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O risco da banalização do Código de Defesa do Consumidor

O risco da banalização do Código de Defesa do Consumidor

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A invocação e utilização indevidas do CDC não podem ser permitidas, sob pena de sua banalização.

ResumoEste trabalho teve por objetivo principal demonstrar que as normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor correm o risco da banalização, eis que comumente utilizadas de forma indevida e desenfreada, quer seja por consumidores, que as invocam como se fossem a solução para todos os seus problemas, não raramente com objetivos ilegais, quer seja por fornecedores, que cada vez mais a elas recorrem, como se consumidores fossem, cientes de sua força e eficácia.  Além disso, procurou-se demonstrar que para sedimentar a norma,  necessário que se coíba abusos de ambos os sujeitos da relação de consumo, inclusive aqueles praticados pelos consumidores, e se busque a harmonia entre eles, somente alcançável se houver transparência e boa-fé nesse relacionamento. 

Palavras-chave: Banalização. CDC. Harmonia. Boa-fé.

Sumário: INTRODUÇÃO..CAPÍTULO I -  A DEFESA DO CONSUMIDOR: O ESFORÇO NA CRIAÇÃO DE UMA LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA DE PROTEÇÃO.1.1 Os movimentos de defesa.1.2 Os principais órgãos, legislações protetivas e o surgimento do CDC.CAPÍTULO II - OS OBJETIVOS DO ESTATUTO PROTETIVO..2.1 Princípios norteadores.2.1.1 Princípio da Igualdade.2.1.2 Princípio da Vulnerabilidade .2.1.3 Princípio Dever Governamental .2.1.4 Princípio da Garantia da adequação .2.1.5 Princípio da Boa-fé nas relações de consumo..2.1.6 Princípio da Informação.2.1.7 Princípio do Acesso à Justiça. 2.1.8 Outros princípios.CAPÍTULO III - A  ABUSIVIDADE NAS RELAÇÕES DE CONSUMO.3.1  O Abuso de direito – breves noções.3.2  Práticas abusivas.3.2.1 Condutas comerciais abusivas. 3.2.2 O comportamento do consumidor.CAPÍTULO IV - O RISCO DA BANALIZAÇÃO DO CDC.4.1 Breves considerações. 4.2 Casos Práticos.4.2.1 Demandas temerárias.4.2.2 Pessoa Jurídica consumidora.CAPÍTULO V - HARMONIA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO.5.1 Transparência: o primeiro caminho para a harmonia..5.2 Boa-fé também na conduta do consumidor.CONCLUSÃO..REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


INTRODUÇÃO

 As alterações benéficas que o Código de Defesa do Consumidor provocou no mercado de consumo têm merecido especial atenção dos estudiosos da matéria, que destacam a melhoria na qualidade e segurança de produtos e serviços, a informação mais adequada, a diminuição dos abusos praticados no mercado, a prestação de serviços públicos mais qualificada, a facilitação no acesso à Justiça, a  modificação no comportamento dos fornecedores, que passaram a tratar os consumidores com mais respeito.

 Percebe-se, entretanto, pequena a preocupação da doutrina e jurisprudência com a crescente utilização, indevida e desmedida, da Lei 8.078/90, tanto por fornecedores como por consumidores.

 Este trabalho, assim, tem por objetivo a realização de análise acerca da provável banalização do Código de Defesa do Consumidor acaso não adotadas medidas que impeçam os sujeitos da relação de consumo de utilizarem a norma protetiva com fins espúrios, mormente através de demandas judiciais, algumas verdadeiramente temerárias, com enfoque especial no comportamento dos consumidores. 

A análise iniciará pela demonstração de que a criação de uma norma como o CDC, rígida, confiável e eficaz, somente foi alcançada com muito esforço da classe consumidora, especialmente através dos chamados movimentos de defesa, que sensibilizaram a sociedade de que era necessário construir uma legislação que regulasse o consumo de forma mais igualitária, com o afastamento dos abusos existentes, equilibrando a relação entre consumidores e fornecedores, até então favorável a apenas estes últimos, que controlavam o mercado. 

 Os objetivos do Estatuto Protetivo serão analisados e em especial os seus princípios norteadores, com a finalidade de demonstrar que o espírito da lei, embora se revele nitidamente pela tutela do consumidor, a exemplo do reconhecimento de sua vulnerabilidade, da necessidade de que os produtos e serviços sejam prestados com níveis adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho, da determinação de que a informação lhe seja prestada de forma clara e adequada, de ter facilitado o seu acesso à justiça, em vários momentos transcende o interesse das partes, precisamente quando o legislador indica deva existir entre elas igualdade, equilíbrio, harmonia, transparência, boa-fé.

 A abusividade nas relações de consumo receberá atenção especial em capítulo próprio, que tem por escopo demonstrar que condutas abusivas também podem ser praticadas por consumidores e que o CDC igualmente as censura, eis que prevê  coibição e repressão a todos os abusos praticados no mercado e não somente àqueles praticados por fornecedores.

 Seguindo o caminho do abuso, serão relatadas e analisadas demandas judiciais onde se percebe a má utilização das normas protetivas, em flagrante extrapolamento de seus objetivos, tanto por consumidores, que recorreram ao CDC para se beneficiar indevidamente, como por fornecedores, que invocaram-no em seu favor, como se seus tutelados fossem.

 Por fim, procurar-se-á demonstrar que a subsistência da norma protetiva e o sucesso do incipiente equilíbrio das relações de consumo dependem da existência da harmonia e boa-fé entre fornecedores e consumidores e que também destes últimos devem ser exigidas.


CAPÍTULO I - A DEFESA DO CONSUMIDOR: O ESFORÇO NA CRIAÇÃO DE UMA LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA DE PROTEÇÃO

1.1        Os movimentos de defesa

 A origem ou os primeiros passos dados na defesa do consumidor, através dos chamados movimentos consumeristas ou propriamente de defesa ostensiva dos consumidores surgiram ao final do século XIX, nos Estados Unidos, com as reivindicações da sociedade pela melhoria das condições de trabalho[1]. O movimento precursor da defesa do consumidor surgiu naquele país em 1891, com a Liga de Consumidores de Nova York,  primeira organização protetora dos consumidores, de caráter civil, a estimular o consumo de produtos oriundos de empresas que demonstravam respeito aos direitos dos trabalhadores, criando, inclusive, uma lista com o nome de produtos que preferencialmente deveriam ser consumidos. Foi uma das primeiras demonstrações da força que possuem os consumidores.

 Em meados do século passado,  surgiram os primeiros movimentos na Europa, sendo precursora a Dinamarca, com a criação de um grupo denominado de Conselho do Consumidor.

Em 1962, precisamente no dia 15 de março, os consumidores foram lembrados com grande entusiasmo pelo então Presidente dos Estados Unidos,  John F. Kennedy, que, além de reconhecer a sua importância para a economia, ressaltou quatro direitos básicos do consumidor: à segurança, à informação, à escolha e o de ser ouvido. Esse data foi considerada um marco histórico e até hoje é celebrada como o dia mundial dos direitos do consumidor.[2]

 Em abril de 1985, a Assembléia Geral da ONU deu um dos passos mais importantes para a sedimentação da proteção do consumidor. Através da Resolução 39/248, fixou  diretrizes para que os países pudessem elaborar ou aperfeiçoar sua legislação de proteção aos direitos do consumidor. Dentre elas, destacam-se: auxiliar países a atingir ou manter uma proteção adequada para sua população consumidora; oferecer padrões de consumo e de distribuição que preencham as necessidades e desejos dos consumidores; incentivar altos níveis de conduta ética para aqueles envolvidos na produção e distribuição de bens e serviços para os consumidores; auxiliar países a diminuir práticas comerciais abusivas usando todos os meios, tanto em nível nacional como em internacional, que estejam prejudicando os consumidores;  ajudar no desenvolvimento de grupos independentes de defesa do consumidor;  promover a cooperação internacional na área de proteção ao consumidor;  incentivar o desenvolvimento das condições de mercado que ofereçam aos consumidores sua escolha, com preços mais baixos.[3]

 Tal deliberação, desencadeando uma consciência coletiva da necessidade de criar mecanismos protetivos do consumidor, pode ser considerada um marco na história do consumerismo mundial, já que  fomentou a criação de leis protetivas por todo o mundo.

No Brasil, os movimentos de defesa começaram a surgir ao longo do século XIX.[4]

Começava a surgir a concentração dos meios de produção e, com ela, os primeiros cartéis, visando eliminar a concorrência.

 O objetivo, em princípio, era elevar a produção, desencadeando a hoje conhecida produção em massa, o que poderia reduzir os custos operacionais, barateando os preços e, via de conseqüência, aumentaria o consumo e, por óbvio, o lucro.

 Como era de se esperar, o aumento do consumo passou a elevar, na mesma proporção, a concorrência entre os produtores.  Começava a surgir a publicidade e a disputa pelo consumidor. Imaginava-se, como lembrado por Antônio Herman V. Benjamin, que o consumidor fosse o maior beneficiado com essas transformações, afinal, “[...]É para ele e pensando nele que se produz. É a ele que se vendem produtos e serviços; é a ele que se busca seduzir com a publicidade. É o consumidor, enfim, quem paga a conta da produção e é dele que vem o lucro do produtor[...]”[5].

 No entanto, em vez de despontar como o protagonista dessa relação, tornou-se o sujeito mais frágil. Nas palavras de Maria A. Zanardo Donatto, “[...]em face das extraordinárias proporções alcançadas por esse processo produtivo, cada vez mais fortalecido, o consumidor, já imbuído do espírito consumerista que esse mesmo processo produtivo veio a impingir-lhe, tornava-se vulnerável.”[6]  

Surgia nesse momento uma preocupação dos produtores em manter o espírito consumerista. A publicidade surgia para vender ao consumidor a idéia de que ele não poderia prescindir dos bens que lhe eram ofertados. Com o objetivo de manter o processo produtivo em funcionamento, estimulava-se o consumidor à criação de uma necessidade, até então inexistente para ele. Foi inventada, assim, o que  Thierry Bourgoignie denominou de "norma social do consumo": "[...]faz com que o consumidor perca o controle individual das decisões de consumo e passe a ser parte de uma classe, a "consommariat", conferindo claramente uma dimensão social ao consumidor e ao ato de consumir."[7]

 A produção em larga escala, aliada ao crescimento do consumo, desencadeou uma inevitável desigualdade entre o consumidor e o fornecedor, especialmente pela ausência de informações sobre os bens colocados no mercado de consumo, inclusive sobre a forma de contratação, normalmente mais benéfica ao fornecedor, sustentada pela liberdade existente na formação dos contratos, que deveriam ser cumpridos, diante da autonomia da vontade e a máxima pacta sunt servanda.

 Diante desse quadro, naturalmente o consumidor ocupava a posição mais frágil da relação, submetendo-se ao ditames do fornecedor, pela inevitável necessidade de consumir, mas dentro das regras do mais forte. 

 Com essa realidade, começaram a surgir os primeiros movimentos populares no Brasil, entre os anos de 1850 e 1900,  que ousa-se definir como os precursores da luta pela defesa do consumidor em nosso país. [8]

 É o caso do movimento dos “Quebra-quilos”, que tinha por objetivo rever o sistema de pesos e medidas, eis que as pessoas eram facilmente enganadas pelas balanças, em especial os pobres; da Revolta de Ibicaba, em 1851, quando os trabalhadores dos cafezais se insurgiram contra o abuso no preço das mercadorias que lhes eram vendidas, contra os pesos e medidas incorretos e contra os juros cobrados; do protesto contra a alta do preço de gêneros alimentícios de Salvador, em 1858, quando a palavra de ordem era “queremos carne sem osso e farinha sem caroço”; dos comícios e atos contra a Carestia, iniciados no Rio de Janeiro e São Paulo, nos anos de 1913 e 1914, e espalhados pelo país; dos comitês de combate à fome, em 1918, no Rio de Janeiro; do Cangaço, no Nordeste, de 1925 a 1938, sob o comando de Padre Cícero, ligado às questões da miséria; da Marcha da Fome, em 1931, com atos públicos e passeatas, em São Paulo, Santos e Rio de Janeiro; da Campanha de 1946, contra comerciantes que vendiam caro ou especulavam com mercadorias, com a instituição de uma “Banca de Queixas”; da Panela Vazia, entre 1951 a 1953, por todo o Brasil; do Dia Nacional do Protesto contra a carestia, em 07 de agosto de 1963, por todo o País; do Custo de Vida, em 1972, em São Paulo e outras capitais; do primeiro boicote à carne, em 1979; do I Congresso Nacional de Luta Contra a Carestia, em 1980; da Ação da Cidadania, Contra a Miséria e Pela Vida, 1993, com a criação de mais de 3000 comitês organizados em todo o País e muitos outros aqui não referidos.

Todos os movimentos criados para a defesa dos consumidores foram fundamentais para o surgimento de normas e organismos que, aos poucos, foram, de forma efetiva, protegendo os interesses do consumidor.

1.2        Os principais Órgãos, legislações protetivas e o surgimento do CDC

O Código Comercial de 1850[9] parece ter sido uma das primeiras legislações brasileiras em defesa do consumidor. O artigo 210, por exemplo, previa que o vendedor, ainda depois da entrega, ficava responsável pelos vícios e defeitos ocultos na coisa vendida, que o comprador não podia descobrir antes de a receber, sendo tais que a tornassem imprópria ao uso a que era destinada, ou que de tal sorte diminuíssem seu valor, que o comprador, se os conhecesse, ou não a compraria, ou teria dado por ela muito menos preço.

 Depois, os Códigos Civil e Penal, 1916 e 1940, respectivamente, mesmo que de forma indireta, traziam algumas normas protetivas.[10]

 A lei nº 1.521/51 tratou dos crimes contra a economia popular, dirigindo sua tutela ao consumidor. Em seu artigo 2º, enumerou um elenco de condutas consideradas ilícitas, a exemplo do inciso III, pela venda de produto cuja fabricação não estivesse de acordo com determinações oficiais, quanto ao peso e composição e V, pela mistura de gêneros e mercadorias de espécies diferentes, vendendo-os como se puros fossem, ou de diferentes qualidades, vendendo-os por valores marcados para os de mais alto custo.[11]

A Lei Delegada nº 4, de 1962, dispunha  sobre a Intervenção no Domínio Econômico para Assegurar a Livre Distribuição de Produtos Necessários ao Consumo do Povo e o suprimento dos bens necessários às atividades agropecuárias, da pesca e indústrias do País.

Em 1971,  foi criado o INMETRO12 - Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial, em substituição ao Instituto de Pesos e Medidas,   com o objetivo de verificar e controlar a observância das normas técnicas e legais no que se refere, especialmente,[12]à qualidade e quantidade de produtos e serviços.

 Os Órgãos de proteção ao consumidor começaram a surgir no Rio de Janeiro, em 1974, através da criação do CONDECON - Conselho de Defesa do Consumidor e, em 1975, através da ANDEC – Associação Nacional de Defesa do Consumidor.  No ano seguinte, em Curitiba, com a ADOC -  Associação de Defesa e Orientação do Consumidor e, em Porto Alegre, com a APC Associação de Proteção do Consumidor.  Nesse mesmo ano, surgia o primeiro Órgão Público de defesa do consumidor, o PROCON - Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor, em São Paulo, um marco fundamental, que deu origem a órgãos semelhantes em outras unidades da Federação[13].

 O Plano Cruzado, em 1986, fez surgir pelo País os denominados “Fiscais do Sarney”, que fiscalizavam o cumprimento da política de congelamento de preços, auxiliando a SUNAB, órgão federal de abastecimento da época, na verificação do cumprimento das determinações governamentais da não-alteração dos preços.

 Em 1987 surge o IDEC[14] - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, com sede em São Paulo, criado com o objetivo de promover a educação, a conscientização, a defesa dos direitos do consumidor e a ética nas relações de consumo, com independência política e econômica.

 Até aqui,  as relações de consumo eram basicamente regradas pelo Código Civil de 1916 e por outras leis esparsas, como citado. Inexistia legislação que regrasse, de forma sistematizada e específica, as relações de consumo.[15]

  Assim, os órgãos de defesa, embora travassem verdadeiras batalhas em prol do consumidor, tinham poder de coerção limitado, diante da ausência de uma legislação mais específica, eficaz e coercitiva.   A defesa dos direitos do consumidor em Juízo, a título coletivo, por exemplo, não poderia ser levada a efeito diante da ausência de uma legislação que o permitisse. As normas até então existentes regulavam as relações jurídicas de forma individual.  

 A partir de 1985, no entanto, começava a surgir essa possibilidade, com a edição da Lei da Ação Civil Pública, nº 7.347, que permitiu o ajuizamento de ações coletivas, também em prol do consumidor.

 Apesar da relevante contribuição trazida por essa Lei, que foi sentida sobremaneira pela brava atuação do Ministério Público através das Coordenadorias de Defesa do Consumidor, ainda era sentida a necessidade de uma legislação específica, que tratasse e coibisse, de  forma direta e integral, os abusos praticados nas relações de consumo, tutelando, mais efetivamente, as necessidades e direitos dos consumidores.

 A sociedade finalmente percebeu que era necessário regular as relações de consumo de forma mais igualitária, de modo que fossem atendidas tanto às necessidades dos consumidores como às dos fornecedores, equilibrando os direitos de ambos, sem esquecer da vulnerabilidade do consumidor, a parte mais fraca dessa relação. 

 Surge, então, pela primeira vez numa Carta Constitucional pátria,  determinação do legislador constituinte para que o Estado promovesse a  defesa do consumidor, devendo, para isso, editar uma lei que efetivamente o protegesse. Tamanha a importância dada ao consumidor pelo Constituinte que fez incluir a sua proteção dentre os princípios que norteiam a ordem econômica.[16]

 O legislador constituinte nada mais fez do que reconhecer e premiar todos os movimentos e esforços travados na defesa do consumidor.

A efetivação da determinação constitucional ocorreu em 11.09.1990, com a promulgação da Lei nº 8.078/90, o CDC - Código de Defesa do Consumidor, certamente a mais moderna norma protetiva do mundo.[17]

  Finalmente o legislador presenteia o consumidor com um diploma que lhe dá total amparo, garantindo-lhe o atendimento de suas necessidades, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida,  o direito à devida informação sobre produtos e serviços, que deverão ser prestados  com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho, a coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, a racionalização e melhoria dos serviços públicos, o direito à modificação ou revisão de cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou excessivamente onerosas,  a reparação de danos patrimoniais e morais que lhe forem causados, positivando a sua condição de vulnerável e facilitando-lhe a defesa de seus direitos, no processo civil, com a inversão do ônus da prova a seu favor, constatada a sua hipossuficiência.

  A tão esperada legislação protetiva veio para alterar, de forma radical, as relações de consumo no Brasil, determinando que, além de seu objetivo principal e fundamental, que é a busca incansável da defesa dos direitos do consumidor, haja harmonia no mercado de consumo, com a busca de um equilíbrio entre a necessária proteção do consumidor e a necessidade do desenvolvimento econômico e tecnológico, com amparo na boa-fé e igualdade que deve existir entre consumidores e fornecedores.

 O espírito da lei, já a partir de sua edição, parece estar sendo atendido. Os consumidores passaram a exigir mais respeito a seus direitos, quer seja fiscalizando o cumprimento das normas protetivas,  inclusive por reclamações nos organismos de defesa, quer seja pelos meios judiciais. Os fornecedores, premidos pelo ditames da norma reguladora, passaram a respeitar mais os direitos dos consumidores, adequando-se, a cada dia,  aos ditames do CDC, que, antes de ser um diploma desagregador, tem servido para fomentar negócios, a concorrência e, via de conseqüência, a melhoria da qualidade de produtos e serviços.

 O esforço empregado para a criação de uma legislação que trate as relações de consumo de forma equilibrada, no entanto, não pode passar despercebido. Faz-se necessária uma busca incessante do respeito às disposições do Código, ao espírito para o qual foi criado: defesa dos direitos do consumidor e harmonia nas relações de consumo.

De acordo com o magistério de Nelson Nery Júnior,

[...]o Código pretende criar a necessidade de haver mudança de mentalidade de todos os envolvidos nas relações de consumo, de sorte que não mais seja praticada a ‘Lei de Gerson’ no país, segundo a qual se deve tirar vantagem devida e indevida de tudo, em detrimento dos direitos de outrem. O Código pretende desestimular o fornecedor com espírito de praticar condutas desleais ou abusivas, e o consumidor de aproveitar-se do regime do Código para reclamar infundadamente pretensos direitos a ele conferidos [18].

 O Código protetivo não pode ser banalizado. Os esforços, agora, devem ser direcionados para que o Código Protetivo não perca seu prestígio, pela sua invocação e utilização desmedidas, o que acarretaria, inevitavelmente, uma regressão à época em que os direitos do consumidor sequer existiam, diante do desrespeito com que eram tratados.


CAPÍTULO II - OS OBJETIVOS DO ESTATUTO PROTETIVO

2.1 Princípios norteadores.

 A idéia fundamental sobre a qual o legislador constituinte determinou que o Estado promovesse a defesa do consumidor certamente não é outra senão a de que ele é a parte mais frágil da relação de consumo e, como tal, deve ser tratado.

 Tal premissa é um dos pilares da Lei 8078/90: o reconhecimento inquestionável da vulnerabilidade do consumidor.[19]

 O Estatuto Protetivo, portanto, diante da fragilidade do consumidor em sua relação como o fornecedor, teve de ser forjado com mecanismos eficientes que pudessem servir de guia ou norte a todas as normas nele inseridas, efetivamente equilibrando e harmonizando essa relação, com prerrogativas ao consumidor que lhe garantissem que suas necessidades seriam atendidas,  que fossem respeitadas a sua dignidade, saúde e segurança, melhorada a sua qualidade de vida, protegidos os seus interesses econômicos,  respeitado seu direito à informação, coibidos e reprimidos os abusos praticados no mercado de consumo,  assegurandolhe a reparação de danos patrimoniais e morais que lhe forem causados, com a facilitação da defesa de seus direitos, no processo civil, através da inversão do ônus da prova a seu favor, quando restar constatada a sua hipossuficiência.

Esses mecanismos utilizados pelo legislador para bem proteger o consumidor ou para regrar o maior número de situações envolvendo relações de consumo,  suprindo ou preenchendo as lacunas porventura existentes e desenvolvendo de forma mais justa o direito estabelecido através de interpretação,  são os princípios, que antes de tudo,  dão a sustentação necessária para que as normas protetivas possam ser, de forma efetiva, levadas a efeito.

 De acordo com o magistério de Celso Antonio Bandeira de Mello, os princípios podem ser entendidos como

[...]mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico [20]

 Na aplicação do direito, os princípios indicam o caminho que deve ser perseguido pelo intérprete, que não deve hesitar em aplicá-los, especialmente porque criados ou concebidos para sustentar ou complementar a norma, que por vezes pode estar ausente ou conflitar com outras e, neste caso, os princípios surgem como verdadeiros magistrados, indicando a de melhor aplicação ao caso concreto.

  Os princípios, no entanto, também podem conflitar entre si. É o caso lembrado por Cláudio Bonatto[21], do artigo 170, inciso V, da Constituição Federal, que traz a defesa do Consumidor como um dos pilares da ordem econômica, mas que pode conflitar com o da busca do pleno emprego, por exemplo, que está na mesma hierarquia. Cita o caso exemplificativo de uma empresa que possui 500 empregados, que produz fogões com defeitos tais que podem ocasionar acidentes de consumo. Neste caso, estando ele sub judice, existirá um conflito entre os princípios – de um lado a defesa do consumidor e de outro a defesa do pleno emprego. Se houver proibição da comercialização dos produtos defeituosos, inevitável a despedida de muitos funcionários. Na hipótese, diante do conflito, deverá haver a escolha por um dos princípios, sem que o outro, no entanto, deixe de existir. Percebe-se, diante da situação apresentada, ser possível também o conflito entre princípios, que deve ser solucionado, conforme as circunstâncias de cada caso e a preponderância de um sobre o outro ou até mesmo harmonia, que se consiga vislumbrar. 

