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Prenome e gênero do transexual

averbação ou retificação?

Prenome e gênero do transexual: averbação ou retificação?

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Reflete-se sobre as implicações registrais advindas da alteração do prenome e gênero do transexual, após compreensão ampla sobre essa condição humana.

RESUMO: O escopo do presente trabalho é o de refletir sobre as implicações registrais advindas da alteração do prenome e gênero do transexual. Vencido os ensinamentos e as problemáticas que envolvem os transexuais na sociedade moderna, diferenciando-os das demais formas de manifestação sexual, bem como sobre a possível alteração de sexo sem autorização judicial, passamos a enfrentar o tema do presente trabalho, baseando-se na jurisprudência e doutrina atuais, esforçando-se em buscar a resposta para a seguinte indagação: qual a espécie de alteração do prenome e gênero do transexual deve ser feita? Averbação ou retificação? A partir desse questionamento discorremos acerca das duas espécies de alteração possíveis nos assentos registrais, demonstrando em cada hipótese os prós e os contras, não apenas na visão dos indivíduos que sofrem disforia de gênero, mas também na ótica dos terceiros de boa-fé. O tema se torna intrigante ao passo que verificamos que em torno dessa celeuma há princípios e garantias individuais e coletivos envolvidos, levando o jurisconsulto a um esforço incomum de conciliar preceitos e normas fundantes do ordenamento jurídico pátrio.   

PALAVRAS-CHAVES: Transexualismo; Registros Públicos; Averbação; Retificação.


INTRODUÇÃO.                         

A sociedade brasileira contemporânea passou por inúmeras transformações ao longo das últimas décadas, aceitando e reprimindo comportamentos humanos diversos, seja pelo aspecto cultural, religioso ou moral. O direito, frente a esta realidade, procura se amoldar às mudanças de comportamentos dos indivíduos, regrando-as de tal modo a poder manter os ideais no convívio coletivo, quais sejam, a paz social e garantia dos direitos fundamentais a todos cidadãos.

Diante dessas transformações, ao refletirmos sobre as relações do sujeito com a sexualidade na sociedade moderna, um tema se evidencia: o transexualismo.

No Brasil, o transexualismo é considerado uma doença, tendo vários tipos de tratamentos, dentre eles, a cirurgia de redesignação sexual, mais conhecida por transgenitalização.

A transgenitalização é autorizada pelo Conselho Federal de Medicina, através de resolução própria, quando esgotados e infrutíferos todos os meios terapêuticos possíveis para harmonizar o sexo físico e psicológico do indivíduo.

Nesse sentido, em razão do avanço tecnológico na área médico-cirúrgica, os transexuais encontraram na cirurgia de mudança de sexo uma forma de diminuírem seus sofrimentos, alcançando a tão desejada alteração de sexo.

Superadas estas questões, os transexuais passam a enfrentar outro  obstáculo: a alteração do prenome e gênero nos seus registros civis.

Tal barreira é avistada por não haver legislação específica sobre o assunto. Destaca-se que a lei dos registros públicos prescreve a imutabilidade do prenome, salvo as exceções nela mesma previstas.

O Judiciário ao ser provocado por esses cidadãos que desejam ver reconhecida sua nova identidade, seu novo eu, tem oferecido respostas diversas, com maior ou menor abertura para a alteração e sua publicidade.

Diante dessa problemática, o presente trabalho parte de uma realidade atual que vem se assentando e solidificando cada vez mais nos tribunais de todo país, que é a possibilidade de alteração de prenome e gênero do transexual, mesmo diante da ausência de normas positivas acerca do assunto.

Além de caracterizar o transexualismo, diferenciando-o das demais formas de manifestação sexual, adentramos em terreno árduo que é a averbação ou retificação do prenome e gênero no assento de nascimento do transexual.

Atualmente, tendo em vista a ausência de legislação específica, os recentes julgados têm divergido no que tange a forma de alteração do prenome e gênero do transexual. Afinal, deve haver a averbação ou retificação do prenome e gênero do transexual?

A discussão é de extrema importância, pois os julgados se baseiam em princípios constitucionais para defender esta ou aquela espécie de alteração de prenome e gênero, ou seja, averbação ou retificação, implicando, por conseguinte, em várias situações que refletem não só no âmbito do indivíduo que passa por esta tormenta, mas também da sociedade.


1. TRANSEXUALISMO. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS.           

1.1. Transexualismo.

Ao pensarmos nas relações dos sujeitos com a sexualidade na sociedade contemporânea, é inegável dizer que os assuntos envoltos ao transexual ganharam grande repercussão, mormente pelos avanços tecnológicos na área da medicina e suas consequentes implicações jurídicas.

