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A redução da maioridade penal sob a ótica constitucional

A redução da maioridade penal sob a ótica constitucional

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O presente estudo tem como sucedâneo o Ordenamento Jurídico Brasileiro, no qual a maioridade penal se dá aos 18 anos auferindo a proteção de um direito individual e por consequência cláusula pétrea, o que inviabiliza a sua revogação.

RESUMO:O presente estudo tem como supedâneo o Ordenamento Jurídico Brasileiro, no qual a maioridade penal se dá aos 18 anos auferindo a proteção de um direito individual e por consequência cláusula pétrea, o que inviabiliza a sua revogação. Entretanto, diante do clamor de grande parte da sociedade brasileira pela redução da maioridade penal, surgiu entre os legisladores e juristas uma celeuma em torno do assunto e o questionamento quanto a possibilidade de alteração da norma infraconstitucional. Impulsionado pelos movimentos sociais e principalmente por questões envolvendo o aumento na incidência da criminalidade no Brasil, praticado por crianças e adolescentes, diuturnamente veiculadas nos meios de comunicação, alimentado o pânico e o cenário de insegurança, a população brasileira se dividiu nos que apoiam a redução da maioridade penal e aqueles que possuem opinião contraria. Suscitando debates calorosos em todas as esferas do poder quanto a possibilidade de promover a redução da maioridade penal face os princípios, direitos e garantias Constitucionais. Tal questionamento amplamente discutido entre os juristas, legisladores e a própria população esbarra nos princípios garantidores da Constituição Federal e na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança da qual o Brasil é signatário. Garantias supraconstitucionais do próprio Estado Democrático de Direito levando a avaliar a problemática como relevante, nos dias atuais, devido ao preocupante aumento da criminalidade na população jovem.

Palavras-chave: Redução Maioridade. Penal. Inconstitucionalidade. Princípios. Cláusulas Pétreas.


1 INTRODUÇÃO

A discussão acerca da redução da maioridade penal tem grande repercussão social. Influenciada por casos de grande comoção nacional, a população levanta bandeiras pela modificação dos critérios de imputabilidade penal, alavancada pelos anseios coletivos à contenção aos altos índices de criminalidade envolvendo jovens infratores.

Trata-se de um problema social, que vem promovendo ao longo dos anos uma ampla mobilização da opinião pública e influenciando, de certo modo, o sistema de justiça criminal a formular e implementar políticas públicas de segurança e justiça a despeito da atual legislação penal.

Na esteira dos anseios coletivos, surgem debates envolvendo a redução da maioridade penal, a qual permitiria imputar aos adolescentes que cometem delitos, em quantidade e gravidade semelhantes aos cometidos pelos adultos, às sanções previstas no Código Penal, o que nos leva na contramão da previsão Constitucional, artigo 228 da Constituição Federal, bem como na legislação infraconstitucional, notadamente no artigo 27 do Código Penal e no artigo 104, caput, do Estatuto da Criança e do Adolescente, que preceituam que a maioridade penal inicia-se aos 18 anos.

Neste contexto, suscitam-se as possibilidades para alteração da norma, o que nos leva a abordar o tema sob a ótica da inconstitucionalidade de tais medidas vez que alanceiam princípios constitucionais basilares como a dignidade da pessoa humana, imutabilidade das cláusulas pétreas e outros de suma importância.

Diante das antinomias jurídicas abrangendo a temática surge o seguinte questionamento: É possível promover a redução da maioridade penal ante os princípios, direitos e garantias Constitucionais?


2 ASPECTOS CONSTITUCIONAIS ACERCA DA PROPOSTA DE REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

O debate acerca da diminuição da idade penal acastela-se no calor dos acontecimentos, sendo amplamente difundida e apoiada por alguns membros do Poder Legislativo como o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) que apresentou para apreciação da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) a PEC 33/2012 com o objetivo de alterar as atuais regras da maioridade penal, de modo a permitir o julgamento e a condenação, já a partir dos 16 anos, de pessoas acusadas de crimes hediondos.

Mister se faz destacar a discussão abarcando o tema, pois defrontam com a ausência de políticas públicas essenciais voltadas a garantia de um conjunto de princípios e normas, com finalidade básica de reger a sociedade e organizar o Estado, alcançado o bem comum, uma sociedade justa, com o fim precípuo de reduzir as desigualdades sociais.

A Constituição de 1988 buscou antes e acima de tudo estruturar a dignidade da pessoa humana à essência do ser humano, constituindo-se num bem jurídico irrenunciável, inalienável e intangível, não se teria dúvidas em atribuir-lhe o condão de absoluto.

A violação dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes que sustentam a continuidade de práticas políticas autoritárias e suspendem a legitimação dos direitos, acirram os conflitos sociais e generalizam a sensação de medo. Medo este que induz ao grande questionamento quanto à redução da maioridade penal como única solução para punição dos menores infratores os quais tenham praticados delitos previstos no Código Penal como crimes, para as pessoas capazes e para estes, tidos apenas como ato infracional.

