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O critério de composição do guardião constitucional: uma análise comparada do Supremo Tribunal Federal

O critério de composição do guardião constitucional: uma análise comparada do Supremo Tribunal Federal

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Verifica e compara o critério de composição do Supremo Tribunal Federal com a Suprema Corte Norte Americana e o Tribunal Constitucional Alemão, na busca de estabelecer critérios alternativos de recrutamento dos Ministros, como forma de aperfeiçoamento.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho funda-se na análise do critério de composição do Supremo Tribunal Federal (STF), e para isso, serão analisados dois modelos de Tribunais Constitucionais, sendo eles o modelo norte americano e o europeu, aqui representado pelo modelo alemão.

A razão dessa análise motiva-se diretamente na principal função do STF, a de guardião constitucional, considerando um recente passado ditatorial em que direitos fundamentais foram suprimidos, surge a preocupação de conferir um adequado controle sobre os atos dos poderes legiferantes, como forma de evitar que razões circunstanciais ou egoísticas causem um retrocesso às conquistas democráticas.

Neste ponto, muitas opiniões e sugestões são propaladas sobre os critérios de indicação dos julgadores supremos, já que é conferida a eles a responsabilidade de aferir a compatibilidade das leis ao seu centro de validade.

E desse modo, espalham-se questionamentos pela comunidade jurídica e pela mídia sobre o papel dos Ministros na defesa da Constituição, sendo colocados como alvos de críticas quanto a sua isenção e independência em relação ao Poder Executivo, o que acaba por incentivar a busca de um novo sistema de recrutamento de Ministros ou até da criação de um novo órgão.


2 REFLEXÕES INTRODUTÓRIAS SOBRE A GUARDA DA CONSTITUIÇÃO E A NECESSÁRIA ISENÇÃO PARA O EXERCÍCIO DO CARGO DE MINISTRO DO STF

2.1 A Supremacia da Constituição

A Constituição Federal (CF) de 1988 consagrou diversos direitos próprios de um Estado Democrático de Direito, elevando conjuntamente muitas matérias que antes eram tratadas em âmbito infraconstitucional, criando um modelo de constituição dogmática, formal e conferindo rigidez ao seu texto, como dita José Afonso da Silva: “Da rigidez emana, como primordial conseqüência, o princípio da supremacia da constituição [...]”.[3]

Com a finalidade de garantir a proteção dos direitos conquistados, a CF possui instrumentos constitucionais democráticos de limitação ao Poder Estatal, contudo não houve a previsão de diversos pontos sensíveis, para o custeio de um novo Estado Social, que aliado à dinâmica do mundo contemporâneo, mostrou a necessidade de ajustes constantes, realizados pela atuação do Poder Constituinte Reformador, além da participação mais acentuada do Poder Executivo, através de um processo legislativo peculiar, o que sobrelevou a necessidade de fiscalização do escalonamento normativo.

A Constituição sem os referidos ajustes, passaria a ser apenas “uma folha de papel” como advogou Lassalle:

Onde a Constituição reflete os fatores reais e efetivos do poder, não pode existir um partido político que tenha por lema o respeito à Constituição, porque ela já é respeitada, é invulnerável. Mau sinal quando esse grito repercute no país, pois isto demonstra que na constituição escrita há qualquer coisa que não reflete a constituição real, os fatores reais do poder.

[...]

Essa Constituição poderá ser reformada radicalmente, virando-a da direita para a esquerda, porém, mantida integralmente, nunca.[4]

E ainda afirmou Georg Jellinek:

[...]o desenvolvimento das Constituições demonstra que regras jurídicas não se mostram aptas a controlar, efetivamente, a divisão de poderes políticos. As forças políticas movem-se consoante suas próprias leis, que atuam independentemente das formas jurídicas.[5]

Konrad Hesse evoluindo o pensamento constitucional e desenvolvendo na seqüência a idéia da força jurídica, defendeu que apesar da exeqüibilidade da Constituição depender de quanto o seu texto corresponde ao equilíbrio real de forças políticas e sociais, há uma força efetiva em seu texto, tendo assim a chamada vontade de Constituição. [6]

Alça-se, desse modo, a um órgão competente para tanto (um Tribunal Constitucional), a competência de conferir estabilidade à Constituição (centro de validade de todo o ordenamento jurídico que não pode ser desnaturado), mas também, não deve ser apenas este Tribunal o responsável por esta tarefa, pois o povo é diretamente interessado na efetividade constitucional devendo também zelar e cobrar pela higidez do ordenamento jurídico.

2.2 O STF e a Guarda Constitucional

A natureza do STF como Tribunal Constitucional e guardião constitucional advém da própria CF, conforme o art. 102, caput, da CF: “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, [...]”.

Entretanto, para alguns juristas, seria condição essencial para conferir legitimidade ao exercício da guarda constitucional que o modo de composição do órgão fosse de membros eleitos pelos três poderes [7], por ser esta uma função política, neste ponto vale sopesar o seguinte entendimento:

Será certo, e sem dúvida o é, que os conflitos que terá de resolver o Tribunal Constitucional terão, necessariamente, substância política, como é comum em todos os Tribunais desta espécie, supondo que operam sobre uma norma imbuída desta substância em sua mais nobre expressão. A diferença óbvia entre um juiz constitucional e o juiz ordinário é que os valores em que se há de buscar seu primeiro juízo são, em primeiro lugar, os valores políticos decididos pelo constituinte, enquanto que o segundo são simples valores civis, penais, trabalhistas, etc., configurados pelo legislador ordinário... no que se aplicam correntemente já apagaram seu caráter de valores políticos originários para se converter em puramente técnicos. É, pois, certo que o Tribunal decide conflitos políticos, mas o característico é que a resolução dos mesmos se dê por critérios e métodos jurídicos[...][8].

Conforme é possível depreender nesta passagem, interpretar a Constituição não é uma atividade tão simples como interpretar uma norma ordinária, a hermenêutica constitucional consiste na consideração direta dos valores constitucionais, e isto não acarreta ilegitimidade por ter o STF uma conformação de órgão jurisdicional e não político em sua essência.