A dificuldade em lidar com o caso dos transexuais advém de vários aspectos, sendo que os mais conhecidos são os fatores culturais, morais e religiosos, todos carregados de grande incompreensão e até mesmo intolerância à realidade que esses indivíduos suportam.

 Há que se pontuar que a ausência de diplomas legais que disciplinam a situação dos transexuais dificulta a garantia de seus direitos como cidadãos, trazendo dúvidas em vários sentidos, cabendo à jurisprudência suprimir as lacunas do ordenamento jurídico.

O termo “transexualismo” surgiu na década de 50 e foi formulado pelo médico de origem alemã Harry Benjamin[1], após experiências cirúrgicas de mudança de sexo em pacientes que se diziam pertencer ao sexo oposto. A palavra “transexualismo” passou a existir quando o mencionado médico-cirurgião referiu-se ao caso de divergência psíquico-mental do transexual.

O sufixo ismo é aplicado na medicina para nomear uma doença. O  transexualismo consta no CID 10 – Classificação Internacional de Doenças - como uma anomalia (F. 64.0), um transtorno de identidade de gênero.

 Trata-se de um transtorno de ordem psicológica e médica, fazendo com que um indivíduo que nasce com o sexo biológico de um homem, por exemplo, se identifique com indivíduos que pertencem ao sexo oposto. Isto é, tem desejo de pertencer ao sexo contrário ao de seu nascimento.

O desejo de viver enquanto pessoa do sexo oposto é latente, trazendo-lhe sentimentos de ordem psíquica, levando muitos a se isolarem diante do profundo sofrimento, inconformismo, depressão e repulsa ao próprio corpo.

O transexual tem aversão à sua genitália biológica, tendo em vista o indesejado sexo a que pertence, almejando pertencer ao sexo oposto com seus caracteres e traços. Há uma divergência entre o sexo psicológico em que o transexual acredita pertencer com o sexo biológico, o qual adquiriu com o nascimento.

Nas palavras de Tereza Rodrigues Vieira, pontua-se que:

“a transexualidade é caracterizada por um forte conflito entre o corpo e a identidade de gênero e compreende um arraigado desejo de adequar o corpo hormonal e/ou cirurgicamente àquele do gênero almejado”.[2]

Ana Paula Barion identifica a transexualidade “como uma incongruência entre o sexo atribuído na certidão de nascimento e a identidade psíquica de gênero do indivíduo”.[3]

De modo mais completo e sem perder a didática, Aracy Augusta Leme Klabin explica que:

“O transexual é um indivíduo, anatomicamente de um sexo, que acredita firmemente pertencer ao outro sexo. Essa crença é tão forte que o transexual é obcecado pelo desejo de ter o corpo alterado a fim de ajustar-se ao ‘verdadeiro’ sexo, isto é, ao seu sexo psicológico”.[4]

Já o Conselho Federal de Medicina, atualmente, através de sua Resolução 1.955, de 12.08.2010, define “transexualismo” como:                                                                                        

“1. Desconforto com o sexo anatômico natural; 2. Desejo expresso de eliminar os genitais, perder as características primárias e secundárias do próprio sexo e ganhar as do sexo oposto; 3. Permanência desses distúrbios de forma contínua e consistente por, no mínimo, dois anos; 4. Ausência de outros transtornos mentais”.

Diante destas definições, podemos dizer que o transexual masculino, por exemplo, se considera mulher, entalhado com o aparelho sexual inadequado ao que psicologicamente desejaria, o qual deseja ardentemente retirá-lo no intuito de minimizar as discrepâncias entre o sexo psicológico e biológico.

No que tange à possibilidade de alteração de sexo, não obstante a ausência de leis, o Conselho Federal de Medicina determina que os caracteres do transexualismo não sejam confundidos com qualquer outra anomalia e nem sejam eventuais.

Sendo o transexualismo permanente e respeitadas as regras contidas na Resolução, o referido Conselho reconhece como acertada, válida e necessária a cirurgia de redesignação de sexo. Tal assunto será analisado em momento oportuno (tópico 1.3 deste capítulo).

Antes, porém, é imperioso que se faça as distinções entre as diversas formas de manifestação da sexualidade, deixando em evidência a transexualidade. É o que fazemos no tópico seguinte.

1.2. Transexualismo e as demais formas de manifestação da sexualidade.

Não é raro haver confusões por parte da sociedade em relação às diversas formas de manifestação da sexualidade. Ao simples olhar, tudo parece igual e indistinto, levando a crer que as vestes e o estilo de vida são as únicas coisas que os diferenciam.

