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Uma visão constitucional dos princípios correlatos à Justiça Fiscal

Uma visão constitucional dos princípios correlatos à Justiça Fiscal

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De nada adiantaria, sob a ótica da justiça distributiva, que um imposto fosse cobrado dos mais ricos, se as despesas públicas fossem a eles dirigidos.

1 INTRODUÇÃO

O tema justiça fiscal possui um enorme significado nos dias de hoje. Isto porque a Constituição Republicana de 1988 é a Carta Política mais cidadã existente até o momento no Brasil, visto que é a que mais se preocupa em positivar os chamados direitos fundamentais.

Na Lei Suprema são traçadas diretrizes que devem ser seguidas com o fito de se construir uma sociedade mais equânime, fraterna, assim como minorar as desigualdades sociais e regionais do país.

Dados hodiernos retratam que o Brasil possui a sétima maior economia do globo, contudo possui uma das piores distribuições de renda. Sendo o país estritamente capitalista, este quadro não será alterado, caso não haja interesse do Estado e da sociedade em solucionar o problema.

É neste ponto que surge o intuito da presente lição, qual seja, fazer um paralelo entre a justiça fiscal e os princípios insculpidos no texto constitucional, uma vez que os mesmos são diretrizes na consecução dos direitos dos cidadãos.

Dentre esses princípios, serão abordados o princípio da justiça, da capacidade contributiva, igualdade, solidariedade social, legalidade e progressividade.

Portanto, verifica-se que debater o tema justiça fiscal é de extrema importância, haja vista que o direito tributário deve ser utilizado como ferramenta para reduzir a pobreza e as disparidades sociais e regionais visivelmente existentes no Brasil e, consequentemente, respeitar os comandos apontados na Carta Magna, visando o fortalecimento do Estado Democrático de Direito daquele país.


2 CONCEITO DE PRINCÍPIOS

Inicialmente, faz-se necessário conceituar o que vem a ser princípio, mormente a sua grande aplicabilidade no estudo em análise.

Miguel Reale[1] leciona que princípios são enunciados lógicos admitidos como condição ou base de validade das demais asserções que compõem dado campo do saber.

Tal conceito é genérico e, conforme o mestre, os princípios podem ser omnivalentes, plurivalentes e monovalentes.

Neste texto, será abordada unicamente essa última modalidade, a qual somente tem validade na seara de determinada ciência, sendo aqui destacada a esfera jurídica, capitaneada pelos Princípios Gerais do Direito.

Segundo Reale, Princípios Gerais de Direito são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas. Desta maneira, revestem tanto a área da pesquisa pura do Direito quanto o de sua atualização prática.

Adiante, serão tecidos comentários acerca de alguns dos princípios previstos na Constituição Federal e que se relacionam com o tema justiça fiscal.


3 PRINCÍPIOS CORRELATOS À JUSTIÇA FISCAL – UMA ABORDAGEM CONSTITUCIONAL

No que tange aos princípios constitucionais, o professor José Afonso da Silva[2], ao citar José Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira, sintetiza-os em basicamente duas categorias: princípios político-constitucionais e princípios jurídico-constitucionais.

Quanto ao primeiro tipo, constituem-se daquelas decisões políticas fundamentais concretizadas em normas conformadoras do sistema constitucional positivo. Na Lei Suprema vigente no Brasil, são citados como exemplo os princípios fundamentais dispostos nos artigos 1º a 4º, do Título I.

Por outro lado, os princípios jurídico-constitucionais são princípios gerais informadores da ordem jurídica nacional. Decorrem de determinadas normas constitucionais e podem constituir desdobramentos ou mesmo princípios derivados dos fundamentais, podendo ser mencionados os princípios da supremacia da constituição, legalidade, isonomia, autonomia individual, dentre outros.

Na Constituição Republicana de 1988, de acordo com os ensinamentos de Canotilho, José Afonso da Silva assevera que existem princípios relativos à existência, forma, estrutura e tipo de Estado; princípios relativos à forma de governo e à organização dos poderes; princípios relativos à organização da sociedade; princípios relativos ao regime político; princípios relativos à prestação positiva do Estado e princípios que se referem à comunidade internacional.

