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O modelo de ponderação de Robert Alexy

O modelo de ponderação de Robert Alexy

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A ponderação descrita por Alexy foi uma conquista que permite tentar atingir a maximização da realização de princípios, sem precisar recorrer à invalidação de um deles. A importância histórica deste método é indiscutível e ele foi o único encontrado pelo direito até o início deste século que se adaptou à concepção de que normas não são apenas regras.

INTRODUÇÃO

Primeiramente, analisa-se a ponderação como elemento da proporcionalidade. A proporcionalidade é subdividida nos denominados subprincípios ou máximas parciais: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Para Alexy, a ponderação é representada pelo elemento parcial da proporcionalidade em sentido estrito e para chegar a ela, antes, é necessário passar pela adequação e pela necessidade, pois existe uma ordem a ser obedecida.

O princípio da proporcionalidade é um dos mais importantes princípios do pós-positivismo, pois exerce função imprescindível na proteção dos direitos fundamentais. Observa-se que a harmonia entre os direitos fundamentais só é alcançada através da aplicação da proporcionalidade que, sob a forma de princípios, devem ser realizados nas máximas medidas possíveis.

Em seguida, são abordados os subprincípios da proporcionalidade. A adequação exige aptidão do meio escolhido para promover um determinado fim. Adequado é o meio que “fomenta”, “promove” o fim, e não aquele que o realiza. A necessidade faz um juízo comparativo, exige que, quando o meio escolhido restringe outro direito fundamental, sejam buscados meios alternativos que não atinjam este outro direito fundamental. Já a proporcionalidade em sentido estrito, que, para Robert Alexy, corresponde ao mandado de ponderação, exige que se analise se a importância do princípio fomentado pelo meio escolhido é suficientemente grande para justificar a intensidade da restrição ao princípio contraposto.

É importante frisar que algumas constituições consagram o núcleo essencial dos direitos fundamentais, consistente num âmbito que não pode ser violado, mesmo nas situações de colisão entre princípios. Os autores discutem se o objeto da proteção ao núcleo essencial seria protegido pela teoria objetiva ou pela teoria subjetiva. Outra discussão doutrinária ainda indaga se a proteção ao núcleo é absoluta ou relativa. Observa-se também que para alguns autores, o núcleo essencial se confunde com a dignidade da pessoa humana.

Nota-se que Alexy defende a ponderação como um modelo de fundamentação (e não de mera decisão), assegurando sua segurança, ou seja, sua racionalidade. Para tanto, o jurista desenvolve um conjunto de regras da argumentação aptas à racionalização das decisões jurídicas. Alexy formulou uma lei que se aplica a todas as ponderações de princípios, a chamada “lei da ponderação”, que prescreve que quanto maior é o grau da não satisfação de um princípio, maior deve ser a importância da satisfação do outro.

O modelo adotado por Alexy sofreu forte crítica de Jürgen Habermas. Habermas entende que a carência de racionalidade na ponderação é a consequência de uma construção problemática que tenta entrelaçar princípios a valores. Assim, com a finalidade de expor em detalhes a racionalidade da ponderação, Alexy empenhou-se na elaboração da “fórmula da ponderação”, também chamada de “fórmula peso”. Porém, a utilização de um artifício matemático certamente não é recebida pacificamente pela teoria do direito.

Luis Fernando Schuartz assinala que o raciocínio econômico que sustentava a teoria de Alexy foi superado pelas concepções atuais, ditas neoclássicas, pois os agentes econômicos no capitalismo nem conseguem maximizar as decisões, nem devem tentar fazê-lo.

As críticas parecem pertinentes, apesar de entendermos que não nulificam a teoria de Alexy. Sem dúvidas, a ponderação descrita por Alexy foi uma conquista que permite tentar atingir a maximização da realização de princípios, sem precisar recorrer à invalidação de um deles.


1. A PONDERAÇÃO COMO ELEMENTO DA PROPORCIONALIDADE

A proporcionalidade se subdivide nos denominados subprincípios ou máximas parciais: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Para Robert Alexy, a ponderação é um método representado pela aplicação de um dos elementos parciais da proporcionalidade, a proporcionalidade em sentido estrito. Para chegar nela, contudo, é imperioso percorrer o caminho dos outros elementos da proporcionalidade – adequação e necessidade.

Um dos mais importantes princípios consagrados pelo pós-positivismo foi o princípio da proporcionalidade, pois exerce papel imprescindível na proteção dos direitos fundamentais. A harmonia entre os direitos fundamentais só pode ser alcançada através da aplicação da proporcionalidade, uma vez que o intérprete se depara com uma constituição que representa um conjunto axiológico plural, cujos princípios entram em embates a todo instante. O melhor caminho encontrado pelo direito para solucionar estes confrontos é a utilização da proporcionalidade.

A ideia de proporção está intimamente ligada ao direito. A proporção é encontrada na relação entre meio e fim, pois sempre haverá uma medida questionada, cuja finalidade também será avaliada para que se possa aplicar corretamente a proporcionalidade. O questionamento que se faz de uma medida tem como base outro princípio, que foi atingido e precisa, nas máximas possibilidades, ser efetivado.

Esta busca constante de harmonização demonstra a importância da proporcionalidade. Paulo Bonavides relaciona seu surgimento com a modificação da ideia de Estado de Direito. Primeiramente, no apogeu do direito positivo, o Estado de Direito era entendido sob a ótica do princípio da legalidade, o qual, após a segunda guerra mundial, cedeu lugar ao princípio da constitucionalidade, que “deslocou para o respeito dos direitos fundamentais o centro de gravidade da ordem jurídica”[1]. Como os direitos fundamentais estruturam-se eminentemente sob a forma de princípios e estes são, para Robert Alexy, mandados (ou mandamentos) de otimização, sua aplicação exige um novo modelo – a proporcionalidade.

O reconhecimento da proporcionalidade, entretanto, já foi questionado na doutrina, devido à suposta não previsão na ordem jurídica brasileira. É verdade que a Constituição brasileira lhe não atribui menção expressa, como fez o constituinte português na carta de 1976. Entretanto, tal fato não lhe retira a imperatividade. Essa, aliás, é a opinião da maioria da doutrina, que têm se esforçado para justificar sua presença em nosso direito.

