado formular, é possível ao cidadão fazer valer seu direito fundamental trazido pela C.F e demandá-lo judicialmente, visto que não pode ser prejudicado pela inércia do Congresso Nacional.

            Por fim, é necessário tecer algumas considerações também sobre os direitos fundamentais de terceira dimensão: os direitos de fraternidade.

            Os direitos de fraternidade são marcados pela alteração da sociedade, da comunidade internacional, que passou a ter novas preocupações: direito ao desenvolvimento, ao meio ambiente, à comunicação, e à paz. Esses novos direitos surgiram em razão da preocupação com a preservação ambiental, e preocupação com os consumidores.

6.O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E SUA APLICAÇÃO NAS MÚLTIPLAS PERSPECTIVAS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

7.IGUALDADE NA LEI E PERANTE A LEI

São destinatários do princípio da igualdade tanto o legislador como os aplicadores da lei. A igualdade na lei é voltada para o legislador, vedando-se a elaboração de dispositivos que estabeleçam desigualdades entre as pessoas, privilegiando ou perseguindo algumas.

7.1.DA IGUALDADE RACIAL

            A Constituição Federal, em seu art. 3º, inciso I, traz os objetivos da República Federativa do Brasil, entre eles, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. De outro lado, traz a educação como um direito social (art. 6º), porém, é sabido que a própria sociedade, ante as circunstâncias de cada um, acaba por diferenciá-los, e tornando mais dificultoso o acesso de algumas pessoas à educação.

            Nesse sentido, entram as ações afirmativas, em especial, a adoção da política de cotas raciais nas universidades publicas, que tem por fim possibilitar o acesso da população negra ao ensino superior, em razão da notável presença da maioria de alunos brancos nas universidades.

            Causou grande polêmica a promulgação da lei n. 12.711/2012, que determina que 50% das vagas nas universidades públicas federais será reservada a alunos de origem negra ou parda, bem como estudantes de famílias com renda de até um salário-minimo e meio per capta. Tal medida visa a concretizar a igualdade material buscada pela CF de 1988, e instituir a chamada “justiça distributiva”, a fim de superar as desigualdades.

            As ações afirmativas devem ter caráter temporário, para que sejam revistas periodicamente, avaliando-se sua eficácia, visto que devem ter por objetivo a igualdade material em momento futuro, para que pouco a pouco a desigualdade existente seja reduzida.

            Precedente ADPF 186 – Cotas raciais

            Em 26/04/2012, ocorreu o julgamento da ADPF 186, que entendeu pela constitucionalidade da política de cotas étnico-raciais na Universidade de Brasília (UnB). A ação foi proposta pelo DEM (Democratas) em virtude da adoção, pela UnB, da política de cotas étnico-raciais na ordem de 20% do total de vagas para estudantes negros e índios.

            O relator foi o Ministro Ricardo Lewandowski, que, em seu voto reconheceu que a CF/88 procura promover a igualdade material, e seu dispositivo explicita os 3.critérios para a adoção da política de cotas:

“Isto posto, considerando, em especial, que as políticas de ação afirmativas adotadas pela Universidade de Brasília (i) têm como objetivo estabelecer um ambiente acadêmico plural e diversificado, superando distorções sociais historicamente consolidadas, (ii) revelam proporcionalidade e a razoabilidade no concernente aos meios empregados e aos fins perseguidos, (iii) são transitórias e prevêem a revisão periódica de seus resultados, e (iv) empregam métodos seletivos eficazes e compatíveis com o princípio da dignidade humana, julgo improcedente esta ADPF”.

            Conclui-se que, após o julgamento da referida ADPF pelo Supremo, a discussão acerca da política de cotas raciais embora tenha diminuído, ainda não terminou, tendo em vista a tramitação do Projeto de Lei n. 6.738/2013, que pretende a criação de cotas também em concursos públicos.

7.2.DA PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE E AO IDOSO

            A Constituição Federal traz também a proteção à criança e ao adolescente e ao idoso, em seu capítulo VII, artigos 226 e seguintes, assegurando-se o direito à educação, à vida, saúde, cultura, dignidade, proteção ao trabalho insalubre ou perigoso aos menores de 16 anos, e qualquer trabalho a menores de 14 anos, ainda, assegura a proteção à pessoa idosa.

            Para dar eficácia aos dispositivos constitucionais, surgiram os Estatutos do Idoso e da Criança e do Adolescente, Leis 10.741/03 e 8.079/90, respectivamente.

