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A injustiça fiscal do Imposto sobre a Renda de pessoa física maximizada pela real desobediência fática aos princípios da progressividade, da capacidade contributiva e o mínimo indispensável e à dignidade da pessoa humana

A injustiça fiscal do Imposto sobre a Renda de pessoa física maximizada pela real desobediência fática aos princípios da progressividade, da capacidade contributiva e o mínimo indispensável e à dignidade da pessoa humana

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Injustiça Fiscal e o Imposto de Renda Pessoa Física

“(...) Para Alfredo Augusto Becker, a renda ou capital presumido devem ser em valor acima do mínimo indispensável para a subsistência do cidadão, garantindo-lhe o mínimo existencial”.i


Na esteira desse simplório raciocínio porém de incalculável valor axiológico é que tangenciado deve estar o Imposto sobre a Renda da Pessoa Física pela concreção basilar dos cânones da progressividade, da capacidade contributiva e o mínimo indispensável e da dignidade da pessoa humana, para que só então se construa de fato uma sociedade justa e igualitária do ponto de vista tributário.


Justiça Fiscal, Justiça Social. O imposto sobre a renda de pessoa física sob análise foge ao senso comum de justiça fiscal porque primeiramente tal tributo federal não leva em conta as circunstâncias existenciais subjetivas de cada classe de contribuintes, o que no mundo dos fatores reais de poder econômico e financeiro igualmente não estabelece um patamar mínimo de contribuição, de pagamento de mencionado tributo, de modo que o justo pagamento deste guarde correspectiva e imediata compatibilidade com o mínimo necessário de sobrevivência social de acordo com os elementos mínimos de subsistência digna que elenca o rol dos direitos sociais fundamentais exemplificativos do artigo 6.º da Constituição da República Federativa do Brasil em vigor (educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados, etc. ); em segundo, a disparidade se agiganta ante o senso padrão quando se nota que o tributo em comento viola letalmente o princípio da isonomia formal e material, pois “ a busca da justiça avoca a noção de equidade de tributação. Esta, na visão dos economistas, liga-se ao modo como os recursos são distribuídos pela sociedade, desdobrando-se em duas dimensões: (...) equidade horizontal: os contribuintes que possuam igual capacidade de pagar deverão contribuir com diferentes quantidades pecuniárias, destinadas aos cofres do Estado. É a ideia do tratamento igual para os igais; equidade vertical: os contribuintes que possuam desigual capacidade de pagar deverão contribuir com diferentes quantidades pecuniárias, destinadas aos cofres do Estado. É a ideia do tratamento desigual para os desiguais. Aqui despontam os critérios de concretização do postulado da capacidade contributiva, v.g., a progressividade (...).

Assim os indivíduos com rendas maiores deverão contribuir, proporcional e equitativamente, com mais recursos do que aqueles que possuem menores rendimentos. O objetivo dessa forma de tributação não é o de inverter a posição das classes de renda, mas reduzir a diferença entre elas, por sinal, exageradamente grande no Brasil” ii. Sabido de todos que o canôn da progressividade é resultado e modo de viabilização e concreção dos princípios da capacidade contributiva e da igualdade, é concludente de tais premissas que o fundamento da progressividade lastreado está na perseguição digna e incansável da justiça fiscal e social, no caminho em que procura pulverizar os entraves alocados nas perceptíveis e materiais desigualdades sociais, e aí segue-se que o cerne da progressividade intenta promover a isonomia fiscal exigindo gradualmente da pessoa física que aufira mais renda pague mais imposto de renda, até porque, à guisa de exemplificação, o impacto econômico e financeiro na esfera vital e patrimonial de duas pessoas físicas - que auferem as respectivas rendas anuais de R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais) e R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais) notadamente acima de 53.565,72, com base na alíquota de 27,5 % (vinte e sete e meio por cento - é contabilmente diferenciado, e é por conta dessa verdade gritante que urge uma reforma tributária que quanto ao IRPF ao menos não continue fazendo vistas grossas para a imperiosidade necessária do princípio da progressividade em sua mais pura fundamentalidade científica. Por fim, o senso nada incomum de justiça social é aquele que tangencia a repartição dos encargos da sociedade como um todo, compreendendo, desse modo, a obviedade dos tributos, em especial aquele que afeta a renda das pessoas físicas, que deveria estar abalizado em critérios respeitando as capacidades subjetivas dos contribuintes, sobremaneira a dignidade de cada um conforma a classe econômica a que pertença.
Sendo assim justiça fiscal e justiça social e respeito para com a dignidade da pessoa humana como direito fundamental... Já!!!
Burilando requintados ideários em sua magnífica obra jurídico-doutrinária de escol intitulada “Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988 (nona edição, revista e atualizada, publicada pela editora livraria do advogado, ano 201), Ingo Wolfgang Sarlet, para início do convite ao pensamento jurídico acerca do tema tratado na referida obra cita indizível e brilhante citação de Telilhard de Charlin, que traduzida, nos diz:


“Na verdade, duvido que haja, para o ser pensante, minuto mais decisivo do que aquele em que, caindo-lhe a venda dos olhos, descobre que não é um elemento perdido nas oscilações cósmicas, mas que uma universal vontade de viver nele converge e se hominiza. O Homem, não centro estático do Mundo – como ele julgou durante muito tempo, mas eixo e flecha da evolução – o que é mais belo.”iii


Ainda nos convidando às reflexões por conta do ideário contido em sua obra, Ingo W. Sarlet, tece conexa consideração com o tema ora versado pelo autor do presente artigo doutrinário, a saber:


“(...) a dignidade da pessoa humana, na condição de valor (e princípio normativo) fundamental, exige e pressupõe o reconhecimento e proteção dos direitos fundamentais de todas as dimensões (ou gerações, se assim preferirmos), muito embora – importa repisar – nem todos os direitos fundamentais (pelo menos não no que diz com os direitos expressamente positivados na Constituição Federal de 1988) tenham um fundamento direto na dignidade da pessoa humana. Assim, sem que se reconheçam à pessoa humana os direito fundamentais que lhe são inerentes, em verdade estar-se-á negando-lhe a própria dignidade, o que nos remete à controvérsia em torno da afirmação de que ter dignidade equivale apenas a ter direitos (e/ou se sujeitos de direitos), pois mesmo em se admitindo que onde houver direitos fundamentais há dignidade, a relação primária entre dignidade e direitos, pelo menos de acordo com o que sustenta a doutrina, consiste no fato de que as pessoas são titulares de direitos humanos em função de sua inerente dignidade.”iv


E querem os legisladores e arrecadadores do tributo federal em comento direito mais humano e fundamental do que verem tributados justa e progressiva e condignamente a renda que auferem às duras penas e muito suor derramado na entrega total ao trabalho seja ele travado em relação de emprego, de consumo ou puramente contratual no dia a dia de seres humanos que são titulares de um direito humano de pagar um tributo de forma justa, progressiva e digna, em função de uma dignidade positivada com valor normativo, positivada, tida como direito fundamental, e assim cláusula pétrea conforme soergue a bandeira da conjugação do inciso III do artigo 1.º e inciso IV, § 4.º, artigo 60, todos de nossa prestigiadíssima Constituição Federal em vigor?
Não querem os seres humanos pensantes do direito acreditarem que, nada obstante caia a venda dos olhos daqueles por hora cegos se embrenhem em meio a mata fechada, densa e escura da voracidade fiscal, tanto os tributam legislando, cobrando e arrecadando deixem de ser o firme eixo e afiada flecha da evolução, igualmente, da condição humana num mundo que o mais belo não é somente evoluir mas querer e querer aprender a evoluir, sob pena de não querendo chamarem para si o retrocesso que estaria na contramão das gerações ou dimensões (como preferirem os leitores) do direito, e isso, caros operadores e pensadores do direito, não faz o menor e mais arraigado senso comum.