Paulo Bonavides entende que o princípio está previsto em diversas disposições da Constituição, como, por exemplo, os incisos V, X, e XXV do art. 5º; os incisos IV, V e XXI do art. 7º; o inciso IX do art. 37; inciso V do art. 40 e inciso VIII do art. 71. É também decorrente do Estado de Direito e da unidade da Constituição. Por fim, baseia ainda a positividade no § 2º do art. 5º, uma vez que a Carta Magna não exclui outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios adotados[2]. Estes dois últimos também são compartilhados por Willis Santiago Guerra Filho.[3]

Luís Virgílio Afonso da Silva chama atenção para o Estado de Direito como opção de boa parte da doutrina, além de ser esta a linha seguida, na Alemanha, pelas decisões do Tribunal Constitucional.[4]

Todas estas teses foram bem construídas e são suficientes para sustentar a presença da proporcionalidade no Brasil. Não obstante, a ideia que nos parece pôr fim à discussão é defendida por Robert Alexy. O autor defende que a chamada “máxima” da proporcionalidade (como foi traduzida na versão espanhola de sua Teoria dos Direitos Fundamentais) é uma dedução da aceitação dos direitos fundamentais como princípios, ou seja, é uma consequência lógica incontornável[5]. Partindo de sua definição de princípios como mandados de otimização, isto é, normas que determinam que algo deve ser efetuado no maior alcance possível, conforme as possibilidades fáticas e jurídicas, chega-se inevitavelmente à proporcionalidade.[6]

O papel desempenhado no direito constitucional atual é tão destacado que Willis Guerra Filho vislumbra na proporcionalidade a norma fundamental da ordem jurídica, já que ela permite a convivência de princípios divergentes e viabiliza sua aplicação sempre observando a situação fática. Além disso, a proporcionalidade é capaz de atender à necessidade de validação não apenas “de cima para baixo”, mas também “de baixo para cima”, na medida em que a proporcionalidade pode dar “um salto hierárquico”, ao sair do ponto alto da pirâmide em direção a sua base, onde irá validar normas individuais resultantes de decisões de conflitos concretos. [7]

A peculiaridade de sua aplicação faz Humberto Ávila defender que a proporcionalidade não é nem regra nem princípio, mas, postulado. Não cabe desenvolver profundamente as ideias deste autor, visto que o objeto do estudo é a obra de Robert Alexy. Porém, vale ressaltar que, para o autor brasileiro, a proporcionalidade é uma metanorma, pois estabelece a estrutura de aplicação de regras e princípios. Quando deixa de ser aplicada, violada não é ela, mas a norma de primeiro grau – uma regra ou um princípio – que clamava por sua utilização. A violação à proporcionalidade, portanto, seria apenas elíptica.[8]

Por fim, é importante deixar claro a diferença entre proporcionalidade e razoabilidade. A tarefa não é complicada, porque não são dois temas que se confundem teoricamente. Luís Virgílio Afonso da Silva lembra que alguns autores, apesar do reconhecimento da origem distinta (germânica e anglo-saxônica, respectivamente), tratam-nos como correspondentes[9]. Willis Guerra Filho, porém, já alertou que proporcionalidade e razoabilidade, além de origens diferentes, têm propósitos e estruturas que não se identificam. A razoabilidade dispõe-se apenas à vedação do absurdo, sem a finalidade de harmonizar concretamente direitos fundamentais, em prestígio à inserção dos mais diversos valores na constituição, além de não possuir uma estrutura encadeada com elementos específicos de aplicação, como acontece com a proporcionalidade.[10]

1.1. Os elementos parciais da proporcionalidade

A aplicação da proporcionalidade é realizada segundo a utilização de seus três elementos parciais – adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Deve-se ressaltar que a utilização dos elementos parciais deve ser feita de forma concatenada, ou seja, uma ordem deve ser obedecida. Só se decide com base na proporcionalidade em sentido estrito, se já tiverem sido superadas, nesta sequência, a adequação e a necessidade. É por essa razão que Luís Virgílio Afonso da Silva afirma que se pode estabelecer entre os três elementos uma relação de subsidiariedade.[11]

Uma peculiaridade é encontrada na doutrina de Alexy. A maioria dos autores entende que a proporcionalidade é um princípio. Alexy, entretanto, reconhece que a proporcionalidade não pode ser considerada um princípio. É que a proporcionalidade, em seus três elementos, nunca é ponderada frente a um princípio. Ela não se submete ao regime dos princípios, que às vezes prevalecem e, às vezes, não. A proporcionalidade deve ser sempre aplicada e seus elementos parciais devem sempre ser satisfeitos, tendo sua não satisfação a consequência da ilegalidade. Este modo de aplicação é típico das regras e, para ser coerente em relação a sua teoria, é como regra que os elementos parciais da proporcionalidade são catalogados por Alexy.[12]

Como foi dito, Alexy defende a existência da proporcionalidade como uma consequência inevitável do reconhecimento dos direitos fundamentais, que, sob a forma de princípios, devem ser realizados nas máximas medidas possíveis. Estas “máximas medidas possíveis” correspondem, para Alexy, às possibilidades fáticas e jurídicas. Fáticas são as possibilidades referendadas pelos elementos parciais – ou subprincípios – da adequação e da necessidade, enquanto que as possibilidades jurídicas são representadas pelo elemento da proporcionalidade em sentido estrito.[13]

O primeiro deles é a adequação, que exige aptidão do meio escolhido para promover um determinado fim. Acompanhando as decisões dos tribunais alemães, muitos autores conferem à adequação o sentido de aptidão para “realizar” um fim. Essa, porém, não é a melhor interpretação que se faz do Tribunal Constitucional alemão, pois este defende que adequado é o meio que “fomenta”, “promove” o fim e não, aquele que o realiza[14].  Será inadequado, portanto, aquele que não servir à promoção do fim perseguido pelo princípio.