Por essa razão, é muito comum o transexualismo ser identificado ou igualado ao homossexualismo, bissexualismo, travestismo, fetichismo e hermafrodismo.

Diante dessas confusões e incompreensões, imprescindível é a diferenciação e esclarecimento acerca de cada um desses modos de manifestação da sexualidade.

1.2.1. Homossexualismo.

Em apertada síntese, o homossexual é aquele indivíduo que sente atração física por outro do mesmo sexo. Para ele, homem, ou para ela, mulher, não há nenhuma repulsa ao seu sexo biológico.

No caso do homossexual masculino, por exemplo, o pênis é o órgão sexual com o qual se busca prazer ao relacionar-se com outra pessoa do mesmo sexo. Não há constrangimento em tê-lo. Isto sequer incomoda o homossexual. 

Diferentemente acontece com o transexual que, como vimos, deseja relacionar-se com o sexo oposto do sexo psicológico. O transexual masculino sente-se mulher, por isso busca sua satisfação com homem, enxergando esta relação na ótica heterossexual. 

Tereza Rodrigues Vieira nos explica com simplicidade e clareza que:

“o homossexual masculino tem no homem o seu objeto de desejo, ou seja, sente-se homem e pratica a relação com outro homem. Com a mulher homossexual ocorre o inverso. O transexual masculino, por sua vez, considera-se mulher e tem como parceiro um homem, vendo, portanto essa relação no plano heterossexual”.[5]        

Patrícia Corrêa Sanches, em grande estilo, acrescenta:

“Na transexualidade o indivíduo possui uma identidade de gênero diferente daquela biológica com a qual fora registrado ao nascer, enquanto o homossexual, que não possui essa inversão, tão somente sente-se atraído sexualmente por pessoas do mesmo sexo. Portanto, diferentemente do que se pensa, o transexual não é um homossexual, uma vez que sua preferência sexual é pelo sexo oposto àquele de sua identidade de gênero”.[6]               

Exatamente pelo fato de o transexual se identificar com o sexo oposto, desejando uma relação heterossexual, é tão importante a modificação de sua genitália, sem a qual não haveria possibilidade e conforto para a conjunção carnal.

Portanto, podemos concluir que o homossexual não deseja adequar seu sexo, pois se sente feliz com ele e o utiliza para a busca de seus prazeres, ao reverso do transexual, que possui o intenso desejo de amoldar seu sexo biológico ao seu sexo psicológico, para, só assim, buscar prazer.  

1.2.2. Travesti.

O travestismo, por certo, é a forma de manifestação da sexualidade que mais se confunde com o transexualismo.

Tal afirmação consubstancia-se pela conduta do transexual, pois ao se identificar com o sexo oposto, traja-se conforme lhe é típico. Não há simples desejo do transexual masculino, por exemplo, em se vestir de mulher, pois ele se enxerga, se sente como mulher. É uma conduta natural e espontânea.

O transexual masculino, ao se vestir como mulher, não busca atender desejos e nem buscar alguma satisfação nesse comportamento. Apenas afigura-se, pura e simplesmente, ao sexo que acredita pertencer.

O travesti, diferentemente, tomado por impulsos eróticos, sente prazer em utilizar roupas características do sexo oposto sem, contudo, desejar pertencer a este sexo. O travesti masculino, por exemplo, não tem desejo em alterar seu sexo, pois é feliz e busca prazer com a sua genitália.

A conduta de se vestir como os indivíduos do sexo oposto é praticada unicamente para obter satisfação sexual.

Para destacar esta distinção, importante se valer das lições de Tereza Rodrigues Vieira que, ao se manifestar sobre o assunto, leciona que o travesti utiliza roupas do outro sexo utilizando-as para a obtenção de satisfação sexual. Já no caso do transexual afirma que este se veste com roupas que a sociedade atribui ao sexo oposto por força natural de sua condição psicológica.[7]

1.2.3. Bissexual.

O bissexual é aquele indivíduo que sente atração por pessoas do mesmo sexo e do sexo oposto. Seu objeto de desejo são homens e mulheres.

Bissexual é, portanto, o termo aplicado aos indivíduos que se sentem atraídos por ambos os sexos, servindo, assim, de um quase meio-termo entre o hetero e o homossexual.