Como é sabido, mesmo tendo praticado um ato infracional, o qual se encontra tipificado no Código Penal, a aplicação da medida socioeducativa, prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, tem cunho educativo e não punitivo. Portanto, não visa imposição de pena de caráter preventivo, mas a aplicação de medidas protetivas que possam recuperar e reintegrar o adolescente à sociedade e ao meio familiar.

Assim, o magistrado, ao impor uma medida socioeducativa, não está obrigado a observar uma gradação, mas sim, as condições pessoais do menor, o quadro social em que este está inserido, as circunstâncias e a gravidade do ato infracional praticado, consoante dispõe o art. 112, § 1º, da Lei nº 8.069/90.

Tal situação é avaliada em vários artigos apresentados por estudiosos do assunto, entre eles o artigo de Mariana Sgarioni em que afirma serem os desvios de conduta na infância preocupantes em relação à formação do caráter destes jovens infratores.

Veja-se:

Segundo uma pesquisa da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), cerca de 3,4% das crianças apresentam problemas de conduta como mentir, brigar, furtar e desrespeitar. A crueldade com animais é outra das características em crianças e adolescentes a que os médicos mais chamam a atenção para diagnosticar o transtorno de conduta. Se for recorrente e estiver aliado a mentiras frequentes, furtos e agressões, por exemplo, esse comportamento pode ser bem preocupante. (SGARIONE, 2009, p.32.)

Após décadas assombrados pelo aumento de violência envolvendo jovens com o crime é possível traçar um perfil da criança e adolescente na conjuntura atual, o que aguça os debates públicos sobre o envolvimento dos jovens e as formas de controlar e conter a delinquência juvenil, o que nos leva ao principal objeto deste trabalho que é analise da inconstitucionalidade da redução da maioridade penal.

Polêmicas em torno do tema redução da maioridade penal envolvem, não apenas os aspectos políticos, mas os socioculturais e filosóficos que permeiam a própria a matéria, dificultando a possibilidade de uma solução valida entre o Estado e a sociedade. As propostas de Emenda constitucional que tramitam no Senado com fito de alterar a Constituição Federal e consequentemente o Código Penal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) aliance-se e garantias individuais consideradas invioláveis.

Existem restrições a modificabilidade destes preceitos na Constituição Federal e não se esgotam na enunciação explícita de matérias ou de circunstâncias impeditivas de revisão, emenda ou reforma.  Acompanhando tal entendimento nos lembra Machado (2005, p. 240) que os direitos e garantias individuais são preceitos constitucionais imodificáveis, reconhecidos como cláusulas pétreas e as define como:

O núcleo intangível ou cerne imodificável da Lei Maior, sendo garantias de perenidade de determinados valores. Nada mais são do que limitações materiais ao poder de reforma e podem ser encontrados expressa ou implicitamente na Constituição.

Podemos, ainda, ressaltar os comentários referentes ao tema, como o caso de Alamiro Velludo Salvador, membro da Comissão de Direito Penal do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), que suscitou a inconstitucionalidade da redução da maioridade penal, verbis:

As pessoas que buscam a redução da maioridade penal passam a falsa impressão que isto resolve o problema da criminalidade. Salvador aponta três problemas que dificultam a implementação deste projeto: a primeira é a inconstitucionalidade, pois trata-se de cláusula pétrea. A segunda é o sistema criminal, que segundo Salvador não é suficiente para reduzir a criminalidade. “Criação de mais penas ou o aumento destas não implica em menos delitos e sim em mais presos. Há estudos no direito penal que apontam pra isso”, explica. E o terceiro problema é o foco errado da discussão. (ROVER, 2013)

E do ilustre doutrinador Damásio de Jesus (2002) coadunando à ideia acima, na qual expressa seus receios a tal medida drástica, deixando clara sua opinião contrária à redução da maioridade penal:

A minha posição é contrária à redução da maioridade, porque note que muitas vezes a ideia é brilhante ou a medida é correta, mas inconveniente em face do tempo e do lugar. De maneira que, tecnicamente, seria a favor de baixar para 16 anos, mas não podemos nos esquecer do país em que estamos e a situação penitenciária que possuímos. O Brasil, hoje, infelizmente, é um dos que têm péssimo sistema penitenciário. De modo que, se baixarmos a maioridade para 16 anos, simplesmente vamos transferir aqueles que têm 16 anos, 17 anos, para as penitenciárias. E elas não têm nenhuma condição de dignidade de recebê-los. O sistema penitenciário tem que ser responsável, sério, eficiente. Não temos isso. O princípio da dignidade é um dos que norteiam a população brasileira e esse princípio é previsto na Constituição Federal. O condenado deve sofrer uma pena justa, certa e de acordo com a gravidade do crime. Em muitas cadeias públicas e penitenciárias há celas em que cabem dez pessoas e são colocadas 40, 50 pessoas. Temos acompanhado essa situação há muitos anos e não há nenhuma medida que na prática tenha, se não resolvido esse problema definitivamente, pelo menos tornado-o razoável. Ninguém pode negar que um rapaz de 16 anos de idade tem plena capacidade de entender o que é certo e o que é errado. Isto é, ele tem condições de alcançar a licitude do fato, ele sabe o que é correto, o que não é. Não se pode negar isso. Mas também não se pode negar que baixando a maioridade, vamos transformar essas pessoas que hoje se encontram sob a égide do Estatuto da Criança e do Adolescente sob o poder do sistema penitenciário. De maneira que, no momento, a ideia de baixar a maioridade, é absolutamente imprópria, é incorreta e injusta. Poderá se tornar lei, mas vai ferir os princípios constitucionais, morais e todos os princípios que os brasileiros respeitam. Baixar a maioridade para 16 anos não vai alterar a criminalidade. Porque se não podemos hoje resolver a situação dos condenados maiores, como é que vamos resolver a situação daqueles que hoje são menores e amanhã serão pela lei nova, se vier a viger, maiores?