Adiante é feito o exame da necessidade do meio escolhido. Se na adequação a análise se faz com observância apenas do meio escolhido, na necessidade, deve-se realizar um juízo comparativo. Este elemento da proporcionalidade exige que, quando o meio escolhido restringe outro direito fundamental, sejam buscados meios alternativos que não atinjam este outro direito fundamental. Vejamos o exemplo de Robert Alexy, que envolve somente dois princípios e dois sujeitos (estado e cidadão): existem, no mínimo, dois meios, M1 e M2, que são igualmente fomentadores do fim F, tendo em vista o princípio P1. Entretanto, M2 afeta menos, ou não afeta, aquilo que exige a norma de direito fundamental com caráter de princípio, P2. Assim, para P1, não faz diferença que se escolha M1 ou M2, mas P2 não pode suportar M1 ou M2. Com respeito às possibilidades fáticas, P2 será fomentado em uma medida maior se for escolhido M2. Portanto, do ponto de vista da otimização referente às possibilidades fáticas, somente M2 está permitido, enquanto M1 está proibido.[15]

A escolha acima indicada de M2 será simples, caso o meio não afete, de modo algum, o princípio P2. Entretanto, ainda que M2 seja mais benéfico a P2, se o meio escolhido afetar de alguma maneira o princípio contraposto, o elemento da necessidade não será suficiente para resolver a questão, somente para indicar qual meio restringe menos P2. A solução ao problema se dará no âmbito de aplicação do último elemento, que leva à verificação das possibilidades jurídicas.

O elemento apto a resolver esta colisão é a proporcionalidade em sentido estrito, que, para Robert Alexy, corresponde ao mandado de ponderação. Deve-se analisar se a importância do princípio fomentado pelo meio escolhido é suficientemente grande para justificar a intensidade da restrição ao princípio contraposto. O autor propõe que a ponderação seja feita com base na atribuição escalonada de grau à intensidade da intervenção no princípio contraposto. Da mesma maneira, deve-se atribuir grau de importância ao fomento do fim almejado pelo princípio. Por causa disso, estará justificada a intervenção que tiver grau menor que o grau de importância atribuído. Por outro lado, será desproporcional a restrição que tem um grau de intervenção superior ao  grau de importância[16].

A possibilidade – jurídica – de fomentar um princípio dependerá precisamente do princípio oposto, isto é, se é possível e em que intensidade pode ser restringido. A ponderação é uma exigência da lei de colisão, descrita acima, que não aceita restrições de direitos fundamentais sem a adoção de um método racional. Portanto, daí surge a justificativa de Robert Alexy de que a proporcionalidade “é dedutível do caráter de princípio das normas de direito fundamental”[17].

A proporcionalidade tem uma relação direta com o ótimo de Pareto, figura utilizada na economia para expressar a ideia de que uma posição pode ser melhorada, sem que outra piore. É esta ilustração econômica que Alexy utiliza para demonstrar que o objetivo a ser perseguido, quando princípios colidem, é a solução ótima, ou seja, aquela que não tem mais como ser melhorada.[18]

Surge no momento da ponderação a possibilidade de autorizar restrições a um direito fundamental. Estas restrições devem ser pautadas, para alguns autores, pela observação do núcleo ou conteúdo essencial dos direitos fundamentais, que passamos a analisar.

1.2. A proteção ao núcleo essencial dos direitos fundamentais

A proteção ao núcleo essencial dos direitos fundamentais floresce ao lado das discussões sobre os limites existentes para restrição de um direito fundamental. Um destes limites é exatamente a aplicação da proporcionalidade. Os autores alemães denominaram “limites dos limites” o elenco de proteções contra as restrições tão intensas que levariam ao esvaziamento ou supressão de um direito fundamental. Neste rol de limites é incluído o núcleo essencial dos direitos fundamentais, também chamado de conteúdo essencial dos direitos fundamentais. Diferentemente da constituição brasileira, algumas constituições consagraram expressamente a proteção ao núcleo, como faz a constituição alemã.[19]

Willis Guerra Filho ensina que o núcleo essencial de um direito fundamental consiste num âmbito que não pode ser violado, mesmo nas situações de colisão entre princípios, em que haverá de se restringir um deles[20]. Assim, mesmo que precise fomentar um outro princípio, o intérprete não pode desrespeitar o núcleo essencial.

Humberto Ávila entende que a proteção ao núcleo é verificada em decorrência do princípio da proibição de excesso, e não, como um dos aspectos que devem ser considerados pela aplicação da proporcionalidade. É que, entende o autor, o respeito ao núcleo não importa análise de justificação do meio pelo fim, mas apenas a observação da preservação de um mínimo de eficácia do princípio.[21]

Discutem os autores sobre o objeto da proteção ao núcleo essencial: seria protegido pelo núcleo o direito subjetivo individual ou a garantia objetiva? Duas teorias tentam responder essa questão – a objetiva e a subjetiva. A primeira entende que a proteção do núcleo corresponde à disposição normativa do direito fundamental, ou seja, deve ser resguardada a garantia geral e abstrata prevista no texto normativo. Por sua vez, a teoria subjetiva entende que a proteção do núcleo essencial abarca o direito subjetivo do particular. Robert Alexy entende que, embora os problemas decorrentes da proteção ao núcleo essencial sejam mais facilmente resolvidos com apoio da teoria objetiva, deve ser adotada também a teoria subjetiva – sem exclusividade de uma das duas – em função do caráter de direitos individuais dos direitos fundamentais[22]. A mesma posição é defendida por Canotilho, para quem a opção unilateral por uma das duas teorias traria efeitos indesejáveis à aplicação:

A solução do problema não pode reconduzir-se a alternativas radicais porque a restrição dos direitos, liberdades e garantias deve ter em atenção a função dos direitos da vida comunitária, sendo irrealista uma teoria subjectiva desconhecedora desta função, designadamente pelas consequências daí resultantes para a existência da própria comunidade, quotidianamente confrontada com a necessidade de limitação dos direitos fundamentais mesmo no seu núcleo essencial (ex: penas de prisão longas para crimes graves, independentemente de se saber se depois do seu cumprimento restará algum tempo de liberdade ao criminoso).[23]

Existe, ainda, outra discussão doutrinária que indaga se a proteção ao núcleo é absoluta ou relativa. De acordo com a teoria absoluta, o núcleo essencial jamais poderia ser restringido e sua fixação seria feita abstratamente. Também chamada de teoria do núcleo duro, esta visão determinaria qual conteúdo já estaria protegido, antes mesmo de se realizar a ponderação. Essa ideia é criticada porque tal núcleo abstrato não existe pronto e seria ilusório acreditar que o intérprete poderia conhecê-lo previamente[24]. Com efeito, é difícil sustentar que uma interpretação pode ser feita com uma norma cujo conteúdo já foi fornecido e tornado imutável, sem nem mesmo tomar conhecimento do caso concreto.

De outro lado, tem-se a teoria relativa, que sustenta que o núcleo essencial será conhecido apenas após o processo de ponderação. Logo, o núcleo será conhecido mediante a análise do caso concreto, sem definição prévia e abstrata. A crítica que se faz contra a teoria relativa sugere que a entrega do núcleo à ponderação pode levá-lo ao esvaziamento, justamente aquilo que ele visa proibir.