O Dr. Isaac Mielnik, em seu dicionário de termos psiquiátricos, refere-se ao bissexual como “aquele indivíduo que possui como objeto erótico homens e mulheres; seu comportamento é voltado para ambos os sexos”.[8]

Difere do transexual, pois este só se satisfaz com o sexo oposto ao que psicologicamente se identifica. Não há dupla sexualidade. Se homem, deseja outro homem por se identificar como mulher. Se mulher, deseja outra mulher por se identificar como homem.

Em nenhum momento podemos perder de vista que a relação do transexual sempre se dá no plano da heterosexualidade e nunca da homossexualidade.  

1.2.4. Hermafroditismo.

Hermafrodita é a pessoa que possui órgãos sexuais dos dois sexos. É um fenômeno raro na natureza.

Difere totalmente do transexual, sendo que este em nenhum momento sofre essa anomalia física, tendo seu sexo biológico bem definido, apenas dissonante de seu sexo psicológico, ou seja, àquele a qual deseja pertencer.

Nesse panorama, Tereza Rodrigues Vieira diz que “o transexual é uma espécie de hermafrodita psíquico, uma vez que nasce com o sexo biológico masculino e com o sexo psicológico feminino (male to female)”.[9]

Feita as distinções entre as diversas formas de manifestação da sexualidade humana, passamos a dissertar sobre a intervenção cirúrgica para alteração de sexo.           

1.3. Cirurgia de transgenitalização ou redesignação sexual.

Não são poucos os métodos de reversão ou tratamento do transtorno de identidade de gênero no sentido de curar ou amenizar o sofrimento dos transexuais.

Por tratar-se de um distúrbio psíquico de identidade sexual, o recomendado seria “alterar a mente do transexual” através de psicoterapia ou psicanálise, fazendo com que este indivíduo viesse a se identificar com o seu sexo biológico, passando a ter uma vida saudável, sem todas as complicações inerentes ao seu, até então, desvio de identidade sexual.

No entanto, tal técnica tem se mostrado inútil, pois quando diante de um verdadeiro transexual, verifica-se a incurabilidade do transtorno.

Várias ciências já foram utilizadas na tentativa de tratar os transexuais, restando todas malsucedidas e inoperantes. São elas: sismoterapia[10], psicanálise intensiva[11], lobotomia[12], eletrochoque[13], etc.

Interessante frisar que referidos tratamentos são úteis para identificar os nãos transexuais que, por vezes, se acham nessa condição, pois como analisamos alhures, há várias outras formas de manifestação sexual, levando indivíduos à confusão, buscando ajuda profissional para encontrar-se quanto à sua real situação sexual.

Dessa forma, como dito, em que pesem os relevantes e avançados estudos no intuito de tratar o transexual, estes são incuráveis e inoperantes frente a um verdadeiro paciente que sofre de distúrbio de identidade de gênero. Diante dessa realidade fática, muitos indivíduos não encontram alternativas senão a cirurgia de transgenitalização, popularmente conhecida como cirurgia de adequação de sexo ou, simplesmente, mudança de sexo.

A cirurgia de redesignação sexual ou de transgenitalização consiste nos procedimentos cirúrgicos denominados neocolpovulvoplastia e neofaloplastia. Ela permite a mudança do aparelho sexual importando apenas em alterações estéticas e não genéticas.

A neocolpovulvoplastia é a mudança da genitália masculina para feminina. Consiste, basicamente, em duas etapas: na primeira, o pênis é amputado e são retirados os testículos do paciente e, em seguida, faz-se uma cavidade vaginal; a segunda etapa é marcada pela constituição plástica: com a pele do saco escrotal são formados os lábios vaginais.

Referido procedimento cirúrgico é autorizado pelo Conselho Federal de Medicina, podendo ser realizado em qualquer hospital, público ou privado, mesmo que não haja atividade de pesquisa.

A operação inversa, ou seja, a transformação do aparelho feminino em masculino denomina-se neofaloplastia. Esta intervenção é de altíssima periculosidade, notadamente por não oferecer ao paciente a funcionalidade do novo aparelho sexual, garantindo apenas a condição estética. Por essa razão, é limitada aos hospitais universitários ou hospitais públicos adequados cadastrados para a pesquisa.

O professor Francisco Oliosi da Silveira é técnico ao expor sobre ambas intervenções cirúrgicas. Primeiramente, para a realização da neocolpovulvoplastia, a mais fácil delas, segue-se o seguinte procedimento:

   “O primeiro estágio compreende a amputação do pênis, deixando a glande com seu feixe vásculo-nervoso. A glande necessariamente será preservada e colocada, anatomicamente, no local do clitóris. Dessa maneira, a sensibilidade não sofre alteração alguma, ensejando um resgate do orgasmo mais facilmente.