Ainda neste tópico Tremps assinala:

O que faz que um órgão tenha caráter jurisdicional são as técnicas de atuação e sua independência, cujas garantias procedem, mais que da forma de eleição de seus membros, das condições exigidas para ser elegível, e, sobretudo, de sua falta de dependência a respeito de outros poderes, incluídos aqueles que os nomearam.[9]

Ressalta-se, portanto, neste trabalho, a necessidade de isenção para o exercício do cargo de Ministro, sendo esta qualidade de fundamental importância para a independência do Órgão Supremo do Judiciário, pois está no STF um dos maiores pilares da democracia que é a guarda da Constituição, para isto há a necessidade de uma atuação ética e independente de acordo com as virtudes que tanto enobrecem a magistratura, possibilitando através de suas decisões enxergar o ideal coletivo e a realização dos direitos constitucionais, e assim, considera-se a possibilidade de aprimoramento do modo de composição do Tribunal, com a colheita de alguns pontos sensíveis de mudança obtidos por meio da análise dos modelos de Tribunais que são apresentados no próximo capítulo.


3 TRIBUNAIS CONSTITUCIONAIS - O MODELO NORTE AMERICANO E ALEMÃO

3.1 Origem Histórica

Em apertada síntese é possível compreender que a criação dos Tribunais Constitucionais teve íntima relação com a necessidade do controle de atos dos demais poderes, o que demonstra a necessidade de superação do conceito clássico de separação de poderes ao permitir que o controle seja realizado por um Tribunal como destaca Oswaldo Luiz Palu:

A origem do controle da constitucionalidade é remota e a diversidade de órgãos e sistemas para tanto criados bastante grande. Há países que adotaram a solução jurisdicional, quer atribuindo tal função ao Poder Judiciário comum (caso dos EUA), quer criando órgãos específicos (Tribunais Constitucionais) para exercer  a função, mas inserindo-os também no Poder Judiciário, ou ainda criando órgãos específicos para o controle, mas deixando-os fora dos poderes, caso da Itália.[10]

Em relação a qual órgão deveria ser investido da função de  exercer o controle de constitucionalidade, Carl Schmitt e Hans Kelsen, sustentaram entendimentos divergentes.

Carl Schmitt foi defensor do controle político exercido pelo chefe do executivo, por entender que a aferição da constitucionalidade de uma lei era incompatível com a função de um Tribunal[11], contudo, esta posição caiu por terra após a experiência nazista em que Adolf Hitler, não precisou sequer derrogar formalmente a Constituição de Weimar para destruí-la, utilizando para isto, o título de guardião constitucional[12].     

Hans Kelsen: “[...] teve a oportunidade de refutar cada um dos argumentos expendidos por Schmitt[....]”[13], e assim, consagrou a posição do Tribunal Constitucional como guardião da Constituição, influenciando diretamente a criação do Tribunal da Áustria em 1920 e na seqüência o da Alemanha.

Neste sentido vale citar Hans Kelsen:

De fato, o que parece desqualificar o Chefe de Estado, ou o Chefe do Executivo é que sua escolha se realiza por meio de uma eleição, com base em partidos políticos, como não poderia deixar de ser num regime democrático. Esse fato, por si só, compromete sua independência.[14]

A partir desta experiência, a idéia dos Tribunais Constitucionais proliferou pelo mundo, e neste ponto destaca-se o Tribunal Constitucional Alemão e o controle abstrato de constitucionalidade exercido por este. Sem olvidar, primeiramente, de tecer uma breve análise em relação à Suprema Corte Americana, nascedouro histórico do controle difuso de constitucionalidade.

3.2 Suprema Corte Norte Americana

3.2.1 Escolha dos juízes

A Constituição norte americana determina explicitamente o modo de indicação dos juízes que devem compor a Suprema Corte,  atribuindo a escolha ao Presidente da República com a participação do Senado Federal, o qual deve aprovar ou rejeitar o indicado (bastando maioria simples), cabendo a lei complementar regular o número de membros (atualmente nove) e outras competências.

Pode-se constatar, portanto, que este critério de seleção de juízes influenciou a estruturação do STF no texto da Constituição Federal brasileira, a qual exauriu de forma limitativa a competência e os critérios de escolha de seus Ministros.

3.2.2 Requisitos capacitários para a escolha de juízes

Não há previsão de requisitos capacitários para os nomeados para compor a Suprema Corte, sendo uma opção política e marcada por disputas entre os Partidos norte americanos, Republicano e Democrata, devido à importância relativa às nomeações, grupos como os próprios membros de partidos, a Associação Norte-Americana de Advogados (ABA) e até mesmo os membros da Corte participam do processo ao tentar influenciar o Presidente e o Senado.[15]

3.2.3 Duração do exercício do cargo e garantias

Os juízes exercerão o cargo vitaliciamente conservando o cargo “[...] enquanto bem servirem a nação, sem limitação de idade para a aposentadoria compulsória”.[16]

Os componentes da Corte também gozam da garantia de irredutibilidade de suas remunerações e não poderão exercer ou cumular outro cargo.

3.2.4 Competências e forma de controle de constitucionalidade

Quanto à competência da Suprema Corte Americana, caracteriza-se esta como um tribunal eminentemente recursal, inclusive na análise do controle difuso de constitucionalidade (judicial review), tendo como competência originária obrigatória dirimir conflitos que envolvem os Estados-membros, e de forma geral tem um reduzido número de competências.[17]

Ainda no campo de sua competência, surgiu o controle de constitucionalidade difuso, no famoso caso Marbury v. Madison, e já nesta decisão foi possível denotar o caráter político, como assenta Alexandre de Moraes:

[...] a Suprema Corte era composta majoritariamente de federalistas, enquanto o Congresso e o Executivo estavam sob o controle dos republicanos, que jamais aceitariam uma intervenção direta do Judiciário nos negócios políticos do Executivo.[18]

Apesar de inexistir o Controle Abstrato de Constitucionalidade no sistema americano, vige o sistema de precedentes obrigatórios para os tribunais inferiores e entes administrativos, o que acaba por relativizar a ausência do controle abstrato de normas, ressalvando que a Corte não está vinculada aos seus próprios precedentes, possibilitando, portanto, a mutação constitucional. [19]

3.2.5 Atuação do tribunal em defesa dos direitos fundamentais

Em relação à atuação protetiva em que se devem pautar as Cortes Superiores, Alexandre de Moraes leciona que: “Entre todos os tribunais, nenhum se notabilizou tanto pela defesa intransigente, polêmica e construtiva dos direitos fundamentais como a Suprema Corte Americana”[20], tome-se por exemplo, o precedente secular que possibilitava a segregação racial nas escolas públicas dos Estados Unidos, o qual fora reputado inconstitucional em 1954, sendo considerada a mais importante decisão da Corte (caso Brown v. Board of Education)[21], entre outras decisões proferidas reconhecendo direitos aos acusados em processo penal ou em defesa do direito de privacidade.