Canotilho novamente coloca-se contra a adoção unilateral de uma das teorias, uma vez que conduzir o núcleo à ponderação é demasiadamente perigoso. Além disso, optar-se pela teoria absoluta determinaria a desconsideração de defesa de outros direitos, liberdades e garantias, os quais são aptos para justificar a relativização de um direito fundamental[25].

Daniel Sarmento afirma que a escolha correta é a da teoria relativa do núcleo essencial, por se adaptar melhor às decisões constitucionais mais complexas[26]. Por sua vez, Ana Paula de Barcellos sustenta que não está excluída a possibilidade de se refletir abstratamente e com base em precedentes judiciais, para que a doutrina possa construir os sentidos de cada direito. Isso levaria ao estabelecimento de parâmetros capazes de identificar os aspectos essenciais de cada direito e suas possibilidades de restrição. Esse trabalho não construiria um núcleo duro e permanente, mas consistente e histórico, com certa proteção aos direitos fundamentais.[27]

Por fim, há a posição de Robert Alexy, mais complexa e condizente com seu pensamento acerca dos princípios. Ao invés de impor ao princípio da proporcionalidade – nomeadamente à ponderação – um limite adicional à restrição de direitos fundamentais, a garantia do núcleo essencial, consagrada na constituição alemã, art. 19, §2º, é mais uma razão em favor do princípio. Para o autor, a ideia de que existem direitos que nunca são afastados por razões superiores, em certa medida, está correta. No entanto, esse pensamento absoluto se baseia na teoria relativa, pois, em sua visão, quanto mais se deixa de realizar um princípio, mais forte ele se torna. Isto é, a força das razões que justificam a não realização tem de aumentar tanto quanto aumenta a intervenção. Assim, quanto maior uma intervenção, mais difícil será sua justificação.

A partir deste raciocínio, percebe-se com grande segurança que existem condições de um princípio sob as quais nenhum princípio oposto terá preferência, ou seja, nenhum princípio oposto poderá intervir. Citando Peter Häberle, Robert Alexy entende que tais condições definem o “núcleo da configuração privada da vida” [28]. Entretanto, o caráter absoluto de sua proteção está intimamente ligado à relação entre os princípios – eis, então, a justificativa para a proteção absoluta se basear na teoria relativa. Em circunstâncias normais, é tão alto o grau de segurança da proteção que é possível falar de uma proteção absoluta – que decorre sempre das relações entre princípios. Portanto, conclui o autor que o núcleo essencial dos direitos fundamentais não impõe nenhuma limitação adicional à ponderação, ao contrário, decorre de sua utilização.[29]

O núcleo essencial, para alguns autores, se confunde mesmo com a dignidade da pessoa humana. Willis Guerra Filho, por exemplo, defende que no núcleo essencial “se acha insculpida a dignidade humana”.[30] Este entendimento não é pacífico. Já foi visto que a própria existência de um núcleo sempre protegido é controvertida entre os autores. Aqui, a ideia parece mais compreensível do que a defesa de um núcleo essencial em cada direito fundamental, porque estaria proibida uma restrição a um direito fundamental que fosse tão intensa a ponto de atingir um indivíduo em sua dignidade.

Ingo Wolfgang Sarlet defende a tese de que a dignidade não necessariamente se confunde com o núcleo essencial dos direitos fundamentais por duas razões. A primeira delas é que nem todos os direitos têm um conteúdo em dignidade e a segunda é que a garantia do núcleo essencial ficaria esvaziada caso este fosse identificado totalmente com o conteúdo em dignidade.[31]

Mesmo questionada, parece irrefutável que a ponderação não pode ser cumprida sem estar presente a observação da dignidade da pessoa humana. Não se pode aceitar que, após a realização de uma ponderação de princípios, o resultado da restrição de um deles seja tão grave que interfira na dignidade da pessoa humana. Se isso ocorresse, estaria sendo incotornavelmente ferido um direito fundamental – e, por mais simples que pareça a afirmação, se é fundamental não pode ser afastado integralmente. Como consequência, a ponderação estaria sendo utilizada somente para tentar legitimar um procedimento em que se praticou a mais grave violação de um direito fundamental.


2. A PONDERAÇÃO COMO UM MODELO DE FUNDAMENTAÇÃO RACIONAL

Foi visto acima que, conforme a lei de colisão proposta por Alexy, sob circunstâncias determinadas, um princípio específico precede outro e suas consequências são aplicadas. No entanto, a lei de colisão, por si só, ao formular um enunciado de preferência, não garante racionalidade à ponderação. Com efeito, este seria um modelo de mera decisão, entregue exclusivamente a concepções subjetivas. A este modelo, Alexy pretende opor um modelo de fundamentação, que asseguraria sua segurança, ou seja, sua racionalidade.

O autor explica que ambos os modelos, de decisão e de fundamentação, levam à criação de um enunciado de preferência condicionado. A diferença é que o modelo puro de decisão não é racionalmente controlável, enquanto que o outro pode ser fundamentado racionalmente. Para Alexy, este é o caminho que possibilita a racionalidade de uma ponderação de princípios.[32]

Ana Paula de Barcellos organiza em dois vetores as críticas à racionalidade no âmbito das decisões jurídicas: a capacidade de demonstrar conexão com o sistema jurídico e a racionalidade propriamente dita da argumentação, especialmente quando existem várias hipóteses de conexão com o sistema jurídico. O primeiro dos vetores está fincado no Estado de Direito, que não admite que as decisões judiciais sejam proferidas de maneira arbitrária. O segundo, porém, é mais complicado, pois, além de exigir que as decisões sejam proferidas com base em argumentações racionais, espera que também sejam racionais aquelas decisões em que se vislumbram inúmeras possibilidades racionais e ligadas à ordem jurídica. A autora adiciona também a necessidade de justificação, isto é, a explicitação das razões pelas quais uma das decisões foi escolhida.[33]

São precisamente as dificuldades da racionalidade da ponderação que Alexy tenta solucionar desde sua Teoria dos Direitos Fundamentais. Ele não se baseia, todavia, na divisão racionalidade/justificação esquematizada por Ana Paula de Barcellos, ao contrário, o problema da justificação está inserido na racionalidade da decisão resultante de uma ponderação.