 A uretra é amputada, entretanto, deixando-se um segmento mais longo, de tal sorte que a mucosa fique redundante. Se ocorrer necrose ou infecção em pós-operatório imediato, sempre teremos tecido disponível para novo procedimento. Na eventualidade da uretra profusa, a mesma poderá, em um segundo tempo, ser novamente encurtada.

Uma incisão mediana e longitudinal é efetuada no escroto para a retirada dos testículos e funículo espermático. Todo o escroto, excetuando-se a camada vaginal, será usado para a construção da vagina.

No períneo, entre o ânus e a raiz do escroto, efetua-se uma incisão em cruz ou em "v", abortando-se o espaço imediatamente cranial ao reto e prosseguindo até a próstata. Este espaço virtual é dissecado, e através de dilatadores de Hegar, é criado um pertuito que será a nova vagina. A ablação pilosa escrotal é efetuada com eletrocautério. Nestas condições, o escroto é invertido e sepultado neste novo espaço, com sutura tão cranial quanto possível.

Um molde metálico ou siliconado é revestido com gaze e introduzido no orifício,de tal sorte a manter hemostasia e prevenir eventual colamento da cavidade. No pós-operatório, o paciente, sistematicamente, dilatará a neovagina com artefato siliconado, até sua estabilização”.[14]

Sobre a cirurgia de neofaloplastia, o mesmo autor explica:

"O paciente é levado a uma cirurgia de laparotomia, com anestesia geral e bloqueio pelidural, para a retirada do ovário, útero e anexos.

Após a sua total recuperação, em um período de tempo não menor a 30 dias, o paciente é submetido ao segundo tempo cirúrgico. Consiste na retirada da vagina, usando-se a parede anterior para a reconstrução da uretra. A mucosa vaginal tubularizada se adapta excepcionalmente bem, como uretra. A parede posterior da vagina é exteriorizada para fazer parte do escroto. Na hipótese de uma exagerada atrofia da mucosa vaginal o escroto é reconstituído com retalho do músculo Gracilis, tirado da face medial da coxa. O pênis é construído com enxerto de CHANG. O tecido é retirado do antebraço, juntamente com uma artéria radial, duplamente tubularizada, respectivamente para a uretra distal e para acolher futuramente a prótese peniana. Este procedimento, especificamente, requer técnica microcirúrgica. Para a construção do falo também pode ser usado retalho do abdome. Esta técnica não requer microcirurgia, entretanto o aspecto cosmético perde em qualidade para o enxerto de CHANG. O uso do retalho do músculo Gracilis, rotado da face interna da coxa, é reservado para a situação onde o paciente não dispõe de tecido adequado do abdome ou não deseja ficar com cicatriz ampla no antebraço.

O terceiro tempo cirúrgico somente é levado a efeito quando há uma cicatrização perfeita nos tempos anteriores. Demanda aproximada de três meses. Então, através de uma pequena incisão na base do neopênis, é introduzido um tubo siliconado, cujo eixo é composto de uma liga de prata maleável. Esta estrutura denominada prótese é fixada no osso do púbis, através de um procedimento estético denominado Dracon. A fixação estabiliza o artefato evitando a extrução futura. A prótese peniana possui rigidez suficiente para o coito e pode, confortavelmente, ser dobrada para baixo, quando não há interesse em atividade sexual.

No mesmo tempo cirúrgico, são introduzidos um novo escroto, duas estruturas ovóides, com 20 centímetros cúbicos, com silicone gel no seu interior, simulando testículos.

O paciente, nestas condições, está autorizado à atividade sexual, somente 90 dias após o implante das próteses peniana e testicular. Após aproximadamente um ano, a sensibilidade se estabelece em pelo menos 2/3 do falo”.[15]

Em linhas gerais, a cirurgia de transgenitalização é a adequação do sexo biológico ao sexo psicológico do transexual, ou seja, a alteração de seu órgão genital para a genitália do sexo oposto.

Muitos questionam este tipo de intervenção médica, tendo em vista a sua agressividade e irreparabilidade, sendo considerada lesão gravíssima à luz do Direito Penal, havendo subsunção ao que dispõe o art. 129, §2°, inciso III de nosso Código Penal[16], sendo, em tese, punida com pena de reclusão de dois a oito anos.

Nesse sentido, em rápidas palavras, vale lembrar o caso do primeiro médico a realizar a cirurgia de redesignação sexual no Brasil, o Doutor Roberto Farina[17]. Após a intervenção cirúrgica, Farina sofreu processo judicial[18], sob a alegação de ter cometido lesão corporal na paciente transexual submetida à cirurgia. Ao final, acabou sendo absolvido[19], pois a justiça concluiu que a intervenção cirúrgica fora realizada como único remédio para aplacar o sofrimento da transexual operada, não havendo, portanto, dolo[20].