Damásio (2002), ainda, complementa seu posicionamento contrário à redução da maioridade penal ao afirmar que:

Falam em alterar o Código Penal, a Lei de Execução Penal, o Código do Processo Penal e o ECA. Não vai adiantar nada. Tenho repetido que podemos alterar qualquer lei de natureza penal um milhão de vezes, nada altera. Porque o que deve ser alterado é na prática o sistema penitenciário. Os códigos desembocam na Lei de Execução Penal e nessa lei a instituição mais forte, a principal, é a pena. E a pena hoje não é executada nos moldes previstos na Constituição e nem no Código Penal. Criar novos crimes, criar uma qualificadora em relação àquele que cometeu um crime com um menor, isso já existe. De maneira que se colocar cinco anos, seis anos a mais na pena, não adianta, porque o que reduz a criminalidade não é a criação de novos tipos penais, não é o aumento da pena, é a certeza da punição. Na Alemanha de hoje, 85% dos crimes de sangue são apurados, e os criminosos são processados, condenados e cumprem pena. De maneira que lá, o criminoso, antes de cometer um latrocínio, ele tem consciência que a chance de ele cumprir pena é de 85%. Isso sim diminui a criminalidade.  

Neste diapasão, é necessário esclarecer que ao atribuirmos sanções semelhantes àquelas aplicadas aos delinquentes penalmente imputáveis a indivíduos transgressores da norma com idade de 16 a 18 anos estamos ferindo Cláusula Pétrea. Desta forma, para promovermos a alteração da idade penal, antes, serão necessárias alterações na Constituição Federal Brasileira.

Entendimento este que coaduna com as palavras de Damásio de Jesus (2007) em uma entrevista para Camilo Toscano do Home Última Instância.

Acredito que seja um princípio que só possa ser alterado mudando a Constituição. Como alterar a Constituição, se é uma cláusula que não pode ser alterada? Poderíamos discutir esse assunto. A cláusula pétrea é terrível também, porque é pétrea até quando? Daqui a 200 anos não pode ser alterada a Constituição? É claro que pode, porque os princípios mudam, porque a realidade muda. De modo que alterada a realidade brasileira, quando tivermos um sistema penitenciário, criminal, à altura, acredito que poderemos dizer que, ainda que seja pétrea, tem que ser repensada. Quando tivermos um serviço que eles chamam lá fora de proteção e prevenção da prática delituosa de menores, poderemos pensar em alterar alguma coisa. A Lei dos Crimes Hediondos, pergunta-se: “Alterou alguma coisa em termos de criminalidade”? Não [sobre isso, leia: “Estudo do Ilanud revela que Lei de Crimes Hediondos não reduziu criminalidade”]. Na Lei dos Crimes Hediondos, cometer um crime de estupro contra menina de 13 anos leva a uma pena de nove anos, e o homicídio leva de seis anos. Isso é um absurdo. Espanta aplicar uma pena de nove anos? Há a consciência de que poucos são os processados e pouquíssimos são condenados, e menos ainda são os que chegam a cumprir o quantum da pena devido pelo seu delito. A criminalidade pode ser reduzida a termos razoáveis por uma série de instrumentos, como a educação. Temos que educar as crianças e esperar 30 anos, 40 anos. Aí, vai mudar. Mas uma medida de emergência, alterar o Código Penal, o ECA, não vai criar nenhum efeito benéfico para a sociedade. Vamos mandar um garoto de 16 anos para pós-graduação em criminalidade.

A temática abordada traz à tona os conflitos em torno da possibilidade jurídica de reforma aos princípios basilares da Constituição Brasileira, muito bem salientada por Ednaldo Dantas Segundo (2009, p. 41-42) que se refere ao limite ao poder de reformar como:

É exercido pelo poder constituinte derivado e, por ser derivado, sujeita-se a determinados limites impostos pela Constituição. A celeuma a respeito da possibilidade jurídica de restrições ao poder de reforma, mormente no que concerne à intangibilidade deste ou daquele preceito constitucional, rende entre diversos doutrinadores de peso, intenso debate.

E, ainda, ressalta que:

É obvio que qualquer Constituição não se pode prestar a “engessar” a marcha do processo histórico, porquanto sua eficácia está diretamente relacionada à realidade constitucional. No entanto, o processo de concretização da Constituição, ligado diretamente ao princípio da segurança jurídica, requer certa durabilidade, absolutamente incompatível com a total disponibilidade do texto por parte do denominado constituinte derivado. Desta feita, urge que sejam implementados mecanismos que limitem o poder revisional e/ou reformador.