O propósito de racionalidade, aliás, relaciona a Teoria dos Direitos Fundamentais de Alexy a sua Teoria da Argumentação Jurídica, uma vez que esta busca fundamentar racionalmente as decisões jurídicas, principalmente, as valorações que são feitas[34]. Para tanto, o jurista desenvolve um conjunto de regras da argumentação aptas à racionalização das decisões jurídicas. A ponderação, como técnica específica, também deve seguir algumas regras que lhe conferem racionalidade.

A ponderação consiste, como foi dito, no processo de avaliação das possibilidades jurídicas, ou seja, as possibilidades que um princípio tem de ser realizado dependem diretamente das possibilidades de intervenção num princípio contraposto. Dessa constatação, feita a partir de decisões do Tribunal Constitucional da Alemanha, Alexy formulou uma lei que se aplica a todas as ponderações de princípios, a chamada “lei da ponderação”, que prescreve que quanto maior é o grau da não satisfação de um princípio, maior deve ser a importância da satisfação do outro.[35]

Alexy destaca que a ligação entre a ponderação e a teoria da argumentação jurídica, acima referida, é encontrada no momento em que a lei da ponderação indica o que deve ser fundamentado racionalmente, rebatendo a crítica de que essa lei seria uma “fórmula vazia”.[36]

2.1. A fórmula da ponderação como resposta à crítica de Jürgen Habermas

O modelo que une princípios a valores sofreu forte crítica de Jürgen Habermas, que acusa as propostas teóricas de Alexy – entre elas, a ponderação – de irracionalidade.

A carência de racionalidade na ponderação, para Habermas, é a consequência de uma construção problemática que tenta entrelaçar princípios a valores, especialmente a posição que é exposta pelo Tribunal Constitucional da Alemanha em suas decisões. O autor afirma que a constituição alemã, ao invés de ser interpretada como um sistema de regras estruturado através de princípios, é compreendida nos moldes de uma “ordem concreta de valores”[37].

Habermas defende que normas se distinguem de valores, porque estas obrigam indistintamente seus destinatários, enquanto aquelas são preferências compartilhadas intersubjetivamente, que podem ser realizadas através de uma conduta direcionada a um fim. As normas devem ser compreendidas como igualmente boas para todos, os valores, por outro lado, têm seu sentido adotado por certos âmbitos ou grupos. Além disso, ao passo em que normas não podem se contradizer, pois, para serem válidas, devem estar contidas num setor coerente (o sistema), os valores podem concorrer entre si e convivem com diversas tensões. O pensamento do autor sobre a distinção pode ser resumido no seguinte fragmento:

Normas e valores distinguem-se, em primeiro lugar, através de suas respectivas referências ao agir obrigatório ou teleológico; em segundo lugar, através da codificação binária ou gradual de sua pretensão de validade; em terceiro lugar, através de sua obrigatoriedade absoluta ou relativa e, em quarto lugar, através dos critérios aos quais o conjunto de sistemas de normas ou de valores deve satisfazer. Por se distinguirem segundo essas qualidades lógicas, eles não podem ser aplicados da mesma maneira.[38]

Com o apoio dessa conceituação, Habermas sustenta que ao adaptar valores sob a forma de princípios jurídicos e assim realizá-los, o Tribunal Constitucional, estaria se transformando numa instância autoritária, pois, quando os princípios colidem, todas as razões podem ser utilizadas como argumentos e persecução de fins, o que leva ao enfraquecimento da compreensão deontológica de normas – entre elas, os princípios. Assim, a obrigatoriedade fica preterida em nome das possibilidades de otimização.[39]

A crítica ao tribunal inevitavelmente atinge o processo de realização destes princípios/valores, a ponderação, cujo discurso Habermas entende ser “frouxo”[40]. Uma vez que a aplicação de princípios fica entregue a todos os tipos de argumentos, a ponderação seria um método que não admite controle racional, o que gera, inclusive, a crítica da transformação em um tribunal autoritário.

Alexy não ficou inerte à crítica formulada por Habermas. Para ele, a melhor resposta a ser adotada é aquela que demonstra que a ponderação pode ser empregada de forma racional. O ponto de partida de Alexy é defender que a lei da ponderação expressa os graus de afetação dos direitos que estão em discussão, através da exigência de que as razões que justificam uma intervenção devem ser tanto maior, quanto mais forte seja a intervenção[41]. Esta fundamentação da ponderação, para Alexy, é visualizada em três aspectos e serve para conduzir a sustentação da racionalidade da ponderação, que foi criticada por Habermas. Os três momentos são descritos por Alexy da seguinte forma:

La objeción de Habermas en contra la teoría de los principios estaría esencialmente justificada, si no fuera posible emitir juicios racionales, en primer lugar, sobre las intensidades de las intervenciones en los derechos fundamentales; en segundo lugar, sobre los grados de importancia de la satisfacción de los principios; y, en tercer lugar, sobre la relación que existe entre lo uno y lo otro.[42]

Com a finalidade de expor em detalhes a racionalidade da ponderação, Alexy empenhou-se na elaboração da “fórmula da ponderação”, também chamada de “fórmula peso”, cuja função é descrever a solução de colisões entre princípios. Tentaremos, de modo conciso, apresentar esta fórmula.

O primeiro passo a ser dado é definir o grau do não cumprimento ou prejuízo de um princípio e, em seguida, a importância do cumprimento do outro. Este modelo é contemplado com a utilização de pelo menos dois graus, um leve e um grave. Alexy sugere, porém, a utilização de uma “escalação triádiaca”, que oferece os graus “leve”, “médio” e “grave”, aos quais nos reportaremos como grau “l”, “m” ou “g”, respectivamente. Tais graus são utilizados para descrever a intensidade da atuação do intérprete em um princípio, seja para expor a intervenção ou a importância de realização. Aqui, o termo “intervenção” serve tanto para os princípios que exigem uma ação positiva, quanto para os princípios que exigem  uma omissão. Isto é, um princípio que prescreve uma ação positiva sofre uma intervenção quando a ação não é cumprida integralmente, por outro lado, um princípio que exige uma omissão sofre uma intervenção quando a omissão não é completa, mas, parcial.[43]

Diante disso, pode-se chamar de “IPi” a intensidade da intervenção num princípio “Pi”. A intervenção é necessariamente avaliada de forma concreta e por isso é bom explicitar a concretude agregando a IPi as circunstâncias do caso concreto em que Pi tem preferência sobre outro princípio. Essas circunstâncias foram representadas, ao abordar a lei de colisão, por “C”. Assim, a intensidade da intervenção num princípio esclarece melhor seus três aspectos se representada por “IPiC".