Tais considerações, em que pesem despertem calorosos debates jurídicos, já se encontram ultrapassadas. Isto porque, a intervenção cirúrgica nos casos de cirurgia de redesignação de sexo realizada pelo médico é considerada, pela grande maioria da doutrina e jurisprudência atual, uma excludente de ilicitude, nos termos do art. 23, inciso III, do supracitado código[21].  Trata-se de exercício regular de direito[22].

A grande maioria pode se perguntar: A lei prescreve quais as cirurgias fazem parte do exercício regular de direito e quais o extrapolam? Na verdade, a lei não informa qual é esta ou aquela cirurgia amparada pela mencionada excludente de ilicitude. Cabe ao órgão responsável determinar quais são as cirurgias e procedimentos que podem ou não ser adotados, seguindo os protocolos, sob pena de cometer ilícitos na esfera penal, civil e administrativa. Este órgão é o Conselho Federal de Medicina.

Em 10 de setembro de 1997, o Conselho Federal de Medicina publicou a Resolução 1.482/1997, a qual autorizou, a título experimental, a realização das já abordadas cirurgias de transgenitalização do tipo neocolpovulvoplastia, neofaloplastia e ou procedimentos complementares sobre gônadas e caracteres sexuais secundários como tratamento dos casos de transexualidade. Vejamos:

“[O CFM] resolve:

1. Autorizar, a título experimental, a realização de cirurgia de transgenitalização do tipo neocolpovulvoplastia, neofaloplastia e ou procedimentos complementares sobre gônadas e caracteres sexuais secundários como tratamento dos casos de transexualismo;

2. A definição de transexualismo obedecerá, no mínimo, aos critérios abaixo enumerados:  - desconforto com o sexo anatômico natural;

 - desejo expresso de eliminar os genitais, perder as características primárias e secundárias do próprio sexo e ganhar as do sexo oposto;

 - permanência desse distúrbio de forma contínua e consistente por, no mínimo, dois anos;

 - ausência de outros transtornos mentais.

3. A seleção dos pacientes para cirurgia de transgenitalismo obedecerá a avaliação de equipe multidisciplinar constituída por médico-psiquiatra, cirurgião, psicólogo e assistente social, obedecendo aos critérios abaixo definidos, após dois anos de acompanhamento conjunto:

- diagnóstico médico de transexualismo;

- maior de 21 anos;

- ausência de características físicas inapropriadas para a cirurgia;

4. As cirurgias só poderão ser praticadas em hospitais universitários ou hospitais públicos adequados à pesquisa.

5. Consentimento livre e esclarecido (...)” (grifei)

Interessante esclarecer que cirurgia em caráter experimental é aquela que leva em conta elementos éticos e elementos técnicos. Do ponto de vista ético é necessário estar satisfeito de que o bem do paciente está sendo posto em primeiro lugar. Do ponto de vista técnico é necessário que o procedimento seja capaz de gerar o resultado desejado e que ele não cause mal maior do que o problema que pretende resolver, ou seja, que no balanço das probabilidades ele será benéfico ao paciente.

Passados cinco anos, o Conselho Federal de Medicina, com base nos resultados das cirurgias experimentais, aprovou a Resolução 1.652/2002, revogando a Resolução 1.482/1997, estabelecendo que a cirurgia de transgenitalização do tipo neocolpovulvoplastia já poderia ser realizada em caráter não experimental e sob as seguintes condições:

“[O CFM] revolve:

Art. 1º Autorizar a cirurgia de transgenitalização do tipo neocolpovulvoplastia e/ou procedimentos complementares sobre gônadas e caracteres sexuais secundários como tratamento dos casos de transexualismo.

Art. 2º Autorizar, ainda a título experimental, a realização de cirurgia do tipo neofaloplastia e/ou procedimentos complementares sobre gônadas e caracteres sexuais secundários como tratamento dos casos de transexualismo.

Art. 3º Que a definição de transexualismo obedecerá, no mínimo, aos critérios abaixo enumerados:

1.Desconforto com o sexo anatômico natural;

2.Desejo expresso de eliminar os genitais, perder as características primárias e secundárias do próprio sexo e ganhar as do sexo oposto;

3.Permanência desses distúrbios de forma contínua e consistente por, no mínimo, dois anos;

4.Ausência de outros transtornos mentais.