Notadamente, há de se salientar que a presciência da inimputabilidade prevista na Constituição Federal constitui cláusula pétrea, insusceptível a modificações. Podendo, ainda, advertir que a redução da maioridade penal constitui medida inconstitucional. Totalmente em desacordo a proteção às crianças e adolescentes que as mesmas possuem na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, fazendo-se necessário que a sociedade tome sua real posição na efetivação da proteção destas.

Feita esta digressão em relação aos anseios sociais e o posicionamento jurídico inerente aos meios e formas para solução do problema, os autores dos projetos de lei que propõem a redução da idade penal têm procurado mobilizar a sociedade para que a imputabilidade penal seja reduzida dos atuais 18 para 16 anos. Com isso, os adolescentes, pessoas em processo peculiar de desenvolvimento, passariam a ser julgados pela Justiça comum e cumpririam pena no sistema penitenciário já a partir dos 16 anos.

Não obstante nutridos por razões absolutamente jurídicas, certo é, que tal posicionamento fere constitucionalmente cláusula pétrea, aquela imodificável, irreformável, insusceptível de mudança formal. Neste diapasão, Lammêgo Bulos (1999, p.42-44), afirma que são cláusulas que possuem supereficácia, ou seja, uma eficácia absoluta, pois contêm uma força paralisante total de toda a legislação que vier a contrariá-la, quer implícita, quer explicitamente. Daí serem insusceptíveis de reforma.

Ainda, não se poderia deixar de registrar o posicionamento de José Afonso da Silva, quando esclarece que as Constituições Brasileiras Republicanas sempre contiveram um núcleo imodificável. E a Constituição atual ampliou o núcleo, definindo no artigo 60, § 4º, que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos Poderes, os direitos e garantias individuais. A vedação atinge a pretensão de modificar qualquer elemento conceitual de direito e garantia individual que “tenda” para sua abolição. Assim podemos citar Manoel Gonçalves Ferreira Filho o qual afirma (2012, p.131):

Na tradição do direito constitucional, direitos e garantias individuais são os direitos de liberdade, típicos da primeira geração. Não tem sentido, todavia, imaginar que a Constituição diferencie entre os direitos fundamentais a inabolibilidade de uns – as liberdades – e não de outros os direitos sociais e os direitos de solidariedade. Assim deve-se entender que as cláusulas de inabolibilidade abrange todos os direitos fundamentais.

Importante também acrescentar que a cláusula pétrea pode ser modificada sim, desde que não venha restringir direito e sim ampliá-los. Daí o princípio da imutabilidade relativa sobre o Poder Constituinte Derivado, limites impostos ao próprio Estado, e que avultam a importância das próprias limitações ao Poder constituinte derivado, pela sua própria natureza jurídica, constituído num quadro de limitações explicitas e implícitas, decorrentes do próprio texto legal e cujos princípios se sujeitam. Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2012, p.131), ainda salienta que:

Deve-se considerar que as cláusulas pétreas não alcançam senão direitos fundamentais materiais. Seria uma fraude que protegessem direitos comum com a inabolibilidade. Já é muito que só possam ser abolidos por emenda constitucional.

Neste diapasão, ressalta-se a cláusula pétrea com a função precípua de atuar como uma intransponível barreira, que impede qualquer ataque ao núcleo central do ordenamento jurídico do Brasil. Sem as cláusulas pétreas a Constituição fica vulnerável e, lógico, coloca em risco a democracia, trazendo prejuízos irreparáveis aos direitos fundamentais e constitucionais dos indivíduos.

Considerada obstáculos materiais ao poder de reforma da constituição de um Estado, são dispositivos criados para afastar alterações, inclusive por meio de emenda, tendentes a abolir as normas constitucionais relativas às matérias por elas definidas. De qualquer maneira a defesa normativa deve cair sobre o princípio implícito na norma, e como salienta SARTET (2005, p.410) não significando uma intangibilidade literal, mas a proteção do núcleo essencial dos princípios e institutos cuja a preservação é assegurada pelas cláusulas pétreas.


3 A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL E OS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS

Insofismável os entendimentos que a aludida proposta de redução à maioridade penal apena fere preceitos constitucionais. A dialética não se reduz apenas a preceitos constitucionais, mas a tratados internacionais aos quais o Brasil se tornou signatário.

Para o deputado Luiz Couto as propostas de Emenda Constitucional para redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, contraria artigo da Constituição que não pode ser alterado por ser cláusula pétrea, além de desrespeitar o Pacto de São Jose da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, contrariando diretamente o princípio da dignidade da pessoa humana, ao autorizarem o julgamento de adolescentes como adulto. Cita-se, por oportuno, suas palavras ao afirmar que:

De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) os adolescentes vivem uma fase especial do desenvolvimento humano e por isso o Estado tem o dever de lhes assegurar proteção integral. Para ele, reduzir a maioridade penal seria o mesmo que jogar os jovens em conflito com a lei no deteriorado sistema prisional brasileiro, considerado por muitos com uma “universidade do crime.