Mais precisamente quanto ao tema, tem-se, primordialmente, o Estado Democrático de Direito como um dos preceptivos que se relacionam à existência, forma, estrutura e tipo de Estado, cuja previsão se encontra no artigo 1º, caput, do texto constitucional.

Em um Estado Democrático de Direito, os direitos ali dispostos devem ser observados, caso contrário será um Estado enfraquecido. Em outras palavras, os direitos fundamentais dos cidadãos devem ser respeitados e implementados, sendo a sua finalidade a busca por um desenvolvimento social.

Adiante, o art. 3º da Constituição elenca como objetivos da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a garantia de um desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza e a marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais; bem como a promoção do bem de todos, sem qualquer tipo de discriminação.

Todos os citados objetivos têm uma notável importância no estudo em tela, principalmente à luz da justiça fiscal. E o meio pelo qual o Estado visa alcançá-los é através da arrecadação dos tributos, com a consequente aplicação desses valores.

Assim, sabe-se que a receita pública, constituída especialmente por tributos, é essencial para o desenvolvimento da economia, da sociedade e da cultura de um país. Deste modo, a ação do Estado é imprescindível para atender às necessidades da população relacionadas à saúde, alimentação, trabalho, educação, segurança, transporte, previdência, lazer, dentre outras.

Caso a receita tributária seja escassa, referidos direitos sociais previstos no artigo 6º, da Lei Fundamental, serão prejudicados e, consequentemente, não prestados à coletividade. Portanto, o sistema tributário deve ser aproveitado como utensílio de distribuição de renda e de diminuição da pobreza, mediante gastos sociais e tributação, uma vez que os recursos depositados são revertidos a favor da sociedade.

Impende destacar ainda que uma das principais maneiras de alterar o atual cenário brasileiro é cobrar mais impostos de quem tem maior capacidade contributiva. Até porque, diferentemente do que muitos acreditam, o pobre é quem é mais afetado com a onerosa carga tributária brasileira, e não o rico, embora não haja uma contrapartida justa por parte do Estado no tocante a investimentos públicos em prol da coletividade.

Estudos recentes apontam que para os 10% (dez por cento) das famílias mais pobres brasileiras, estas arcam com 28% dos tributos indiretos, tais como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), Imposto sobre Produtos industrializados (IPI) e Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), quer dizer, impostos altamente onerosos e demasiadamente frequentes nas mais diversas transações comerciais. Entretanto, para os 10% (dez por cento) das famílias mais ricas, os impostos indiretos representam apenas 10% de suas rendas.

Um fato curioso debatido por Roque Antonio Carrazza[3] que merece ser debatido se baseia na análise jurídica da expressão “sempre que possível”, contida no artigo 145, §1º, da Constituição Federal.

A intenção do legislador não foi escrever por acaso. O intuito da norma é que caso seja da natureza do imposto, ele deverá obrigatoriamente ter caráter pessoal e ser graduado conforme a capacidade econômica do contribuinte. Ou seja, se a regra-matriz do imposto já delimitado na Constituição Federal admitir, este deverá inevitavelmente respeitar o princípio da capacidade contributiva.

Neste ponto, é preciso advertir que existem impostos que, por sua natureza, não toleram o princípio da capacidade contributiva, como é o caso do ICMS. A carga econômica deste imposto é suportada pelo consumidor final da mercadoria, e não o contribuinte (o comerciante ou o empresário que fabricou o produto).

Logo, tal carga é semelhante para todos aqueles que são consumidores finais, sejam eles ricos ou pobres, sendo impossível, conforme leciona Roque Antonio Carrazza, seguir o mandamento constitucional previsto na primeira parte do §1º, do artigo 145.

Somado aos princípios da justiça e da capacidade contributiva, existe um preceptivo que caminha paralelamente a ambos. É o princípio da igualdade, também denominado princípio da isonomia.