3.3 Tribunal Constitucional Federal Alemão

3.3.1 Escolha de seus membros

O Tribunal Constitucional Federal da Alemanha é suprapartidário, conforme entende Nelson Nery Junior, pois:

[...] é órgão constitucional de todos os Poderes, situando-se no organograma do Estado ao lado do Executivo, Legislativo e Judiciário, não sendo, portanto, órgão do Poder Judiciário e nem situando acima dos Poderes Executivo e Legislativo. É formado por pessoas indicadas pelos Três Poderes, com mandato certo e transitório, vedada a contínua ou posterior recondução.[22]

O Tribunal Constitucional é previsto na Lei Fundamental alemã e estruturado por lei ordinária, tendo 16 membros escolhidos através de eleições, estes juízes são divididos em dois Senados ou Câmaras não hierarquizados (com oito juízes cada um), sendo necessariamente seis vagas destinadas a juízes federais advindos dos Tribunais Superiores e as demais vagas de livre escolha pelo Parlamento e Conselho Federal[23].

A eleição dos juízes constitucionais deverá ser realizada metade pelo Bundestag (Parlamento Federal) e a outra metade pelo Bundesrat (Conselho Federal), sendo a escolha por estas casas realizada da seguinte forma:

[...]exigindo-se maioria de dois terços, o que acaba por obrigar os partidos políticos a um consenso, de forma que a escolha reflita a representatividade parlamentar.[24]

3.3.2 Requisitos capacitários para a escolha de juízes

Quanto aos requisitos capacitários, a Lei Fundamental deixou a matéria para ser regulada através de lei ordinária, e esta por sua vez, determina que os juízes do Tribunal Federal devem possuir os direitos políticos exigíveis para o ingresso no Parlamento Federal, além dos requisitos exigidos para o exercício da judicatura, conforme salienta Alexandre de Moraes[25].

3.3.3 Duração do exercício do cargo e garantias

Não há de se falar em vitaliciedade, pois se adota o sistema de mandatos fixos com duração de 12 (doze) anos, sendo vedada a recondução, este critério é considerado uma garantia de salvaguarda e independência para a instituição[26], desse modo também há incompatibilidades com outro cargo ou função para os juízes do Tribunal, salvo no caso de magistério.

A idade mínima para os juízes é de 40 (quarenta) anos e somente poderão exercer o mandato até os 68 (sessenta e oito) anos, independentemente do término do mandato.

E ainda acresce Peter Häberle ao comentar o critério de composição e exercício do cargo que: “uma vez eleitos, na história do Tribunal Constitucional Federal, até agora, todos os juízes se têm mostrado incrivelmente independentes frente a seus partidos patrocinadores”[27].

3.3.4 Competências e forma de controle de constitucionalidade

Quanto à competência deste Tribunal e à atuação protetiva, vale salientar as lições de Hans Rupp:

Na garantia da supremacia das normas constitucionais e na proteção e efetividade dos direitos fundamentais residem as competências mais importantes da jurisdição constitucional, exercidas na Alemanha pelo Tribunal Constitucional Federal por meio, tanto do controle de constitucionalidade das leis e atos normativos, quanto da proteção individual, mediante recurso constitucional[...][28]

O Tribunal Constitucional alemão tem em sua competência o monopólio para o controle de constitucionalidade, tanto no modo difuso quanto no concentrado, cita Alexandre de Moraes em relação ao modo difuso que:

Estabelece o art. 100 da Lei Fundamental alemã que, quando um tribunal considerar inconstitucional uma lei, de cuja validade dependa a decisão, terá de suspender o processo e submeter a questão à decisão do tribunal estadual competente em assuntos constitucionais, quando se tratar de violação da Constituição de um Estado, ou à do Tribunal Constitucional Federal, quando se tratar da violação da Lei Fundamental.[29]

Depreende-se, portanto, que qualquer juiz poderá verificar a possível existência de uma inconstitucionalidade, porém, caberá sempre ao Tribunal Constitucional a decisão acerca da incompatibilidade ou não da lei à Constituição.

A provocação direta de inconstitucionalidade, isto é, a evocação do controle abstrato, é limitada ao Governo Federal, aos Governadores Estaduais e através da manifestação de um terço dos membros do Parlamento Federal[30].

Quanto à competência acresce Gilmar Ferreira Mendes: “O controle abstrato de normas contribui, ademais, para a solução de conflitos entre a União e os estados, conflitos estes que, as mais das vezes, decorrem da edição ou da aplicação da lei.”[31]

Visando permitir o acesso à justiça e a proteção de direitos fundamentais, não há exigência de que os casos de particulares sejam patrocinados por advogados, além de não haver custas processuais para a propositura de ações de competência do Tribunal Constitucional.

No direito alemão o cidadão também possui para a defesa de seus direitos fundamentais um instrumento de ação denominado recurso constitucional ou de amparo, assemelhado ao recurso extraordinário brasileiro, em decorrência da auto-aplicabilidade dos direitos fundamentais previstos na Lei Fundamental alemã e da confiança no Tribunal como garante da efetividade destes direitos.[32]

Vale aqui concluir que o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha cumpre o relevante papel de guarda constitucional, seja através do controle de constitucionalidade, seja pelas competências recursais de tutela de direitos fundamentais, solucionando também os conflitos que afetam à ordem federativa, gozando de considerável prestígio na comunidade jurídica por suas decisões e também por suas orientações, que chega a transpassar a sua competência, como assevera Gilmar Ferreira Mendes que o Tribunal é instado a se posicionar já no momento da feitura das leis.[33]


4 O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

4.1 Marcos Históricos na Evolução Do STF e do Controle de Constitucionalidade

Brevemente, segue alguns pontos selecionados para possibilitar a intelecção da criação do STF e sua evolução como órgão jurisdicional competente para o controle de constitucionalidade e guarda da Constituição, considerando apenas o período anterior a 1988, deixando a análise do período atual para um momento adiante.