 Feitas essas breves considerações sobre princípios, de forma geral, necessário que se identifique precisamente quais foram os objetivos traçados pelo legislador no âmbito do Código de Defesa do Consumidor.

O artigo 4º da Lei 8078/90, define os objetivos que devem ser perseguidos quando se está diante de relações de consumo.[22]

 É preciso que se esclareça que o alcance das normas estabelecidas pelo referido artigo é mais amplo do que o estabelecimento de princípios aplicáveis às relações entre consumidor e fornecedor.  Na verdade, nela são estabelecidas, principalmente, condutas que deverão ser cumpridas através de atos de governo, quando o legislador determina que o Estado se faça presente no mercado de consumo.

 Nesse sentido, a sua presença deverá ocorrer por meio de iniciativa direta, incentivando a criação de associações que representem o consumidor, garantindo-lhe que os produtos e serviços lhe sejam fornecidos com qualidade, segurança, durabilidade e desempenho, proporcionando-lhe a educação e informação sobre seus direitos, incentivando os fornecedores a criarem mecanismos de controle de qualidade e segurança dos produtos e serviços, coibindo toda espécie de abuso no mercado de consumo, racionalizando e melhorando os seus próprios serviços, devendo sempre estar atento as alterações nas relações entre fornecedor e consumidor, buscando a harmonia entre eles, inclusive tendo em conta a necessidade de compatibilizar o indispensável desenvolvimento econômico e tecnológico do país e a defesa dos interesses do consumidor.

Por certo que entre esses objetivos, que demandam especialmente atuação governamental, encontram-se alguns princípios que o legislador determinou fossem aplicados às relações de consumo. Mas não só nesta norma estão contemplados os princípios. Na verdade, estão espalhados pelo código, como se demonstra a seguir.

 De acordo com o Magistério de Arruda Alvim, Thereza Alvim, Eduardo Arruda Alvim e Jaime Marins, seis são os princípios fundamentais aplicáveis à Política Nacional das Relações de Consumo: Princípio da Vulnerabilidade, Princípio do Dever Governamental, Princípio da Garantia de Adequação, Princípio da Boa-fé nas relações de consumo, Princípio da Informação e o Princípio do Acesso à Justiça.[23]

De fundamental importância, no entanto, inclua-se nesse rol de princípios o da igualdade, que entende-se seja, ao lado do da Boa-fé, o de maior destaque dentre os  aplicáveis às relações regradas pelo Código Protetivo.

 Dessa forma, adicionando-o àqueles informados por Arruda Alvim e outros, sem a pretensão de esgotar, porque certamente existem outros,  necessário que se discorra sobre cada um dos princípios, a fim de que se possa buscar uma compreensão acerca do objetivo do legislador consumerista ao regrar as relações de consumo.

2.1.1      Princípio da Igualdade

 É inevitável que se considere aplicável às relações de consumo e a qualquer outra submetida ao ordenamento jurídico brasileiro o princípio da igualdade, eis que de origem constitucional e, portanto,  com a natural ascendência sobre as normas infraconstitucionais. Mais do que isso, ousa-se afirmar, o maior dos princípios.

Acompanhado de outros, o princípio é  tido como garantia fundamental pelo artigo 5º da Constituição Federal, com a determinação de que todos devem ser tratados de forma isonômica, sem qualquer distinção.

 A sua definição não exige mais do que uma frase para ser compreendida,  porque a busca pelo reconhecimento da igualdade está presente em todos os seres, desde o nascimento.

Todos, sem exceção, desde os tempos mais remotos, se não buscaram a soberania ou ascendência sobre o semelhante – o que seria a prepotência -,  no mínimo a igualdade objetivaram. É bíblico: todos são iguais perante Deus.

 A definição da igualdade, portanto, é singela. Para que esteja presente, necessário que todos, sem qualquer distinção, sejam tratados e tratem o outro da mesma forma, sem privilégios ou distinções.

A história demonstra, porém, que a busca da igualdade não atende ao interesse de todos, notadamente porque aqueles que se encontram numa posição de desigualdade favorável, que lhes traga benefícios, por certo não pretendem a isonomia.

No mercado de consumo essa desigualdade sempre esteve presente, ao menos até a edição do Estatuto Protetivo.  De um lado, o consumidor, necessitado de produtos e serviços para sua subsistência e, de outro, o fornecedor, possuidor dessas necessidades.   Os primeiros, até pouco tempo desavisados do poder que possuem nessa relação, submetiam-se às regras ditadas pelos segundos que, invariavelmente, utilizando-se do poderio econômico, faziam crer que as regras do mercado eram por eles traçadas e indiscutíveis. Aos consumidores, para o atendimento de suas necessidades básicas, restava a pura aceitação das regras estabelecidas pelos fornecedores, sem a devida informação sobre os produtos e serviços, o devido respeito à qualidade e segurança que devem possuir e, principalmente, sem o devido direito que têm de estabelecer, de forma equilibrada, as condições do negócio.

 Não foi outra a preocupação do legislador consumerista: proporcionar a todos os participantes da relação de consumo a merecida e esperada igualdade, quase sempre desrespeitada.

 O artigo 4º do Código do Consumidor traz a primeira demonstração de que as relações de consumo devem ser pautadas com respeito à igualdade, exatamente quando o legislador, dentre outros objetivos e princípios da Política Nacional das Relações de Consumo,  determina a existência de equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.

Como direitos básicos do consumidor, o artigo 6º elenca o da igualdade nas contratações.

Para que não restassem dúvidas de que a relação de consumo deve, em qualquer hipótese, respeitar a igualdade entre as partes, o legislador consumerista enfatizou, ao final do artigo 7º, que além dos direitos previstos na Lei 8.078/90, devem ser respeitados outros, nos moldes em que especifica, inclusive os que decorram dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e, novamente, eqüidade.

Ao mesmo tempo em que o legislador cria normas que determinam a observância da igualdade entre as partes consumidora e fornecedora, flagrantemente – até porque esse é o seu objetivo – , recheia o código com normas que são verdadeiros benefícios para o consumidor, a exemplo da inversão do ônus da prova a seu favor, no processo civil.   

 Poderia parecer que a edição de normas visivelmente favoráveis a apenas uma das partes estaria por ferir o próprio princípio da igualdade, como aponta o renomado constitucionalista Manoel Gonçalves Ferreira Filho:

Deve-se assinalar que atualmente o princípio da igualdade parece em regressão. É inegável a tendência ao desenvolvimento de um direito de classe, que, embora para proteger o social e economicamente fraco, lhe concede privilégios em detrimento do princípio da igualdade. Também se pode observar que a intervenção do Estado no domínio econômico se tem feito ao arrepio desse princípio.[24]

 No entanto, a igualdade não pode enxergada apenas sob o seu aspecto formal. E isto bem apreendeu o legislador consumerista, que de forma feliz conseguiu harmonizar a aparente e tão-somente aparente contradição.

 Igualdade sempre se propalou existir. Na verdade, trata-se da meramente formal, aquela em que todas as pessoas devem ser tratadas com isonomia, sem distinções, como está consagrando pela Constituição Federal. Entretanto, a busca deve ser pela efetiva igualdade, a do mundo dos fatos. Nas palavras de José Afonso da Silva, “[...]porque existem desigualdades, é que se aspira à igualdade real ou material que busque realizar a igualização das condições desiguais[...].”[25]

Nesse mesmo  sentido, com sua natural facilidade, Luís Renato Ferreira da Silva ensina que

[...]A compreensão dos regramentos do Código de Defesa do Consumidor  passa pelo entendimento de que seus destinatários encontram-se descompassados na sociedade e a consecução do primado da igualdade  implica em tratamento tendente à diminuição desta dessemelhança. É sob esta ótica que se aceitam regras aparentemente contraditórias com a Constituição por privilegiarem certa classe de sujeitos, quando, na verdade, estão a inserir-se na moderna noção de igualdade, quer como conteúdo da lei expressa, quer como critério direto de valoração constitucional aplicável casuisticamente[26].

A verdadeira igualdade é atingida quando as partes estiverem, efetivamente, em posição de similitude.  

 Considerando que o consumidor sempre foi a parte mais fraca na relação de consumo, a verdadeira igualdade somente será levada a efeito quando houver equilíbrio entre as partes, ou seja, se através da inversão do ônus da prova, por exemplo, se consiga que as partes estejam em um mesmo patamar, aí estará a igualdade.

Da mesma forma, quando a informação sobre produtos e serviços não seja monopólio do fornecedor; quando não existir qualquer espécie de abuso no mercado de consumo; quando, através da modificação ou revisão de cláusulas contratuais, sejam excluídas aquelas que estabeleçam prestações desproporcionais ou excessivamente onerosas, a igualdade estará efetivamente presente, porque as partes estarão diante das mesmas condições, das mesmas oportunidades, sem privilégios para os mais afortunados. Essa é a compreensão trazida por João Mangabeira:

"[...]O essencial é igual oportunidade para a consecução dos objetivos da pessoa humana. E para igual oportunidade é preciso igual condição. Igual oportunidade e igual condição entre homens desiguais pela capacidade pessoal de ação e direção. Porque a igualdade social não importa nem pressupõe um nivelamento entre homens naturalmente desiguais. O que ela estabelece é a supressão das desigualdades artificiais criadas pelos privilégios da riqueza, numa sociedade em que o trabalho é social, e conseqüentemente social a produção, mas o lucro é individual e pertence exclusivamente a alguns[...]".[27]

A igualdade que deve ser perseguida e que foi positivada pelo legislador é aquela que propicia o efetivo equilíbrio das relações de consumo, verdadeiramente tratando de forma desigual os desiguais e, dessa maneira, atingindo-se a tão esperada isonomia de tratamento.

2.1.2      Princípio da Vulnerabilidade

 A elaboração de uma lei que não apenas regulasse as relações de consumo, mas que fosse especialmente de caráter protetivo, não teve outra razão senão a decorrente da constatação de que o consumidor é a parte mais frágil ou vulnerável do mercado de consumo e, como tal, merece proteção diferenciada.

 De acordo com Paulo Valério Dal Pai Moraes, estudioso da matéria, entende-se a vulnerabilidade como sendo

[...] a qualidade daquele ou daqueles sujeitos mais fracos na relação de consumo, tendo em vista a possibilidade de que venham a ser ofendidos ou feridos, na sua incolumidade física ou psíquica, bem como no âmbito econômico, por parte do sujeito mais potente da mesma relação. 28

 Mesmo que de forma singela, importante registrar que a vulnerabilidade se assemelha, mas não se confunde com a hipossuficiência. Nesse sentido, Cláudio  Bonatto:

[...] a vulnerabilidade é um conceito de direito material e geral, enquanto a hipossuficiência corresponde a um conceito processual e particularizado, expressando aquela situação a dificuldade de litigar, seja no tocante à obtenção de meios suficientes para tanto, seja no âmbito da consecução das provas necessárias para demonstração de eventuais direitos.29

Como já se mencionou, o consumidor sempre ocupou a posição mais frágil da relação, submetendo-se aos ditames do fornecedor, pela inevitável necessidade de consumir, mas dentro das regras do mais forte. 

 Cada vez mais surgem técnicas avançadas de marketing,  criando desejos e fantasias na mente do consumidor, que provavelmente inexistiriam não fossem as técnicas ludibriantes comumente utilizadas pelos fornecedores. São exemplos disso os comerciais de televisão, oferecendo produtos e serviços como solução ideal para todos os anseios e problemas das pessoas.

Sobre esse aspecto, fundamental transcrever o magistério de Cláudio Bonatto:

[...]Estas maneiras subliminares de incutir idéias na psique humana, geralmente não são identificadas com facilidade, pelo que a reiteração das mesmas passa, com o tempo, a integrar o subconsciente do indivíduo, determinando que ele proceda da forma originalmente planejada.

Não se trata de qualquer prognóstico futurista, mas da realidade, motivo pelo qual o consumidor, por este primeiro aspecto, é considerado vulnerável, ou seja, pode ser facilmente atacado na sua livre manifestação de vontade, relativamente à escolha das suas prioridades e necessidades, cabendo à lei defende-lo, sempre com o objetivo de fazer valer o princípio da igualdade[30].

 Não só sob o aspecto do convencimento publicitário verifica-se a fragilidade do consumidor, podendo estar presente sob diversos enfoques, como o da fragilidade técnica, jurídica, política ou legislativa, biológica ou psíquica, econômica e social, ambiental, conforme ensina Paulo Valério, no aprofundado estudo que realizou sobre o princípio[31].

 A vulnerabilidade técnica verifica-se especialmente pelo fato de o consumidor desconhecer a forma utilizada pelo fornecedor na confecção de produtos e serviços, os meios empregados, notadamente no que respeita à qualidade, durabilidade e segurança; a jurídica, pelo desconhecimento da maioria dos consumidores dos direitos que possuem e da forma como podem ser reclamados, a quem e como reclamar, bem assim pela disparidade existente entre o consumidor, que litiga eventualmente, e o fornecedor, acostumado a essas práticas, experiente e mais perspicaz no enfrentamento jurídico; a política e legislativa, porque o consumidor, apesar dos avanços que alcançou com a edição de normas protetivas, notadamente o CDC, ainda não possui a  influência que detêm os fornecedores junto ao poder legislativo, fomentando a criação de normas que os beneficiem ou reduzam os direitos dos consumidores; a biológica ou psíquica, pela própria natureza humana, isto é, se os interessados em criar desejos e necessidades nos consumidores, vendendo assim o seu produto ou serviço, identificarem e dominarem o funcionamento das reações do ser humano aos estímulos externos, poderão se valer de técnicas, até mesmo nefastas, aproveitando-se da natural fragilidade a que estarão subjugados os consumidores;   a econômica e social, pela natural diferença que existe entre consumidores e fornecedores no que diz com o aspecto econômico, especialmente pela possibilidade de estes últimos utilizarem-se de todos os meios ao seu alcance para, com isso, auferir benefícios, dos mais variados, em sua relação com o consumidor; a ambiental, porque ainda nos dias atuais a defesa do meio ambiente, do qual todos somos consumidores, ainda é enxergada como sob o ponto de vista ideológico, que sucumbe aos apelos econômicos do “produzir, competir e vender a qualquer custo.”[32]

 Facilmente se percebe que a situação de fragilidade a que sempre esteve submetido o consumidor, sob os mais diferentes aspectos, como acima tratado, é que justificou a elaboração de uma norma de caráter nitidamente protetivo.

 Pode-se afirmar, por fim,  que foi a partir da constatação de que o consumidor é a parte vulnerável da relação de consumo, que o legislador, através das inúmeras normas protetivas, buscou homenagear o princípio constitucional da igualdade, exatamente quando estipula como objetivo da Política Nacional das Relações de Consumo o equilíbrio entre consumidores e fornecedores, até hoje inexistente.  Reconhecer a vulnerabilidade e, a partir daí, editar normas díspares, que beneficiem aquele que se encontra em posição de inferioridade, desigualado, é verdadeiramente aplicar o princípio da igualdade, afastando a diferença entre as partes.

2.1.3      Princípio do Dever Governamental

 Por determinação constitucional, o Estado encontra-se obrigado a promover a defesa do consumidor.

  De forma efetiva, o Código de Defesa do Consumidor, editado em obediência ao inciso XXXII do artigo 5º da Constituição Federal, determina que o Estado intervenha nas relações de consumo, protegendo efetivamente o consumidor, através de ações diretas ou pelo incentivo na criação de associações protetivas, bem como pela sua presença no mercado, fiscalizando e reprimindo os abusos eventualmente praticados. Esta é a participação do Estado enquanto ente político, organizador da sociedade, previsão dos incisos II e VI do artigo 4º da Lei Protetiva.

 Embora as associações de defesa do consumidor, existentes antes da edição do Código, tenham em muito contribuído para os avanços obtidos nesta área, culminando com a criação da lei,  o legislador reforça a proteção, prevendo a necessidade de o Estado fazer-se presente, de forma mais efetiva, nas relações de consumo, sem que haja necessidade de sempre recorrer ao Judiciário para resolver conflitos nesta seara.

 Também como fornecedor o Estado participa do mercado de consumo. E sob este aspecto, compete-lhe melhorar os serviços públicos, reconhecidamente prestados de forma deficiente. É a previsão do inciso VII do artigo 4º do CDC.

 Tal determinação certamente prestigia o moderníssimo princípio da eficiência, aplicável aos serviços públicos, previsto na Constituição Federal, especialmente no caput e § 3º, inciso I, do artigo 37, bem como no artigo 2º da Lei 9.784/99.[33]

   Por esse princípio, o Estado tem o dever de bem prestar o serviço, de forma mais simples, desburocratizada, com qualidade, mais ágil e econômica. A eficiência está voltada para a melhor maneira pela qual as coisas devem ser feitas ou executadas, atingindo não só os fins do Estado como os objetivos do Usuário.

2.1.4     Princípio da Garantia da adequação

 Esse princípio aparece positivado no artigo 4º, inciso II, letra d, do CDC,  exatamente quando o legislador determinou que o Estado estivesse presente no mercado de consumo, também para garantir que os produtos e serviços fossem prestados com níveis adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho. Aparece igualmente no inciso V do mesmo artigo, pela previsão do incentivo à criação de formas efetivas de controle da qualidade e segurança de produtos e serviços, pelo fornecedor. No artigo 6º, inciso III, quando o legislador lhe garante o direito à informação adequada e clara sobre produtos e serviços, com as devidas especificações, bem como sobre os riscos que possam oferecer, e X, quando o legislador lhe garante o direito de ter serviços públicos prestados de forma adequada e eficaz.

Percebe-se que tal princípio demanda atuação conjunta do Estado e dos fornecedores. Destes, a de entregar produtos e serviços com a qualidade e segurança adequadas, e do Governo, a de fiscalizar, garantindo o atendimento desse objetivo da Política Nacional das Relações de Consumo.

O objetivo do legislador com a positivação do princípio já começa a surtir efeitos práticos, de maneira especial quando se percebe que o meio empresarial, embora, sabe-se, também e em especial como marketing,  tem criado departamentos especializados em atendimento personalizado ao consumidor, com o objetivo de colher informações sobre os produtos e serviços prestados, reclamações e sugestões. 

 Na verdade, a determinação legal de que os produtos sejam fornecidos com padrões adequados de qualidade e segurança tem ajudado aos fornecedores, pois as empresas que se diferenciarem nesse aspecto terão seus produtos como os mais procurados. Poderia, na edição do Código, aparentar uma oneração ao fornecedor, que talvez tivesse de aumentar o custo de produção para aumentar a qualidade. Entretanto, isto tem se refletivo de forma diferente, eis que o aumento da qualidade, em vez de onerar as empresas, vem servindo para aumentar o lucro, porque produtos com maior qualidade e segurança são os mais procurados atualmente, dada o crescente nível de exigência do público consumidor.

 O exemplo mais flagrante de que o princípio de adequação está servindo a interesses tanto de fornecedores como de consumidores é a implantação dos programas de qualidade total, reconhecidamente de sucesso no meio empresarial, eis que alia otimização de custos, aumento da qualidade e, como já se mencionou, do próprio lucro.

 Além de estar contemplado pelo artigo 4º, o princípio reflete-se em outras disposições do Código, sobretudo nas contidas no Capítulo IV, que trata da qualidade de produtos e serviços, prevenção e reparação de danos.

2.1.5     Princípio da Boa-fé nas relações de consumo

 Aliado à igualdade que se pretende exista nas relações de consumo, o princípio da boafé desponta como um dos principais mecanismos a regular as práticas consumeristas.

Conceituar ou escrever sobre a boa-fé não tem sido uma tarefa fácil para os doutrinadores, especialmente porque a sua definição principal está ligada a aspectos morais, intrínsecos do ser humano, sendo necessário recorrer a um padrão médio de conduta para estabelecer o que a sociedade espera seja um comportamento dotado de boa-fé.

 Sua origem deriva do latim bona fides, que tem sido traduzida como honestidade, confiança, lealdade, sinceridade, fidelidade.  É exatamente o contrário da má-fé, sinônimo de engano, malícia,  dolo.

De acordo com a doutrina de Agathe E. Schmidt da Silva,

A boa-fé pode ser abordada em diferentes aspectos da vida social. Sob o aspecto psicológico, boa-fé é o estado de espírito de quem acredita estar agindo de acordo com as normas de boa conduta. Sob o ponto de vista ético, boa-fé significa lealdade, franqueza, honestidade, conformidade entre o que se pensa, o que se diz, o que se faz.[34]

Para Cláudia Lima Marques, 

[...]Boa-fé é cooperação e respeito, é conduta esperada e leal, tutelada em todas as relações sociais. A proteção da boa-fé  e da confiança despertada formam, segundo Couto e Silva, a base do tráfico jurídico, a base de todas as vinculações jurídicas, o princípio máximo das relações contratuais[...][35]

 Das lições da citada autora, pode-se sintetizar a boa-fé como sendo o dever de respeito que devemos ter pelo outro. Mas não só isso. Na verdade, “[...]Boa-fé é um pensar refletido, é o pensar no outro, no mais fraco, no parceiro contratual, nas suas expectativas legítimas, é lealdade, é transparência, é informação, é cooperação, é cuidado, é visualização e respeito pelo outro[...]”[36]

 De acordo com a doutrina majoritária, duas são as espécies de boa-fé existentes: a subjetiva, que se refere ao estado psicológico da pessoa, e a objetiva, que se  apresenta como padrão de conduta esperado pela sociedade. Pode-se dizer que, nesta última, a pessoa comportase conforme a boa-fé esperada; naquela, está ou não de boa-fé, conforme o seu convencimento.

 Para bem compreender a diferença existente entre a boa-fé objetiva e a boa-fé  subjetiva, indispensável recorrer aos ensinamentos de Judith Martins Costa, segundo a qual

 A expressão "boa-fé subjetiva" denota "estado de consciência", ou convencimento individual de obrar (a parte) em conformidade ao direito (sendo) aplicável, em regra, ao campo dos direitos reais, especialmente em matéria possessória. Diz-se "subjetiva" justamente porque, para a sua aplicação, deve o intérprete considerar a intenção do sujeito da relação jurídica, o seu estado psicológico ou íntima convicção. Antitética à boa-fé subjetiva está a má-fé, também vista subjetivamente como a intenção de lesar outrem. Já por "boa-fé objetiva" se quer significar – segundo a conotação que adveio da interpretação do parágrafo 242 do Código Civil alemão, de larga força expansionista em outros ordenamentos e, bem assim, daquela que lhe é atribuída nos países da common law – modelo de conduta social, arquétipo ou standard jurídico, segundo o qual cada pessoa deve ajustar a própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria um homem reto: com honestidade, lealdade, probidade. Por este modelo objetivo de conduta levam-se em consideração os fatores concretos do caso, tais como o status pessoal e cultural dos envolvidos, não se admitindo uma aplicação mecânica do standard, de tipo meramente subsuntivo.