Na lição clássica de Aristóteles[4], extrai-se que a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais, e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades. No campo tributário, o artigo 150, II, da Constituição Republicana, veda categoricamente “instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente”, exigindo, de maneira cristalina, tratamento igual àqueles que se encontram na mesma situação.

Nos dizeres de Hugo de Brito Machado[5], “o princípio da igualdade é a projeção do princípio geral da isonomia jurídica, ou princípio pelo qual todos são iguais perante a lei”. Com isso, exibe-se como garantia de tratamento uniforme pelo ente tributante, de quantos se encontrem em situações análogas. Neste viés, convém lembrar que na Lei Maior existe uma determinação de uniformidade dos tributos federais em todo o território nacional.

Um exemplo bastante curioso levantado por Hugo de Brito Machado e que reflete claramente uma situação de injustiça fiscal diz respeito à isenção de imposto de renda concedida a algumas empresas no Nordeste brasileiro, as quais são agraciadas com isenção ou redução do mencionado imposto há cerca de 30 (trinta) anos, a pretexto de incrementar o desenvolvimento regional.

Referido fato não é justo quando se faz uma analogia dessas empresas demasiadamente consolidadas no mercado local com as novas empresas que ali se instalaram. Além de o novo estabelecimento ter que concorrer com uma empresa que possui uma reputação perante a sociedade, não goza dos mesmos incentivos fiscais daquelas antigas empresas já fixadas na região.

Por conseguinte, o princípio da solidariedade social se relaciona intrinsecamente à justiça social. Dito princípio se encontra delineado no artigo 3º, I, da Constituição Federal, e constitui alicerce para a atuação do Estado, que necessita promover a solidariedade social.

Para isto, a Administração tem a faculdade de utilizar a tributação como artifício para a redistribuição de renda, logicamente, dentro do campo lícito, agindo em conformidade com a lei, entenda-se, o princípio da legalidade, haja vista que o Estado não pode cometer arbítrios na arrecadação dos tributos.

Urge salientar que a legalidade e a solidariedade são princípios que se coadunam na árdua missão de inspecionar o Poder, em mercê da liberdade, não podendo ser utilizada a tese de que a invocação do princípio da solidariedade possa ser útil para fundamentar a transgressão à lei.

Ademais, analisa-se o chamado princípio da progressividade. Dito postulado possui íntima relação com os princípios da capacidade contributiva e isonomia, de forma que a carga tributária seja mais impactante para os contribuintes que demonstrem maior riqueza, o que até seria ideal para todos os impostos, já que “os impostos que não sejam progressivos – mas que tenham a pretensão de neutralidade, na verdade, são regressivos, resultando em injustiça e inconstitucionalidade”, conforme pondera Gerado Ataliba[6].

José Eduardo Soares de Melo, ao citar Geraldo Ataliba, recorda que a progressividade é constitucionalmente postulada, tanto a de cunho fiscal (intrínseca ao próprio tributo) como a extrafiscal (promoção de igualdade social), e o favorecimento dos desamparados, a geração de empregos, o desenvolvimento da economia, a melhoria das condições de vida e a tutela do meio ambiente são valores que tiveram um tratamento especial pelo constituinte e que contribuem para uma sociedade mais justa.

Luís Eduardo Schoueri[7] salienta que a fundamentação da progressividade na teoria distributiva não fica desprovida de críticas, uma vez que a justiça distributiva não deve ser buscada apenas pela arrecadação, mas, sobretudo, pelos dispêndios. Até porque de nada adiantaria, sob a ótica da justiça distributiva, que um imposto fosse cobrado dos mais ricos, se as despesas públicas fossem a eles dirigidos.

Assim sendo, não é forçoso afirmar que a efetividade da justiça distributiva somente se certifica no momento em que são analisados os gastos públicos.


3 CONCLUSÃO

Após a apreciação do tema, verifica-se que os princípios, sejam eles explícitos ou implícitos na Lei Maior brasileira, possuem uma grande relevância no estudo da justiça fiscal.