Aqueles que consideram exorbitante o posicionamento de Couto, logrado de que tal entendimento se norteia pelo fato de ser a República Federativa do Brasil signatária da Convenção sobre o Direito das Crianças, a qual traz em seu preâmbulo que:

Convencidos de que a família, unidade fundamental da sociedade e meio natural para o crescimento e bem-estar de todos os seus membros e, em particular das crianças, deve receber a proteção e assistência necessárias para que possa assumir plenamente suas responsabilidades na comunidade;

Não nos parece demasiadamente exagerado darmos continuidade e salientar que tal instituto ainda nos revela:

Considerando que cabe preparar plenamente a criança para viver uma vida individual na sociedade e ser educada no espírito dos ideais proclamados na Carta das Nações Unidas e, em particular, em um espírito de paz, dignidade, tolerância, liberdade, igualdade e solidariedade;

Assim, podemos colher os ensinamento de Fernando Capez (2011; p.24) ao apontar o Estado Democrático de Direito de atender aos anseios de uma sociedade livre, justa e solidária e firma que:

Verifica-se o Estado Democrático de Direito não apenas pela proclamação formal da igualdade entre todos os homens, mas pela imposição de metas e deveres quanto à construção de uma sociedade livre, justa e solidária; pela garantia do desenvolvimento nacional; pela erradicação da pobreza e da marginalização; pela redução das desigualdades sociais e regionais; pela promoção do bem comum; pelo combate ao preconceito de raça, cor, origem, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação (CF, art. 3º, I a IV); pelo pluralismo político e liberdade de expressão das ideias; pelo resgate da cidadania, pela afirmação do povo como fonte única do poder e pelo respeito inarredável da dignidade humana.

E nas sábias palavras de Maria Berenice (2007, p.25), ao explicitar que:

Ainda que tenha o Estado o dever de regular as relações das pessoas, não pode deixar de respeitar o direito a liberdade e garantir o direito à vida, não só vida como mero substantivo, mas vida de forma adjetivada: vida digna, vida feliz.

Em destaque a valoração real da dignidade humana, como base principiológica e fundamento na interpretação do Ordenamento Jurídico da República Brasileira, coexistindo de maneira constante na luta para sua total aplicação e nas formas de sua garantia.

Compartilhando o pensamento, Celso Antônio de Melo (2000, p.747) define que princípio como núcleo de um sistema jurídico positivo, com as seguinte palavras:

É, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo lhes o espírito e servindo de critério para uma extra compensação e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhes confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.  É o conhecimento dos princípios que preside a intenção de diferentes partes componentes de todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. 

Reforçando tais entendimentos ainda podemos mencionar J.J. Gomes Canotilho, verbis:

O direito do Estado de Direito do século XIX e da primeira metade do século XX é o direito das regras dos códigos; o direito do Estado Constitucional Democrático e de Direito leva a sério os princípios, é um direito de princípios.

Ainda, neste mesmo sentido José Afonso da Silva (2001, p.96) nos traz uma primorosa definição:

Os princípios são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas, são [como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira] ‘núcleos de condensações’ nos quais confluem valores e bens constitucionais.

Ao definir princípio jurídico, Roque Antônio Carrazza (2002, p.33), reputa-se igualmente ao municiar uma definição pontual e excepcional a aplicabilidade dos princípios:

Segundo nos parece, princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam.

Não obstante, a esta contextualização, podemos citar Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2012, p.21) que salienta em sua obra o primado da Constituição a supremacia do Direito, in verbis:

A supremacia do Direito espelha-se no primado da Constituição. Esta, como na lei das leis, documento escrito de organização e limitação do Poder, é uma criação do século das luzes. Por meio dela busca-se instituir o governo não arbitrário, organizado segundo as normas que não pode alterar, limitando pelo respeito devido aos Direitos do Homem.

Todos esses aspectos intangíveis aos direitos fundamentais são de suma importância para o desenvolvimento social, surgindo daí a necessidade perene de resguarda-los e preserva-los.  O que necessariamente não afasta a possibilidade de uma discussão acerca da semântica ontológica do princípio da isonomia na Constituição Federal em que reza o art. 5º, caput, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.

É mister fomentar a discussão envolvendo a expressão “sem distinção de qualquer natureza”, sob os auspícios das lições de José Afonso da Silva (2005, p.215):

O princípio não pode ser entendido em sentido individualista, que não leve em conta as diferenças entre grupos. Quando se diz que o legislador não pode distinguir, isso não significa que a lei deva tratar todos abstratamente iguais, pois o tratamento igual – esclarece Petzold – não se dirige a pessoas integralmente iguais entre si, mas àquelas que são iguais sob os aspectos tomados em consideração pela norma, o que implica que os "iguais" podem diferir totalmente sob outros aspectos ignorados ou considerados como irrelevantes pelo legislador. Este julga, assim, como "essenciais" ou "relevantes", certos aspectos ou características das pessoas, das circunstâncias ou das situações nas quais essas pessoas se encontram, e funda sobre esses aspectos "essências" previstos por essas normas são consideradas encontrar-se nas "situações idênticas", ainda que possam diferir por outros aspectos ignorados ou julgados irrelevantes pelo legislador; vale dizer que as pessoas ou situações são iguais ou desiguais de modo relativo, ou seja, sob certos aspectos.