Um indivíduo economicamente desprivilegiado pode ver-se obrigado, por estado de necessidade ou monopólio de determinada empresa em relação ao produto ou serviço por ele desejado, por exemplo, a sujeitar-se a contraprestações abusivas, mesmo que a intenção do contraente economicamente mais forte não fosse a de prejudicá-lo. Em situação hipotética como a mencionada, a concepção que se vinha adotando da boa-fé não traria um julgamento satisfatório ao caso, de modo a manter o equilíbrio contratual. De fato, ter-se-ia em consideração apenas o seu caráter puramente subjetivo: uma simples constatação de inexistência da má-fé por parte do contraente privilegiado (a sua não intenção em prejudicar aquele com quem contratou), dele não se exigindo a devida observância às regras de conduta impostas, aos interesses e finalidades a que visaram ambas as partes (boa-fé objetiva, como standard jurídico) no momento do acordo de vontades.[37]

 Depreende-se dos ensinamentos da renomada autora que a boa-fé subjetiva diz respeito ao estado de ânimo do sujeito, considerando-se a sua intenção. Trata-se de um estado de consciência, de espírito, em que alguém acredita que sua conduta é correta, embora possa não ser. A objetiva, por outro lado, refere-se a uma padrão de conduta que a sociedade exige dos contratantes, sem que haja preocupação com a intenção de cumprir ou não contrato, mas, fundamentalmente, se existe ou não a lealdade, transparência, veracidade e cooperação recíproca no pacto estabelecido.

 Especificamente nas relações de consumo, a boa-fé foi prevista pela Lei 8.078/90, onde flagrantemente o legislador consumerista optou pelo princípio da boa-fé objetiva.

Segue esse entendimento Fabiana Rodrigues Barletta,  segundo a qual

 O Código de Defesa do Consumidor adotou o princípio da boa-fé objetiva. Os próprios dispositivos do referido Código dão a certeza de que tal assertiva é correta, pois contêm positivadas condutas que se coadunam não apenas com boas intenções por parte dos contratantes: impõem, outrossim, condutas efetivas que primam pela lealdade, solidariedade e cooperação entre os contratantes, o que implica posturas objetivas para o alcance desse fim.[38]

Dessa forma, considerando o objetivo deste trabalho, a atenção será voltada para a boa-fé objetiva.

 Reforçando o pouco que já foi mencionado sobre ela, importante enfatizar que não se questiona acerca da intenção do sujeito, do seu objetivo na prática do ato. No dizer de Cláudio Bonatto,

 A boa-fé objetiva traduz a necessidade de que as condutas sociais estejam adequadas a padrões aceitáveis de procedimento que não induzam a qualquer resultado danoso para o indivíduo, não sendo perquirido da existência de culpa ou de dolo, pois o relevante na abordagem do tema é a absoluta ausência de artifícios, atitudes comissivas ou omissivas, que possam alterar a justa e perfeita manifestação de vontade dos envolvidos em um negócio jurídico ou dos que sofram reflexos advindos de uma relação de consumo.[39]

O Código de defesa do consumidor prestigia o princípio da boa-fé em várias disposições. De forma expressa, no entanto, é previsto no artigo 4º, inciso III e 51, inciso IV.

 Para Cláudia Lima Marques, o princípio da boa-fé objetiva foi positivado como linha teleológica de interpretação no artigo 4º e, como cláusula geral, no artigo 51, com vários deveres anexos decorrentes do princípio espelhados pelo Código.[40]

Importante mencionar, ao menos resumidamente, alguns desses deveres anexos às relações contratuais, apontados pela expoente autora, aceitos pela doutrina nacional.

 O dever de informar é o primeiro que aparece na Lei 8.078/90, disposto nos artigos 30 e 31, segundo o qual deve o fornecedor prestar todas as informações necessárias, completas, adequadas e claras, sobre o bem ou serviço que está negociando. Tal dever decorre especialmente de direito básico do consumidor previsto no artigo 6º, inciso III do Código.

 Na seqüência,  aparece o dever de cooperação, que exige um comportamento leal de ambas as partes, uma ajuda mútua para atingir os fins objetivados por elas. Acredita-se que tal dever está ligado intimamente ao princípio da harmonia, previsão do artigo 4º, inciso III, do Código.

  O dever de cuidado é outro apontado pela citada autora. Dele naturalmente decorre a obrigação do fornecedor em adotar medidas necessárias para que o consumidor não sofra danos em sua integridade pessoal ou patrimonial com a utilização do produto ou serviço ou em decorrência de qualquer ato que traga essa conseqüência. Tal dever está relacionado ao direito básico do consumidor previsto no artigo 6º, inciso I, do CDC, de proteção à sua vida, saúde e segurança, bem como pela garantia que lhe deve ser alcançada de que os produtos e serviços devem ser fornecidos com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho, que é a previsão do artigo 4º, inciso II, letra ‘d’.[41]

 A presença de deveres anexos à relação contratual, naturalmente fortalece a defesa do consumidor, pois o contrato não mais se esgota em si mesmo, revestindo-se de outras obrigações pelos contratantes, especialmente pelo fornecedor, que deve bem informar acerca do negócio contratado ou em vias de sê-lo, cooperar para que sejam atingidos os objetivos almejados por ambas as partes, acautelando-se para que o consumidor não tenha prejudicada sua integridade pessoal ou patrimonial em decorrência da utilização de produtos ou serviços perigosos ou nocivos ou por qualquer ato que lhes ocasione danos.

  Nas sábias palavras de Cláudia Lima Marques, “O princípio da boa-fé objetiva é, portanto, um princípio limitador do princípio da autonomia da vontade e um elemento criador de novos deveres contratuais, que deve contar, para sua maior efetividade, com sua previsão legal específica.”[42]

2.1.6     Princípio da informação

Os consumidores sempre foram carentes de conhecimento sobre a real qualidade e quantidade, características, preços, composição e possíveis riscos que pudessem apresentar produtos e serviços que lhes eram ofertados no mercado de consumo, bem como sobre as condições do negócio, invariavelmente estabelecidas em seu desfavor.

 A deficiente informação ao Consumidor, que inegavelmente pode lhe causar os mais diferentes danos, levou o legislador consumerista a espalhar pelo CDC inúmeros dispositivos que visam corrigir mais essa desigualdade entre os sujeitos da relação de consumo.

 Tamanha a importância dada à informação, que por  vinte e sete vezes o legislador se referiu à ela.  Dentre os doze tipos penais existentes no Código, dez deles cominam pena àqueles que, nos moldes em que especificam os artigos,  deixarem de prestar informações ou, prestandoas, o fizerem de forma deficiente,  incorreta, enganosa, falsa.

A clara e perfeita informação é fundamental para que o “[...] homem não seja levado a assumir comportamentos que não correspondam a uma perfeita compreensão da realidade[...]”[43].

 E não foi com outro espírito que o legislador tanto insistiu, em diversas disposições do Código, fosse o consumidor bem informado: possibilitar a ele que decidisse sobre a realização do negócio com o conhecimento de todas as suas circunstâncias, com toda a transparência, podendo a ele aderir, se as condições lhe satisfizessem, ou a ele não se vincular,  acaso as corretas informações lhe revelassem algo que não lhe conviesse.

Como já mencionado, inúmeras são as disposições do Código onde se constata a relevância alcançada à informação. No artigo 4º, encontra-se como princípio-norma a determinação para que fornecedores e consumidores sejam informados e educados no que diz com seus direitos e deveres; no 6º, como direito básico de que a informação lhe seja prestada de forma adequada e clara; nos 8º e 9º artigos, o alcance do conhecimento se refere a riscos à saúde e segurança dos consumidores, que podem advir da utilização de determinados produtos e serviços; nos artigos 12 e 14,  a responsabilização do fornecedor, à reparação de danos, inclusive por informações insuficientes e inadequadas sobre utilização e riscos dos produtos;  no artigo 30, a veiculação de informação e publicidade obriga o fornecedor a cumpri-la; no 31,  novamente o legislador exige a correta informação na oferta e apresentação de produtos e serviços; no artigo 36, a obrigação do fornecedor de manter dados que dão sustentação à publicidade, para informação dos interessados; no 37, temos a publicidade, verdadeira informação, que não pode ser enganosa ou abusiva; no inciso VII do artigo 39, considera-se prática abusiva divulgar informação depreciativa do consumidor pelo tão-só fato de reclamar pelos seus direitos; no 43, a previsão de acesso, pelo consumidor, a informações existentes sobre ele em banco de dados, cadastros; no §1º do artigo 55, a fiscalização e controle, pelo Estado, de que o consumidor está sendo informado do que lhe é de direito; nos artigos 63, 64, 66, 67, 68, 69, 71, 72, 73 e 74, como já mencionado, há cominação de pena àqueles que, conforme o preceito de cada norma, deixarem de prestar informações ou, prestando-as, o fizerem de forma deficiente,  incorreta, enganosa, falsa e, no 106, o dever do Departamento Nacional de Defesa do Consumidor de manter o consumidor informado sobre o mercado de consumo e sobre os seus direitos.

É facilmente perceptível a preocupação do legislador com a correta informação.  O Código de Defesa foi dotado de mecanismos suficientes para obrigar o fornecedor a prestar as informações corretas e necessárias para que o consumidor possa, diante de cada situação, decidir por conta própria e não apenas de acordo com os ditames e a vontade do parceiro mais forte.

Parece que a intenção legislativa, entretanto, no que respeita à Política Nacional das Relações de Consumo,  transcende as fronteiras da Lei 8.078/90, quando se refere à informação. O artigo 4º, em seu inciso IV,  corrobora tal entendimento, exatamente quando  prevê, ao seu lado,  a educação, o que se pode concluir que elas caminham juntas, esta e aquela, indissociáveis que são.

A informação sobre direitos e deveres deve existir muito antes de haver a relação de consumo.  E esta parece ter sido também a intenção do legislador, fomentando a educação dos consumidores e fornecedores já nos bancos escolares, a partir do ensino fundamental.

Os autores do anteprojeto demonstram que esse é o espírito da norma:

[...]Experiências pioneiras, do ponto de vista formal, têm sido constatadas sobretudo nos Estados do Rio Grande do Sul e Goiás, onde as respectivas Secretarias de Educação já têm programas próprios de educação de alunos dos 1º e 2º graus, inseridos nas disciplinas afins, como por exemplo, nas ciências, educação moral e cívica, matemática etc., como também se tem feito na educação relativa ao meio ambiente e sua preservação.

Assim, as crianças já começam a ser intruídas, por exemplo, com relação à qualidade dos alimentos que consomem, sua condição de exposição à venda, componentes artificiais, etc., bem como quanto a preços das mercadorias e outros aspectos de cunho econômico.[...][44]

Antes dos bancos escolares, a educação sobre o consumo começa na família, desde o nascimento.  Nesse momento inicia o aprendizado do certo e do errado, do bem e do mal, do justo e do injusto. É aí que se começa a aprender e cristalizar conceitos sobre a lealdade, confiança, sinceridade, honestidade, transparência.

Pode parecer utópico, mas entende-se que a educação, para o certo ou para o errado, dificilmente é mudada quando já está consolidada; deve ser forjada antes, no nascedouro.

  A educação, portanto, deve vir antes da informação. Se houver consciência coletiva dos valores básicos acima citados, especialmente o da transparência,  a informação não precisará ser perseguida, postulada, reclamada, mas decorrerá, naturalmente, das regras de convivência, dos valores éticos, existentes muito antes da relação de consumo. 

2.1.7     Princípio do Acesso à Justiça

Embora não conste de forma expressa no artigo 4º do CDC, percebe-se a presença do princípio por várias disposições do Código, a iniciar pelo artigo 6º, inciso VII, como direito básico do consumidor, precisamente o de ter acesso a órgãos administrativos e judiciários para a prevenção ou reparação de danos, com a garantia de proteção jurídica, administrativa e técnica.

 O princípio tem origem constitucional, como direito e garantia fundamental, previsto no artigo 5º, inciso XXXVI, segundo o qual não poderá haver lei que exclua da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça a direito.  A norma constitucional, prestigiada pelo legislador consumerista, deve ser entendida como o direito de todos ao livre acesso à justiça para postular a defesa de direitos, tanto individuais como coletivos.

 Ressalta-se, entretanto, que o acesso à justiça nem sempre está, efetivamente, ao alcance de todos, hajam vista os inúmeros obstáculos que surgem quando da propositura de uma demanda, a exemplo do pagamento de custas e de honorários advocatícios.

 Diante dessa realidade, certamente percebida pelo legislador consumerista, é que o consumidor foi municiado de mecanismos bastantes para fazer valer seus direitos, notadamente aqueles materiais previstos no Estatuto Protetivo, como indicam as normas previstas no artigo 5º, inciso I, através da assistência judiciária gratuita para o consumidor carente; inciso II, através das Promotorias de Defesa do Consumidor; inciso III, das delegacias especializadas em atender ao consumidor vítima de infrações penais de consumo; inciso IV,

dos Juizados Especiais destinados ao julgamento de litígios de consumo; do inciso V, com as Associações de Defesa do Consumidor; do artigo 6º, inciso VIII, com a facilitação da defesa dos seus direitos, até mesmo com a inversão do ônus da prova a seu favor no processo civil;  dos artigos 81 e seguintes, pela previsão da sua defesa através de ações coletivas, que visam a tutela dos interesses difusos,  coletivos e os individuais homogêneos.

 Foi feliz o legislador ao dotar o código de instrumentos que pudessem cristalizar, de forma eficaz,  a defesa dos direitos do consumidor, pois inócua seria a criação de uma lei protetiva, recheada de direito material, se não fosse oportunizado e assegurado ao seu destinatário a efetividade dessa defesa, através da facilitação da obtenção da tutela jurisdicional.

A assistência jurídica, integral e gratuita ao consumidor carente deve ser destacada como homenagem e avanço à Lei 1.060/50, que estabelece normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados, estado em que se encontra a maioria do público consumidor, constituído de pessoas sem condições de arcar com as despesas de um processo, de modo que a norma afigura-se como medida adequada, propiciando ao consumidor que, se necessário, defenda efetivamente dos seus direitos. 

Outra decorrência do princípio, que merece destaque, é a atuação do Ministério Público, da Defensoria Pública e das Associações civis, na defesa dos consumidores, percebida especialmente nas tutelas coletivas, representando verdadeiro avanço nas relações de consumo.

 Da mesma forma, a instalação de Varas Especializadas para a solução de Litígios de consumo, afigurando-se como alternativa ao trâmite mais rápido das questões envolvendo direitos do consumidores, pelo só fato da especialização.

2.1.8     Outros princípios

Vários outros princípios, não menos importantes que os acima destacados, são mencionados pela doutrina, a exemplo do da repressão eficiente aos abusos e o da transparência.

O princípio da repressão eficiente aos abusos aparece de forma expressa no inciso VI do artigo 4º do CDC, consubstanciado na proibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo.

Abuso significa excesso, mau uso ou uso errado, excessivo ou injusto, exorbitância de atribuições ou poderes, aquilo que contraria as boas normas, os bons costumes.[45]

Para entender a figura do abuso, ainda que de forma breve, mas suficiente para compreendê-lo dentro do princípio da repressão, inestimáveis os ensinamentos de Cláudio Bonatto sobre o tema:

A noção de abuso está intimamente ligada ao conceito de direitos, pois abusar significa exercer de maneira desproporcional e contrária aos critérios de igualdade determinada conduta reconhecida, em princípio, como lícita.

Vale aqui, então, a velha lição de que nossos direitos acabam exatamente na medida em que começam a prejudicar os direitos dos demais indivíduos integrantes do corpo social, ou seja, uma conduta que era lícita na origem, tornase contrária ao direito, merecendo restrição advinda da lei.[46]

 O legislador consumerista, atento aos abusos praticados em detrimento do consumidor, determinou a proibição e repressão de todos os existentes no mercado de consumo, em especial daqueles constatados em condutas de empresários que, aproveitando-se de sua natural ascendência sobre o consumidor, subjugavam-no das mais diferentes formas, com o emprego desmedido do aparato empresarial.

 Como exemplos dessas condutas abusivas, destaca-se a utilização de técnicas avançadas de marketing,  que podem criar desejos e fantasias no consumidor, que provavelmente inexistiriam não fossem as técnicas ludibriantes comumente utilizadas; a cobrança de altas taxas de juros, como é o caso de certas operações bancárias, exorbitando e aproveitando-se da necessidade do consumidor em obter numerário para financiar a sua subsistência, da chamada venda casada, quando o fornecedor condiciona o fornecimento de um produto à aquisição de outro, da exigência de vantagem manifestamente excessiva, de expor o consumidor a ridículo na cobrança de dívidas, do estabelecimento de cláusulas visivelmente benéficas ao fornecedor e prejudiciais ao consumidor e de muitas outras técnicas que, em detrimento do mais fraco, excedendo os limites do direito,  aproveitando-se da fragilidade do consumidor, perseguem apenas o lucro, sem qualquer preocupação com o parceiro contratual.

 É preciso salientar que a proibição e repressão aos abusos, prevista no inciso VI do artigo 4º do CDC, refere-se a todos aqueles praticados no mercado de consumo e não somente àqueles praticados pelos fornecedores. Embora o caráter nitidamente protetivo da norma, ela busca o equilíbrio, harmonia, transparência, boa-fé nas relações de consumo, estados que só serão atingidos se for admitido que o consumidor também pode abusar, se houver isonomia de tratamento. Aliás, esse é um dos principais enfoques deste trabalho, em capítulo próprio, que trata da abusividade nas relações de consumo.

O princípio da transparência vem positivado, de forma implícita, no caput do artigo 4º do CDC.  De acordo com o magistério de Cláudia Lima Marques, “[...]significa informação clara e correta sobre o produto a ser vendido, sobre o contrato a ser firmado, significa lealdade e respeito nas relações entre fornecedor e consumidor[...]”.[47]

Através deste princípio, exige-se que o fornecedor preste informações diretas e efetivas sobre todas as condições do negócio a ser realizado, desde a oferta até o conteúdo do contrato, seja escrito, seja verbal.

Estas são noções superficiais sobre os princípios da transparência e da repressão eficiente de abusos. Considerando que os capítulos seguintes estão a eles intimamente relacionados, a figura do abuso, como já mencionado, será melhor analisada no capítulo 3, e a transparência, no último capítulo.


CAPÍTULO III - A  ABUSIVIDADE NAS RELAÇÕES DE CONSUMO

3.1   O Abuso de direito – breves noções

 Atualmente,  o contrato não mais assegura apenas a vontade entre as partes.  Exige-se, para fazer lei entre elas, a existência de equilíbrio e boa-fé no pactuado.

 Foi através dessa nova concepção que o Estado foi chamado para intervir nas relações de consumo, com o claro objetivo de equilibrar a relação entre consumidores e fornecedores, limitando a imposição da vontade de apenas uma das partes, comumente externada de forma abusiva.

Efetivamente, não fossem os abusos praticados no mercado de consumo, as disposições da Lei 8.078/90 seriam praticamente inócuas, exatamente porque, inexistindo a abusividade, facilmente se perceberia a boa-fé e o equilíbrio entre as partes, de modo que desnecessária seria a tutela ao consumidor.

Um dos principais objetivos da criação do Código de Defesa do Consumidor, portanto,foi o de equilibrar a relação entre consumidores e fornecedores, até então inexistente,  coibindo, de  forma direta e integral, os abusos praticados nas relações de consumo.

Abusar, de acordo com o dicionário Aurélio,  significa:

usar mal ou inconvenientemente de; mal-usar;   prevalecer-se, aproveitar-se de; exceder-se ou exorbitar no emprego ou exercício de; exceder-se no uso de alguma coisa; usá-la em excesso;  praticar excessos que causam ou podem causar dano; agir com abuso; aproveitar-se (de alguém).[48]

Na linguagem jurídica, o abuso atinge  relevância quando relacionado com o excesso ou a utilização desmedida de um direito: o abuso de direito.

 Sobre esse Instituto, presencia-se, há muito, calorosos  e extensos debates doutrinários. Necessária uma breve abordagem sobre ele,  suficiente para o objetivo deste trabalho.

 Dentre as teorias existentes sobre o abuso de direito, duas foram as que se destacaram. A primeira delas, a denominada negativista, tinha como principais pensadores os franceses Leon Duguit e Planiol. O primeiro negava a existência de direitos subjetivos e, via de conseqüência, não aceitava a existência do instituto. Para Planiol,  a expressão era tida por logomáquica, pois não poderia haver abuso na utilização do direito, exatamente porque aquele só teria início quando terminasse o direito, de modo que não poderiam coexistir o abuso e o direito. A outra teoria foi a dos afirmativistas, que teve na pessoa de Josserand um dos seus principais idealizadores, exatamente pela sua concepção de abuso de direito como violação ao espírito do direito ou ao seu fim social.[49]

De acordo com o magistério de Pedro Batista Martins[50], Josserand foi um dos

responsáveis pelo triunfo da teoria do abuso de direito. Para este pensador,  há duas acepções da palavra direito e é exatamente aí que entende ter  Planiol  se confundido. Para ele, o direito ora pode se referir à juridicidade(direito francês, direito administrativo, direito civil) ora a uma prerrogativa determinada, a exemplo da propriedade, da servidão.  No primeiro caso,  seria o direito genericamente considerado, como um todo. No segundo, uma norma específica. Daí que, perfeitamente possível e sem contradição o abuso de um direito genericamente considerado, isto é,  abuso em face do espírito da lei, da sua finalidade, de seu conteúdo valorativo.

A contribuição de Josserand foi fundamental para a sedimentação da teoria do abuso.

Nas palavras de Sílvio Rodrigues:

Acredito que a teoria (do abuso do direito) atingiu seu pleno desenvolvimento com a concepção de Josserand, segundo a qual há abuso de direito quando ele não é exercido de acordo com a finalidade social para a qual foi conferido, pois como diz este jurista, os direitos são conferidos ao homem para serem usados de uma forma que se acomode ao interesse coletivo, obedecendo à sua finalidade, segundo o espírito da instituição.[51]

 A partir daí, o abuso passou a ser entendido majoritariamente como aquele que ocorre quando há  uma desconformidade com o sentido teleológico em que se funda o direito subjetivo, caracterizando-se  pela utilização de um direito com objetivo diferente daquele para o qual foi legalmente instituído. Não é propriamente a violação à lei, o que seria ato contrário à norma, ilegal, mas ao seu espírito, à sua finalidade. 

 De fácil compreensão é a definição emprestada por Luís Renato Ferreira da Silva, segundo o qual  “[...] o abuso ocorre sempre que, aparentemente usando de um direito regular, haja uma distorção do mesmo, por um “desvio de finalidade”, de modo a prejudicar a outra parte interessada ou a terceiros.[52]

Com entendimento semelhante, assim nos ensina Cláudia Lima Marques

O abuso do direito seria a falta praticada pelo titular de um direito, que ultrapassa os limites ou que deturpa a finalidade do direito que lhe foi concedido. Assim, apesar de presentes o prejuízo(dano) causado a outrem pela atividade(ato antijurídico) do titular do direito(nexo causal), a sua hipótese de incidência é diferenciada. O que ofende o ordenamento é o modo(excessivo, irregular, lesionante) com que foi exercido um direito, acarretando um resultado, este sim,ilícito.[53]

Na legislação brasileira, entendiam os doutrinadores que a figura do abuso, antes da edição do atual Código Civil, aparecia positivada de forma genérica, mesmo que indireta, pelo entendimento de que a dicção do artigo 160 do Código Civil de 1916[54], que tratava da legítima defesa, do estado de perigo e do exercício regular de direito, permitia concluir que ele estaria configurado quando houvesse excesso na utilização das excludentes, com a conseqüente indenização em caso de dano.

O novo Código Civil, no entanto, previu de forma expressa o abuso de direito,preceituando em seu artigo 187,  que “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” , de tal sorte que, na sistemática atual, a norma civil condena expressamente o exercício abusivo de qualquer direito subjetivo.

 A figura do abuso de direito foi inserida dentre os atos ilícitos, reacendendo antiga discussão existente sobre a sua natureza,  se ato ilícito ou categoria autônoma.

 Entende-se que,  embora o legislador tenha qualificado o abuso de direito como ato ilícito, os institutos são diferentes.  No ato ilícito, a violação existe quando é perpretada diretamente a uma disposição legal. No abuso, a idéia não pode ser outra senão a de que a conduta inicial era lícita e, depois, pelo excesso ou abuso do direito, tenha se tornado ilícita, não por contrariedade a uma norma específica, mas ao espírito da lei para o qual foi criado o direito. Se fosse ato ilícito desde o início, não seria abuso, mas conduta antijurídica, por contrariedade a determinada norma legal.