Após a Independência do Brasil em 1822 e com a outorga da Carta Magna de 1824, institui-se o Supremo Tribunal de Justiça do Império em 1829, formado por dezessete ministros, sendo considerado o predecessor do Supremo Tribunal Federal, porém: “[...] tinha competência limitada, que se restringia, fundamentalmente, ao conhecimento dos recursos de revista e à competência para julgar os conflitos de jurisdição e as ações penais contra os ocupantes de determinados cargos públicos[...]”[34], não sendo possível, portanto, descrever a existência de uma jurisdição constitucional na época.

Durante este período, destacava-se um quarto poder, o Poder Moderador, estando a cargo do Imperador e com amparo na Constituição possibilitava a ele:

[...] intervir em todos os demais Poderes, com muito mais intensidade no Poder Legislativo, ficando quimérica a possibilidade de que o verdadeiro constituinte de 1824 fosse atribuir a órgão ou Poder outro a competência para controlar a constitucionalidade das leis.[35]

Com a proclamação da República em 1889, o STF foi organizado com fundamento no Decreto n.º 848 de 1890 e teve a sua instituição prevista na Constituição de 1891 (Arts. 55 e 56),  tendo quinze membros  com critérios e requisitos semelhantes aos exigidos atualmente. [36]

A primeira Constituição da era Republicana (1891) inovou ao permitir o controle jurisdicional de constitucionalidade no país, que pela via difusa (através de um recurso especial previsto no art. 59, n. 3, § 1º, c) atribuiu a função de guardião constitucional ao STF (verifica-se neste período uma grande influencia da doutrina jurídica norte americana).[37]

Só em 1965, após o golpe militar, editou-se a Emenda Constitucional (EC) n.º 16, que alterou o texto constitucional de 1946 para legitimar o STF a realizar o controle abstrato de constitucionalidade, sendo de exclusividade do Procurador Geral Da República[38] a propositura de ação direta de inconstitucionalidade (ADIN) (vale lembrar que o Ministério Público era órgão subordinado ao Poder Executivo naquela época, o que restringiu a utilização deste instrumento).

Em síntese, os critérios de composição do STF foram mantidos historicamente desde o momento de sua criação (salvo quanto ao número de membros), não apresentando relevantes alterações quanto à idade mínima de seus Ministros ou a exigência de notório saber jurídico e reputação ilibada, assim como na participação do Senado para a aprovação do indicado, como será abordado na seqüência.

4.2 O STF Na Constituição Federal de 1988

A partir da CF de 1988, o STF foi remodelado com a finalidade de restringir sua competência apenas a questões de ordem constitucional, o que motivou a criação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o qual passou a concentrar a competência relativa às questões federais (como terceira instância das questões oriundas da justiça comum). Entretanto, será abordado no momento referente às competências do STF, que este Tribunal ainda possui competências as quais extrapolam a órbita constitucional.

Com o escopo de apontar opções para o aprimoramento e o aumento da credibilidade do STF como Guardião Constitucional, segue a análise dos critérios constitucionais de composição do Tribunal, e dessa forma, verificar se tais critérios possibilitam a influência ainda que indiretamente na isenção e imparcialidade de seus Ministros.

4.2.1 Composição do STF

O Art. 101 da CF dispõe o seguinte:

O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco anos e menos de sessenta e cinco de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada.

Parágrafo único. Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.

 O número atual de 11 (onze) Ministros é tradicional no direito pátrio, tendo sido modificado excepcionalmente em curtos períodos, como ocorreu em 1965 após o golpe militar e durante o governo de Floriano Peixoto[39].

Uma análise ainda que superficial do dispositivo constitucional (Art. 101, CF) permite constatar que o número de membros pode ser alterado por EC, mas tal tentativa deve ser vista com ressalvas, pois colocaria em cheque a independência do órgão, como ocorreu recentemente na Venezuela[40] e também com a dissolução da Suprema Corte de Justiça do Equador[41], em que investidas antidemocráticas dos chefes de Estado acabaram por abalar a composição dos Tribunais Constitucionais como forma de viabilizar um governo autoritário.

Em relação aos requisitos capacitários exigidos pela CF, os Ministros devem ser cidadãos brasileiros natos (conforme art. 12, § 3º, IV da CF), devendo assim, estar no gozo de seus direitos políticos (conforme art. 14 da CF).

A exigência da idade mínima de 35 (trinta e cinco) anos é razoável e está em conformidade com outros requisitos que a torna necessária, já que o Ministro Presidente do STF é o quinto na linha sucessória do Presidente da República (art. 80, caput, CF), além de ser essencial para a condução de soluções constitucionais um considerável preparo, formação e experiência, e ainda o amadurecimento que só a vivência social pode agregar ao indivíduo.

De outro lado, é ilógica a aposentadoria compulsória para os magistrados do STF, sendo notória a existência de muitos juristas no país contando com mais de 70 (setenta) anos de vida, estando em plena atividade intelectual, quando paralelamente, não há a mesma restrição etária para o exercício de mandatos políticos eletivos nos outros poderes, que por sinal requer capacitações intelectuais muito mais simples ao exigir apenas plena capacidade civil e alfabetização.

Quanto a exigência de reputação ilibada, é este um requisito passível de ser aferido conforme os padrões sociais de conduta. O termo “ilibado” significa: ”não tocado; sem mancha; puro.”[42], não depreende, portanto, maiores considerações, porém o resguardo deste critério tem a primordial função de formar um Tribunal respeitado e reconhecido pela isenção de seus membros.

É digno de críticas a redação do Art. 101, caput, CF no que se refere a: “[...] notável saber jurídico e reputação ilibada”. Neste quesito, Michel Temer entende: “Haverá de ser bacharel em Direito? Indubitavelmente, sim. Só pode notabilizar-se na área jurídica aquele que nela desempenhar atividade durante certo período.”[43], abre-se neste critério uma possibilidade para interpretações desvirtuadas da realidade, podendo levar a escolha de um Ministro sem o bacharelado, algo que caberá ao Senado rejeitar o indicado (conforme será analisado na seqüência), mas resta claro que uma interpretação coerente do texto possibilita a intelecção do contrário, pois “notável saber jurídico” é algo além da simples formação acadêmica.