Por concreta, a intervenção se distingue do peso abstrato que tem Pi, o qual será representado por “GPiA”[44]. O peso abstrato de um princípio é o peso que possui relativamente a outros princípios, independentemente de confrontos concretos. Desde já, é bom deixar claro que o peso abstrato não é a única responsável pela solução de um conflito concreto, afinal, caso isso fosse imaginado, o que foi dito até agora sobre o pensamento de Alexy entraria em contradição. Alexy entende que muitos princípios não têm pesos abstratos perceptivelmente diferentes, entretanto, alguns são visivelmente diferentes, como a superioridade do direito à vida em relação à liberdade de atuação, como a liberdade de profissão.[45]

Uma crítica pode ser formulada à visão dos pesos abstratos, pois é bastante complicada uma tentativa de organização destes pesos abstratos e, na maioria dos casos, jamais haverá consenso sobre superioridades abstratas. Apesar disso, como Alexy entende que os pesos abstratos dos princípios são iguais em grande parte das situações, pode-se descartá-los, porque tal igualdade não influencia a decisão final.

O passo seguinte é a avaliação da importância do cumprimento do outro princípio, “Pj”, que se constrói a partir da análise da intervenção em Pi. É que deve ser questionado quão prejudicial seria para Pj, se Pi não sofresse uma intervenção, ou, nas palavras de Alexy, “a importância concreta de Pj é calculada segundo isto: quão intensivamente a não-intervenção em Pi intervém em Pj”. Isto é, faz-se um exame com base numa suposição, que corresponde à “intensidade de uma intervenção hipotética por não intervenção”[46]. Alexy representa esta importância do cumprimento através da notação “IPjC”, cujos aspectos I e C são análogos aos da variável IPiC.

Assim, são estas duas variáveis que servirão como objeto da avaliação dos graus l, m ou g. O passo seguinte será correlacionar estas avaliações. Terá preferência aquele princípio cujo grau for mais forte, sabendo-se que g é maior que m, que, por sua vez, é maior que l.[47]

Esta análise pode também ser feita através de representação numérica, adotando valores, ao invés de l, m e g. Alexy sugere a utilização de 1, 2 e 4, com os quais é possível ilustrar o peso de Pi em relação a Pj, portanto, um peso concreto chamado de “Gi,j”. Este peso concreto Gi,j é o resultado da divisão dos valores que representam o a intensidade de intervenção IPiC e a intensidade do não cumprimento IPjC[48].  A montagem da fórmula é a seguinte:

IPiC

Gi,j  =  __________

IPjC

Nota-se que o peso concreto de Pi será maior quando o resultado da divisão for maior que 1, como ocorre, por exemplo, quando os pesos de IPiC e IPjC são 4 e 2 respectivamente. Por outro lado, o peso concreto de Pj será maior quando o resultado da divisão for menor que 1, o que ocorre, por exemplo, quando os pesos são 1 e 4.

Esta é a base de uma fórmula mais ampla que é designada como fórmula da ponderação ou fórmula peso, na qual se encontram, além das intensidades de intervenção, os pesos abstratos dos princípios colidentes e os graus de segurança das suposições empíricas sobre a realização e a não realização dos princípios.[49]

Como foi dito, quando os pesos abstratos são iguais, eles não devem ser considerados, porque sua igualdade não interfere na decisão final. O mesmo vale para as outras duas variáveis. A terceira variável – grau de segurança das suposições empíricas sobre a realização e a não realização dos princípios – corresponde à possibilidade de certeza referente às hipóteses teórico-empíricas proferidas pelo tribunal acerca da realização de cada princípio. Esta variável tem a função de esclarecer qual o grau de confiabilidade que possuem as suposições que o tribunal faz para determinar a intensidade de intervenção de um princípio quando entra em colisão com outro. Pode ser, por isso, representada por “SPiC” e “SPjC”. A ela também podem ser relacionados os valores numéricos 1, 2 e 4, correspondentes respectivamente ao grau “não-evidentemente falso”, “plausível” e “certo”[50].

Assim, as três variáveis de cada princípio devem ser multiplicadas e, em seguida, divididas pelo resultado da multiplicação das três variáveis do princípio oposto, como se compreende na fórmula abaixo:

IPiC . GPi A. SPiC

Gi,j  =  ________________________

IPjC . GPj A. SPjC

A mesma fórmula vale para os casos em que mais de dois princípios colidem, adicionando-se apenas as três variáveis referentes a cada princípio isolado.[51]

Esta resposta de Alexy à critica formulada por Habermas indica a construção de uma fórmula muito bem esquematizada, o que leva Cláudio Pereira de Souza Neto a afirmar que ela “tem o mérito inegável de chamar a atenção do aplicador do direito para aquilo que efetivamente deve ser considerado na atividade de ponderação”, pois, ao excluir a aplicação intuitiva, explicita as questões que abordou e fortalece a racionalidade da atividade da ponderação.[52]

A utilização de um artifício matemático certamente não é recebida pacificamente pela teoria do direito, mas é necessário esclarecer que Alexy utiliza a fórmula para ilustrar a estrutura da ponderação praticada no Tribunal Constitucional da Alemanha, ou seja, “um modelo para reconstrução racional do ‘balanceamento’ de princípios jurídicos em colisão”, como anota Luis Fernando Schuartz[53]. A esquematização serve à demonstração da racionalidade do processo.

Thomas Bustamante entende que a fórmula contempla a pretensão de Alexy de elaborar uma ponte entre a teoria da argumentação jurídica e a ponderação de princípios. Além disso, toda a ponderação fica entrelaçada, com suas etapas estreitamente ligadas, a fim de alcançar o resultado ótimo. Sobre a fórmula, o autor indica quatro aspectos louváveis:

Esta [a fórmula da ponderação] representa a justificação interna da argumentação jusfundamental, destacando-se porque: (1) revela quais são as principais variáveis que interferem no resultado das ponderações jurídicas (intensidade da restrição em Pi, grau de satisfação de Pj, peso abstrato de cada um dos princípios colidentes, segurança das premissas empíricas utilizadas na argumentação); (2) propões um modelo triádico de classificação e valoração das duas primeiras variáveis do processo de ponderação[...]; (3) propõe modelo semelhante para a valoração dos argumentos empíricos que têm lugar na argumentação jurídica [...]; e (4) procura representar formalmente as relações entre cada uma das dimensões da ponderação.[54] (grifos no original)

Apesar de reconhecermos que a fórmula estabelece uma proposta plausível de organização da ponderação, é preciso indagar se ela efetivamente é suficiente para garantir a racionalidade tão questionada.