E a intenção do legislador civilista parece não ter sido outra. Considerou o  abuso como ato ilícito, mas de forma diferente da tradicionalmente concebida, qual seja a de ato contrário a uma determinada e específica norma legal. Aumentou essa concepção, elevando o conceito de ato ilícito àquele que também vá de encontro aos fins sociais, às diretivas da boa-fé ou regras de bons costumes. Poder-se-á considerar o abuso como ilícito, “[...] se compreendermos o direito não só como o conjunto de leis e de normas, mas como seus princípios gerais, entre os quais, claramente, inclui-se hoje o da boa-fé objetiva.”55 E este parece ter sido o espírito legislativo na criação da norma prevista no artigo 187 do novo Código Civil.

Várias normas pátrias trazem disposições em que se faz presente a figura do abuso de direito.  Cita-se algumas, apenas para ilustrar.

No processo civil, por exemplo, é onde ele mais aparece. No artigo 18,  existe a previsão de imposição de multa e indenização à parte que for condenada por abusar do seu direito de ação, utilizando o processo indevidamente; no  574, ressarcimento pelo credor ao devedor de eventuais prejuízos por ele sofridos se restar declarado judicialmente que inexiste a obrigação que deu origem à execução; no 599, inciso II, pena de multa(art. 601), se o devedor cometer ato atentatório à dignidade da justiça.

 No Código Civil,  o artigo 1.277, por exemplo, autoriza o proprietário ou possuidor de um prédio a fazer cessar abusos, nele denominados de “interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha; os artigos 939 e 940, prevêem abuso por parte do credor por  demandar o devedor antes do vencimento da dívida ou por dívida já paga;  os artigos 1.637 e 1.638, prevêem o abuso de direito dos pais, no que respeita à sua autoridade; os artigos 1.289 e seguintes, se referem às águas e prevêem a forma de sua utilização e os direitos dos prejudicados pelo exercício abusivo dos poderes do titular do domínio.

O Código de Defesa do Consumidor, criado com o claro objetivo de equilibrar a relação entre fornecedores e consumidores, afastando abusividades tradicionalmente praticadas no mercado de consumo,  é farto em disposições que tratam da figura do abuso. A primeira delas aparece já no artigo 4º, inciso VI, onde o legislador previu como objetivo da Política Nacional das Relações de Consumo a coibição e repressão de todos os abusos praticados no mercado de consumo. Depois,  no artigo 6º, inciso IV, elencou como direito básico do consumidor a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva e contra as práticas e cláusulas abusivas, expondo no artigo 39 as práticas e no 51 as  cláusulas. No artigo 28, permitiu ao Juiz a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, se ficar constatado, dentre outras condutas prejudiciais ao consumidor, o abuso de direito. No artigo 67, considerou crime fazer propaganda enganosa ou abusiva.

 Estas são as previsões expressas da abusividade no CDC. Certamente muitas outras, de forma indireta, lá se encontram.

Para o objeto deste trabalho, entretanto, que tem como principal finalidade enaltecer o esforço utilizado na criação das normas protetivas e  proteger o próprio Código contra a sua desmesurada e indevida utilização,  será tratado, no item seguinte, especificamente das práticas abusivas, enfatizando que dentre elas também se pode encontrar, além dos normais abusos pelos fornecedores,  censuráveis condutas por parte de consumidores, os principais destinatários das normas tutelares.  

 Antes disso, no entanto, indispensável mencionar que existem calorosas discussões doutrinárias a respeito do abuso no CDC, sobretudo no que se refere às abusividades nele previstas, se decorrem ou não do instituto aqui brevemente tratado.

 Para Luís Renato Ferreira da Silva, por exemplo, não há abuso de direito nas cláusulas abusivas, especialmente porque não se poderia admitir um direito prévio de se clausular unilateralmente um contrato e, portanto, inexistente o direito, não se poderia falar em abuso.[56]

Heloísa Carpena, por outro lado, entende aplicável ao Código de Defesa a teoria do ato abusivo. Mais especificamente, defende a aplicação da teoria para tornar o “[...] campo de aplicação do sistema do CDC mais amplo, vez que os limites impostos aos consumidores e fornecedores serão determinados por valores comuns e imanentes do ordenamento, além daqueles que se fundem no princípio da boa-fé”.[57]

 Considerando-se que nas quatorze oportunidades que o legislador empregou palavras derivadas de abuso, como abusivas, abusividade e o próprio vocábulo abuso,  demonstrou referirem-se a excessos no exercício de um direito ou práticas contra a finalidade ou espírito da lei, pode-se dizer que não foi outra sua intenção senão a de introduzir no Estatuto Protetivo a figura do abuso de direito, reconhecidamente um instituto que deve ser entendido como a falta praticada pelo titular de um direito, que ultrapassa os limites ou que deturpa a finalidade do direito que lhe foi concedido.[58]

 No artigo 4º, inciso VI,  por exemplo, o legislador coibiu todos os abusos praticados no mercado de consumo e exemplificou, mencionando “inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos”. Ora, se a concorrência fosse leal ou utilizado devidamente inventos e criações, estar-se-ia diante do exercício regular de um direito. Mas a deslealdade ou utilização indevida seriam excessos do exercício: o próprio abuso do direito.

 Além dessa disposição legal, no artigo 28 o legislador se refere expressamente ao “abuso de direito”. No artigo 39, claramente se percebe que as condutas ali descritas, no seu nascedouro, podem ser condutas conforme o direito, mas pelo excesso no exercício do direito de mercancia, tornaram-se abusivas,  extrapolando o direito. Efetivamente, o exercício de venda de um produto é legal, mas exigir do consumidor que adquira outro, a chamada venda casada, é exceder os limites do direito; tirar vantagem de uma venda, é normal nos negócios e aceitável pela sociedade e pelo direito, mas se a vantagem por excessiva, como o próprio nome diz, estarse-á diante do excesso ou abuso desse mesmo direito; elevar o preço de produtos, por justa questão, como a inflação, por exemplo, é agir dentro do direito, mas elevá-lo, sem justa causa, é fora dos limites desse mesmo direito.

Dessa forma, comungando da opinião de Heloísa Carpena e aceitando o ato abusivo como sendo aquele que ofende a finalidade da lei, do contrato ou do direito, que se desvia de sua função social ou econômica, ofende a proporcionalidade e a boa-fé, podendo ou não causar prejuízo[59], passa-se a analisar as denominadas  práticas abusivas que, frise-se,  podem estar presentes tanto por atos de fornecedores como de consumidores.

3.2         Práticas abusivas

3.2.1   Condutas comerciais abusivas

 Com a clara intenção de tornar efetiva a norma-objetivo prevista no inciso VI do artigo 4º do CDC, que prevê a coibição e repressão dos abusos praticados no mercado de consumo, bem como o direito básico do consumidor de ser protegido contra eles, previsto no inciso IV do artigo 6º, é que o legislador consumerista, no artigo 39 da Lei,  proibiu ao fornecedor determinadas condutas, prejudiciais ao consumidor, denominando-as de práticas abusivas.

Importante ressaltar, desde já, que o inciso VI do artigo 4º do CDC  prevê a proibição e repressão de todos os abusos praticados no mercado de consumo e não apenas daqueles praticados pelo fornecedor. Este aspecto, no entanto, será analisado em tópico separado. Aqui, como o legislador elencou, no artigo 39, apenas condutas comerciais abusivas, isto é,  aquelas praticadas pelos fornecedores,  é delas que tratará este tópico,  dando início à análise.

De acordo com Antônio Herman V. Benjamin, esta é a definição de práticas comerciais:

[...]são todos os mecanismos, técnicas e métodos que servem direta ou indiretamente ao escoamento da produção. Trata-se, não há dúvida, de um conceito extremamente largo que inclui, a um só tempo o marketing, as garantias, os serviços pós-venda, os arquivos de consumo e as cobranças de dívidas.[60]

 Facilmente se percebe, de acordo com o ensinamento,  que as condutas ou práticas comerciais podem se revelar de diversas formas e em diversos momentos, a exemplo da forma de realizar a publicidade, da forma e momento de contratar, de vender, de cobrar, de litigar, de manter cadastro de consumidores.

 Se os mecanismos, técnicas e métodos, utilizando as palavras dos doutrinadores mencionados, fossem empregados de forma transparente, com equilíbrio e boa-fé, sem o emprego de artifícios na publicidade, na contratação, na cobrança, na busca frenética pelo lucro, as relações entre consumidores e fornecedores poderiam ser entendidas como relações entre iguais, desnecessitando uma proteção específica a qualquer das partes.

Entretanto, por tudo o que aqui já se mencionou, a história revela exatamente o contrário, isto é,  as práticas comerciais, especialmente a partir da produção em larga escala, onde a concorrência surgiu como grande destaque, ensejando desenfreadas disputas pelo lucro, passaram a exceder os limites aceitáveis pela sociedade ao seu exercício, com flagrantes prejuízos aos consumidores, a exemplo de publicidades indutivas e enganosas, contratações com excessiva vantagem ao fornecedor ou onerosidade ao consumidor,  informações falsas ou parcas sobre produtos e serviços ou a própria contratação,  comercialização de produtos e serviços com baixa qualidade e em desacordo com as normas e tantas outras condutas lesivas ao consumidor.

Os fornecedores passaram a utilizar o direito de comerciar, o da livre iniciativa, da livre concorrência, em evidente extrapolamento, atingindo as prerrogativas dos consumidores, em verdadeira abusividade de direitos.

Tais atitudes abusivas, de acordo com o magistério de Cláudio Bonatto “ [...] são condutas, comissivas ou omissivas, praticadas por fornecedores, nas quais estes abusam de seu direito, violam os direitos dos consumidores ou infringem de alguma forma a lei.”[61]

 Essas práticas abusivas podem surgir de diversas formas, em diferentes momentos. Para Thierry Bourgoignie, citado por Paulo Valério, elas podem nascer

[...] em decorrência tanto da falta como da incorreção da informação fornecida ao consumidor – do fato, por exemplo, da ausência de informação das condições do contrato, da impressão legível ou pouco compreensiva das condições referidas, da redação confusa ou incompleta da informação dada ao consumidor – como ainda de fatores internos à relação de consumo, tais como a natureza agressiva demais de determinado método de venda ou de determinada mensagem publicitária, da ausência de educação do consumidor e a sua impossibilidade de avaliar os riscos ligados à conclusão do contrato proposto ou a utilização do produto oferecido, e até mesmo da falta de meios efetivos para que ele possa recorre contra o interlocutor em caso de litígio.[62]

As condutas comerciais abusivas podem surgir em diversos momentos da relação de consumo, a começar pela oferta e publicidade, onde o fornecedor pode induzir o consumidor, através de técnicas de marketing, a agir em desacordo com sua vontade inicial, modificada pela criação de desejo de consumo, advindo da propaganda indutora, até a cobrança da dívida, que pode ser realizada de forma a criar constrangimentos ao consumidor, a exemplo da utilização de meios vexatórios, ou exigindo do consumidor valores excessivamente superiores aos devidos, culminando em inscrições indevidas do nome do consumidor em cadastros restritivos de crédito.

   Com base nisso, o legislador consumerista, atento aos abusos cometidos em prejuízo dos consumidores, não se contentou apenas em determinar a sua coibição e repressão como normaobjetivo ou a proteção contra eles como direito básico, mas pretendeu dar efetividade a essas normas, tratando das práticas comerciais em capítulo próprio, o V do CDC, nele legislando sobre a oferta, publicidade, práticas abusivas especificamente consideradas, cobrança de dívidas e cadastros sobre consumidores.

Em todas as seções do capítulo do V do CDC, e não só no artigo 39, são encontradas situações em que verdadeiramente podem existir condutas abusivas pelos fornecedores. Na publicidade, por exemplo, o legislador foi expresso no sentido da sua proibição; na cobrança de dívidas e nos cadastros de consumidores, previu situações que, se realizadas, constituir-se-ão, verdadeiramente, em práticas abusivas, como no caso de cobrar justamente por uma dívida, utilizando-se, no entanto, de excesso, como constrangimento ou exposição do consumidor a ridículo, bem como inscrever o devedor inadimplente em cadastro restritivo, mas com informações além das necessárias para o fim a que se destina o banco de dados.   

As práticas abusivas, portanto, são encontradiças em diversas disposições do Código e não somente na lista elaborada pelo legislador no artigo 39. De acordo com a maioria dos doutrinadores, aliás, referida disposição legal é meramente exemplificativa, até mesmo porque o artigo 4º do Código refere-se à coibição e repressão de todos os abusos praticados no mercado de consumo, bem como porque o artigo 6º determina a proteção do consumidor contra práticas abusivas e não somente contra algumas, e a interpretação deve ser sistemática. Além disso, facilmente se percebe, espalhadas pela Lei, disposições que prevêem práticas abusivas, embora não previstas no artigo 39.

Nesse sentido é o entendimento de Paulo Valério:

Como é facilmente vislumbrável, as mais variadas possibilidades de práticas comerciais abusivas podem acontecer em um mundo tão complexo como o atual, motivo pelo qual a Lei Consumerista traz um elenco não exaustivo de práticas abusivas no artigo 39, ficando claro que outras poderão ser reconhecidas judicialmente, quando for maculado algum dos princípios do CDC.[63]

 De qualquer forma, a Lei 8.884/94 alterou o caput do artigo 39, inserindo a expressão “dentre outras práticas abusivas”, de modo que resta afastada qualquer dúvida sobre o caráter meramente exemplificativo da norma.

 Sobre as condutas descritas  no artigo 39 do CDC, de acordo com o entendimento de Cláudia Lima Marques64, podem ser divididas em quatro grupos. No primeiro, composto pelos incisos I, V e XII, o legislador pretendeu proteger o consumidor diante da superioridade econômica e técnica do fornecedor, que, aproveitando-se dessa situação, pode criar mecanismos negociais prejudiciais ao consumidor, como a conhecida venda casada, previsão do artigo I, vantagem manifestamente excessiva, inciso V e, finalmente, deixar em aberto prazos para o cumprimento de suas obrigações, previsão do inciso XII.

 Em um segundo grupo estão os incisos IV e VII, onde a pretensão do legislador foi a de proteger a vulnerabilidade do consumidor em seus contornos social e cultural frente às investidas dos consumidores que, relativamente ao IV inciso, aproveitam-se da inexperiência, pouca cultura, ignorância dos consumidores para persuadi-los a adquirir seus produtos e serviços, inúmeras vezes desnecessários ou supérfluos e, no tocante ao inciso VII, divulguem as chamadas “listas negras”, que contêm nominatas de consumidores que pratiquem atos na defesa de seus direitos,  reclamando através das associações de proteção ou em juízo.

No terceiro grupo, estão os incisos III, VI,  X e XI. Nestas disposições, o legislador vedou alterações contratuais ou vendas sem a manifestação anterior do consumidor. Nos incisos III e VI, o fornecedor não poderá remeter ou entregar ao consumidor produto ou serviço sem que ele tenha solicitado e sem que tenha sido elaborado orçamento.  Os incisos X e XIII dizem respeito ao preço dos produtos e serviços e ao seu reajuste, mais especificamente, proíbe o Código a alteração dos preços de produtos e serviços sem justa causa e a utilização de fórmulas ou índices, no reajuste dos preços, de modo distinto do legal ou do convencionado.

  No quarto e último grupo, está o inciso II. Neste caso, o legislador pretendeu garantir ao consumidor que os fornecedores não lhe pudessem recusar um produto ou serviço porque o preço não lhes conviesse, por exemplo. De acordo com a citada autora[65], a norma deve ser interpretada em conjunto com o artigo 41, que se refere ao tabelamento de preços, em que se verifica o desaparecimento de produtos até o fim do congelamento.

Nota-se que a maioria das condutas listadas pelo legislador são realizadas de forma comissiva, exigindo um comportamento positivo do fornecedor. No entanto, importante mencionar que também por omissão podem ocorrer abusos. É o exemplo do inciso XII do artigo 39, quando o fornecedor deixar de estipular prazo para o cumprimento de uma obrigação que lhe competia. Também a hipótese do inciso II parece  ser possível a sua incidência através de conduta omissiva, exatamente quando o fornecedor, não só por ato positivo, recusando atendimento ao consumidor,  como também por ato omissivo, deixa de realizar compra para atender o consumidor, por motivos que lhe convenham, a exemplo de tabelamento de preços, como já mencionado.

Além das práticas abusivas exemplificadas pelo artigo 39, importante destacar algumas outras, lembradas por Paulo Valério Moraes:

Como exemplo, podemos citar as infrações aos artigos 8º até 10 do CDC, que tratam da “Proteção à Saúde e Segurança” dos consumidores, a infração ao artigo 4º do CDC, quando são tentadas exonerações contratuais de garantia legal, a comercialização de produtos e serviços impróprios(arts. 18 e 20 do CDC), não empregar peças de reposição originais adequadas  e novas(art. 21), a própria criação de uma pessoa jurídica para os fins ilícitos previstos no artigo 28 do CDC(desconsideração da personalidade jurídica) a cessação de fornecimento de peças de reposição(art. 32 do CDC), a não-colocação do nome e endereço do fornecedor na embalagem quando a venda for realizada por telefone ou reembolso postal (art. 33 do CDC), recusar o cumprimento da oferta, apresentação ou publicidade(art. 35) a irregular cobrança de dívidas(art. 42) e muitas outras.[66]

Detectadas práticas abusivas pelos fornecedores, estarão eles sujeitos a sanções administrativas, civis, penais, inclusive as previstas em normas específicas, fora da abrangência do CDC. No artigo 56 do Código, por exemplo, estão as sanções administrativas a que se sujeitam aqueles que infringirem as suas normas; a partir do artigo 61, estão as penais. Além disso, base no inciso VI do artigo 6º, as práticas abusivas poderão ter como conseqüência a reparação de danos patrimoniais e morais causados a consumidores.  

Além das previsões do CDC sobre práticas abusivas, o mercado é recheado de situações onde elas se configuram, a exemplo dos Cartéis, em que as empresas, em cooperação mútua com outras, combinam preços, restringem a variedade de produtos e dividem os mercados para manter suas receitas sempre estáveis, em verdadeiro excesso de seu direito de mercancia, ofensa à livre concorrência e notável prejuízo aos consumidores, exatamente porque ditam os preços e as regras sobre determinada parte do mercado, deixando o consumidor sem opções; dos chamados Preços Predatórios(dump), onde as empresas baixam intencionalmente os preços dos produtos, até mesmo aquém do de custo, como forma de desestimular a concorrência para, depois de atingir o intento de dominar o mercado, elevar e controlar os preços; dos conhecidos atos de concentração (fusões, aquisições, incorporações e joint ventures), que, em princípio, não configuram práticas abusivas, constituindo-se de mecanismos naturais e aceitáveis de desenvolvimento de mercado, mas que podem assim se transformar se causarem atos lesivos à concorrência.

 Nessas situações e em tantas outras similares, fora do âmbito do CDC, onde indiretamente se protege o consumidor, o mercado de consumo possui importantes aliados à coibição das condutas comerciais abusivas, com destaque especial ao CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica,  que atua no controle de tais práticas, de forma repressiva, punindo os abusos, ou de forma preventiva, impedindo que abusos aconteçam,  zelando pela livre concorrência e assegurando o bom funcionamento do mercado. 

Finalmente o consumidor passou a ser detentor de mecanismos eficientes de proteção, tanto no Código de Defesa como em outros Diplomas que, direta ou indiretamente, o protegem.

Os fornecedores passaram a se preocupar um pouco mais com o consumidor, não tanto porque ele é o destinatário dos produtos e serviços ou o protagonista da relação de consumo, mas pelo surgimento de normas e organismos que coíbem e reprimem  condutas abusivas, que facilmente e em maior número eram encontradas no mercado, antes da edição do CDC.  Nesse sentido, as sempre invocadas lições de Claudia Lima Marques, sobre a mudança no comportamento do mercado:

 [...] o Código de Defesa do Consumidor representa uma mudança importante no espírito das relações de consumo. Suas normas sobre contratos impõem ao fornecedor a adaptação de sua práticas comerciais(publicidade, oferta, técnicas agressivas de vendas) e do texto de seus contratos aos novos princípios defendidos pelo Código, de transparência, boa-fé e equilíbrio contratual. São normas de prudência e boa-fé impostas aos empresários na promoção de suas vendas.[67]

As mudanças no espírito das relações de consumo, utilizando as palavras da ilustre Doutora, no entanto, não podem ser uma alteração às avessas ou uma troca de responsabilidades, ou seja, exigir do fornecedor transparência, boa-fé, confiança, prudência, igualdade e permitir que o consumidor, extasiado com a imensidão de normas que o protegem, confunda-se e acredite que o Código, por ter sido criado com o objetivo de equilibrar as relações entre ele e o fornecedor, protegendo-o dos abusos praticados no mercado de consumo, permita-lhe também cometer abusos, acreditando estar imune à sua coibição e repressão, que, embora o Código se refira especialmente àqueles praticados pelos fornecedores, podem ser praticados por ambos, como se pretende demonstrar no tópico que segue.

3.2.2      O comportamento do Consumidor

 Por várias vezes se mencionou neste trabalho que a criação de uma norma tutelar surgiu da real necessidade de proteger o consumidor frente aos abusos e desequilíbrios existentes no mercado de consumo,  nos quais ele sempre figurou como prejudicado ou como a parte que sofria a ação,  alvo do abuso ou da desigualdade desfavorável.

 Foi com intuito de igualar a relação entre consumidores e fornecedores que o legislador criou a Lei 8.078/90, dotando-a de instrumentos eficientes que pudessem efetivamente equilibrar e harmonizar essa relação, consubstanciados na garantia dada ao consumidor de que deveriam ser respeitadas sua dignidade, saúde e segurança, melhorada a sua qualidade de vida, protegidos os seus interesses econômicos,  respeitado seu direito à informação,  coibidos e reprimidos os abusos praticados no mercado de consumo.

 Percebe-se que passados 15 anos da edição do Código, a inteligência da lei parece estar sendo atendida. Os consumidores, fazendo valer seus direitos, fiscalizam o cumprimento de seu Estatuto Tutelar,  seja reclamando perante os Órgãos de Proteção,  seja perante o Judiciário. Os fornecedores, por outro lado,  coagidos pelos fortes mandamentos da norma reguladora, têm respeitado mais os consumidores, adequando-se, a cada dia,  aos ditames do CDC, que, antes de ser um apenas diploma tutelar, tem servido para fomentar negócios, a concorrência e, via de conseqüência, a melhoria da qualidade da prestação de serviços  e produção de bens.

 É certo que os abusos não deixaram de existir porque o Código de Defesa os proíbe e promete repressão a quem os pratica, da mesma forma que quaisquer condutas, em qualquer área, não deixam de ser praticadas porque há cominação de pena.

 Não se pode negar, entretanto, que o advento do Código Consumerista alterou a conduta dos fornecedores, que têm respeitado mais os consumidores, mesmo que tal conduta decorra da imperatividade da norma protetiva.

 Finalmente fora dado um passo significativo na busca da igualdade e isso deve ser perseguido incessantemente, evitando retrocesso à época em que os direitos do mais fraco não eram respeitados;  sequer existiam.

 As relações de consumo, portanto, mesmo que de forma tímida, estão sendo mais equilibradas. Se de um lado o fornecedor pratica a abusividade,  o consumidor possui mecanismos que podem afastá-la, inclusive com punições ao fornecedor.[68]

Pode-se dizer que um dos principais objetivos da criação da lei protetiva está sendo alcançado, pois parecem diminuir os abusos no mercado de consumo e as relações entre consumidores e fornecedores estão sendo mais harmônicas.