            O Estatuto do Idoso traz como pontos positivos a priorização do idoso em setores como a saúde, em que o idoso terá prioridade no atendimento; no transporte público, são reservados assentos aos idosos; na tramitação de processos judiciais, será dada prioridade àqueles em que figurem como parte pessoa maior de 60 anos; e o mais importante, garantia contra a violência e o abandono, em razão de vários casos de abusos e maus-tratos a idosos que frequentemente são trazidos pela mídia.

            Por seu turno, o Estatuto da Criança e do Adolescente garante a proteção ao desenvolvimento físico, intelectual e moral da criança e adolescente, garantindo-se a educação, proteção ao trabalho insalubre, perigoso ou noturno aos menores de 16 anos, protege a instituição da família, e institui as chamadas “medidas sócio-educativas” aos menores infratores, em estabelecimentos apropriados, pelo máximo de 3 anos.

            Vale dizer ainda, que o Código Penal criminaliza diversas condutas que podem ser praticadas por adultos que prejudiquem o desenvolvimento da criança, por exemplo, corrupção de menores, e estupro de vulnerável, sempre com o objetivo de proteger o desenvolvimento, dignidade e integridade física do menor.

7.3.DA IGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES

A Constituição, em seu art. 5º, I, estabelece expressamente que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. No art. 226, § 5º, dispõe que “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”. Esses dispositivos podem, à primeira vista, parecer redundantes, ante a consagração do próprio princípio da igualdade, entre os direitos individuais básicos, no caput do art. 5º da Constituição. Mas seguramente não existe a aparente redundância. Às vezes o óbvio precisa ser proclamado para vencer resistências que encontram amparo em tradições vetustas.

A Constituição de 1988 deliberadamente pôs fim a qualquer resquício da autoridade marital, de prevalência ou preferência do sexo masculino sobre o feminino. Convém salientar que as Constituições de 1824 e 1891 atribuíam o direito de voto aos “cidadãos brazileiros”, recebendo a interpretação dos juristas da época de que esse direito havia sido concedido somente aos homens. Foi preciso a promulgação de uma lei específica, em 1932, para que o direito de sufrágio fosse estendido às mulheres. O novo texto constitucional impõe uma mudança de mentalidade na interpretação da legislação infraconstitucional. Diversos dispositivos do Código Civil, promulgado em 1916, não foram recepcionados pela nova ordem constitucional. Por exemplo, o que estabelecia que “o marido é o chefe da sociedade conjugal”, bem como todas as suas decorrências, como o direito de fixar o domicílio da família, inclusive da esposa (CC de 1916, arts. 233, III, e 36, parágrafo único), a necessidade de autorização marital para ocupação de cargo público ou exercício de profissão fora do lar conjugal (art. 247, III e parágrafo único) e a administração dos bens do casal pelo marido (art. 251). Foi necessária a edição da Lei n. 11.106/2005 para abolir a tutela especial prevista no Código Penal para a “mulher honesta”, cuja constitucionalidade há muito já era contestada pela doutrina, pela inexistência de dispositivo semelhante em relação ao sexo masculino. Exceções a essa regra da absoluta igualdade entre o homem e a mulher em direitos e obrigações existem e estão previstas na Constituição, sempre em favor do sexo feminino. Para a aposentadoria das mulheres exige-se menor idade e menos tempo de contribuição do que para os homens (CF, arts. 40, III, e 201, § 7º), bem como há a exclusão de mulheres do serviço militar obrigatório em tempo de paz (art. 143, § 2º).

Essas distinções encontram justificativas nas características da sociedade brasileira. As vantagens quanto à aposentadoria justificam-se pela dupla jornada de trabalho, pois as mulheres que trabalham fora realizam ainda as atividades domésticas quando retornam para casa.

Dessa forma, as diferenciações ora referidas são o que Celso Antonio Bandeira de Mello[8] chama de “discriminação positiva”, isto é, criada como forma de trazer a igualdade material, evitando perseguições e tolhendo favoritismos.

PROTEÇÃO DADA PELA LEI MARIA DA PENHA

A Lei Maria da Penha foi criada como uma forma de “discriminação positiva”, isto é, mecanismo criado a fim de proteger as mulheres contra a violência, em cumprimento à “Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência Contra a Mulher”, ratificada pelo Brasil em 1984, bem como dando efetividade ao contido no art. 226, § 8º, da Constituição Federal[9].