Uma interpretação literal do texto já possibilitou a ascensão de um não jurista ao STF (o que não é admitido atualmente para os demais órgãos do Poder Judiciário). Historicamente, vê-se que a nomeação de um não jurista ou de um indivíduo sem experiência técnico-jurídica foi rechaçada, ou ao menos, muito criticada, neste sentido o eminente jurista Rui Barbosa propalou:

[...] (...) Em certo momento da vida republicana do Brasil, um médico e dois grandes generais do Exército foram nomeados para o Supremo tribunal Federal. Se, em verdade, não se repetiu isso, é inegável que nomeações houve, de bacharéis, que não foram, intelectual ou moralmente, melhores.[44]

Além do mais, seguindo a tendência iniciada pela EC n.º 45/2004, a qual determinou  o aumento dos requisitos capacitários para o ingresso na magistratura e Ministério Público em primeiro grau, é incongruente admitir que o órgão máximo do Poder Judiciário possua um membro sem experiência jurídica ou ainda pior, sem formação jurídica, já que este Tribunal decide as questões da maior relevância nacional.

4.2.2 Escolha pelo Presidente da República e aprovação ou rejeição pelo Senado Federal

O Senado Federal deve exercer um controle efetivo das indicações realizadas pelo Presidente da República, rejeitando escolhidos de reputação e conhecimentos duvidosos, com longos anos de vida político-partidária, assim como aqueles que possuam laços de parentesco ou amizade com o Presidente da República, como ocorreu com: a nomeação do Ministro Marco Aurélio de Mello (indicado por seu primo e ex-Presidente Fernando Collor de Mello), com a indicação do Ministro Nelson Jobim (amigo e parceiro político do ex- Presidente Fernando Henrique Cardoso), com a indicação do Ministro Gilmar Ferreira Mendes (ex-Advogado Geral da União), mais recentemente com a nomeação do Ministro José Antonio Dias Toffoli(ex-advogado do Partido dos Trabalhadores), entre outros (a título de curiosidade, verifica-se que na história, apenas cinco indicações foram rejeitadas e todas no governo de Floriano Peixoto)[45].

Desse modo, considerando a natureza política da indicação dos Ministros, é conferido a eles garantias que objetivam conferir independência, contudo é sabido que nenhum ser vivo é neutro ou apolítico[46], já que os Ministros como cidadãos possuem também suas próprias convicções ideológicas.

No que se refere ao quórum de aprovação exigido, a aprovação do indicado requer maioria absoluta, neste ponto, uma alteração majorando-o para dois terços exigiria um consenso ainda maior, sendo uma forma de respeito às minorias que compõem esta casa e carreando maior credibilidade à nomeação.

A participação de toda comunidade jurídica, e até mesmo uma alteração no processo de indicação e sabatina como entende o ministro Carlos Mário Velloso[47] (o qual segue entendimento semelhante ao de Hans Kelsen sobre a composição do Tribunal[48]), seria conveniente para aumentar a credibilidade do STF, contando inclusive com a participação acadêmica universitária e parecer opinativo da Ordem dos Advogados do Brasil.

4.2.3 Algumas questões em relação ao modo de composição e a legitimidade para a guarda da Constituição

O sistema de escolha dos Ministros foi inspirado no sistema norte americano, como já ficou demonstrado, sendo alvo de críticas entre renomados juristas, tendo alguns destes inclusive entendido pela necessidade de conferir maior legitimidade ao STF como fiscalizador da Constituição pela indicação dos membros pelos outros poderes como ocorre na Alemanha, conforme entendem Alexandre  de Moraes[49], José Afonso da Silva[50] e também Nelson Nery Junior , o qual leciona neste sentido:

Destinado a exercer o controle da aplicação e da interpretação da Constituição Federal no país, inclusive em abstrato (v.g., ADIn), esse tribunal deveria ser formado por juízes indicados pelos Três Poderes, na proporção de um terço, e com mandato por tempo determinado.[51]

Neste aspecto, também seria possível cogitar da escolha dos Ministros por processo de eleição popular, porém, esta alteração traria a necessidade de conferir representação democrática ao Tribunal Superior, o que não se compactua com a tradição da Corte brasileira e com sua natureza jurisdicional, além de pouco ajuda trazer, pois o envolvimento de interesses em campanhas culminaria na sensação de clientelismo com os seus grupos apoiadores dos candidatos. Contudo o atual modo de composição pela escolha pessoal, também não se mostra o mais indicado, neste sentido reflete André Ramos Tavares:

Para que a independência seja real, e não uma mera ficção jurídica, ao lado de outras tantas, parece que se faz necessário, ao menos, afastar a possibilidade de que a designação seja pessoal, por exemplo, do Presidente da República, ou do presidente do parlamento, ou de ambos conjuntamente. É que essa forma de escolha pode gerar vínculos afetivos, quer dizer, pode acarretar, na prática, uma verdadeira dependência do designado à pessoa que o designou.[52]

Contudo, não há óbice em considerar o STF o guardião constitucional por ser um órgão técnico jurídico composto de Ministros indicados pelo Poder Executivo, já que esta atribuição foi estabelecida pelo próprio Poder Constituinte Originário atribuindo competências que o legitimam para tanto (como será abordado na seqüência), porém verifica-se que o aperfeiçoamento do critério de composição pode trazer maior confiança e estabilidade nas decisões tomadas pelo Tribunal.

4.2.4 Competências e forma de controle de constitucionalidade

O STF possui diversas competências, todas elencadas no art. 102, da CF, tendo a seu julgo matérias tipicamente constitucionais e outras que apesar de poder haver repercussão constitucional poderiam ser atribuídas ao STJ, como medida de redução do excesso de trabalho da Corte Constitucional Brasileira, por exemplo: a realocação da competência para o julgamento dos processos de extradição.