 Assim, se até agora se buscou energicamente a proteção do consumidor, vulnerável que sempre foi,   uma vez alcançada, mesmo que incipientemente, a busca, de agora em diante, deve ser pela preservação do equilíbrio entre consumidores e fornecedores, fiscalizando as condutas de ambos e não somente a do fornecedor, pois se fornecedores cometem abusos, consumidores também os podem cometer.

 É natural que pouco se fale ou se tenha falado sobre condutas censuráveis dos consumidores, até porque, antes do CDC, censuráveis sempre foram as condutas dos fornecedores, eis que nenhuma norma existia para proteger o mais vulnerável, que sequer conseguia proteger seus escassos direitos. Além disso, censurar condutas indevidas de consumidores seria o mesmo que advogar contra si próprio, afinal todos somos consumidores.

Não se pode olvidar, no entanto, que o CDC tornou o consumidor mais forte e mais preparado para se defender contra os abusos que eram e ainda são cometidos contra eles. Permite-se dizer que, para alguns consumidores, virou uma verdadeira armadura, utilizada em verdadeiras batalhas hoje travadas no mercado de consumo, especialmente nos meios judiciais. Tamanha a força protetiva da Lei 8.078/90, que muitos fornecedores, travestindo-se de consumidores, invariavelmente a invocam.

 A certeza da proteção, entretanto, em muitos casos, tem transformado a impotência em prepotência, criando no mercado um sentimento de que o consumidor sempre está certo e o fornecedor sempre está errado; de que o primeiro é o bem e o segundo é o mal; de que  uns são os “mocinhos” e outros são os “bandidos”.

 Tal sentimento não pode prosperar, sob pena de jamais se poder alcançar a saudável harmonia que deve existir nas relações de consumo.  Não se pode abandonar a idéia de equilíbrio, negando-se ao fornecedor a chance de  agir com transparência e boa-fé.

 É preciso que se admita a existência de fornecedores de boa-fé e que também o consumidor pode cometer abusos e contaminar a relação de consumo. Aliás, sobre esse aspecto, não foi  muito feliz o legislador consumerista, pois apesar de, no artigo 4º do Código  proibir e prever repressão contra todos os abusos praticados no mercado de consumo, nenhuma disposição específica criou para defender o mercado contra condutas abusivas que também podem ser praticadas por consumidores. Nenhum dever específico de conduta atribuiu ao consumidor. Até mesmo o Estatuto da Criança e do Adolescente, outro Diploma de caráter nitidamente protetivo, quiçá de maior tutela que o próprio CDC, instituído na mesma época, previu sanções a seus próprios tutelados quando cometessem atos infracionais, como a advertência, a  obrigação de reparar o dano, a prestação de serviços à comunidade e até mesmo  internação em estabelecimento educacional.

 Mesmo assim, ainda que não tenha havido disposição específica tratando de condutas abusivas pelo consumidor, como fez o legislador no artigo 39, expressamente prevendo práticas abusivas por fornecedores, afirma-se que o consumidor pode sim cometer abusividades, e o CDC também protege as relações de consumo contra elas, exatamente quando prevê, em seu artigo 4º, inciso VI, a coibição e repressão de todos os abusos praticados no mercado de consumo e não somente àqueles praticados pelos fornecedores. 

De acordo com os ensinamentos de Cláudio Bonatto,  “[...] consumidor igualmente pode cometer abusos, os quais devem ser reprimidos, exatamente para que tais excessos de maus consumidores não venham a onerar os bons consumidores, os quais o Código visa a proteger[...]”[69]

 Inúmeros são as condutas abusivas que podem ser praticadas por consumidores. Para exemplificar, cita-se o caso de alguém que procura uma financeira, pretendendo adquirir um automóvel através de um contrato de leasing, já com o intuito de não pagar, mas rodar com o veículo pelo tempo que for possível.  Toma o empréstimo, transita com o automóvel e não paga nenhuma parcela. Não porque lhe falta dinheiro, mas pela simples vantagem de utilizar um veículo sem pagar, nos moldes do “importante é levar vantagem em tudo, certo?”,  considerando que a única conseqüência, é cediço, será a retomada do veículo, se o Judiciário assim o permitir. Enquanto isso, o sedizente consumidor desfruta das benesses proporcionadas pelo automóvel, não raras vezes um veículo de luxo. Na jurisprudência, inúmeros são os casos da espécie, a exemplo daqueles que são relatados no capítulo IV deste trabalho.  Isso significa abusar da transparência e da boa-fé que deve existir entre os contratantes. Outro exemplo, muito corriqueiro,  é o daquele consumidor que adquire um CD de música, copia-o facilmente em seu computador e, depois, sob o argumento de que foi presenteado e já possuía um igual, troca-o por outro, repetindo a conduta abusiva, por mais de uma vez, em prejuízo do fornecedor.

Facilmente se percebe condutas como essas em nosso dia-a-dia. Nenhum esforço é preciso para que se as perceba.

 De forma bastante inteligente, como lhe é peculiar, Cláudio Bonatto nos ensina que as condutas abusivas dos consumidores devem ser reprimidas, em proteção às empresas e ao bom consumidor, enfatizando que

[...] jamais podemos esquecer que o mercado de consumo se constitui em um sistema perfeitamente ligado, no qual a empresa fornecedora não assumirá os prejuízos, mas sim os repassará aos demais consumidores, socializando os danos eventualmente impingidos por uma situação específica[...].[70]

 Efetivamente, as práticas abusivas por parte dos consumidores, além de ir de encontro a todo o espírito do CDC, podem se voltar contra eles mesmos, exatamente quando o fornecedor, que sabidamente objetiva o lucro, repassar eventual prejuízo ao preço dos produtos e serviços.

 Dessa forma, com o amadurecimento do CDC e com a constatação de que o consumidor está mais protegido, o tratamento atual dado à relação de consumo, especialmente nos meios judiciais, qual seja o de costumeiramente proteger, de forma indiscriminada, a todo e qualquer consumidor, seja o de boa ou o de má-fé, sem que se perquira sobre esse estado, deve ser alterado, preservando-se a relação entre consumidor e fornecedor e não apenas a um dos elementos desse relacionamento, com o que se estará interpretando as disposições do Código da forma como toda a lei deve ser interpretada, com  equilíbrio, aliás, que sempre se buscou no mercado de consumo.

  A preservação da relação de consumo e não apenas do consumidor, fomentando-se o bom relacionamento entre ele e o fornecedor, sem quaisquer abusos, por qualquer das partes, certamente contribuirá para o seu desiderato, especialmente o de atender o interesse de ambas, com a concretude de um bom negócio, atingido de forma transparente, onde, assim,  facilmente se enxergará a boa-fé. Nesse sentido, a doutrina de Cláudia Lima Marques:

Boa-fé objetiva significa, portanto, uma atuação “refletida”, uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir o bom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a realização dos interesses das partes.[71]

Por fim, fundamental destacar que os abusos praticados pelos consumidores são mais facilmente enxergados quando publicizados, notadamente quando essas condutas são percebidas pelo Judiciário, em demandas verdadeiramente temerárias, a exemplo daquelas que serão tratadas no capítulo seguinte.


CAPÍTULO IV - O  RISCO DA BANALIZAÇÃO DO CDC

4.1  Breves considerações

 Depois de muito esforço empregado na construção de uma norma que protegesse de forma efetiva os consumidores, é preciso que essa proteção, agora, tenha outro destino:  o da própria Lei 8.078/90.

 É provável que muitos imaginassem que a determinação constitucional do artigo 5º, inciso XXXII, não fosse revolucionar as relações de consumo, como de fato ocorreu, com a criação de uma norma que encorajou os consumidores a exigirem mais respeito a seus direitos, quer seja fiscalizando o cumprimento das normas protetivas,  inclusive por reclamações nos organismos de defesa, quer seja pelos meios judiciais. O fornecedores foram compelidos a respeitar os direitos do parceiro mais frágil, adequando-se, a cada dia,  aos ditames do CDC, que, antes de ser um diploma desagregador, como já se mencionou, tem servido para fomentar negócios, a concorrência e, via de conseqüência, a melhoria da qualidade da prestação de serviços  e produção de bens.

 A norma vem superando muitas expectativas, colaborando, especialmente, com a coibição dos abusos sempre praticados no mercado de consumo.

  O consumidor finalmente abandonou a sua posição de inércia diante das práticas abusivas a que sempre esteve submetido, encorajado por esta norma que lhe serve de verdadeiro sustentáculo, um abrigo institucionalizado.

 Até mesmo fornecedores, nas relações com seus pares, apesar de encontrarem-se em posição de igualdade, têm buscado refúgio no CDC, disfarçados de consumidor, dado o caráter nitidamente protetivo da Lei.

 O esforço empregado na criação de uma legislação que trate as relações de consumo de forma equilibrada, no entanto, não pode passar despercebido. Faz-se necessária uma busca incessante do respeito às disposições do Código, ao espírito para o qual foi criado: defesa dos direitos do verdadeiro consumidor e harmonia,  transparência, lealdade, cooperação, confiança, que deve existir nas relações de consumo.

 A invocação e utilização indevidas do CDC não podem ser permitidas, sob pena de sua banalização.

 Neste capítulo, por meio de análise de decisões judiciais, pretende-se demonstrar como o Código de defesa do Consumidor tem sido utilizado de forma equivocada, seja através do próprio Poder Judiciário, seja pelos próprios sujeitos da relação de consumo, os destinatários da norma.

4.2  Casos práticos

4.2.1 Demandas Temerárias

 Através da militância no atualmente intitulado Direito Bancário, bem como por pesquisas realizadas ao longo do Curso de Especialização em Direito do Consumidor e Direitos Fundamentais da UFRGS, constatou-se inúmeras situações submetidas à apreciação do Judiciário em que nitidamente se percebe a má utilização das normas protetivas, tanto pelo fornecedor como pelo consumidor.

 Falar da incorreta utilização das normas protetivas pelo fornecedor pouca contribuição traria à análise, exatamente porque isso é o que normalmente acontece. Aliás, o Código foi criado especialmente para proteger o consumidor, dada a sua inferioridade com relação ao fornecedor, vulnerável que é, inclusive na esfera jurídica, como se expôs quando se analisou o princípio da vulnerabilidade. A má utilização das leis protetivas ou as manobras utilizadas para a sua não-utilização, pelo fornecedor, não é assunto novo. Nesse sentido, a fiscalização da sociedade e a correta aplicação do Código pelo Judiciário, por si só, com os meios coercitivos e punitivos com que é contemplado, encarregar-se-ão de afastar os abusos praticados por fornecedores.

 A incorreta utilização dos benefícios trazidos pela Lei 8.078/90, pelo consumidor – seu real destinatário –, no entanto, merece especial destaque, precisamente porque a construção de uma norma que viesse a proteger o mais fraco, atingindo de forma contundente interesses daqueles que detêm o poder econômico, com a expunção dos abusos praticados no mercado de consumo, foi obtida com muito esforço e não pode, especialmente através de demandas temerárias, banalizar o Estatuto Protetivo, que deve ser abrigo àqueles que dele realmente necessitam.

A análise, assim, será efetuada sobre duas demandas submetidas ao Poder Judiciário pelo consumidor, em flagrante tentativa de utilizar o Código Protetivo para se beneficiar indevidamente.

A primeira delas se refere a uma ação revisional de contrato de empréstimo pecuniário, no valor de R$ 1.500,00, com previsão de pagamento em dez parcelas de R$ 257,18.  Sem que tenha havido o pagamento de qualquer parcela, alguns dias antes do vencimento da primeira, a tomadora do empréstimo busca o Judiciário para revisar o contrato firmado, pleiteando, liminarmente, tutela antecipatória para impedir a inscrição de seu nome nos cadastros restritivos de crédito.

 A decisão de primeiro grau foi pelo indeferimento do pleito liminar. Inconformada, a autora interpôs agravo de instrumento, aduzindo que a jurisprudência é pacífica no sentido de não se poder discutir débito ou crédito enquanto pendente ação revisional, eis que somente será declarada a sua existência ao final da ação. Sustentou necessitar do crédito concedido pelas instituições financeiras e que os serviços de cadastro de inadimplentes, como forma de pressão indireta, é condenável. Por fim, invocou o enunciado nº 9 do Superior Tribunal de Justiça, para dizer que o registro do nome do consumidor em cadastros restritivos de crédito, estando a dívida sub judice, constitui constrangimento e ameaça vedados pelo CDC.

 A decisão da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça Gaúcho[72] foi pelo desprovimento do agravo, fundamentando que o pleito liminar só poderia ser atendido se comprovado o pagamento do capital emprestado ou se o mutuário se propusesse a consignar o valor incontroverso, o que não ocorreu no caso posto à sua apreciação, em que a autora não pagou nenhuma parcela nem depositou valor algum, nem mesmo o capital, limitando-se a discutir a questão relativa à abusividade dos encargos financeiros. Entendeu, portanto, correta a inscrição do nome da agravante nos cadastros de inadimplentes.

 Na segunda demanda, o consumidor propõe ação de cumprimento de obrigação de fazer em face de uma loja de automóveis da capital gaúcha, porque, segundo relatou na inicial, pretendendo adquirir um veículo Alfa Romeu, zero km, pelo preço de US$ 59,30, como anunciado em um jornal de grande circulação de Porto Alegre, enviou correspondência à anunciante  “oficializando a compra de um automóvel da marca Alfa Romeo, modelo 166, 3.0, V 6, ano 2004, zero km, importado da Itália, cor azul metálico ou qualquer outra cor, caso estivesse em falta a cor supracitada, no valor financeiro de US$ 59,30 (cinqüenta e nove dólares e trinta centavos), com pagamento pelo preço a vista”, tendo obtido resposta no sentido de que o valor estabelecido no quadro de preços anunciado deve ser lido em milhar, multiplicado por mil, conforme disposto no próprio anúncio, na parte superior à esquerda.

 O autor da ação sustentou, em síntese, tratar-se de publicidade enganosa e que, como consumidor, tem o “direito de exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade, por parte da empresa-Apelada”.  Invocou a aplicação dos artigos 30, 31, 35 e 37, do CDC, que teriam consagrado o princípio da vinculação, segundo a qual o fornecedor está obrigado a entregar exatamente aquilo que ofertou por meio de informação ou publicidade e postulou que a empresa fosse condenada a lhe vender o veículo Alfa Romeo, modelo 166, 3.0, V 6, ano 2004, zero km, importado da Itália,  pelo valor de R$ 171,97 (cento e setenta e um reais e noventa e sete centavos), com pagamento pelo preço à vista.

A decisão de primeiro grau foi pela improcedência da ação em virtude da abissal disparidade entre o pedido e o valor do bem que o autor pretendia adquirir.  Nessa decisão, o Juiz menciona que o mesmo autor, porém em processo distinto, deduziu demanda semelhante, pretendendo tornar-se proprietário de mais um veículo, dessa vez um Mercedes-Benz Modelo ML 500, ano 2004, zero km, importado da Alemanha, cor azul metálica ou qualquer outra cor. Como mencionou o Magistrado, na outra ação manteve-se o gosto pela cor, variando, porém, a marca do automóvel e, conseqüentemente, a revenda requerida. O Tribunal de Justiça Gaúcho, além de confirmar a sentença, porque constatado que o anúncio previa o valor em milhares de reais, foi além e, declarando o autor litigante de má-fé, condenou-o ao pagamento da multa prevista no artigo 18 do CPC.[73]

 Facilmente se percebe que as decisões prolatadas prestigiam a não-banalização do Código de Defesa do Consumidor, atualmente invocado para toda e qualquer situação, dada a sua força protetiva.

O que é preciso ressaltar, e esse é o caminho que deve ser perseguido, é a defesa incansável do bom e verdadeiro consumidor. Este deve ser protegido, utilizando-se não só da lei para alcançar tal intento, mas da justiça social, que quase sempre com aquela não se confunde. E para que se consiga, cada vez mais, consolidar a proteção do consumidor, necessário que se coíba os abusos daqueles que se utilizam indevidamente das normas protetivas para alcançar objetivos ilegais,  enaltecendo-se a boa-fé que deve haver entre os contratantes.

Ambas as decisões relatadas entenderam pelo indeferimento dos pedidos. A primeira, de impedir a inscrição do nome da autora nos cadastros restritivos de crédito, vez que nenhuma parcela do empréstimo que contraiu foi paga. Nem mesmo o capital ou valor incontroverso foi depositado. Aliás, a relatora do agravo mencionou que a mesma agravante, porém contra empresa diversa, adotou o mesmo procedimento: tomou o empréstimo e, mesmo antes do vencimento da primeira parcela, ajuizou ação revisional, também sem depositar o capital ou valor incontroverso.  A segunda, de condenar uma empresa a vender um automóvel importado por preço irrisório, que não foi ofertado dessa forma e que certamente conduziria ao nefasto enriquecimento ilícito do autor, que também ajuizou mais de uma ação com pedido semelhante: adquirir um automóvel importado, zero km, Mercedes Benz ou Alfa Romeo, pelo preço de um pneu.  

   Os julgamentos, embora não adentrem esse aspecto, prestigiam a Política Nacional de Relações de Consumo, que, de acordo com o artigo 4º do CDC, dentre outros objetivos, enfatiza o princípio da coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo; não somente aqueles praticados contra o consumidor.  Mesmo que se admitisse que a coibição refere-se apenas aos abusos praticados contra o consumidor, nos casos em comento, o abuso que aqui se enfatiza, também o foi contra o consumidor, mas o bom consumidor, aquele que realmente necessita de proteção e que, por condutas como estas apresentadas, vê o conjunto de normas que o protegem serem mal utilizadas, banalizadas.

 Além disso, ainda em homenagem à Política Nacional de Relações de Consumo, as decisões prestigiam a boa-fé e a igualdade que deve haver nas relações entre consumidores e fornecedores, princípios, aliás, que o mencionado artigo 4º também determina sejam atendidos.

Quando se fala em abusividade, tratando-se de relações de consumo, a conduta que naturalmente desponta como abusiva é a do fornecedor. E não poderia ser diferente. Primeiro, porque no CDC, em todas as situações em que empregada a palavra abusiva(s), ou seja, em onze oportunidades, a conduta é atribuída ao fornecedor.  Depois, porque a regra, efetivamente, é a de que o abuso, a exorbitância, a utilização desmedida do aparato empresarial, parta daquele que detém o poder econômico, seja utilizando-se de técnicas avançadas de marketing,  podendo criar desejos e fantasias no consumidor, que provavelmente inexistiriam não fossem as técnicas ludibriantes comumente utilizadas, seja cobrando altas taxas de juros, como é o caso de certas operações bancárias, exorbitando e aproveitando-se da necessidade do consumidor em obter numerário para financiar a sua subsistência, ou por quaisquer outras técnicas que, em detrimento do mais fraco, almejam apenas o lucro.

Efetivamente, se o CDC coíbe de forma tão veemente as práticas abusivas, é porque a sociedade clamou por esta proteção, diante dos abusos cometidos por maus fornecedores que, aproveitando-se da vulnerabilidade do consumidor, praticavam e ainda praticam abusos no mercado de consumo.

Como ensina Claudia Lima Marques, esta vulnerabilidade da qual se aproveitam certos fornecedores para a prática de abusos são de três ordens: a técnica, a jurídica e a fática. De acordo com a Autora:

Na vulnerabilidade técnica, o comprador não possui conhecimentos específicos sobre o objeto que está adquirindo e, portanto, é mais facilmente enganado quanto às características do bem ou quanto à sua utilidade, o mesmo ocorrendo em matéria de serviços[...]A vulnerabilidade fática é aquela desproporção fática de forças, intelectuais e econômicas, que caracteriza a relação de consumo. Já a vulnerabilidade jurídica ou científica foi identificada e protegida pela corte suprema alemã, nos contratos de empréstimo bancário e financiamento, afirmando que o consumidor não teria suficiente “experiência ou conhecimento econômico, nem a possibilidade de recorrer a um especialista”. É falta de conhecimentos jurídicos específicos, conhecimentos de contabilidade ou de economia.[...][74]

Não se pode, entretanto, acreditar que só o fornecedor abusa e que sempre o consumidor é quem sofre essa ação.

 Cláudio Bonatto, citando Paulo Bonavides, enfatiza que o abuso também pode ocorrer por parte do consumidor, quando assim se manifesta:

[...]deve ser coibido o arbítrio, bem como deve ser observada a necessidade, ou seja, o “meio deve ser dosado para chegar ao fim pretendido” de determinada conduta. Isto justifica a intervenção da lei, sempre que abusos estejam sendo praticados no mercado de consumo, seja por parte do fornecedor ou do consumidor.[75]

Para Bonatto, “[...] consumidor igualmente pode cometer abusos, os quais devem ser reprimidos, exatamente para que tais excessos de maus consumidores não venham a onerar os bons consumidores, os quais o Código visa a proteger[...]”[76]. Citando um exemplo, conta o caso de um consumidor que adquiriu programas de computador, levou-os para casa e, no dia seguinte, retornou com o produto, com o lacre violado, exigindo a devolução do seu dinheiro, porque o programa não teria se compatibilizado com o seu computador.  Instado a se manifestar sobre o caso, o professor posicionou-se contrariamente à devolução do dinheiro sob o fundamento de que, com grande probabilidade de verdade, poderia o consumidor ter copiado o programa e, pretendendo vantagem gratuita, pedir a devolução do que pagou.

A conduta relatada não é outra senão abusiva, porque parece ter por objetivo exorbitar do direito que possui o bom consumidor de exigir a restituição da quantia paga, se o produto adquirido se revelar inadequado ao fim a que se destina, como prevê o artigo 18, §1º, inciso II c/c §6º, inciso III, do CDC.  

Para Paulo Valério Dal Pai Moraes, a abusividade também pode ter em mira não só o consumidor, mas também o bom fornecedor, quando assim leciona:

A relevância da consideração saliente das práticas abusivas no Código de defesa do Consumidor, então, tem em mira a proteção coletiva do mercado de consumo com um todo, não somente evitando danos aos consumidores individuais, coletivos e difusos, mas também ao bom fornecedor, o qual sofrerá reflexos pela incorreta atuação comercial de um concorrente.[77]

Além disso, o citado autor menciona que no artigo 39 do CDC não estão previstas todas práticas abusivas que devem ser coibidas no mercado de consumo, podendo ser reconhecidas outras, verbis:

Como é facilmente vislumbrável, as mais variadas possibilidades de práticas comerciais abusivas podem acontecer em um mundo tão complexo como o atual, motivo pelo qual a Lei Consumerista traz um elenco não exaustivo de práticas abusivas no artigo 39, ficando claro que outras poderão ser reconhecidas judicialmente, quando for maculado algum dos princípios do CDC.[78]

Na mesma linha, segue a interpretação de Claudia Lima Marques, Antônio Herman V. Benjamin e Bruno Miragem, quando ensinam que com a Lei 8.884, de 11.06.1994, introduzindo a expressão “dentre outras práticas abusivas” no caput do artigo 39, a lista volta a ser exemplificativa, conforme o era pela previsão do antigo inciso X do citado artigo, vetado pelo Presidente da República.[79]

A Lei Protetiva, antes de amparar de forma incondicional a todo e qualquer consumidor, tem por objetivo primeiro o atendimento das necessidades dos consumidores, permitindo-se aqui entender como tais, especialmente de acordo com os princípios da boa-fé, igualdade, coibição de abusos, os leais.  Essa deve ser a verdadeira interpretação dada ao artigo 4º e incisos do CDC. Admitir-se o contrário – defesa desmdida de todo e qualquer consumidor, tão-só pelo fato de encontrar-se em tal posição – sem considerar caso a caso, como de forma muito lúcida agiu o Tribunal Gaúcho nas decisões acima relatadas, seria a bancarrota de todos os esforços até agora empregados na construção de um sistema rígido, confiável e eficaz na defesa do consumidor, como é o caso do Código Protetivo.