Art. 4º Que a seleção dos pacientes para cirurgia de transgenitalismo obedecerá a avaliação de equipe multidisciplinar constituída por médico psiquiatra, cirurgião, endocrinologista, psicólogo e assistente social, obedecendo os critérios abaixo definidos, após, no mínimo, dois anos de acompanhamento conjunto:

1.Diagnóstico médico de transgenitalismo;

2.Maior de 21 (vinte e um) anos;

3.Ausência de características físicas inapropriadas para a cirurgia.

Art. 5º Que as cirurgias para adequação do fenótipo feminino para masculino só poderão ser praticadas em hospitais universitários ou hospitais públicos adequados para a pesquisa.

Art. 6º Que as cirurgias para adequação do fenótipo masculino para feminino poderão ser praticadas em hospitais públicos ou privados, independente da atividade de pesquisa.

Parágrafo 1º - O Corpo Clínico destes hospitais, registrado no Conselho Regional de Medicina, deve ter em sua constituição os profissionais previstos na equipe citada no artigo 4º, aos quais caberá o diagnóstico e a indicação terapêutica.

Parágrafo 2º - As equipes devem ser previstas no regimento interno dos hospitais, inclusive contando com chefe, obedecendo os critérios regimentais para a ocupação do cargo.

Parágrafo 3º - A qualquer ocasião, a falta de um dos membros da equipe ensejará a paralisação de permissão para a execução dos tratamentos.

Parágrafo 4º - Os hospitais deverão ter Comissão Ética constituída e funcionando dentro do previsto na legislação pertinente.

Art. 7º Deve ser praticado o consentimento livre e esclarecido (...)”. (grifei)

Recentemente, foi editada a atual Resolução 1.955/2010, revogando a Resolução 1.652/2002, autorizando o tratamento e a intervenção cirúrgica não apenas nos estabelecimentos outrora determinados, mas também em estabelecimentos que observem os requisitos e condições impostas pela resolução. Vejamos:

“Art. 1º Autorizar a cirurgia de transgenitalização do tipo neocolpovulvoplastia e/ou procedimentos complementares sobre gônadas e caracteres sexuais secundários como tratamento dos casos de transexualismo.

Art. 2º Autorizar, ainda a título experimental, a realização de cirurgia do tipo neofaloplastia.

Art. 3º Que a definição de transexualismo obedecerá, no mínimo, aos critérios abaixo enumerados:

1) Desconforto com o sexo anatômico natural;

2) Desejo expresso de eliminar os genitais, perder as características primárias e secundárias do próprio sexo e ganhar as do sexo oposto;

3) Permanência desses distúrbios de forma contínua e consistente por, no mínimo, dois anos;

4) Ausência de outros transtornos mentais.

Art. 4º Que a seleção dos pacientes para cirurgia de transgenitalismo obedecerá a avaliação de equipe multidisciplinar constituída por médico psiquiatra, cirurgião, endocrinologista, psicólogo e assistente social, obedecendo os critérios a seguir definidos, após, no mínimo, dois anos de acompanhamento conjunto:

1) Diagnóstico médico de transgenitalismo;

2) Maior de 21 (vinte e um) anos;

3) Ausência de características físicas inapropriadas para a cirurgia.

Art. 5º O tratamento do transgenitalismo deve ser realizado apenas em estabelecimentos que contemplem integralmente os pré-requisitos estabelecidos nesta resolução, bem como a equipe multidisciplinar estabelecida no artigo 4º.

§ 1º  O corpo clínico destes hospitais, devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina, deve ter em sua constituição os profissionais previstos na equipe citada no artigo 4º, aos quais caberá o diagnóstico e a indicação terapêutica.

§ 2º As equipes devem ser previstas no regimento interno dos hospitais, inclusive contando com chefe, obedecendo aos critérios regimentais para a ocupação do cargo.

§ 3º Em qualquer ocasião, a falta de um dos membros da equipe ensejará a paralisação de permissão para a execução dos tratamentos.

§ 4º Os hospitais deverão ter comissão ética constituída e funcionando dentro do previsto na legislação pertinente.

Art. 6º Deve ser praticado o consentimento livre e esclarecido. (...)” (grifei)

Conforme o exposto, podemos concluir que a cirurgia de transgenitalização não constitui crime de mutilação previsto no artigo 129 do Código Penal Brasileiro, haja vista que tem o propósito terapêutico específico de adequar a genitália ao sexo psíquico.