 Indubitável a condição peculiar dos adolescentes no que diz respeito da formação do caráter para que possa assumir plenamente suas responsabilidades na comunidade. Coadunando com o entendimento de Pedro Lenza (2013, p.1046) sobre o estabelecimento de “medidas de compensação” buscando oportunidade de igualdades a indivíduos que sofrem as mesmas espécies de restrições.

A citada medida de compensação mencionada por Pedro Lenza consubstancia com o art. 227, §3º, inciso V, positiva a proteção integral da criança e do adolescente com a seguinte redação:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 3º - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:

I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII;

V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade;

Não poderíamos deixar de salientar a expressão condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, no entendimento do ilustre pedagogo Antônio Carlos Gomes da Costa, um dos principais colaboradores e defensores do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ao elucidar o preceito nos revela: 

A condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento”. Esta expressão significa que a criança e o adolescente têm todos os direitos, de que são detentores os adultos, desde que sejam aplicáveis à sua idade, ao grau de desenvolvimento físico ou mental e à sua capacidade de autonomia e discernimento. (COSTA, 2011)

Assim, à criança e ao adolescente é assegurado o direito à liberdade adequando-se aos ditames Constitucionais manifestada no art. 228, são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.

 Os direitos da criança e do adolescente são deveres da família, da sociedade e do Estado, esta articulação direito-dever perpassa os interesses do próprio Estado, pois se trata da proteção judicial dos interesses individuais, difusos e coletivos. O reconhecimento da peculiaridade dessa condição vem somar-se à condição jurídica de sujeito de direitos e à condição política de absoluta prioridade, para constituir-se em parte do tripé que configura a concepção de criança e adolescente do Estatuto da Criança e do Adolescente, pedra angular do novo direito da infância e da juventude no Brasil.

De todo modo, a esta realidade o princípio da proteção integral incorporou-se ao ordenamento jurídico brasileiro configurando-se uma opção política e jurídica que resultou na concretização direito firmado na concepção de democracia. O Direito da Criança e do Adolescente emerge como um sistema orientado pelo princípio do interesse superior da criança, previsto no art. 3º, 1, da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, determinando que:

Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente o maior interesse da criança.

Não restam anfibologias de que é um princípio decorrente do reconhecimento da condição peculiar da criança como pessoa em processo de desenvolvimento.

Nesta ceara principiológica devemos ficar atentos ao princípio da legalidade, que limita o Poder do Estado em interferir nas liberdade individuais de seus cidadãos, bem como a assegurar a inviolabilidade ao princípio da Segurança Jurídica invocamos a proteção ao princípio da proteção integral que trata as crianças e os adolescentes o nosso sistema jurídico, mas especificamente no Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 1º, em que reza que “Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente” não é nova, mas, ao contrário, é apresentada para tentar como que resgatar algo já vivido no passado, onde a família, a comunidade, a sociedade e o próprio Estado andavam juntos, trabalhando e lutando para o fortalecimento da família e, com isso, dos menores.

De igual sorte elucida Bruñol (2001; p. 101) no que tange a aplicação dos princípios do direito:

Os princípios, no marco de um sistema jurídico baseado no reconhecimento de direitos, pode-se dizer que são direitos que permitem exercer outros direitos e resolver conflitos entre direitos igualmente reconhecidos.

Entendendo deste modo a ideia de ‘princípios’, a teoria supõe que eles se impõem às autoridades, isto é, são obrigatórios especialmente para as autoridades públicas e vão dirigidos precisamente para (ou contra) eles.

Para garantir a efetividade das normas constitucionais podemos destacar a decisão proferida pelo STF, no RE 393175/RS, que teve por relator o Ministro Celso de Mello, na qual afirmar que:

Não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o reconhecimento formal de um direito. Torna-se essencial que, para além da simples declaração constitucional desse direito, seja ele integralmente respeitado e plenamente garantido, especialmente naqueles casos em que o direito - como o direito à saúde - se qualifica como prerrogativa jurídica de que decorre o poder do cidadão de exigir, do Estado, a implementação de prestações positivas impostas pelo próprio ordenamento constitucional.

Em outro trecho da mesma decisão fica clara a força normativa da Constituição e dos princípios constitucionais, mesmo aqueles, que, a princípio, não têm eficácia plena:

A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQUENTE - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.

Assim, Thiago de Oliveira Andrade (2010) afirma que deve ser levado em consideração o entendimento jurisprudencial, vez que temos que reconhecer a vinculação constitucional do legislador, da administração pública e do particular aos ditames constitucionais, sobretudo aqueles que prescrevem direitos individuais e sociais. Mais do que isso, é preciso que se estabeleçam garantias efetivas de aplicabilidade a fim de que tais direitos se materializem.


4 A OMISSÃO DO ESTADO

O sistema acolhe a tese de que o direito da Criança e do Adolescente assenta-se no enunciado, proteção integral, o qual garante os direitos previstos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente. A garantia que lhes dá a condição de sujeitos de direitos, que devem ser suportados pela família, sociedade e Estado, independentemente de sua condição social, econômica ou familiar.