Sucintamente não é possível abordar com a importância devida todas as competências atribuídas constitucionalmente ao STF, porém apresenta-se como foco deste tópico e de relevância para o trabalho, ressaltar a completude do sistema de guarda de constitucionalidade erigido pelo constituinte, que sem dúvida preocupou-se com a efetividade e defesa constitucional.

Por isso adverte Paulo Roberto Barbosa Ramos:

[...]o controle concentrado das leis na ordem jurídica brasileira pós-88 assenta-se na filosofia de consolidar a democracia através da materialização imediata dos direitos humanos fundamentais, daí prioridade a um controle célere e, em tese de constitucionalidade das leis, possível de ser efetuado por vários segmentos da sociedade civil brasileira.[53]

O STF como guardião da Constituição tem competência para o exercício do controle concentrado de constitucionalidade, julgando as ações diretas de inconstitucionalidade (também em suas modalidades de omissão e intervenção), as ações diretas de constitucionalidade (ADC), a argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF).

A ADIN genérica é o instrumento de controle concentrado de constitucionalidade mais utilizado, esta ação tem por fundamento expulsar do ordenamento jurídico a lei produzida de modo formalmente incompatível ao devido processo legislativo, assim como declarar inconstitucional aquelas leis cujo conteúdo não está em conformidade com a Constituição. A decisão de procedência desta ação possui efeitos erga omnes e vinculante.

A ADIN por omissão apesar de um instrumento inteligente e democrático possui pouca aplicação prática, pois não há meios constritivos para obrigar o Congresso Nacional a legislar, porém é um instrumento posto à disposição da democracia que deve ser desenvolvido.

A ADIN interventiva é um instrumento utilizado para a solução dos conflitos entre União e Estados-membros, possuindo a finalidade de através dela garantir o equilíbrio da ordem federativa.

A ADC é um típico processo objetivo, que tem por finalidade afastar a insegurança jurídica ou a incerteza sobre a validade de lei ou ato normativo federal, evitando, desse modo, que a divergência aferida pelo controle difuso cause injustiça advinda de decisões diferentes sobre questões semelhantes, tendo a decisão de procedência  na ADC efeitos erga omnes  e vinculante, cessando a dúvida acerca da lei ou ato.

A ADPF é uma ação ou um incidente de competência originária do STF, que tem como fundamento o descumprimento de preceitos ou valores basilares para o Direito Constitucional pátrio, descumprimento este perpetrado por ato de natureza estatal se ocorrer a modalidade direta, ou então, por tratar de argüição na modalidade, como assenta André Ramos Tavares[54], tendo portanto a decisão desta ação apenas efeitos concretos.

Com a CF de 1988 houve uma ampliação do rol de legitimados para a propositura de ADINs, conforme Art. 103 (sendo todos eles também legitimados para as outras formas de controle concentrado).

Apesar de críticas no que tange a impossibilidade de uma ação popular de inconstitucionalidade, isto não se apresenta como problema, pois a Constituição positivou o sistema mais complexo de controle de constitucionalidade já existente entre as nações possibilitando o controle de constitucionalidade difuso por qualquer juiz ou tribunal (combinando em síntese: um sistema misto, repressivo e jurisdicional de influência norte americana na via difusa e européia na via concentrada, e também um controle preventivo e político realizado pelos Poderes Legislativo e Executivo).

Frisa-se mais uma vez, que o STF não atua somente como guardião da Constituição (e nem é ele o único órgão a protegê-la), pois é sede em última instância das vias recursais, solucionando conflitos de jurisdição e sendo também o foro competente para julgar determinados indivíduos investidos de funções públicas relevantes, como é o caso do Presidente da República nos casos de crimes comuns.  Porém, o caráter de guardião da Constituição é sem dúvida inegável, face à quantidade de instrumentos de ação para a defesa da constitucionalidade das leis a serem propostos perante o Tribunal.

4.2.5 Garantias e a necessária isenção para o exercício do cargo de ministro

Para o exercício funcional, os Ministros do STF possuem as mesmas garantias e vedações constitucionais previstas aos demais magistrados brasileiros, conforme o Art. 95, da CF (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos), porém neste ponto cabe uma reflexão no que atine à vitaliciedade. Esta garantia permite que o magistrado se liberte das preocupações a respeito da aprovação pública e política, permitindo uma atuação técnica e imparcial[55]

Em relação à adoção de mandato certo para o exercício do cargo de Ministro (mandato este sem a natureza política, caracterizado por um período fixo para o exercício da função), como ocorre na maioria dos Tribunais Constitucionais (Alemanha, França, Espanha, Itália, Espanha, Hungria, Iugoslávia e Portugal)[56], objetiva-se a renovação dos julgadores, assim como, evitar o desgaste causado pelo exercício do poder prejudicial à independência do órgão, além de privilegiar a evolução natural da jurisprudência sem causar insegurança jurídica, sempre considerando os atuais fatores sociais, econômicos, políticos e culturais, trazidos por novos julgadores. A experiência alemã é de sucesso neste ponto, adotando mandatos de 12 (doze) anos sem possibilidade de recondução.        

A divulgação do envolvimento de alguns Ministros em negociatas políticas gera o sentimento de descrédito, levando a classe operadora do direito a combater algumas ações dos membros do STF, exemplo disso, foi noticiado no passado, como ocorreu com a busca de recursos para o financiamento de projetos de informatização do Judiciário (envolvendo o então Presidente do STF e instituições privadas com interesses no julgamento de ADINs)[57].

Ou ainda mesmo como já foi o caso da cogitação para candidatura a cargos políticos eletivos durante o exercício do ministério, como já ocorreu com o ex-Ministro Sepúlveda Pertence, cujo nome foi cogitado para concorrer à Presidência da República em 1998[58], e também com o ex-Ministro Nelson Jobim (ex-deputado federal), o qual sempre se manteve em evidência pelo seu ex-partido e aliados[59], por estes e outros motivos pode-se cogitar a falta de isenção de alguns membros do STF, conforme expõe Dallari[60]:

O mesmo Ministro Nelson Jobim inúmeras vezes praticou a retenção de autos, em ocasiões em que havia interesse do Executivo no retardamento da decisão. É oportuno lembrar que o Ministro Jobim foi deputado e o que tem feito é usar no Supremo Tribunal Federal táticas parlamentares. Uma delas é a prática da obstrução: quando uma decisão do Supremo Tribunal pode atrapalhar o Executivo, ou por aumentar os encargos financeiros ou por interferir nos planos do Executivo, o Ministro pede vista dos autos e depois não os devolve, impedindo a decisão.