Isto porque um princípio não deve ser um mero instrumento desguarnecido de utilidade e, sim, pela força que possui em um Estado Democrático de Direito, deve ser empregado pelos aplicadores das leis e pela coletividade na obtenção dos direitos dos cidadãos, tudo em obediência à Constituição Federal.

Além disso, sendo os princípios constitucionais considerados limitações ao Poder de Tributar, tem-se que os mesmos devem ser utilizados com maior afinco visando-se reduzir o abuso dos governantes e, por consequência, minorar as desigualdades sociais.

Para atingir os objetivos e fundamentos encravados na Carta Magna pátria, tais como cidadania, igualdade, justiça social, é preciso haver uma maior conscientização dos cidadãos na escolha de seus governantes. Isto porque se não houver um voto consciente, tornar-se-á cada vez mais difícil alterar o hodierno sistema fiscal, marcado por disparidade social e regional e que desrespeita flagrantemente um país que se diz Democrático.

Portanto, é justamente se respeitando os preceptivos constitucionais, aliado a uma vontade indomável do povo e o uso de um voto consciente, juntamente com atitudes positivas por parte dos nossos administradores, que a sociedade será agraciada com o respeito aos ditames do texto constitucional, com um país mais justo, sem corrupção, marcado por uma maior qualidade de vida de seu povo e com um melhor aproveitamento da máquina pública.


Referências

ARISTÓTELES. O Política. Rio de Janeiro: Edições de Ouro. 1965

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 23º edição revista, ampliada e atualizada até a E.C. n. 53/2006. São Paulo: Malheiros. 2007.

Igualdade e Justiça Tributária. Disponível em: http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/igualdade-e-justica-tributaria/9098. Acesso no dia 18/04/2013.

Justiça Fiscal é uma decisão política. Disponível em: http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=829. Acesso em 18/04/2013.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 29ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Malheiros, 2008.

MELO, José Eduardo Soares de. Curso de Direito Tributário / José Eduardo Soares de Melo. 9 ed. São Paulo: Dialética, 2010.

Progressividade da tributação e desoneração da folha de pagamentos: elementos para reflexão / organizadores: José Aparecido Carlos Ribeiro, Álvaro Luchiezi Jr., Sérgio Eduardo Arbulu Mendonça. Brasília: Ipea: SINDIFISCO : DIEESE , 2011. 154 p. : gráfs., tabs.

REALE, Miguel, 1910 – Lições Preliminares de Direito / Miguel Reale. – 26 ed. rev. – São Paulo: Saraiva, 2002.

SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26 ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2006.


Notas

[1] REALE, Miguel, 1910 – Lições Preliminares de Direito / Miguel Reale. – 26 ed. rev. – São Paulo : Saraiva, 2002. P. 305.

[2] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26 ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2006. P. 93.

[3] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 23º edição revista, ampliada e atualizada até a E.C. n. 53/2006. São Paulo : Malheiros. 2007. P. 102.

[4] ARISTÓTELES. O Política. Rio de Janeiro: Edições de Ouro. 1965

[5] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 29ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Malheiros, 2008. P. 38.

[6] ATALIBA, Geraldo apud MELO, José Eduardo Soares de. Curso de Direito Tributário. 9 ed. São Paulo: Dialética, 2010. P. 36.

[7] SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 2. ed. São Paulo : Saraiva, 2012. P. 371.


Autor

  • André Medeiros Campos

    Brasileiro. Graduado em Direito pela Universidade Potiguar – UnP / Laureate International Universities. Especialista em Direito Tributário pela UFRN. Advogado militante, inscrito na OAB/RN sob o n.º 10.135. É fluente em Língua Inglesa. Realizou Cursos de Oratória no SENAC/RN e na Universidade Potiguar - UNP. Possui experiência profissional em mediações por ter atuado como Conciliador no Instituto Procon Natal.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMPOS, André Medeiros. Uma visão constitucional dos princípios correlatos à Justiça Fiscal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4242, 11 fev. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31693. Acesso em: 29 mar. 2024.