O fato é que os direitos conferidos à criança e ao adolescente, raramente têm sido garantidos, de acordo com a previsão legal. O que constantemente verifica-se é a violação desses direitos, principalmente no tocante à aplicação de medidas socioeducativas, haja vista que a aplicação se dá, muitas vezes, de forma incorreta, de maneira descontextualizada do ambiente social, político e econômico em que está envolvido o infrator, de forma desproporcional, além de ser momentânea e provisória, não atingindo, portanto, o fim pretendido pelo próprio Estado e aos anseios coletivos que buscam coibir o ato infracional.

Tais constatações apresentada por Paulo Afonso Garrido de Paula (2002, p.138) em que descreve a precariedade da tutela socioeducativa, assim:

A precariedade caracteriza a tutela socioeducativa de vez que o seu objeto-medida socioeducativa- sempre é realizada a título provisório, decorrência natural da instrumentalidade da tutela, de modo que cumpridas suas finalidades desaparece a justificativa, podendo, em consequência, ser revogada a qualquer tempo.

A aplicação da medida socioeducativa exige o cuidado de examinar, minuciosamente, o caso concreto, a fim de aplicar, de forma coerente, a medida condizente ao caso concreto. Garantindo, a eficácia da norma e a própria condição ao desenvolvimento de sua capacidade autônoma e de discernimento atendendo assim a função precípua da sanção.  Neste contexto, podemos citar Antônio Carlos Gomes da Costa (2009, p. 449) que dispõe sobre qual deve a finalidade da medida socioeducativa:

A natureza essencial da ação socioeducativa é a preparação do jovem para o convívio social. A escolarização formal, a educação profissional, as atividades artístico-culturais, a abordagem social e psicológica de cada caso, as práticas esportivas, a assistência religiosa e todas as demais atividades dirigidas ao sócio educando devem estar subordinadas a um propósito superior e comum: desenvolver seu potencial para ser e conviver, isto é, prepará-lo para relacionar-se consigo mesmo e com os outros, sem quebrar as normas de convívio social tipificadas na Lei Penal como crime ou contravenção.

Corroborando com o entendimento acima, Raimundo Luiz Queiroga de Oliveira (2003) esclarece:

As medidas socioeducativas aplicadas como reprimenda aos atos infracionais praticados por menores servem para alertar o infrator à conduta antissocial praticada e reeducá-lo para a vida em comunidade. Se o jovem deixa de ser causador de uma realidade alarmante para ser agente transformador dela, porque esteve em contato com situações que lhe proporcionaram cidadania, a finalidade da medida estará cumprida. Estão aqui, pois, rompidos os liames com a família e a sociedade. As possibilidades de restauração despencam e os jovens, sem projetos, sem oportunidades, expostos à verdadeiras "faculdades" do crime, não se recuperam. A volta para o seio da sociedade mostra-nos um cidadão muito pior, ainda mais violento e antissocial. Daí a excepcionalidade da medida, que, não obstante, tem sido muito aplicada dada a periculosidade dos infratores.

A grande falácia do sistema encontra-se forjada na própria sociedade e na família que mesmo tendo conhecimento de que o Estado não cumpre com o seu papel, de forma efetiva, no sentido de dar condições para que as crianças e os adolescentes tenham seus direitos assegurados, tanto com referência à lhe dar proteção integral, quanto à forma de aplicar medidas protetivas ou socioeducativas, cruzam os braços e não lutam para que os direitos sejam garantidos.

 Consoante a sistemática adotada nesta obra, a exposição casuística do posicionamento de Laryssa Borges (2008):

O ECA não pode ser modificado para "se adaptar" à realidade brasileira, e sim a sociedade é quem deve seguir as normas previstas na legislação. "Muitos defendem a modificação de uma lei que sequer tentam aplicar. Não podemos aceitar o argumento de que o ECA precisa mudar porque é moderno demais, [...]. O próprio Estado é o maior infrator contra os direitos das crianças, porque os entes federativos não garantem condições mínimas e seguras para que elas possam brincar livremente nas ruas, frequentar escolas de qualidade, ter boa alimentação e moradia decente. (BORGES, 2008).

Sobre a ineficácia da Lei temos o seguinte posicionamento de Martha de Toledo Machado que afirma: 

Todas as classes de direitos fundamentais situam-se na problemática da eficácia das normas constitucionais da mesma maneira, ou na mesma posição, independentemente do grau de aplicabilidade que uma norma constitucional específica, ligada a um direito fundamental específico, possa ter, em face da conformação concreta que aquele direito recebeu no texto constitucional, ditada pela sua “fase” de desenvolvimento histórico. [...], o processo, ou o fenômeno, de subjetivação e de positivação de cada direito fundamental, sob a ótica lógico-estrutural, é idêntico para qualquer direito fundamental; o grau de tutela concreta que cada um deles alcançou em dado ordenamento é que pode ser distinto. (MACHADO, 2003, p. 374).