Apesar de críticas como tais, aqui apontadas, o critério de nomeação não deve influenciar a atividade do STF tendo em vista a previsão de garantias para os seus membros, o problema de eventual falta de isenção de alguns Ministros, deve ser combatido por todos, mas no que atine ao mérito das decisões, há a garantia de independência conferida ao Tribunal, de modo a possibilitar que os seus julgadores exerçam a sua função de acordo com a sua consciência, se isto ocorre ou não, é um outro problema, que não será solucionado pela alteração do modo de composição do Tribunal Constitucional.

Cabe explicitar que o STF já deu mostras de sua independência como ficou demonstrada na decisão proferida quanto aos expurgos dos saldos das contas vinculadas ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, e na última década o crescente fenômeno do ativismo progressista(decisão de verticalização das coligações partidárias, fidelidade partidária, união homoafetiva etc), desse modo, a preservação de uma memória de respeito à Constituição e aos direitos do povo brasileiro está apta a ser desenvolvida.


5 CONCLUSÕES

Primeiramente, antes de apontar as conclusões obtidas com este trabalho, é necessário reconhecer as diferenças em que se postam os modelos de Tribunais Constitucionais, seu modo de composição e o sistema de controle constitucionalidade.

 Através da análise da Suprema Corte Norte Americana e do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, observa-se que a guarda da Constituição nestes modelos surgiram e se desenvolveram de acordo com circunstâncias históricas diferentes, o primeiro visando conferir apenas uma decisão a um caso particular (de interesse do Estado) tendo no chefe do Executivo como responsável pela escolha dos membros que é aferida pelo Senado, e o segundo modelo de modo mais elaborado, tem a tarefa de retirar do mundo jurídico leis incompatíveis com a Constituição, por ter esta um caráter supremo para a garantia de direitos fundamentais, construindo a sua composição de modo a conferir participação por membros dos três poderes, idealizando a conformação de um poder separado e independente dos demais.

Com o devido cuidado que esta análise requer, não é possível apontar de modo contundente um modelo hipoteticamente ideal de Tribunal para o Brasil, já que simplesmente exportar experiências internacionais não irá garantir a isenção e independência do STF.

Conforme fora apresentado, a CF de 1988 trouxe um modelo peculiar de Corte Constitucional, e apesar de sua forma de composição ter seguido uma tradição histórica de influência norte americana, carreou-se ao STF o dever de controle abstrato de constitucionalidade, dotando simultaneamente a diversos entes a possibilidade de acionar e defender a supremacia constitucional, refletindo a preocupação com a garantia dos direitos fundamentais.

Neste aspecto a mudança do modo de indicação e composição dos Ministros do Tribunal, não se apresenta como forma de legitimá-lo para exercer a função de legislador negativo, pois o STF já possui legitimidade advinda da emanação suprema do próprio texto constitucional.

Contudo, as mudanças nos critérios de indicação e composição apresentam-se como um meio de aperfeiçoamento da instituição. Nessa linha, pode-se apontar um conjunto de alterações a forma atual de recrutamento de Ministros para o STF, baseando-se, como foi desenvolvido no trabalho: na adoção de mandatos para o exercício do cargo, exigência efetiva de requisitos como experiência e formação profissional para a configuração de notável saber jurídico, participação das diversas categorias operadoras do direito nas indicações, e na atuação efetiva do Senado Federal durante a aprovação dos selecionados.

São propostas que não se exaurem nesta primitiva análise, mas são opções que conferem um cunho democrático a reformulação do STF, passíveis de serem melhor delineadas,  mantendo  compromisso com a ética e a independência do Poder Judiciário,  norteando e respeitando as garantias de seus membros, ao julgar de acordo com a sua consciência, pois as garantias dos Ministros são também de todos os cidadãos.

Resta claro, portanto, que estas alterações não são a panacéia para a questão da guarda da Constituição, pois isto não se garante apenas através de órgãos estatais, por mais sábios e justos que busquem ser os seus integrantes, não são estes os únicos responsáveis pelo dever de Constituição, e por assim ser, resta também ao povo o dever de guardá-la.


REFERÊNCIAS

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Notas

[3] SILVA, José Afonso da. CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO. 19ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 45.

[4] LASSALLE, Ferdinand. A Essência da Constituição. 6ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2001, p. 2001, p. 39.

[5] JELLINEK apud HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991, p.10.

[6] Ibid., p. 27.

[7]  NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 7ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p.24.

[8] ENTERRÍA, apud TAVARES, André Ramos. Teoria da justiça constitucional, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 461-462.

[9] TREMPS apud TAVARES, André Ramos. Teoria da justiça constitucional, op. cit., p. 464.

[10] PALU, Oswaldo Luiz. Controle de constitucionalidade: conceitos, sistemas e efeitos. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 104.

[11] TAVARES, André Ramos. TRIBUNAL E JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1998, p.29.

[12] PALU, op. cit., p.90.

[13] TAVARES, André Ramos. TRIBUNAL E JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL. op. cit.,p.29.

[14] KELSEN apud CARMO, Glauber S. Tatagiba do. A defesa da Constituição pelos poderes constituídos e o Ministério Público. REVISTA DE DIREITO CONSTITUCIONAL E INTERNACIONAL, n.º 36, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,  jul.-set. 2001, p. 211.

[15] MORAES, Alexandre. Jurisdição constitucional e tribunais constitucionais; garantia suprema da constituição, 2.ª ed., São Paulo: Atlas, 2003, p.87.

[16] MORAES, op. cit., p.89

[17] Ibid., p. 92

[18] Ibid., p.96

[19] Ibid., p.111-112.

[20] Ibid., p.104.

[21] MORO, Sergio Fernando. A CORTE EXEMPLAR: considerações sobre a Corte de Warren. REVISTA DE DIREITO CONSTITUCIONAL E INTERNACIONAL, n.º 48, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,  jul.-set. 2004, p. 285.

[22] NERY JUNIOR, op. cit., p.24.