Em 09/02/2012, o STF julgou constitucional a ADC n. 19, afirmando a constitucionalidade da Lei n. 11.340/2006, tendo como fundamento para sua decisão justamente o princípio da igualdade, a proteção à família, e a erradicação da violência doméstica.

Com relação à natureza da ação, a lei nada dispunha sobre, sendo que o STF, ao julgar a ADI 4.424, atende o pedido do Procurador-Geral da República, no sentido de que, nos crimes de lesão, a ação penal seja pública incondicionada, com o fito de impedir que pressões sobre a vítima pudessem interferir na propositura da ação.

Vejamos o teor da decisão[10]:

O dever do Estado de assegurar a assistência à família e de criar mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. Não seria razoável ou proporcional, assim, deixar a atuação estatal a critério da vítima. A proteção à mulher esvaziar-se-ia, portanto, no que admitido que, verificada a agressão com lesão corporal leve, pudesse ela, depois de acionada a autoridade policial, recuar e retratar-se em audiência especificamente designada com essa finalidade, fazendo-o antes de recebida a denúncia. Dessumiu-se que deixar a mulher — autora da representação — decidir sobre o início da persecução penal significaria desconsiderar a assimetria de poder decorrente de relações histórico-culturais, bem como outros fatores, tudo a contribuir para a diminuição de sua proteção e a prorrogar o quadro de violência, discriminação e ofensa à dignidade humana. Implicaria relevar os graves impactos emocionais impostos à vítima, impedindo-a de romper com o estado de submissão.

            Assim, a Lei Maria da Penha veio em benefício das mulheres, como forma de evitar a violência doméstica, e garantir a punição dos culpados, que outrora muitas vezes intimidavam e continuavam a violentar suas companheiras.

8.CONCLUSÃO

A Constituição Cidadã, alcunha denominada pelo presidente da Câmara dos Deputados à época da sua promulgação, Ulysses Guimarães, no caput do seu artigo 5º é claro na salvaguarda e a inviolabilidade da igualdade nos termos da lei, tanto para brasileiro quanto aos estrangeiros residentes.

Em suma, há duas hipóteses em que o tratamento diferenciado é válido, por não ofender o princípio constitucional da igualdade: a) a própria Constituição estabelece um tratamento desigual. Exemplos: aposentadoria com menor idade e menos tempo de contribuição para mulheres (arts. 40, III, e 201, § 7º); exclusão de mulheres e eclesiásticos do serviço militar obrigatório em tempo de paz (art. 143, § 2º); exclusividade de determinados cargos a brasileiros natos (art. 12, § 3º); b) existência de um pressuposto lógico e racional que justifique a desequiparação efetuada, em consonância com os valores tutelados pela Constituição. Exemplos: assentos reservados para gestantes, idosos e deficientes físicos nos transportes coletivos; preferência para pessoas nas mesmas condições em filas de banco; exigência de candidatos do sexo masculino para concurso de ingresso na carreira de carcereiro de penitenciária masculina ou de candidatas para o mesmo cargo em penitenciárias femininas; exigência de perfeita aptidão física para trabalhar como salva-vidas em praias.

Todavia, embora tais medidas tenham sido tomadas, ainda é necessário que o Poder Público efetivamente fiscalize o cumprimento das normas constitucionais, e possa garantir a igualdade material, sempre trabalhando para promover a redução das desigualdades, por meio de ações afirmativas e programas sociais.

9.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Os Pensadores: Abril Cultural, 1979;

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2008;

MORAES, Guilherme Peña de. Curso de Direito Constitucional, 2ª. ed., 2008, Rio de Janeiro: Impetus;

NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Manual de Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva, 2004;

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008;

SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo. 30ª ed., São Paulo: Malheiros, 2007.


[1]MORAES, Guilherme Peña de. Curso de Direito Constitucional, 2ª. Ed., 2008, Rio de Janeiro: Impetus, p. 517

[2] ARISTÓTELES.Ética a Nicômaco. Os Pensadores: Abril Cultural, 1979, p.129.

[3]SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo, 30ª ed., São Paulo: Malheiros, 2007, p. 215.

[4]NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Manual de Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva, 2004.

[5] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p.563-564.

[6] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p.  56.

[7][7] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 564.

[8] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed.São Paulo: Malheiros, 2002. 

[9] “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.

[10] Informativo 654


Autor


Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelo autor. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.