A autora da ação revisional aqui analisada, embora não tenha pago nenhuma parcela dos empréstimos que contraiu, parece ter amparado seu direito à revisão no inciso V do artigo 6º do CDC, que permite a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.

A situação fática apresentada, no entanto, demonstra a prática da litigância de má-fé, com a utilização do processo para atingir objetivo ilegal (art.17, inciso III, do CPC),  qual seja o de desvenciliar-se, ao menos momentaneamente, da obrigação legal de adimplir o contratado. Isto resta flagrante pelas datas envolvidas: em 14.05.2002 a agravante toma o empréstimo, com previsão de pagamento da primeira parcela em 20.06.2002, cerca de um mês depois. Antes, porém, de passados 30 dias, em 07.06.2002,  sem que tenha apresentado a autora qualquer fato superveniente que demonstre terem se tornado excessivas as prestações e refugiando-se apenas e tão-somente no CDC e em decisões que a ele se reportam nos casos da espécie,  a autora pede revisão do contrato, postulando a não-inscrição de seu nome em cadastro de inadimplentes.

Flagrante é o abuso de direito presente ao caso. Ousa-se dizer que evidente é a má-fé empregada. Sequer o capital emprestado, R$ 150,00(valor da primeira parcela), depositou a autora, o que evidencia o propósito de obter vantagem gratuita, em verdadeiro enriquecimento ilícito.

Da mesma forma no caso daquele que pretendia adquirir um automóvel importado, zero km,  a preço vil.

 Como bem decidiu o Tribunal de Justiça do RS, a pretensão do autor não encontra guarida nas normas do CDC por ele invocadas. Antes disso, são-lhe aplicadas as regras relativas à litigância de má-fé, eis que flagrante o seu propósito de utilizar o processo, invocando as normas protetivas, para atingir objetivo ilegal, que não é outro senão o de enriquecer injustamente, pretendendo adquirir não só um veículo importado por um preço irrisório, mas dois, um Alfa Romeo e um Mercedes Benz, pelo preço de dois pneus.

 As decisões, portanto, parecem ter solucionado os casos de maneira justa,  prestigiando a Política Nacional de Relações de Consumo, precisamente quando coibiram abusos também por parte de consumidores, que pretendiam invocar indevidamente a proteção do Código de Defesa, estatuto construído para proteger o bom consumidor, aquele que dele realmente necessita e não aquele que dele se utiliza com flagrante objetivo de utilizar a lei de forma espúria.

 Decisões como estas fortalecem o Código de Defesa do Consumidor, aplicando-o quando deve ser aplicado, e prestigiam os princípios da transparência e boa-fé objetiva, que permeiam as relações de consumo e são aplicados a todos aqueles que delas participam, que devem respeitar o parceiro contratual, agindo com transparência, lealdade, cooperação,confiança.[80]

4.2.2  Pessoa Jurídica Consumidora.

 Da mesma forma que no item anterior, neste tópico busca-se demonstrar a má utilização das normas protetivas. Desta vez, no entanto, não por demandas temerárias, mas especialmente pelo próprio Poder Judiciário, que muitas vezes as alcança às pessoas jurídicas, sem qualquer distinção, pouco importando se estão ou não em situação de vulnerabilidade, único caso em que, não sendo destinatário final, considera-se aceitável a aplicação do Estatuto Protetivo em seu benefício.

 Apenas para possibilitar uma melhor análise da aplicação das regras do CDC às pessoas jurídicas, utiliza-se, como no tópico anterior, de decisão proferida pelo Tribunal de Justiça Gaúcho.

Trata-se de ação revisional de contrato de repasse de empréstimo externo para financiamento de capital de giro proposta por uma grande loja de veículos de Porto Alegre contra um Banco que financia a compra e venda de veículos e peças.

Depreende-se da decisão ter a ré argüido exceção de incompetência de foro, diante da cláusula de eleição prevista no contrato celebrado entre as partes, o que não foi acolhido pelo juízo de origem. Dessa decisão, agravou de instrumento a parte ré sob o fundamento de que inaplicável ao caso o Código de Defesa do Consumidor, eis que a agravada é pessoa jurídica, que não se utiliza do produto como destinatária final, inexistindo relação de consumo entre os contratantes. Afirmou ser válida a cláusula de eleição de foro, livremente acordada pelas partes e enfatizou a ausência de vulnerabilidade da autora, postulando o provimento do recurso para ver julgada procedente a exceção oposta.

Em decisão monocrática, o Desembargador-Relator entendeu pelo desprovimento do agravo, sob o fundamento de que aplicáveis as disposições do Código de Defesa do Consumidor ao caso, devendo prevalecer a regra contida em seu artigo 101, I, que possibilita o ajuizamento da ação no foro do domicílio do autor. Consta da decisão que a questão de ser a autora pessoa jurídica não afasta a proteção do CDC, vez que a obtenção de empréstimo para utilizar os valores em suas atividades, seja para adquirir veículos ou peças, enquadra a agravada no conceito de consumidora final dos bens.  Por fim, a decisão singular foi pela manutenção daquela que fixou a competência de foro de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, entendendo ter havido relação de consumo entre as partes.

Tal decisão monocrática foi combatida através de agravo interno, postulando o agravante a sua reconsideração,  sob o fundamento de que a doutrina e jurisprudência amparam seu entendimento. A nova decisão mantém a anterior, de forma unânime, negando provimento ao agravo interno, sob o mesmo fundamento externado na decisão monocrática.[81]

O tema central da decisão acima relatada é objeto de controvérsia no meio  doutrinário e jurisprudencial, desde a edição do Código de Defesa do Consumidor:  a incidência da Lei Consumerista na proteção da pessoa jurídica como destinatária de produtos e serviços.  

 A relação jurídica submetida à apreciação judicial figura-se como empréstimo bancário, cujos valores seriam utilizados pela agravada, conhecida loja de veículos da capital gaúcha, no fomento de sua atividade de comercialização de veículos e peças. 

 A decisão judicial foi pela aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao caso, considerada que foi a pessoa jurídica como destinatária final do empréstimo contraído, nos moldes do caput do artigo 2º daquele diploma legal: Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

A definição legal, no entanto, não basta por si só para enquadrar a pessoa física ou jurídica como consumidor,  carecendo de interpretação, especialmente quanto à expressão destinatário final, cujo significado, depois de passados cerca de quinze anos da publicação do código, continua motivo de controvérsia.

Diversas são as divisões para o conceito de consumidor. Utiliza-se, no entanto, os ensinamentos de Calvão da Silva para defini-lo, da seguinte forma:

 Em um sentido lato consumidor é aquele que adquire, possui ou utiliza um bem ou serviço, quer para uso pessoal ou privado, quer para uso profissional. O que importa é que alguém seja o ‘consumidor’ do bem, isto é, que consuma, complete, termine o processo econômico, dando satisfação a necessidades pessoais, familiares e/ou profissionais. [...] Em sentido estrito, consumidor é apenas aquele que adquire, possui ou utiliza um bem ou um serviço, para uso privado (pessoal, familiar ou doméstico), de modo a satisfazer as necessidades pessoais e familiares, mas não já o que obtém ou utiliza bens e serviços para a satisfação das necessidades de sua profissão ou de sua empresa.[82]

Quanto à pessoa física, não existem maiores discussões acerca da aplicação do CDC em seu benefício, sendo considerada consumidora quando, nos dizeres da lei, adquirir ou utilizar produto ou serviço como destinatário final. 

Ao que parece, o divisor de águas encontra-se na definição legal de destinatário final, isto é,  se a pessoa jurídica for assim considerada, terá a proteção do Código Consumerista. Se utilizar o produto ou serviço como insumo, deverá buscar defesa para os seus direitos em outras esferas, diferentes daquela que regula as relações de consumo.

A expressão destinatário final contida no conceito de consumidor tem sido alvo de diferentes interpretações. Entre as existentes, duas são as mais invocadas. A primeira, chamada teoria objetiva, defende que a expressão destinatário final designa o consumidor como sendo aquele que adquire um produto para satisfazer a uma necessidade pessoal ou a uma necessidade desvinculada da atividade básica em se tratando de pessoa jurídica. Está implícito nesse entendimento que o produto há de estar acabado, apto a atender ao fim desejado pelo consumidor. Esta teoria enfatiza a destinação final como sendo o último estágio da cadeia de distribuição de riqueza, com a utilização direta dos bens e serviços, sem intuito especulativo. É a utilização do produto ou serviço despida de qualquer interesse de revenda ou para fins profissionais, integrantes de novo liame de produção ou serviços. De outra parte, temos a teoria subjetiva, cuja idéia defendida é de que o consumidor, como destinatário final, não pode ser um profissional, pois este estaria utilizando-o com o objetivo de lucro.

  Grande parte da doutrina brasileira entende que o Código adotou a definição objetiva, exatamente porque o legislador, ao conceituar o consumidor, utilizou-se da expressão destinatário final, o que denota sua intenção em ter como tal aquele que utiliza o bem no último estágio do liame de produção ou serviço, não excluindo a pessoa jurídica, desde que ela se encontre na posição de verdadeiro consumidor, não utilizando o produto ou serviço como insumo de sua atividade profissional.

 Quanto à definição genérica do campo de aplicação do CDC, digladiam duas correntes: os finalistas e os maximalistas.

De acordo com o magistério de Cláudia Lima Marques,  a interpretação dada pelos finalistas

[...] restringe a figura do consumidor àquele que adquire(utiliza) um produto para uso próprio e de sua família, consumidor seria o não profissional, pois o fim do CDC é tutelar de maneira especial um grupo da sociedade que é mais vulnerável. Considera que, restringindo o campo de aplicação do CDC àqueles que necessitam de proteção, ficará assegurado um nível mais alto de proteção para estes, pois a jurisprudência será construída sobre casos em que o consumidor era realmente a parte mais fraca da relação de consumo e não sobre casos em que profissionais-consumidores reclamam mais benesses do que o direito comercial já concede. Para os maximalistas, por outro lado, a definição do art. 2º deve ser interpretada o mais extensamente possível, segundo esta corrente, para que as normas do CDC possam ser aplicadas a um número cada vez maior de relações no mercado. Consideram que a definição do art. 2º é puramente objetiva, não importando se a pessoa física ou jurídica tem ou não fim de lucro quando adquire um produto ou utiliza um serviço. Destinatário final seria o destinatário fático do produto, aquele que o retira do mercado e o utiliza, o consome, por exemplo, a fábrica de toalhas que compra algodão para transformar, a fábrica de celulose que compra carros para o transporte dos visitantes, o advogado que compra uma máquina de escrever para o seu escritório, ou mesmo o Estado quando adquire canetas para uso nas repartições e é, claro, a dona de casa que adquire produtos alimentícios para a família.[83]

 Percebe-se que para a teoria finalista, a interpretação do artigo 2º do CDC é a mais restrita possível, sendo considerado consumidor aquele que retira do mercado de consumo produto ou serviço, de fato e sob o ponto de vista econômico, excluindo a figura do profissional. Para a maximalista, ao contrário, a interpretação é ampliada, considerando-se consumidor todo aquele que retira de fato o produto ou serviço do mercado, incluindo aqui os profissionais.   

Ainda recorrendo ao ensinamentos da citada autora, constata-se que

[...] a característica maior do consumidor é ser o destinatário final do serviço, é utilizar o serviço para si próprio. Nesse sentido, é fácil caracterizar o consumidor como destinatário final de todos os contratos de depósito, de poupança, e de investimento que firmas com os bancos. A dificuldade está na caracterização do consumidor, nos contratos de empréstimo, onde há uma obrigação de dar, de fornecer o dinheiro, que é bem juridicamente consumível. Nestes casos, a pessoa é destinatária final fática, mas pode não ser a destinatária final econômica. Por exemplo, um advogado que contrata o empréstimo de certa quantia para reformar o seu escritório ou o agricultor, para comprar a semente para plantar.

Nestes dois casos, o advogado e o agricultor são destinatários fáticos, mas o produto é insumo para alguma outra atividade profissional. Logo não poderiam recorrer, em princípio, à tutela do CDC. Observamos, porém, que o sistema do CDC é um sistema aberto, que trabalha com a técnica de equiparação de pessoas à situação de consumidor quando se constatar o desequilíbrio contratual e a vulnerabilidade (técnica, jurídica ou fática) da pessoa que contrata com o fornecedor. Parte da doutrina e jurisprudência defende a aplicação do CDC a estes contratos interempresariais.[...]

[...]Nesse sentido, parece-me possível concluir que os contratos entre o banco e os profissionais, nos quais os serviços prestados pelos bancos estejam, em última análise, canalizados para a atividade profissional destas pessoas físicas (profissionais liberais, comerciantes individuais) ou jurídicas (sociedades civis e comerciais), devem ser regidos pelo direito comum, direito comercial e leis específicas sobre o tema. Só excepcionalmente, por decisão do Judiciário, tendo em vista a vulnerabilidade do contratante e sua situação equiparável ao do consumidor stricto sensu, serão aplicadas as normas especiais do CDC a estes contratos entre dois profissionais.[84]

Ser o destinatário final de produto ou serviço, no entanto, não é a única forma de contemplar a pessoa jurídica como consumidora, beneficiária das leis protetivas.

 Mesmo que a empresa não adquira ou utilize o produto ou o serviço como destinatário final - o que a excluiria do âmbito de proteção do CDC pelo seu artigo 2º -, ainda assim poderá nele encontrar amparo, pela aplicação do artigo 29, por equiparação, desde que comprove que dele realmente necessita, porque encontra-se em estado de vulnerabilidade com relação ao fornecedor.85

 É o exemplo de pequenos empresários que não raramente se encontram em situação de vulnerabilidade perante seus fornecedores e, nesse caso, não há que se falar em igualdade, mas necessidade de equilibrar a relação.  A pessoa jurídica, nessas situações, em que pese não seja destinatária final,  pode encontrar-se subjugada ao seu fornecedor, muitas vezes grandes empresas, que ditam preços e formas de contratar, sem que o pequeno parceiro comercial possa ou consiga se opor.

 Comprovando encontrar-se em tal estado de vulnerabilidade, poderá a pessoa jurídica se socorrer do Estatuto Protetivo. Novamente os ensinamentos de Cláudia Lima Marques:

A própria jurisprudência gaúcha evoluiu para considerar que o princípio da vulnerabilidade(presumida para o consumidor pessoa física), imposto pelo CDC, está subsumido no art. 29 do Código, sendo deste pré-requisito lógico. Assim, só incluem-se na proteção “equiparada” deste artigo aqueles “profissionais” ou leigos que, vulneráveis, comprovam sua situação de vulnerabilidade fática, econômica, jurídica ou técnica.86

 Verifica-se, assim, que a pessoa jurídica poderá sim ter seu direito amparado pelo Estatuto Protetivo, mas deverá estar em posição de destinatário final de produto ou serviço ou encontrar-se em verdadeira posição de vulnerabilidade, que lhe coloque em situação de desigualdade frente ao parceiro contratual, de modo que necessite reequilibrar a relação, através das normas tutelares.

Dessa forma, como se mencionou inicialmente, a decisão do Tribunal de Justiça parece não ter solucionado o caso da melhor forma, uma vez que considerou aplicáveis as normas do Código de Defesa do Consumidor a uma relação jurídica mantida entre iguais, tendo de um lado uma instituição financeira e de outro uma concessionária de automóveis, que não se encontrava em posição de vulnerabilidade diante da outra parte, tampouco utilizava o empréstimo como destinatário final, mas no fomento de sua atividade comercial.

 A concessionária de automóveis tomou o empréstimo para utilizar o dinheiro como intermediário ou na forma de insumo para sua atividade profissional; não como consumidor final, aquele que está no fim da cadeia econômica(Produção  Circulação  Distribuição Consumo), como ensina Marcos M. Gouvêa.[87]

 Com a permissão de Cláudio Bonatto, utiliza-se de seus ensinamentos   para concluir pela inaplicabilidade do CDC ao caso sob análise, considerando tratar-se de relação jurídica mantida entre iguais, onde o Código Consumerista, que foi criado para defender o mais frágil na relação de consumo, não pode e não deve alcançar.

Para o renomado Mestre,

[...]as regras de proteção e de defesa do consumidor surgiram, basicamente, da necessidade de obtenção de igualdade entre aqueles que eram naturalmente desiguais. Assim, tornou-se imperiosa a intervenção estatal, por intermédio do direito positivo, objetivando evitar a milenar submissão do mais fraco em relação ao mais forte, lei esta somente aceitável no mundo irracional.

 Além disso, a idéia de codificação de regras e princípios protetivos buscou flagrantemente munir aqueles entes carentes de condições legais específicas de arma eficaz, tendente a evitar a continuidade da individualização dos lucros e da socialização dos prejuízos.

 É plenamente sabido que, nas relações econômicas desiguais entre o “forte” e o “fraco”, a liberdade escraviza, e a lei é que liberta.

 Dessarte, entendemos que o Código de Defesa do Consumidor deve ser utilizado por aqueles que nele tenham a última guarida, pois os demais podem buscar amparo nos outros diplomas legais vigentes, que não foram revogados pelo CDC.[88]

A relação jurídica, portanto, mantida entre duas empresas, sendo de caráter flagrantemente profissional, entre iguais, diferentemente do que decidiu a Turma Julgadora, deve ser regida por outro diploma legal, que não a Lei 8.078/90.

 Admitir o contrário, seria permitir a banalização do Código de Defesa do Consumidor.

 Não é difícil imaginar que, se permitido, os profissionais, maciçamente, sem distinção, assim que se sentirem prejudicados, por qualquer razão, até mesmo por diminuição do lucro no negócio realizado, travestir-se-ão de consumidores e invocarão a Lei Consumerista como solução para todos os seus problemas.

 Inegáveis e inúmeros os benefícios trazidos pelo CDC e o sucesso da sua aplicação, não sendo nada estranho que as pessoas jurídicas estejam pretendo, cada vez mais, o seu amparo, na condição de consumidor, como nos ensina Cláudia Lima Marques:

Efetivamente, grande número de empresas têm tentado ver reconhecido no Judiciário seu status de “consumidoras”- destinatárias finais fáticas, pois o sistema do CDC demonstrou ser um setor de excelência e eficiência do direito civil brasileiro, onde as soluções de mérito e de justiça contratual realmante realizam-se. Apoiadas por advogados atualizados, as empresas tornaram-se litigantes comuns a recorrer ao sistema do CDC para resolver seus problemas contratuais intercomerciais, deturpando, assim, o espírito protetivo do CDC e colocando em perigo a proteção do verdadeiro consumidor stricto sensu.[...][89]

 O que não se pode perder de vista e isto foi mencionado no início deste trabalho, é que a Lei 8.078/90 foi criada pelo sentimento da sociedade de que era necessária uma legislação específica, que tratasse e coibisse os abusos praticados nas relações de consumo em detrimento da parte mais fraca, o consumidor, até então desprovido de condições efetivas de defender seus direitos.

 Pode-se afirmar que a elaboração da Lei Consumerista não teve por objetivo considerar como consumidor todo aquele que adquirisse ou utilizasse produto ou serviço, indistintamente. Não foi criada para proteger o forte diante do forte ou o igual diante do igual, mas como sugere o nome, apenas para defender o consumidor, o reconhecidamente frágil da relação de consumo. Tem sido muito eficaz, uma inquestionável ferramenta em favor daquele que necessita de proteção,  mas não pode servir como o remédio para todos, aqui incluídas as pessoas jurídicas não-vulneráveis ou não-destinatárias finais de produtos e serviços. 

  Para sedimentar o entendimento,  enaltecendo a necessidade de alcançar a proteção do CDC àqueles que dele efetivamente necessitam, invoca-se, como muitas vezes feito neste trabalho, as sábias palavras de Cláudia Lima Marques:

[...]se a todos considerarmos “consumidores”, a nenhum trataremos diferentemente, e o direito especial de proteção imposto pelo CDC passaria a ser um direito comum, que já não mais serve para reequilibrar o desequilibrado e proteger o não-igual. E mais, passa a ser um direito comum, nem civil, mas sim comercial, nacional e internacional, o que não parece correto.[...][90]


CAPÍTULO V - HARMONIA NAS RELAÇÕES DE CONSUMO

5.1          Transparência: o primeiro caminho para a harmonia

No capítulo anterior procurou-se demonstrar que tanto a conduta de fornecedores como a de consumidores, pela invocação indevida e desmedida das normas tutelares, podem ocasionar a sua vulgarização.

Para que isto não aconteça, além da vigilância da sociedade e do Estado, que devem agir como fiscais em defesa da norma, fundamental que os seus destinatários compreendam que o CDC não foi criado para medir forças, instaurar disputas, provocar avalanchas de demandas judiciais,  mas como um instrumento de agregação entre eles, interdependentes que são. Se por um lado a lei preponderantemente protege o consumidor, por outro ela serve para estimular a concorrência entre as empresas, o que vem em seu próprio benefício, pois quem cumprir as diretrizes do Código, respeitando mais o consumidor, produzindo com mais qualidade e prestando as informações de forma mais adequada, por exemplo, será melhor enxergado por aqueles que consomem, que passarão a preferir os seus produtos e serviços. 

O Código de Defesa, portanto, não veio para promover a discórdia, mas a harmonia. E esta é uma das principais diretrizes estabelecidas pelo Código de Defesa do Consumidor: harmonia nas relações entre consumidores e fornecedores. 

 Harmonia, de acordo com o dicionário Aurélio, significa proporção, ordem, simetria, acordo, conformidade.[91]

 E essa parece ter sido a conotação que pretendeu o legislador dar a tal termo, com a clara intenção de alterar o mercado de consumo, para que nele, as relações, depois de equilibradas, sejam harmônicas, simétricas, de paz, sem quaisquer abusos, por qualquer das partes,

  A concretização de tal objetivo não é tarefa das mais fáceis, especialmente porque, para harmonizar interesses de consumidores e fornecedores, será necessário, principalmente dos últimos, o despojamento de todos os artifícios comumente empregados no mercado de consumo, verdadeiramente abusivos, a exemplo de  informações falsas ou parcas sobre produtos e serviços ou a própria contratação,  da utilização excessiva de técnicas indutivas de marketing, contratações com larga vantagem ao fornecedor ou onerosidade ao consumidor, comercialização de produtos e serviços com baixa qualidade e em desacordo com as normas e tantas outras condutas lesivas ao consumidor.

 Para que se possa superar essas barreiras, pretendendo a harmonização de interesses de consumidores e fornecedores, inevitável que ambos enxerguem que a relação de consumo não pode sobreviver sem que haja um sentimento de solidariedade entre eles, uma dependência recíproca, em que cada qual sinta-se na obrigação moral de amparar o outro, num verdadeiro liame de responsabilidades que os une por interesses comuns.

Essa solidariedade vem para propiciar a igualdade entre os parceiros da relação. Não se trata, exatamente, de beneficiar o mais fraco, prejudicando o mais forte, mas de restabelecer ou instaurar a harmonia, com a quebra da desigualdade que dominava o mercado de consumo.

 Não se pode acreditar, entretanto, que esse  mercado, sempre dominado pelas empresas, possa mudar de uma hora para outra, alçando-se o consumidor, tão-só pelo fato do surgimento de uma norma protetiva, à condição de parceiro, de igual,  de solidário.

 O equilíbrio e a harmonia não serão alcançados porque o legislador assim objetivou. É necessário que sejam perseguidos. É preciso que consumidores e fornecedores sintam-se parceiros, dependentes um do outro, respeitando-se mutuamente.  Não é uma norma impositiva, mas um estado ideal, que só será atingido se houver uma conscientização geral no sentido de que o mercado não sobreviverá se atender apenas aos interesses de uma das partes.  

Essa percepção de interdependência, no entanto, não surgirá, de igual forma, apenas porque existente uma lei protetiva, mas fundamentalmente porque o consumidor alcançará o seu espaço dentro do mercado, que não será por outro caminho senão o do respeito.