Frise-se, ainda, que as medidas socioeducativas aplicadas na atualidade são de caráter emergencial inexistindo eficiência para ressocializar o adolescente infrator, oferecendo-lhe chances reiteradas de persistir na ilicitude, tornando-os cada vez mais marginalizados e fazendo com sua personalidade, que se encontra em processo de formação, se deforme ainda mais, face ao modo incoerente com que são aplicadas, sem transparência de propostas recuperativas, aguçando a tendência para o mundo do crime. Cita-se, por oportuno, um trecho do livro de Ney Moura Telles que coaduna ao apresentado neste trabalho:

Querer modificar a maioridade penal para encarcerar adolescentes, é infelizmente, querer transforma-los mais cedo e mais eficazmente, em verdadeiros delinquentes, perigosos, pois encaminha-los aos presídios, ao convívio com delinquentes formados, experimentados, é abdicar de qualquer possibilidade de educa-los para uma vida digna. Soa, por fim, como piada a proposta, uma vez que o Estado Brasileiro não tem sido capaz de construir estabelecimentos prisionais para atender às necessidades atuais de vagas a condenados a penas privativa de liberdade. Se a capacidade penal alcançar os adolescentes, como se propõe, então a falência do sistema penitenciário será ainda mais estrondosa (TELES, 2006, p 254).

Por força desse pensamento desenvolvido por TELLES, comungado por tantos outros juristas, e em consonância a ideia de proteção integral da criança difundido no próprio texto da Carta Magna de 1988, que objetivaram juntos os juristas e alguns legisladores à tese contrária a redução da maioridade penal no Ordenamento Jurídico Pátrio.


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste ponto, considerando o contexto sociocultural entorpecido pela violência que vive a sociedade atual podemos concluir que efetivamente não seria possível a alteração imediata dos preceitos constitucionais garantidores à proteção integral do menor.

Constata-se, ainda, que são diversas as barreiras e dificuldades a serem enfrentadas pelo Estado, principalmente no que tange a criminalidade envolvendo a criança e o adolescente, além dos anseios sociais exigindo a redução da maioridade penal o que representa uma afronta aos princípios da dignidade da pessoa humana e principalmente das cláusulas pétreas e sua inalterabilidade.

Em se tratando da criminalidade envolvendo o menor infrator verifica-se a incompetência do Estado em realizar políticas públicas necessárias para se cumprir o que está previsto na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente um problema que assola o Brasil. O que não será resolvido apenas com a redução da maioridade penal, por representar um direito fundamental, não podendo ser objeto de Emenda Constitucional.

Nessa perspectiva, a celeuma está longe de ser solucionada, limitando-nos a registrar que a legislação aplicada ao menor vigente no país é muito efetiva, desde que cumprida pelo Poder Público, possuindo princípios próprios que asseguram a integral proteção do menor.

Tal alicerce normativo encontra-se pautado em dispostos legais impostos ao menor infrator que sofre medidas socioeducativas, a serem cumpridas pelo Poder Público nos moldes previstos na legislação infraconstitucional, o que solucionaria a questão suscitada de contenção da criminalidade afastando medidas extremistas aclamadas pela sociedade para reduzir a maioridade penal levando os infratores a cumprirem sanções que de nada ajudaria na sua ressocialização.

Como desdobramento do exposto, podemos afirmar que o Estado necessita fazer maiores investimentos em políticas públicas na área de educação, cultura, saúde e lazer, pode ser a solução para manter os jovens no convívio social assegurando os dizeres constitucionais e cumprindo a função de Estado Democrático de Direito.


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ABSTRACT:The present study has the footstool in the Brazilian legal system which gives the legal age to 18 years earning the protection of an individual right and therefore entrenchment clause, which prevents its repeal. However, before the clamor of much of the Brazilian society by reducing the age of criminal has emerged among legislators and jurist a stir around the subject and the questioning of the possibility of change in the infra standard. Driven by social movements and issues involving mainly the increase in the incidence of crime in Brazil practiced by children and adolescents incessantly aired in the media, fueled panic and a backdrop of uncertainty, the Brazilian population was divided in supporting the reduction of majority criminal and those who have contrary opinion. Raising heated debates in all spheres of power and the possibility of promoting the reduction of criminal responsibility against the principles, rights and Constitutional guarantees. Such questioning widely discussed among lawyers, legislators and the population itself comes up against the guarantors principles of the Federal Constitution and the International Convention on the Rights of the Child to which Brazil is a signatory. Supraconstitucionais guarantees the democratic state itself leading to analyze the problem as relevant today, due to the alarming rise in crime among young people.

Keywords: Majority reduction. Criminal. Unconstitutional. Principles. Entrenchment clauses.



Informações sobre o texto

Artigo apresentado como requisito para conclusão de curso na pós-graduação em Direito Penal da Universidade Anhanguera-UNIDERP. Pela discente Mestre em Direito pela UCB, com ênfase em Direito Econômico, Financeiro e Tributário Internacional. Professora do Curso de direito da Faculdade Atenas em Paracatu/MG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TUYAMA, Erika. A redução da maioridade penal sob a ótica constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4242, 11 fev. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31481. Acesso em: 28 mar. 2024.