Com o escopo de intensificar o calibre dos vergalhões entrelaçados do que se tracejou linhas acima é imperioso consignar que em 18 de dezembro do ano de 2012 o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) noticiou que:
“Para especialistas, volta do crescimento da atividade econômica em 2013 ajuda a elevar o recolhimento do tributo que afeta os trabalhadores.


Fonte: Panorama Brasil


A arrecadação do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) afetou não só as contas públicas como a população brasileira, que precisa da restituição do tributo para ajudar a pagar suas dívidas. Para especialistas entrevistados pelo DCI, a tendência é de que em 2013 esse quadro mude, mas que são necessárias mudanças estruturais para que as finanças do governo e a renda somada à qualidade de vida dos brasileiros sejam melhores no longo prazo.


De acordo com os últimos dados da Receita Federal, o IRPF somou neste ano até outubro R$ 21,189 bilhões, o que equivale a uma alta de 2,30% em relação ao resultado do mesmo período de 2011 (R$ 20,731). Contudo, a participação da arrecadação desse tributo no total do recolhimento de impostos administrados pelo fisco teve um ligeiro aumento de um ano para outro, ao passar de 2,43% (no total de R$ 823,7 bilhões recolhidos) para 2,74% (de um total de R$ 825,2 bilhões).


Se não fosse o Imposto de Renda de rendimentos do trabalho, que é retido na fonte, a arrecadação desse tributo especificamente de pessoa física teria sido pior. Isto devido à desaceleração da atividade econômica.


Os números da Receita mostram que o recolhimento do IRRF-Rendimentos do Trabalho foi de R$ 62,149 bilhões nos dez meses de 2012, alta de 3,15% ante o mesmo período de 2011.


O presidente da Lacerda e Lacerda Advogados, Nelson Lacerda, acredita que a recuperação da economia favorecerá o aumento da geração de renda e, consequentemente, do IRPF. Como também os valores das restituições serão melhores. Para ele, no entanto, mudanças nas regras de IRPF, como já foram sinalizadas pela presidente Dilma Rousseff, segundo o especialista, serão necessárias. ‘O governo deve ampliar o limite daqueles que estão isentos de IR na faixa de baixo. Para mim, o melhor desse limite seria para quem ganha R$ 5 mil [atualmente, é até R$ 1.499,15, por mês, é isento, ou quem teve renda no ano de até R$ 21.453,24]. E manter para aqueles que ganhem mais. Hoje, pelas alíquotas pagam mais quem tem renda menor, e recolhem menos IR quem ganha muito’, aponta.


“No entanto, o modo de gerar mais renda, mais arrecadação, mais restituição, entre outras melhorias, é diminuir o custo-Brasil. E o modo de se fazer isso é reduzir a carga tributária da produção, que é onde pode trazer esses benefícios”, acrescenta.
O analista da Tendências Consultoria, Felipe Salto, também entende que a recuperação da economia esperada para os próximos anos deve favorecer não só o IRPF, como os demais tributos. “O problema é que os impactos do Imposto de Renda na economia demoram mais do que as contribuições como a Contribuição sobre Lucro Líquido (CSLL) e Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ). Tem impacto, mas é mais lento”, diz.


Na opinião dele, a solução para que gere mais emprego, renda e consumo e, assim, maior arrecadação, é estimular os investimentos do setor privado.”v

E há de se registrar que mais que impacto econômico provocado, o Imposto de Renda ainda continua, presentemente, abrindo fendas abismais entre as classes economicamente ativas e não ativas, com alíquotas e bases de cálculos (“vide”, ao final, Tabelas “Progressivas” para Cálculo anual do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física*) nada condizentes primeiramente com a necessária, técnica e real progressividade e alijadas da igualdade e dignidade das pessoas humanas dos contribuintes do cada vez menos pessoal e humano imposto de renda, e leitores, concito-vos, especialmente os operadores do direito e os contadores, a construírem coletiva e socialmente uma teia de argumentações e demonstrativos contábeis de modo a provar cabalmente o que fora doutrinariamente neste artigo ventilado, pensado e argumentado.