2.2. A fórmula da ponderação assegura a racionalidade?

Não se pode negar o mérito da tentativa de Alexy de apresentar um caminho a ser trilhado pelos intérpretes que se deparam com um conflito de princípios.

A aproximação da matemática é o reflexo de uma teoria que foi construída com amparo do pensamento econômico, uma vez que utiliza o recurso de busca de soluções ótimas dentro do quadro de possibilidades fáticas e jurídicas. O equilíbrio encontrado pelo “ótimo de Pareto” indica que não se pode alterar o estado sem a geração de perdas, ao passo que os estados diferentes do ótimo podem ser incrementados com a percepção de benefícios e sem geração de perdas. Na opinião de Luis Fernando Schuartz, isso se deve à afinidade que Alexy supõe existir entre a racionalidade da aplicação de princípios e a racionalidade dos processos decisórios de agentes econômicos. Todavia, assinala o autor, o grande problema é a pressuposição de que existe um ótimo a ser perseguido nos juízos sobre a constitucionalidade de práticas que realizam princípios jurídicos. [55]

Luis Fernando Schuartz assinala que o raciocínio econômico que sustentava a teoria de Alexy foi superado pelas concepções atuais, ditas neoclássicas, pois os agentes econômicos no capitalismo nem conseguem maximizar as decisões, nem devem tentar fazê-lo. O reconhecimento da economia como um ambiente complexo e de elevada incerteza entende como racional aqueles comportamentos que adotam “rotinas estratégicas e padrões de comportamento relativamente estáveis”, que não se confundem com comportamentos conservadores. Assim, escreve o autor, “a univocidade da solução ótima cede passo à multiplicidade e heterogeneidade das soluções subótimas ou (...) ‘satisfatórias’”[56].

Então, essas modificações no pensamento econômico determinam uma nova interpretação da teoria de Alexy. A questão central atinge as soluções ótimas: Luis Fernando Schuartz defende que não é possível, caso se acredite em sua existência, conhecer as tais soluções. E mais: a busca de um resultado ótimo não pode funcionar como uma busca até o infinito, isto é, um ponto ideal que orienta os intérpretes. Mais correto é o reconhecimento de um convívio com as incertezas relacionadas à pluralidade de soluções não-hierarquizáveis, que devem ser assumidas como integrante da democracia.[57]

Uma vez que a ponderação representaria o meio adequado para alcançar as soluções ótimas, sua fórmula também é alcançada pelas críticas formuladas. Com efeito, a reconstrução teórica da prática adotada pelo tribunal, que é empreendida pela fórmula, tenta incrustar em seu objeto um caráter racional que ele não tem[58].

Pode-se dizer que o problema da racionalidade fica sem uma grande resposta de Alexy, porque ele entendeu que este seria resolvido dentro da estrutura da ponderação, ou seja, uma construção detalhada e coerente, que, aliás, ele conseguiu fazer, seria capaz de responder à critica de que o método é irracional. Entretanto, a dificuldade não se encontra na estrutura da fórmula desenvolvida, mas em como é possível acessar racionalmente no âmbito dos valores numéricos que são conferidos a cada uma das variáveis da fórmula. Em outras palavras, como justificar que a atribuição dos valores 1, 2 ou 4 é racional? Alexy não explica como a atribuição destes valores pode ser racionalmente justificada.

Luis Fernando Schuartz entende que o grande vazio que Alexy deixa na resposta à crítica de Habermas está em outro aspecto: a ponderação deixa margem para o crescimento perigoso de juízos irracionais, já que os argumentos funcionalistas podem prevalecer sobre os argumentos normativos[59]. É que Habermas entende que princípios possuem maior força de justificação do que valores, pois possuem obrigatoriedade geral, devido ao seu sentido deontológico, ao passo em que os valores, por causa do sentido axiológico, devem ser inseridos numa ordem transitiva de valores, caso a caso. Então, como não existem critérios racionais para esta inserção, a interpretação de princípios como valores – de modo transitório e conforme ordens de precedência – permite decisões arbitrárias. [60]

Para Habermas, a partir do momento em que um tribunal adota ordens flexíveis de valores, aumenta o risco de juízos irracionais. Assim, há uma diferença defendida pelo autor entre obrigatoriedade geral dos princípios e uma obrigatoriedade, sustentada por Alexy, que é relativizada em função de relações de preferência, as quais, contudo, coloca em risco o caráter deontológico em face de análises funcionais.

Como contraponto, Habermas sugere um modelo em que os princípios – sem esquecer que eles dão forma a direitos fundamentais – são levados a sério em seu sentido deontológico e “não caem sob uma análise dos custos e vantagens”[61]. Para tanto, o tribunal precisa demarcar, num determinado caso concreto, qual ação deve ser exigida num determinado conflito, ao invés de escolher algum valor. Habermas reconhece que “relações podem deslocar-se segundo as circunstâncias de cada caso”, mas o deslocamento é conduzido pelo dever de encontrar entre as normas aplicáveis prima facie aquela que se enquadra melhor à situação, tendo como limite a preservação da coerência do sistema[62]. O intérprete deve ser conduzido pelo sentido deontológico do princípio e não, pelo sentido teleológico daquilo que alcança seus desejos.

Assim, as críticas de Habermas parecem pertinentes, apesar de entendermos que não nulificam a teoria de Alexy. Sem dúvidas, a ponderação descrita por Alexy foi uma conquista que permite tentar atingir a maximização da realização de princípios, sem precisar recorrer à invalidação de um deles. A importância histórica deste método é indiscutível e ele foi o único encontrado pelo direito até o início deste século que se adaptou à concepção de que normas não são apenas regras. Contudo, a objeção de Habermas parece deixar claro o perigo que a ponderação pode acarretar. Ainda assim, sua proposta não nos parece ser uma alternativa completa, pois não aprofunda os meios que viabilizam a descoberta da norma “que se adapta melhor à situação de aplicação descrita de modo possivelmente exaustivo e sob todos os pontos de vista relevantes”[63]


Notas

[1]           BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 398.

[2]           Cf. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. pp.434-436.

[3]           Cf. GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. 4.ed. São Paulo: RCS Editora, 2005. pp. 114-115.