Corroborando tal entendimento, no sentido de que a obtenção do respeito é fundamental à harmonia, Cláudio Bonatto nos ensina:

Esta situação de desequilíbrio, todavia, é prejudicial para o convívio harmônico como um todo, pois fere ao fundamento maior da dignidade da pessoa humana, motivo pelo qual surgiu o CDC, como forma de igualar integrantes da relação de consumo, munindo o consumidor de arma eficaz a obtenção de respeito e, conseqüentemente, de força para impor sua vontade.[92]

  É indispensável permitir ao consumidor o atingimento dessa importância, dessa respeitabilidade, abrindo-se-lhe portas para esse desiderato através da educação, da informação, imprescindíveis, em qualquer caso, à expunção do domínio de uns sobre outros, notadamente pelo anteparo que representam.   Como bem analisa  Sérgio Pinheiro Marçal:

Também o Estado, na sua ingerência permitida pelo legislador, deve sempre ter como meta a harmonização e compatibilização de interesses. A tentação de tomar o fornecedor como naturalmente explorador e de praticar atos exemplares, deve dar lugar, prioritariamente, aos princípios da educação e informação, previstos no inc. IV do art. 4º do CDC.

Aliás, educação e informação são, sem sombra de dúvida, a única forma de criar um sistema de grande longevidade. O Consumidor somente estará efetivamente protegido, quando a sociedade tiver ciência, souber respeitar e reivindicar os direitos básicos, inerentes às relações de consumo. Na verdade, mais do que isso, educação e informação revelam-se a pedra de torque de qualquer sociedade civilizada.[93]

Nesse sentido, o legislador consumerista, pretendendo uma melhoria do mercado,enfatizou como objetivo da Política Nacional das Relações de Consumo, no artigo 4º, inciso IV,  a educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres.

A necessidade de educação sobre o consumo, como já mencionado quando da análise dos princípios, inicia na própria família, onde são apreendidos conceitos do certo e do errado, do bem e do mal, do justo e do injusto. É aí que se cristalizam entendimentos  sobre a lealdade, confiança, sinceridade, honestidade, transparência.

   A educação, portanto, deve vir antes da informação. Se houvesse consciência coletiva dos valores básicos acima citados, especialmente o da transparência,  a harmonia  não precisaria ser perseguida, postulada, reclamada, mas decorreria, naturalmente, das regras de convivência, dos valores éticos, existentes muito antes da relação de consumo. 

 Certamente esse seria o estado ideal. No entanto, por tudo o que já se mencionou, é necessário, sim, perseguir a simetria, a harmonia, a paz nas relações entre consumidores e fornecedores, situação que só será alcançada se for propiciado ao consumidor conhecer,  de forma efetiva, o mercado em que está inserido, com informações abrangentes, precisas, adequadas e claras sobre o consumo, especialmente sobre a forma de contratar, sobre o próprio parceiro, o fornecedor, sobre os produtos e serviços, enfim, no mínimo, ser detentor das mesmas informações que possui o outro, para se dizer que se está em posição de simetria, buscando a harmonização.

Esse saber é indispensável para bem decidir, escolhendo o melhor negócio, a  oferta mais viável, o contrato mais adequado, o melhor fornecedor.

Esse conhecimento que se entende seja o caminho da harmonia,  decorre da transparência que deve existir entre as partes contratantes. E o próprio legislador indica isso ao mencioná-las lado a lado no caput do artigo 4º do CDC.

O vocábulo transparente significa limpo, evidente, claro, óbvio[94].

 No Código de Defesa do Consumidor, a expressão aparece por uma única vez, no caput do artigo 4º, mas suficiente para a doutrina imprimir-lhe o caráter de princípio aplicável às relações de consumo, exatamente porque flagrante sua incidência sobre as normas protetivas.

  É percebido, por exemplo, no artigo 6º, inciso III, que expressa como básico o direito à informação adequada e clara sobre produtos e serviços; no artigo 30, que trata da publicidade, onde o princípio da transparência atua em favor do consumidor, obrigando o fornecedor que a veicular, com a sua integração ao contrato que vier a ser celebrado; no artigo 46, onde há manifesta incidência do princípio, pela desobrigação dos consumidores, quanto aos contratos, se não lhes for dado conhecimento prévio do seu conteúdo ou, pela forma como redigidos, forem de difícil compreensão; no artigo 47, onde a norma determina que as cláusulas contratuais devem ser interpretadas de forma favorável aos consumidores, em especial porque redigidas, costumeiramente, de forma confusa, mas em seu prejuízo;  no artigo 50, que trata da garantia complementar, onde a transparência aparece pela exigência de que o termo deva ser feito por escrito, com esclarecimentos suficientes à sua compreensão;  no artigo 51, na proibição das chamadas cláusulas abusivas, exatamente porque, se elas não permitem a mensuração exata por parte do consumidor das obrigações assumidas por ele no contrato, transparência não haverá;  no artigo 52, onde é flagrante a aplicação do princípio, no caso de concessão de crédito ao consumidor, quando o fornecedor deverá informá-lo, pormenorizadamente, sobre o negócio, especialmente sobre preço, encargos, prestações, multas, resíduos.

 De acordo com a doutrina, a inserção da transparência como princípio norteador tem por objetivo propiciar uma relação mais próxima e adequada entre o fornecedor e o consumidor, almejando a existência de sinceridade no negócio entre ambos os contratantes.

Nesse sentido, Cláudia Lima Marques nos ensina que:

Transparência significa informação clara  correta sobre o produto a ser vendido, sobre o contrato a ser firmado, significa lealdade e respeito nas relações entre fornecedor e consumidor, mesmo na fase pré-contratual, isto é, na fase negocial dos contratos de consumo.[95]

A transparência aparece como verdadeiro dever de conduta, de maneira especial ao fornecedor,  no sentido de que as suas atitudes, frente ao parceiro contratual, objetivando atraí-lo ao negócio, sejam levadas a efeito de forma séria e verdadeira, sem artifícios, cumprindo-lhe esclarecer e avisar o consumidor das escolhas que faz, que devem ser refletidas e autodeterminadas.  É um bom começo para o atingimento da confiança que deve existir entre as partes, condição igualmente essencial à busca da harmonia.

 O conhecimento que se afirmou ser indispensável ao respeito que deve existir nas relações de consumo, exatamente pelo anteparo que representa à dominação do mercado, parece ser alicerce do princípio da transparência, revelada através da informação que deve existir na relação contratual. Para Cláudia Lima Marques,

[...]a transparência é clareza, é informação sobre os temas relevantes da futura relação contratual. Eis porque institui o CDC um novo e amplo dever para o fornecedor, o dever de informar ao consumidor não só sobre as características do produto ou serviço, como também sobre o conteúdo do contrato. Pretendeu, assim, o legislador evitar qualquer tipo de lesão ao consumidor, pois sem ter o conhecimento do conteúdo do contrato, das obrigações a que estará assumindo, poderia vincular-se a obrigações que não pode suportar ou que simplesmente não deseja. Assim também adquirindo um produto sem ter informações claras e precisas sobre suas qualidades e características pode adquirir um produto que não é adequado ao que pretende ou que não possui as qualidades que o fornecedor afirma ter, ensejando mais facilmente o desfazimento do vínculo contratual.[96]

 Não se pode imaginar que o consumidor sinta-se confortável numa relação em que não possa externar livremente a sua vontade, escolher a melhor forma de negociar, o melhor produto, o melhor parceiro contratual, seja porque não os conhece suficientemente, seja porque não detém a melhor informação capaz de lhe dar condições de proferir um juízo de valor satisfatório sobre o negócio a ser realizado.

 Se o consumidor não possuir as mesmas informações que seu parceiro contratual, certamente com ele não se harmonizará; pelo contrário, a ele continuará submisso, pela posição desigual e inferior em que se encontra.

 É preciso que o consumidor possa manifestar com liberdade a sua vontade e isto só será possível se detiver conhecimento suficiente sobre o negócio a ser realizado. Nas palavras da Doutora Claudia

[...]Se esta inversão de papéis ocasionada pelo ideal de transparência e lealdade no mercado imposto pelo CDC pode ser considerada renovadora, o sentido e o fim(Sinn und Zweck) do mandamento, como denominam os alemães a ratio legis, pode ser reduzida à tradicional procura da “verdadeira e livre vontade do consumidor”. Visto deste ângulo, o ideal de transparência seria apenas uma nova(e sem dúvida importante)pré-condição para que o consumidor possa manifestar sem medo e livremente sua vontade, e realizar(ao fim) as suas expectativas legítimas, aquelas que o levaram  a – informado devidamente sobre o produto ou serviço, ciente de seus futuros direitos e deveres contratuais – escolher aquele fornecedor como seu parceiro contratual.[97]

A transparência surge exatamente para que o consumidor possa bem decidir, porque lhe são fornecidos todos os elementos para que assim aja.   Ora, se ciente dos direitos e deveres futuros que lhe competem, poucos ou menores serão os motivos para discórdias futuras, sob alegação de desconhecimento.

 O dever e direito à informação, decorrentes do princípio da transparência,  portanto, despontam como fundamentais no caminho da harmonia. Nesse sentido, a renomada autora nos ensina que “[...]o dever de informar passa a representar, no sistema do CDC, um verdadeiro dever essencial, dever básico(art. 6º, inciso III) para a harmonia e transparência das relações de consumo[...]”[98]

 Esse dever de informar deve abranger todas as condições do negócio a ser realizado, desde o momento pré-contratual, abrangendo tanto a oferta como o próprio conteúdo do contrato, seja elaborado de forma escrita, seja verbal, a fim de que o consumidor  não adira irrefletidamente sobre negócio que, fosse-lhe melhor esclarecido, quiçá não realizaria. Nesse sentido, a análise efetuada por Luis Gustavo G. Castanho de Carvalho:

[...]A opulência da informação, o grande poder de persuasão que a reiteração da informação exerce sobre o homem, é o que o torna objeto de proteção, para que o homem não seja levado a assumir comportamentos que não correspondam a uma perfeita compreensão da realidade, nem a ter sentimentos que também não se apóiem na situação fática real.

A informação não teria qualquer valor jurídico se não estivesse visceralmente vinculada à capacidade de discernimento e de comportamento do homem. É justamente para proteger a sua capacidade de reflexão que se propõe do Direito de Informação.[99]  

O entendimento de que a informação, verdadeiro conhecimento, é primordial ao estabelecimento da harmonia nas relações de consumo,  reside no fato de que, se o consumidor detiver todo o conhecimento sobre os aspectos formais e fáticos do negócio,  sobre os direitos e deveres dele decorrentes, poderá refletir e decidir sobre o que melhor lhe convier. Nesse sentido o entendimento do citado autor:

[...]A essência da informação é a realidade, a objetividade, não a ilusão. Sobre a informação o homem reflete e decide. Na ilusão sua reflexão é viciada, é falsa, sua vontade é deturpada. O direito cuida para que isso não aconteça, para que o homem disponha de instrumentos seguros para receber informação real, de modo a poder refletir e decidir com segurança.[...][100]

 A harmonia, assim, verdadeiro estado de consonância, concórdia, proporção, só será alcançada se o consumidor se sentir como um autêntico parceiro contratual, sem ocultismos, detendo, de forma efetiva, conhecimentos suficientes acerca do outro sujeito da relação, de suas reais intenções, dos direitos e deveres relativos ao negócio a ser realizado.

Somente através dessa segurança, de que o negócio está bem compreendido, informado e explicado, cada qual com suas certezas, é que se poderá começar a falar em simetria ou harmonia entre consumidores e fornecedores, inexistente se apenas uma das partes detiver o conhecimento, exatamente pela opacidade que trará ao negócio, conhecido apenas por um dos sujeitos.

5.2       Boa-fé também na conduta do consumidor

A tão almejada harmonia das relações de consumo, além de trilhar o caminho da transparência, que entende-se seja o primeiro passo ao seu atingimento, deve ser formada através da boa-fé, valor indispensável na concretização de todos os objetivos da Política Nacional das Relações de Consumo.

Sobre a lealdade na conduta dos fornecedores, muito já se falou neste trabalho. O objetivo, agora, é demonstrar que ela deve estar presente também no comportamento dos consumidores.

 Através da leitura do caput e inciso III do artigo 4º do CDC, facilmente se percebe a preocupação do legislador com a obtenção da harmonia no mercado de consumo, bem como da indicação dos meios para que seja alcançada, especialmente através da transparência,  já tratado no item anterior, e da boa-fé e equilíbrio entre consumidores e fornecedores.

Nessa disposição legal, em que pese o caráter nitidamente protetivo do Código, o legislador demonstrou que não somente os interesses dos consumidores devem ser tutelados, enfatizando que essa proteção deve ser compatibilizada com o necessário desenvolvimento econômico e tecnológico do mercado.[101]

 Através dessa premissa, qual seja a de que a Lei 8.078/90 não foi criada com o único e exclusivo objetivo de defender a todo consumidor, mas, antes disso, harmonizar o mercado e defender o consumidor leal,  é que se enfatiza que, embora o legislador não tenha criado sequer uma disposição expressa, atribuindo dever de conduta ao consumidor, a interpretação das normas deve ser feita de forma sistemática, de modo que os princípios norteadores devem ser observados por todos os sujeitos da relação, também em homenagem à igualdade, que entende-se seja o maior dos princípios.

 Partindo dessa concepção e considerando que o próprio legislador previu a boa-fé como elemento harmonizador, afirma-se que ela deve estar presente na conduta de ambas as partes, consumidores e fornecedores, singelamente porque, se existir em apenas um dos pólos, a harmonia, vocábulo que também tem como sinônimo a simetria, por óbvio não estará presente. 

Essa preocupação em afirmar que os valores caracterizadores da boa-fé devam existir na conduta de todos os componentes da relação de consumo decorre da constatação de que, embora o mercado esteja mais equilibrado,  com os consumidores fazendo valer seus direitos, fiscalizando o cumprimento de seu Estatuto Tutelar, e os fornecedores, por outro lado,  coagidos pelos fortes mandamentos da norma reguladora, respeitando mais os consumidores e adequandose, a cada dia,  aos ditames do CDC,  cristaliza-se na sociedade um nefasto sentimento de que somente o consumidor age de boa-fé, e o fornecedor, ao contrário, é aquele que sempre age com dolo, malícia, perfídia. A boa-fé, assim, tem sido costumeiramente enxergada como atributo de conduta de consumidores, e a má-fé, de fornecedores.

Entretanto, é preciso enfatizar, o mercado de consumo está mudando e essa  conotação de que o consumidor é o possuidor da boa-fé, certamente não foi a que o legislador consumerista quis empregar ao prestigiá-la como um princípios mais caros da política de consumo. 

 O princípio da boa-fé, entendido como um padrão de conduta que a sociedade exige dos contratantes, não pode ser exigido de apenas um deles. Deve vincular tanto o fornecedor como o consumidor, especialmente porque não é direcionado à proteção de apenas uma das partes, mas da própria relação de consumo.  Nesse entendimento, o magistério de Heloísa Carpena:

A boa-fé é, sem dúvida alguma, um conceito ético, porém se liga igualmente à finalidade econômica do contrato. Embora identificada com o ideal de justiça contratual, no sentido de busca do equilíbrio das prestações, a boa-fé não se presta unicamente à defesa do contratante hipossuficiente, atuando como fundamento para orientar interpretação garantidora da ordem econômica. Nem sempre será favorecido o contratante débil pois, como assevera Stefano Rodotá, a escolha deve ser feita de modo a assegurar prevaleça o interesse que se apresenta mais vantajoso em termos de custo social. A intervenção na economia contratual visa, em última análise, à harmonização dos interesses e deve se dar com base na boa-fé, isto é, pautando o comportamento das partes segundo os deveres de lealdade, confiança e cooperação, cuja observância deve se sobrepor aos interesses egoísticos dos contratantes e ao mesmo tempo salvaguardar os princípios constitucionais sobre a ordem econômica[...].[102]

 Antes de proteger interesses de consumidores e fornecedores existe a necessidade de manter equilibrado o mercado do qual fazem parte. Infrutífero seria defender apenas uns ou outros, caso em que a desigualdade continuaria presente. É necessário, sim, proteger o consumidor, por tudo o que já se mencionou neste trabalho, sem que isso, no entanto, macule a própria relação de consumo. E isto bem percebeu o legislador ao determinar que haja harmonia entre os sujeitos dessa relação, compatibilizando a norma do CDC, nitidamente protetiva, com os ditames do artigo 170 da Constituição Federal, sobre a ordem econômica. Nesse sentido, os abalizados conhecimentos de Ruy Rosado:

[...]a boa fé não serve tão-só para a defesa do débil, mas também atua como fundamento para orientar interpretação garantidora da ordem econômica, compatibilizando interesses contraditórios, onde eventualmente poderá prevalecer o interesse contraditório ao do consumidor, ainda que a sacrifício deste, se o interesse social prevalente assim o determinar. Considerando dois parâmetros de avaliação : a natureza da operação econômica pretendida e o custo social decorrente desta operação, a solução recomendada pela boa-fé poderá não ser favorável ao consumidor.[103]

Do magistério do Ministro Ruy Rosado, extrai-se o ensinamento de que a boa-fé não é um simples conceito ético, mas também integrador, que medeia a necessidade de preservação do desenvolvimento econômico e social e a de proteger o consumidor frente aos abusos costumeiramente decorrentes desse expansão.

 Isto significa que os valores decorrentes da boa-fé não devem pender apenas para o lado do consumidor; antes disso, deve-se buscar a harmonia, conciliando os interesses. Os deveres dela decorrentes, especialmente os de cooperar, confiar, ser leal, não devem ser exigidos apenas do fornecedor.  E isto foi bem apreendido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul ao julgar ação revisional proposta por consumidora, quando demonstrou que a boa-fé é uma via de mão dupla. Permite-se reproduzir parte do Acórdão:

[...]Consoante se depreende dos autos, a apelante firmou com o apelado, contrato de abertura de crédito em conta-corrente, cartão de crédito, CDC automático e seis empréstimos eletrônicos, esses, todos no mês de abril de 2003. Antes do vencimento da primeira parcela, já no mês de junho, constituiu advogado que, imediatamente, ingressou com a presente ação revisional.

É sabido que o vínculo jurídico que une os sujeitos na relação obrigacional, a partir da teoria dualista, é a recíproca confiança que, conjuntamente com o dever de conduta, forma a boa-fé objetiva, composta por uma regra de conduta, socialmente indicada, cujo paradigma é construído por padrões de correção, lisura e honestidade, insertos na consciência do homem médio comum.

Assim, a partir de padrão ético de confiança e lealdade, indispensável para o próprio desenvolvimento normal de convivência social, cria-se expectativa de um comportamento adequado por parte dos contratantes, legitimando  direitos e deveres, tanto no exercício, quanto no cumprimento da obrigação.

Erigida à categoria de princípio geral, a boa-fé objetiva deve ser observada na tríplice fase da relação obrigacional: formação, integração e execução. E esta norma é ínsita ao trato negocial. 

Não a vislumbro, todavia, no comportamento da apelante, de modo a ensejar a acolhida da pretensão revisional, considerando o exíguo espaço de tempo entre a contratação e o ingresso da ação, bem como o inadimplemento substancial do pacto. Não se pode olvidar que a autora utilizou os valores que lhe foram repassados pelo apelado, sabendo previamente as taxas e os valores das prestações, porquanto pré-fixadas.[...][104]

 Efetivamente, é necessário que o comportamento que se espera de fornecedores, a exemplo da correção, lisura, honestidade, naturalmente decorrentes da boa-fé, devam, de igual forma, ser exigidos do consumidor, sob pena de o parceiro prejudicado, sentido-se o senhor dos deveres, em nada colaborar para o atingimento da harmonia.

 É a dicotomia dos direitos e deveres que deve estar presente. Invertar as forças na relação de consumo certamente nunca foi a intenção do legislador; aliás, o que sempre se buscou foi torná-las iguais, exatamente para que não se precisasse falar delas, das forças, das disputas, mas da harmonia.

 Tornar mais forte o consumidor, mas para atingir a isonomia entre os contratantes, foi um dos grandes objetivos do CDC.  Finalmente o consumidor passou a ser detentor de mecanismos eficientes de proteção, tanto no Código de Defesa como em outros Diplomas que, direta ou indiretamente, o protegem.

As alterações no comportamento dos agentes da relação de consumo, entretanto, como já se mencionou anteriormente,  não podem ser uma mudança às avessas ou uma inversão nas responsabilidades, cobrando-se do fornecedor transparência, boa-fé, confiança, prudência, igualdade e permitindo-se que o consumidor, extasiado com a imensidão de normas que o protegem, confunda-se e acredite que o Código, por ter sido criado com o objetivo de equilibrar as relações entre ele e o fornecedor, protegendo-o dos abusos praticados no mercado de consumo, permita-lhe esquecer da boa-fé, acreditando estar imune à qualquer tipo de coibição e repressão.

 Não pode ser um autêntico “ir à forra”, com condutas desleais, a exemplo das demandas temerárias ou dos comportamentos censuráveis que foram mencionados no capítulo 4 deste trabalho, numa legítima vingança institucionalizada aos abusos cometidos em detrimento dos consumidores.

Comportamentos dessa natureza são prejudiciais ao interesse de todos nós, consumidores, especialmente porque, sem qualquer ingenuidade, se os fornecedores tiverem de arcar com todos os prejuízos, em especial daqueles provindos de demandas temerárias em que não raras vezes o Judiciário entende que o consumidor sempre tem razão, a socialização não será do lucro, mas dos danos, repassados a produtos e serviços, onerando os bons consumidores.

Harmonia é ponderação e isto é o que deve prevalecer. Para que se a atinja, mesmo que para alguns possa parecer utópico, é fundamental que haja comprometimento mútuo, em um verdadeiro depor de armas, no sentido de que a relação de consumo seja dotada de sentimentos de solidariedade e que os sujeitos dessa relação vejam-se como verdadeiros parceiros, confiando um no outro, sem abusos, por qualquer das partes, sob pena de ocorrer um retrocesso nessa evolução de igualdade que se alcançou no mercado consumidor. Nessa linha de entendimento, permite-se utilizar as palavras do Ministro Ruy Rosado, segundo o qual

[...]O art. 4º do Código se dirige para o aspecto externo e quer que a intervenção na economia contratual, para a harmonização dos interesses, se dê com base na boa-fé, isto é, com a superação dos interesses egoísticos das partes e com a salvaguarda dos princípios constitucionais sobre a ordem econômica através de comportamento fundado na lealdade e confiança.[...][105]

Por fim, para que se possa alcançar a esperada harmonia, faz-se necessário um pensar

diferente, por todos os partícipes da relação de consumo, inclusive, sim, pelo consumidor. Neste momento em que começa a surgir o aguardado equilíbrio e desaparecer um pouco os abusos no mercado, é imprescindível que, permitam, acalmem-se os ânimos, fazendo com que a boa-fé seja natural, o norte para consumidores e fornecedores.

Fundamental, nesse sentido, para concluir, repetir o ensinamento de  Nelson Nery Júnior:

[...]o Código pretende criar a necessidade de haver mudança de mentalidade de todos os envolvidos nas relações de consumo, de sorte que não mais seja praticada a ‘Lei de Gerson’ no país, segundo a qual se deve tirar vantagem devida e indevida de tudo, em detrimento dos direitos de outrem. O Código pretende desestimular o fornecedor com espírito de praticar condutas desleais ou abusivas, e o consumidor de aproveitar-se do regime do Código para reclamar

infundadamente pretensos direitos a ele conferidos[...].[106]


CONCLUSÃO

 A criação de uma norma protetiva surgiu porque a sociedade percebeu que a classe consumidora, apesar de vital ao mercado de consumo, não recebia o tratamento igualitário a que fazia jus, encontrando-se subjugada aos ditames das empresas, que detendo os meios econômicos para controlar o mercado e cientes das necessidades dos consumidores, impunham as regras da forma que melhor lhes beneficiasse, obrando em verdadeiros abusos, pela posição de superioridade em que se encontravam, através de condutas que só objetivavam o lucro, sem qualquer preocupação com o parceiro contratual, sequer considerado dessa forma.    