“O auferimento de renda e patrimônio tem que ser visto do alto do pedestal da Justiça Social, no sentido de que o Estado não pode ignorar a verdadeira capacidade contributiva da maioria dos brasileiros, e que não podem ver deles retirados o mínimo existencial, mas o que vai além deste, como forme de real instrumentalização da justiça fiscal.”vi
*Tabela Progressiva para Cálculo anual do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física – a partir do exercício de 2012
Tabela Progressiva para o cálculo anual do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física a partir do exercício de 2015, ano-calendário de 2014. *


Base de cálculo anual em R$        Alíquota %       Parcela a deduzir do imposto em R$
Até 21.453,24                                        -
De 21.453,25 até 32.151,48                7,5                                       1.608,99
De 32.151,49 até 42.869,16               15,0                                       4.020,35
De 42.869,17 até 53.565,72                22,5                                      7.235,54
Acima de 53.565,72                            27,5                                        9.913,83
Tabela Progressiva para o cálculo anual do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física para o exercício de 2014, ano-calendário de 2013. *


Base de cálculo anual em R$                    Alíquota %                       Parcela a deduzir do imposto em R$
Até 20.529,36                                                   -                                                   -
De 20.529,37 até 30.766,92                           7,5                                           1.539,70
De 30.766,93 até 41.023,08                           15,0                                         3.847,22
De 41.023,09 até 51.259,08                           22,5                                         6.923,95
Acima de 51.259,08                                       27,5                                          9.486,91
Tabela Progressiva para o cálculo anual do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física para o exercício de 2013, ano-calendário de 2012. *


Base de cálculo anual em R$                                Alíquota %                           Parcela a deduzir do imposto em R$
Até 19.645,32                                                              -                                                           -
De 19.645,33 até 29.442,00                                      7,5                                                    1.473,40
De 29.442,01 até 39.256,56                                     15,0                                                    3.681,55
De 39.256,57 até 49.051,80                                      22,5                                                   6.625,79
Acima de 49.051,80                                                  27,5                                                    9.078,38
Tabela Progressiva para o cálculo anual do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física para o exercício de 2012, ano-calendário de 2011. *


Base de cálculo anual em R$                                Alíquota %                     Parcela a deduzir do imposto em R$
Até 18.799,32                                                                 -                                                        -
De 18.799,33 até 28.174,20                                        7,5                                                1.409,95
De 28.174,21 até 37.566,12                                        15,0                                              3.523,01
De 37.566,13 até 46.939,56                                         22,5                                             6.340,47
Acima de 46.939,56                                                     27,5                                              8.687,45


* Tabela aprovada pela Lei nº 11.482, de 31 de maio de 2007 , alterada pelo art. 1 º da Lei nº 12.469, de 26 de agosto de 2011.vii


i SABBAG, Eduardo Moraes. Manual de Direito Tributário. 6.ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 151.
ii Idem, pp. 148-149.
iii Sarlet, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 9.ª edição revista e atualizada. Porto Alegre: Editora Livraria do advogado, 2011, p. 24. E-book adquirido no sítio www.livrariasaraiva.com.br.
iv Idem, p. 108.
v https://www.ibpt.org.br/noticia/164/Imposto-de-Renda-de-pessoa-fisica-deve-mostrar-retomada.
vi Freitas, Hélber de Oliveira. A diferença entre as alíquotas do imposto de renda de pessoa física e a capacidade contributiva. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 23. E-book disponível no sítio www.livrariasaraiva.com.br.
vii http://www.receita.fazenda.gov.br/Aliquotas/TabProgressiva2012a2015.htm


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