[4]           Cf. SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O Proporcional e o Razoável. Revista dos Tribunais, v. 798. São Paulo, 2002. p. 42. Neste sentido e com amplas indicações de decisões judiciais sobre a vinculação da proporcionalidade ao Estado de Direito defendida pelo tribunal, também HECK, Luis Afonso. O Tribunal Constitucional Federal e o Desenvolvimento dos Princípios Constitucionais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1995. pp. 175-176.

[5]           ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002. pp. 112-113.

[6]           Id., ibid. pp.  86-87.

[7]           Cf. GUERRA FILHO, Willis Santiago. Princípio da Proporcionalidade e Teoria do Direito. Revista Jurídica da Universidade de Franca, v. 3, n. 4, 2000. p. 202.

[8]           ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 80.

[9]           SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O Proporcional e o Razoável. Revista dos Tribunais, v. 798. São Paulo, 2002. pp. 28 e 29.

[10]          Cf. GUERRA FILHO, Willis Santiago. Princípio da Proporcionalidade e Teoria do Direito. Revista Jurídica da Universidade de Franca, v. 3, n. 4, 2000. p. 209.

[11]          Cf. SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O Proporcional e o Razoável. Revista dos Tribunais, v. 798. São Paulo, 2002. p. 34.

[12]          ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002. p. 112,  nota 84.

[13]          Id., ibid. pp. 112-113.

[14]          SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O Proporcional e o Razoável. Revista dos Tribunais, v. 798. São Paulo, 2002. pp. 36-37.

[15]          ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002. pp. 113-114.

[16]          ALEXY, Robert. Direitos Fundamentais, Ponderação e Racionalidade. Revista de Direito Privado, n. 24. São Paulo, 2005, p. 340 e ss.

[17]          ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002. p. 112.

[18]          ALEXY, Robert. Epílogo a la Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Colegio de Registradores de la Propriedad, Mercantiles y Bienes Muebles de España, 2004. p.40.

[19]          Ana Paula de Barcellos, Ponderação, Racionalidade e Atividade Jurisdicional, Rio de Janeiro: Renovar, 2005, pp. 139 e 140, indica algumas constituições que fazem menção expressa à proteção ao núcleo essencial. São elas: Constituição Portuguesa, art. 18; Constituição Espanhola, art. 53; Declaração de Direitos da África do Sul (Bill of Rights), art. 36; Constituição do Timor Leste, art.24 e Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, art. 52.

[20]          GUERRA FILHO, Willis Santiago Sobre Princípios Constitucionais Gerais: Isonomia e Proporcionalidade. Revista dos Tribunais, v. 719. São Paulo, 2002. p. 59

[21]          ÁVILA, Humberto. Conteúdo, Limites e Intensidade dos Controles de Razoabilidade, de Proporcionalidade e de Excessividade das Leis. Revista de Direito Administrativo, n. 236. Rio de Janeiro, 2004. pp. 377-378

[22]          ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002. pp. 287-288.

[23]          CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional de Teoria da Constituição. 2.ed. Coimbra: Almedina, 1998. p. 419.

[24]          Cf. BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, Racionalidade e Atividade Jurisdicional, Rio de Janeiro: Renovar, 2005. pp. 142-144.

[25]          CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional de Teoria da Constituição. 2.ed. Coimbra: Almedina, 1998. p. 420.

[26]          SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002., p. 113.

[27]          BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, Racionalidade e Atividade Jurisdicional, Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 145.

[28]          ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002. p. 291.

[29]          Id., ibid. pp. 290-291.

[30]          GUERRA FILHO, Willis Santiago. Princípio da Proporcionalidade e Teoria do Direito. Revista Jurídica da Universidade de Franca, v. 3, n. 4., 2000. p.197.

[31]          Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 4.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed, 2006. p. 119.

[32]          ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002. p. 158.

[33]          BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, Racionalidade e Atividade Jurisdicional, Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 43-45.

[34]          ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica. 2. ed. São Paulo: Landy, 2005. p. 38-40.

[35]          ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002. p. 161.

[36]          ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002. p. 167.

[37]          HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, vol.1. 2.ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 315

[38]          Id., ibid. p. 317

[39]          HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, vol.1. 2.ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. p. 321

[40]          Id., ibid. p. 315

[41]          ALEXY, Robert. Tres Escritos Sobre los Derechos Fundamentales y la Teoría de los Principios. Bogotá: Universidad Externado de Colômbia, 2003. pp. 130-131

[42]          ALEXY, Robert. Epílogo a la Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Colegio de Registradores de la Propriedad, Mercantiles y Bienes Muebles de España, 2004. p. 49

[43]          ALEXY, Robert. Constitucionalismo Discursivo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 138

[44]          “G” representa peso (Gewicht, em alemão), enquanto “A” serve para reforçar que esta variável se refere a peso abstrato.

[45]          ALEXY, Robert. Constitucionalismo Discursivo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. pp.138-139

[46]          Id., ibid. p.141.

[47]          Id., ibid. p.143.

[48]          Id., ibid. p.145.

[49]          ALEXY, Robert. Constitucionalismo Discursivo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p.146

[50]          Id., ibid. p.150

[51]          ALEXY, Robert. Constitucionalismo Discursivo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p.152

[52]          SOUZA NETO, Cláudio Pereira. Ponderação de Princípios e Racionalidade das Decisões Judiciais. Boletim Científico da ESMUP, n.15. Brasília, 2005. p. 220.

[53]         SCHUARTZ, Luis Fernando. Norma, Contingência e Racionalidade. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 218

[54]          BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Princípios, Regras e a Fórmula de Ponderação de Alexy: um modelo funcional para a argumentação jurídica? Revista de Direito Constitucional e Internacional, n. 54. São Paulo, 2006. p. 96

[55]          SCHUARTZ, Luis Fernando. Norma, Contingência e Racionalidade. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 193

[56]          SCHUARTZ, Luis Fernando. Norma, Contingência e Racionalidade. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.p.200-201

[57]          Id., ibid. p.202

[58]          Id., ibid. p. 219

[59]          Id., ibid. p. 183

[60]          HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, vol.1. 2.ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. pp. 321-322

[61]          Id., ibid. p. 322

[62]          Id., ibid. p. 323

[63]          HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, vol.1. 2.ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. pp.322-323


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, André Canuto de F.. O modelo de ponderação de Robert Alexy. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4077, 30 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31437. Acesso em: 28 mar. 2024.