Foi através dessa constatação, portanto, de que o mercado só beneficiava os fornecedores, com flagrante desigualdade no tratamento dos interesses envolvidos, que apareceu, de forma pioneira em uma Carta Constitucional pátria,  determinação do legislador constituinte para que o Estado promovesse a  defesa do consumidor, devendo, para isso, editar uma norma que efetivamente o protegesse, levada a efeito através da lei 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor.

 A partir de então, o consumidor passou a contar com um poderoso aliado à defesa de seus direitos, com normas visivelmente tutelares, que já refletem positivamente no mercado de consumo, onde se vem percebendo, ainda que timidamente, maior igualdade e equilíbrio nas relações, maior respeito à dignidade, saúde e segurança do consumidor,  melhoria no fornecimento de informações, aumento da qualidade e segurança de produtos e serviços, maior ação governamental, mais fácil acesso à justiça,  diminuição nos abusos costumeiramente existentes no mercado e indícios de harmonia dos interesses de consumidores e fornecedores.

As relações de consumo, portanto, já começam a dar sinais de que está sendo atendido o objetivo propulsor da criação do CDC:  equilíbrio e harmonia entre consumidores e fornecedores.

É sabido que essa relação nunca foi e dificilmente será completamente harmônica, porque a mudança esperada pelo legislador passa, primeiro, por uma alteração na nefasta cultura nacional de que o importante é levar vantagem em tudo. É necessário que os sujeitos envolvidos comprometam-se reciprocamente com essa mudança, enxergando-se como parceiros verdadeiros, com confiança mútua, sem vantagens indevidas e desparelhas,  que voltem a desequilibrar esse sensível relacionamento.

 O esforço empregado para a criação dessa legislação não pode ser esquecido e desperdiçado. É necessário que se busque, de forma incansável, o respeito às disposições do Código e ao espírito para o qual foi criado, que não é outro senão o da  defesa dos direitos do consumidor e a harmonia nas relações de consumo.

 Para atingir tal desiderato, os abusos devem ser expungidos do mercado, quer seja de fornecedores,  quer seja de consumidores. Se até agora se buscou energicamente a proteção do consumidor, vulnerável que sempre foi,   uma vez alcançada, mesmo que incipientemente, a preocupação, de agora em diante, deve ser pela preservação do equilíbrio entre os componentes da relação de consumo, fiscalizando as condutas de ambos e não somente as dos fornecedores, pois se estes cometem abusos, consumidores também os podem cometer.

 Além disso, é preciso estancar a potencial banalização do Estatuto Protetivo, percebida especialmente pela sua invocação e utilização indevidas e desmesuradas, onde  fornecedores, cientes da força protetiva do Código, invariavelmente o invocam em seu benefício, dissimulando a sua condição, como se consumidores fossem e, de outro lado,  consumidores, extasiados pelo alcance tutelar da lei e pela tendência jurisprudencial que lhes é maciçamente favorável,  não raras vezes agem de forma desleal, invocando a norma para atingir objetivos ilegais, em demandas verdadeiramente temerárias, a exemplo daquelas relatadas no capítulo  4 deste trabalho.

Por fim, além da expunção dos abusos e da repulsa à banalização das normas protetivas, para que o mercado de consumo atinja o ideal esperado pela sociedade, sobretudo a harmonia e equilíbrio que devem permear as relações consumeristas, é necessário, ainda, que elas sejam transparentes, límpidas, exigindo-se, não só do fornecedor, mas de ambos os contratantes,  um espírito diferente, com boa-fé, onde desponte o sentimento de que o consumo não subsiste sem a solidariedade entre eles,  em que cada qual sinta-se na obrigação moral de amparar o outro, num verdadeiro liame de responsabilidades que os une por interesses comuns, o que certamente trará consigo um efeito imediato de elevação da qualidade dos negócios, pois se fornecedores e consumidores tiverem ciência de suas obrigações, de suas parcelas de contribuição,  as transações serão mais seguras, mais confiáveis e, por conseqüência, os consumidores, com acesso a produtos e serviços de melhor qualidade e segurança,  poderão consumir mais, e as empresas, com a diminuição nos riscos dos negócios, poderão praticar menores preços em suas vendas, melhorando a qualidade de vida de todos.


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Notas

[1] INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Direitos do consumidor. Ética no Consumo : Coleção Educação para o Consumo Responsável. Coordenação e supervisão: Inmetro.   p.10. Informações disponíveis em: < idec.org.br/biblioteca.asp > Acesso em: 25 dez. 2005.

[2] DONATTO, Maria Antonieta Zanardo. Proteção ao consumidor : conceito e extensão. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 40.

[3] ROSA, Josimar Santos.  Relações de Consumo e Defesa dos Interesses de Consumidores e Fornecedores. São Paulo: Atlas, 1995, p. 21 et. seq.

[4] DONATTO, op. cit.,  p. 17.

[5]  BENJAMIN apud DONATTO, Maria Antonieta Zanardo. Proteção ao consumidor : conceito e extensão. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 17.

[6]  DONATTO, Proteção ao consumidor : conceito e extensão, p. 18.

[7] BOURGOIGNIE, apud SOUZA, Miriam de Almeida. A Política legislativa do Consumidor no Direito Comparado. Belo Horizonte: Edições Ciência Jurídica, 1996, p. 48.

[8] BONFIM, João Bosco Bezerra. As Políticas Públicas sobre a Fome no Brasil. Brasília : Consultoria Legislativa do Senado Federal – Coordenação de Estudos,  2004, p.11.  Disponível em: <www.senado.gov.br/web/conleg/textos>. Acesso em: 22 dez.2005.

[9] GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda. São Paulo: Summus Editorial, 1991, p.27.

[10] São exemplos dessas normas protetivas: Código Penal, art. 175:  “Enganar, no exercício de atividade comercial, o adquirente ou consumidor: I - vendendo, como verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada ou deteriorada; II - entregando uma mercadoria por outra. Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa; art. 278 - Fabricar, vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, entregar a consumo coisa ou substância nociva à saúde, ainda que não destinada à alimentação ou a fim medicinal:Pena detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.” No Código Civil de 1916, a proteção aparece mais evidente no caso do vício redibitório, previsão do artigo 1.101, verbis: “A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada ou lhe diminuam o valor.”

[11] EFING, Antônio Carlos. Contratos e procedimentos bancários à luz do código de defesa do consumidor. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1999, p. 22.

[12] INMETRO. Informações disponíveis em: <www.inmetro.gov.br/inmetro/oque.asp>. Acesso em: 21 ago. 2005.

[13] PRESIDÊNCIA                            DA              REPÚBLICA.             Informações             disponíveis              em:

<http://educa.consumidoresint.cl/doctos/direitos_do _consumidor.pdf>. Acesso em: 21 Ago. 2005.

[14] IDEC. Informações disponíveis em: <www.idec.org.br>. Acesso em: 21 ago. 2005.

[15] EFING, Antônio Carlos. Contratos e procedimentos bancários à luz do código de defesa do consumidor, p. 23.

[16] A Constituição Federal determinou a criação de lei para defesa do consumidor em seu artigo 5º, inciso  XXXII, verbis: “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”; no artigo 170, previu a proteção do consumidor dentre os princípios da ordem econômica: “Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) V - defesa do consumidor”.

[17] De acordo com Maria Helena Diniz, “o CDC  é o mais moderno do mundo, por conter normas de ordem pública, pretendendo equilibrar as relações entre fornecedores de produtos e serviços e consumidores, outorgando instrumentos de defesas idôneos à satisfação de seus interesses, sancionando as práticas abusivas, impondo a responsabilização objetiva dos fornecedores.”( DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro –  São Paulo: Saraiva, 1998, v.7, p. 347).

[18] NERY JÚNIOR, Nelson. Os princípios gerais do Código de Defesa do Consumidor. Revista Direito do Consumidor, São Paulo, nº 3, p. 47, 1992.

[19] Dentre os seus princípios, o CDC prevê em seu artigo 4º o da vulnerabilidade do consumidor: “Art. 4º - A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;”

[20]   MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo.  São Paulo : Malheiros, 2001, p. 771.

[21] BONATTO, Cláudio; MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Questões Controvertidas no Código de Defesa do Consumidor. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 1999, p. 25.

[22] Assim dispõe o mencionado artigo 4º do CDC: “Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; II -ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:a) por iniciativa direta; b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas; c) pela presença do Estado no mercado de consumo;d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho.III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo; V - incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo;VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores; VII racionalização e melhoria dos serviços públicos; VIII - estudo constante das modificações do mercado de consumo.”

[23] ALVIM, Arruda et al. Código de Defesa do Consumidor Comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995, p.44.

[24] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo : Saraiva, 1997, p. 275276.

[25] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: RT, 1993, p.195.

[26] SILVA, Luís Renato Ferreira da. O princípio da Igualdade e o Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor,  São Paulo, nº 8,  p. 156, 1993.

[27] MANGABEIRA apud. PINTO FERREIRA. Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno. São Paulo: Saraiva,1983,  p.771.

[28]  MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Código de Defesa do Consumidor – O princípio da vulnerabilidade. Porto Alegre : Síntese, 1999, p. 96.

[29]  BONATTO,  Questões Controvertidas no Código de Defesa do Consumidor, p. 46.

[30] BONATTO,  Questões Controvertidas no Código de Defesa do Consumidor,  p. 43.

[31] MORAES,  Código de Defesa do Consumidor – O princípio da vulnerabilidade,  p. 115 et. seq.

[32] MORAES, Código de Defesa do Consumidor – O princípio da vulnerabilidade,  p. 168.

[33] A Constituição Federal trata do princípio da eficiência no artigo 37:  “A administração pública direta e indireta, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, e eficiência e, também, ao seguinte:[...] § 3º - A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente:I - as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços;” A lei 9784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, regula a eficiência no artigo 2º:  “A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.”

[34] SILVA, Agathe E. Schmidt da. Cláusula Geral de Boa-fé nos Contratos de Consumo. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, nº 17,  p. 154, 1996.

[35] MARQUES, Cláudia Lima; Benjamin, Antônio Herman V.; Miragem, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: arts.1º a 74 : aspectos materiais.  São Paulo : Editora Revista dos Tribunais,  2003, p. 125.

[36] MARQUES, Cláudia Lima. Boa-fé nos serviços bancários, financeiros, de crédito securitários e o código de defesa do consumidor: informação, cooperação e renegociação? Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 43,  p. 216, 2002.

[37] MARTINS COSTA, Judith. A boa-fé no Direito Privado. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 1999,  p. 411 et. seq.

[38] BARLETTA, Fabiana Rodrigues. A revisão contratual no código civil e no código de defesa do consumidor. São Paulo : Saraiva, 2002, p. 117.

[39] BONATTO, Questões Controvertidas no Código de Defesa do Consumidor,  p. 37 et. seq.

[40] MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 185.

[41] Ibidem, p. 187 et. seq.

[42] MARQUES,  Contratos no Código de Defesa do Consumidor, p. 203.

[43 CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. A informação como bem de consumo. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 41,  p. 253-263, 2002.

[44] GRINOVER, Ada Pelegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor : comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro : Forense Universitária, 1993, p. 50.

[45] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio Eletrônico Século XXI. São Paulo : Nova Fronteira, 1999. CD-ROM.

[46] BONATTO,  Questões Controvertidas no Código de Defesa do Consumidor, p. 47.

[47] MARQUES,  Contratos no Código de Defesa do Consumidor, p. 595.

[48] FERREIRA, Dicionário Aurélio Eletrônico Século XXI.

[49] MELLO, Heloísa Carpena Vieira de. Abuso do direito nos contratos de consumo. Rio de Janeiro : Renovar, 2001, p. 39 et. seq.

[50] MARTINS, Pedro Batista. O abuso do direito e o ato ilìcito. Rio de Janeiro : Forense, 1997, p. 26.

[51] RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Parte geral , 24ª. Ed. SãoPaulo : Saraiva, 1994, v.1, p.311           

[52] SILVA, Luís Renato Ferreira da.  Revisão dos contratos - do Código Civil ao Código do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 1999,  p. 49.

[53] MARQUES,  Contratos no Código de Defesa do Consumidor, p. 769.

[54] Assim dispunha o artigo 160 do Código Civil de 1916: Art. 160 - Não constituem atos ilícitos: I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, a fim de remover perigo iminente (arts. 1519 e 1520).Parágrafo único. Neste último caso, o ato será legítimo, somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.

55 MARQUES,  Contratos no Código de Defesa do Consumidor, p. 770.

[56] SILVA, Revisão dos contratos - do Código Civil ao Código do Consumidor, p. 49

[57] MELLO, Abuso do direito nos contratos de consumo, p. 120.

[58] MARQUES, Contratos no Código de Defesa do Consumidor, p. 769.

[59] FERNANDES NETO, Guilherme. O abuso de direito no Código de Defesa do Consumidor. Brasília : Brasília Jurídica, 1999,  p. 115.

[60] GRINOVER, Código brasileiro de defesa do consumidor : comentado pelos autores do anteprojeto, p. 136.

[61] BONATTO, Questões Controvertidas no Código de Defesa do Consumidor, p. 145.

[62] Bourgoignie apud Moraes, Código de defesa do consumidor: no contrato, na publicidade, nas demais práticas comerciais,  p. 279.

[63] MORAES, Código de Defesa do Consumidor – O princípio da vulnerabilidade, p. 280.

64 MARQUES, Contratos no Código de Defesa do Consumidor, p. 686.

[65] MARQUES, Contratos no Código de Defesa do Consumidor,  p. 689.

[66] MORAES, Código de Defesa do Consumidor – O princípio da vulnerabilidade, p. 280.

[67] MARQUES,  Contratos no Código de Defesa do Consumidor, p. 684.

[68] O CDC trata das sanções administrativas nos artigos 55 a 60 e das penais nos artigos 63 a 80.

[69] BONATTO, Questões Controvertidas no Código de Defesa do Consumidor, p. 48.

[70] BONATTO, Questões Controvertidas no Código de Defesa do Consumidor,  p. 49.

[71] MARQUES,  Contratos no Código de Defesa do Consumidor, p. 181.

[72] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. “AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO REVISIONAL. CADASTROS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. CONTRATO DE MÚTUO. Em que pese a jurisprudência majoritária desta Corte e do STJ entender, indistintamente, que na pendência de ação revisional é cabível o deferimento de liminar para obstar a inscrição do nome do devedor nos órgãos de proteção ao crédito, no caso específico de contrato de mútuo, bem como de cartão de crédito, deve-se adotar uma posição mais restritiva, de modo a ser averiguado o caso concreto. Revendo posicionamento anterior, em tratando-se de ação revisional de contrato de mútuo, o deferimento de liminar/tutela antecipada para abstenção/exclusão de inscrição em cadastros de inadimplentes somente deve ser concedido quando o autor demonstrar o efetivo pagamento do capital mutuado, ou se proponha a consignar o valor incontroverso das prestações, limitando-se a discutir a abusividade dos encargos financeiros incidentes sobre o empréstimo, em respeito ao princípio da lealdade deve nortear as relações jurídicas. No presente caso, a agravante não pagou nenhuma parcela do empréstimo e nem sequer se propõe a depositar o valor incontroverso das prestações, o que acarreta certeza de débito, e sendo ela devedora, correta a inscrição do seu nome nos cadastros de inadimplentes. Agravo de instrumento desprovido.” Agravo de Instrumento n. 70004668117, de Porto Alegre. Viviane Correa Ferreira e Portocred Crédito Financiamento e investimento. Relatora: Desembargadora Marilene Bonzanini Bernardi. 09 de setembro de 2002. Disponível em: <www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 19 out. 2005.

[73] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. “AÇÃO DE CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO. ANÚNCIO DE VENDA DE AUTOMÓVEL VEICULADO EM JORNAL. ALEGAÇÃO DE PROPAGANDA ENGANOSA AFASTADA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. DESVIRTUAMENTO DOS PRINCÍPIOS CONSTANTES DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. A solução do caso em exame encontra guarida no princípio da boa-fé objetiva que deve permear todas as relações jurídicas já que referido paradigma significa agir com lealdade em atuação refletida, sem abuso da parte contrária como ocorrido no caso em exame. LITIGANCIA DE MÁ-FÉ. CARACTERIZAÇÃO. Reputa-se litigante de má-fé, aquele que usar do processo para conseguir objetivo ilegal. Aplicação das penas de litigante de má-fé com a condenação ao pagamento de multa prevista no artigo 18 do CPC no equivalente 1% (um por cento) sobre o valor atualizado da causa. VALOR DA CAUSA. CORREÇÃO DE OFÍCIO. As regras que dispõem sobre o valor da causa (artigos 258, 259 e 260 do Código de Processo Civil), se constituem em matéria de ordem pública, sendo viável, portanto, a sua correção ex ofício pelo juiz. APELO NÃO PROVIDO.” Apelação Cível nº 70011573078, de Porto Alegre. Jorge Alencastro de Oliveira Junior e San Marino Veículos Ltda. Relator: Desembargador Claudir Fidelis Faccenda.01 de junho de 2005. Disponível em: <www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 19 out. 2005.

[74] MARQUES, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor,  p. 120.

[75] BONATTO, Questões Controvertidas no Código de Defesa do Consumidor, p. 48.

[76] BONATTO, loc. cit.

[77] MORAES, Código de Defesa do Consumidor – O princípio da vulnerabilidade, p. 279.

[78] Ibidem, p. 280.

[79] MARQUES, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor,  p. 504.

[80] MARQUES, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor,  p. 595.

[81] RIO GRANDE DO SUL. “Tribunal de Justiça. AGRAVO INTERNO. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA.

AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE REPASSE DE EMPRÉSTIMO EXTERNO PARA

FINANCIAMENTO DE CAPITAL DE GIRO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. COMPETÊNCIA. DOMICÍLIO DO AUTOR. A pessoa jurídica que toma financiamento para exercer suas atividades é consumidora para efeitos do art. 2º, caput, do CDC. A ação revisional de contrato bancário, por decorrer de relação de consumo, pode ser proposta no domicílio do autor. Inteligência do art. 101, I, do CDC. Precedentes do STJ e TJRGS. Agravo Desprovido.” Agravo Interno nº 70008941866, de Porto Alegre. Casa Dico S.A. e Banco General Motors S.A.. Relator: Desembargador Carlos Eduardo Zietlow Duro. 24 de junho de 2004. Disponível em: <www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 19 out. 2005.

[82] SILVA, Calvão. A responsabilidade civil do produtor. Coimbra : Livraria Almedina, 1990, p. 58-59.

[83] Comentários ao Código de Defesa do Consumidor,  p. 72.

[84] Contratos no Código de Defesa do Consumidor,  p. 455 et. seq.

85 O Superior Tribunal de Justiça tem decidido pelo reconhecimento da pessoa Jurídica como consumidora apenas quando ela se revelar vulnerável(BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. “Direito do Consumidor. Recurso Especial. Conceito de consumidor. Critério subjetivo ou finalista. Mitigação. Pessoa Jurídica. Excepcionalidade. Vulnerabilidade. Constatação na hipótese dos autos. Prática abusiva. Oferta inadequada. Característica, quantidade e composição do produto. Equiparação (art. 29). Decadência. Inexistência. Relação jurídica sob a premissa de tratos sucessivos. Renovação do compromisso. Vício oculto. - A relação jurídica qualificada por ser "de consumo" não se caracteriza pela presença de pessoa física ou jurídica em seus pólos, mas pela presença de uma parte vulnerável de um lado (consumidor), e de um fornecedor, de outro. Mesmo nas relações entre pessoas jurídicas, se da análise da hipótese concreta decorrer inegável vulnerabilidade entre a pessoa jurídica consumidora e a fornecedora, deve-se aplicar o CDC na busca do equilíbrio entre as partes. Ao consagrar o critério finalista para interpretação do conceito de consumidor, a jurisprudência deste STJ também reconhece a necessidade de, em situações específicas, abrandar o rigor do critério subjetivo do conceito de consumidor, para admitir a aplicabilidade do CDC nas relações entre fornecedores e consumidores-empresários em que fique evidenciada a relação de consumo.  São equiparáveis a consumidor todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas comerciais abusivas. Não se conhece de matéria levantada em sede de embargos de declaração, fora dos limites da lide (inovação recursal). Recurso especial não conhecido.” Recurso Especial nº 476428/SC. Agipliquigás S.A. e Gracher Hotéis e Turismo Ltda. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. 19 de abril de 2005. Disponível em: <www.stj.gov.br>. Acesso em: 23 dez. 2005.)

 86 Contratos no Código de Defesa do Consumidor,  p. 298.

[87] GOUVEA, Marcos Maselli. O Conceito de Consumidor e a Questão da Empresa como ‘Destinatário Final’. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo,  v. 23/24, p. 187, 1997.

[88] BONATTO, Questões Controvertidas no Código de Defesa do Consumidor, p. 72.

[89] MARQUES, Contratos no Código de Defesa do Consumidor,  p. 287.

[90] MARQUES, Contratos no Código de Defesa do Consumidor,  p. 278.

[91] FERREIRA, Dicionário Aurélio Eletrônico Século XXI.

[92] BONATTO, Questões Controvertidas no Código de Defesa do Consumidor, p. 30.

[93] MARÇAL, Sérgio Pinheiro. Código de Defesa do Consumidor: definições, princípios e o tratamento da responsabilidade civil. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo , nº 6,  p. 102 et. seq., 1993.

[94] FERREIRA, Dicionário Aurélio Eletrônico Século XXI.

[95] MARQUES, Contratos no Código de Defesa do Consumidor,  p. 595.

[96] MARQUES, Contratos no Código de Defesa do Consumidor,  p. 595.

[97] MARQUES, Contratos no Código de Defesa do Consumidor, p. 598.

[98] Ibidem, p. 646.

[99] CARVALHO, A informação como bem de consumo, p. 253 et. seq.

[100] CARVALHO, loc. cit.

[101] Assim dispõe a referida norma: Art. 4º, inciso III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição

Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;

[102] MELLO, Abuso do direito nos contratos de consumo, p. 74-75.

[103] AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. A boa-fé na Relação de Consumo. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, nº 14, p. 22, 1994.

[104] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. “AÇÃO REVISIONAL. AUSÊNCIA DE BOA FÉ. Parte que contrai seis empréstimos eletrônicos e ingressa, no mês subseqüente,  com ação revisional. CARTÃO DE CRÉDITO. Equiparação. Súmula 283 do STJ. Contrato de Abertura de Crédito em Conta-corrente. Aplicação do CDC. Viabilidade. JUROS REMUNERATÓRIOS. Liberdade de pactuação. CAPITALIZAÇÃO MENSAL. Possibilidade nos contratos firmados posteriormente à edição da MP 2.170-36/00. MULTA MORATÓRIA. Limitação no contrato ao percentual de 2%. Manutenção. ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. Exclusão. Descabimento.” Apelação Cível n. 70011969425, de Gravataí. Beatriz Conceicão Minuzzo Fonseca e Banco do Brasil S.A. Relator: Desembargador Jose Aquino Flores de Camargo. 28 de julho de 2005. Disponível em: <www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 9 out. 2005.

[105] AGUIAR JÚNIOR, A boa-fé na Relação de Consumo, p. 22

[106] NERY JÚNIOR, Os princípios gerais do Código de Defesa do Consumidor,  p. 47


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CECHET, Alfredo Benito. O risco da banalização do Código de Defesa do Consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4099, 21 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31546. Acesso em: 26 abr. 2024.