[23] MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2.004, p. 03.

[24] HÄBERLE apud MORAES, op. cit., p. 156.

[25] MORAES, op. cit., p.157.

[26] SEGADO apud TAVARES, André Ramos. Teoria da justiça constitucional, op. cit., p. 158.

[27] HÄBERLE apud MORAES, op. cit., p. 156.

[28] RUPP apud MORAES, op. cit., p. 159.

[29] MORAES, op. cit., p.169.

[30]MENDES, op. cit., p. 100.

[31]MENDES, op. cit., p. 59.

[32] MORAES op cit., p. 161.

[33] MENDES op. cit., p. 13.

[34] MENDES, op. cit., p.23.

[35] PALU, op. cit., 121.

[36] Informações colhidas em:< http://www.stf.gov.br/institucional/notas/>. Acesso em: 30 de maio de 2005.

[37] MENDES, op. cit., p.24, menciona que os Ministros deveriam ser escolhidos:”[...]  dentre os Juízes Federais mais antigos e cidadãos de notório conhecimento jurídico e reputação ilibada, que fossem elegíveis para o Senado (art. 55). Os Ministros do Supremo Tribunal Federal seriam nomeados pelo Presidente da República após a confirmação do Senado Federal (art. 47, § 12)”.

[38] TAVARES, André Ramos. TRIBUNAL E JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL. op. cit., p. 126.

[39] Conforme informações colhidas em:< http://www.stf.gov.br/institucional/notas/>. Acesso em: 30 maio de 2005. A composição numérica dos tribunais de cúpula da  justiça brasileira (1808-2003) variou da seguinte forma: Casa da Suplicação do Brasil(1808-1829): 23 juízes; Supremo Tribunal de Justiça/Império (1829-1891): 17 Juízes; Supremo Tribunal Federal/República (1891-2003): a) Constituição Federal de 1891: 15 Juízes, (b) Decreto n.º 19.656, de 1931 (Governo revolucionário): 11 Juízes, (c) Constituição Federal de 1934: 11 Juízes, (d) Carta Federal de 1937 (Estado Novo): 11 Juízes, (e) Constituição Federal de 1946: 11 Juízes, (f) Ato Institucional n.º 02/1965: 16 Juízes, (g) Carta Federal de 1967: 16 Juízes, (h) Ato Institucional n.º 06/1969: 11 Juízes, (i) Carta Federal de 1969: 11 Juízes, (i) Carta Federal de 1969: 11 Juízes.

[40] MAISONNAVE, Fabiano. Chávez é acusado de interferir no Judiciário. Folha de São Paulo, São Paulo, 20 de jun. 2004. Mundo, p.A17.

[41] OAB condena golpe de estado ocorrido no Equador. Informativo eletrônico do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Publicado em 16 de abril de 2004. Disponível em: <http://www.oab.org.br/noticia.asp?id=4041>. Acesso em 30 de maio de 2005.

[42] ILIBADO. In: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1995. p. 350.

[43] TEMER, Michel. ELEMENTOS DE DIREITO CONSTITUCIONAL, 18.ª ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 174.

[44] BARBOSA, Rui apud MORAES, op. cit., 296-297.

[45] Informações colhidas em:< http://www.stf.gov.br/institucional/notas/>. Acesso em: 30 maio de 2005.

[46] TAVARES, op. cit.,p. 85.

[47] VELLOSO, Carlos Mário da Silva. A Renovação do supremo Tribunal Federal. REVISTA DA ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO CONSTITUCIONAL , Curitiba, n.3, 2003, p. 40,  em que apresenta a seguinte proposta: as Universidades, pelas suas Faculdades de Direito, indicariam dois nomes entre professores de Direito; os Tribunais Superiores indicariam, também, dois nomes de juízes do respectivo Tribunal; o mesmo ocorreria com o Conselho Federal da OAB, com o Conselho Superior do Ministério Público Federal, com os Conselhos Superiores dos Ministérios Públicos estaduais e com as associações de magistrados de âmbito nacional[...]”.

[48] KELSEN, Hans. Jurisdição constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 154.

[49] MORAES, op. cit., p. 77.

[50] SILVA, op. cit., p. 558.

[51] NERY JUNIOR, op. cit., p.25.

[52] TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 201.

[53] RAMOS, Paulo Roberto Barbosa. A filosofia do controle concentrado de constitucionalidade das leis na ordem jurídica brasileira pós-88. REVISTA DE DIREITO CONSTITUCIONAL E INTERNACIONAL, n.º 37, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, out.-dez. 2001, p. 184.

[54]  TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. op. cit., p. 259.

[55] MORAES,  op. cit, p. 217.

[56] TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. op. cit., p. 201.

[57] FREITAS, Silvana de. Souza Cruz injeta verba no Judiciário. Folha de São Paulo, São Paulo, 13 de nov. 2004. Brasil, p. A8.

[58] TAVARES, André Ramos. Teoria da justiça constitucional, op. cit., p. 467.

[59] Eu quero uma carona. REVISTA ÉPOCA, São Paulo: Editora Globo, n.º 356, 14 de mar. 2005. Bastidores, p. 29.

[60] DALLARI, Dalmo de Abreu. A Renovação do Supremo Tribunal Federal. REVISTA DA ACADEMIA BRASILEIRA DE DIREITO CONSTITUCIONAL , Curitiba, n.3, p. 53, 2003.


Autor

  • Carlos Henrique Camargo Pereira

    Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (2005). Especialista em Direito e Processo Penal pela mesma instituição (2007). Formado pela Fundação Escola do Ministério Público do Paraná (2004). Pós-graduado no curso de Formação de Professores para a Educação Superior Jurídica pela Anhanguera LFG (2013). Pós graduando no MBA de Gestão Pública: Políticas e Gestão Governamental pela Escola Paulista de Direito. Advogado e procurador geral adjunto em Londrina-PR (2006-2007). É analista judiciário do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, desde dezembro de 2007. Chefe da 8ª Zona Eleitoral do Paraná, com sede em São José dos Pinhais, desde de 2014.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Carlos Henrique Camargo. O critério de composição do guardião constitucional: uma análise comparada do Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4257, 26 fev. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31797. Acesso em: 28 mar. 2024.