Como sua função é terapêutica, minorando a dor do transexual, bem como objetivando a melhora de sua saúde, não há razão para proibi-la. Em reforço a esta afirmação, interessante é o teor do art. 13[23] do Código Civil que se harmoniza com a situação do transexual.

Podemos confirmar também que é hipótese excepcional de mediação médica, devendo seguir requisitos rigorosos para a efetiva intervenção cirúrgica.

Atualmente, existem muitos pedidos de autorização junto ao Poder Judiciário para a realização da cirurgia de redesignação sexual, com pedidos cumulados de alteração de prenome e gênero, do qual nos ocuparemos mais adiante. Diante destes pedidos, podemos nos indagar: Atualmente, é necessária a autorização judicial para se submeter a transgenitalização?  

Como analisamos, o Conselho Federal de Medicina, através de suas Resoluções, autoriza a mediação médica para a alteração de sexo, desde que o indivíduo passe pelos rigorosos requisitos que serão atestados através de laudo médico elaborado por uma equipe de profissionais.

Portanto, concluímos que é prescindível o pedido de autorização judicial para a realização da cirurgia de transgenitalização, devendo o paciente que sofre de disforia de gênero se submeter às condições impostas pelo Conselho Federal de Medicina e, uma vez provado o transtorno por médicos especialistas, poderá ser operado.


2. DIREITO DA PERSONALIDADE: NOME CIVIL.

2.1. Breve consideração.                                                                                      

Desde os primórdios o homem sempre sentiu a necessidade de viver em sociedade, pois além de ser um sentimento natural é, também, uma maneira de aprimorar seus resultados no trabalho e na produção, utilizando-se da técnica e conhecimento dos demais indivíduos, cada qual com as suas qualidades e especialidades, para alcançar seus ideais.

Ao conviver com os demais indivíduos nascem as relações jurídicas, negociais e familiares. Dessa forma, é essencial que haja a individualização de cada um no seio da sociedade, identificando-os como titulares de direitos e deveres.

Os mais importantes caracteres individualizadores da pessoa natural são: o nome civil, designação que os diferencia dos demais; o estado, que é sua posição na família e sociedade; e o domicilio, local onde exerce suas atividades jurídicas. Trata-se de direitos fundamentais assegurados a todo cidadão. São direitos da personalidade. São imprescritíveis, inalienáveis, irrenunciáveis e imutáveis. 

Dentre os direitos inerentes à personalidade do ser humano e que merece análise exclusiva em virtude do presente trabalho está o nome civil.

Não obstante a Constituição Federal ter esculpido em seu texto os princípios que asseguram a todos os indivíduos o direito a uma identificação, talvez pela sua exposição genérica, o legislador pátrio dedicou-se a editar um capítulo próprio no Código Civil de 2002 para tratar de modo mais específico sobre os direitos de personalidade.

Em seu artigo 16, o referido Estatuto Civil dispõe que “Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome”[24].

Dessa forma, é inegável afirmar que o direito ao nome é um dos principais direitos pertencentes à categoria dos direitos da personalidade.

Ao nascermos, foi-nos atribuído um nome que não tivemos a chance de escolher ou opinar e, quando notamos isso, já nos parece tarde para modificá-lo, visto que o mesmo já se tornou parte da nossa vida, individualizando-nos perante toda a sociedade.

Sobre o assunto, bem observa Patrícia Corrêa Sanches:

“O nome é um dos elementos de identificação civil após sermos considerados, pelo nascimento com vida, como pessoas e, portanto, com personalidade jurídica – cuja atribuição é a capacidade de termos direitos e contrairmos obrigações. E é justamente através da atribuição nominativa que passamos a ter representividade individual no meio social em que vivemos. Assim, evidencia-se que o nome é um dos direitos da personalidade, e o Código Civil bem o dispõe em seu art. 16”.[25]

 Nesse sentido, podemos dizer que o nome é uma forma de individualização do ser humano na sociedade, sendo um dos meios pelo qual se firma e se distingue dos demais indivíduos.

O ser humano desprovido de nome não passa de uma realidade fática. Com o nome, o indivíduo se insere no mundo jurídico, sendo sujeito de obrigações e direitos, podendo ser individualizado, não apenas em vida, mas também após a morte.

O nome é reflexo à própria pessoa que o possui, capaz de confundirem-se. Isto porque, as pessoas ao dizerem quem são, o fazem dizendo seu nome.

2.2. Conceito.           

 Nas palavras do doutrinador Carlos Roberto Gonçalves “nome é a designação ou sinal exterior pelo qual a pessoa identifica-se no seio da família e da sociedade”.[26]

Consoante a lição de Tereza Rodrigues Vieira, “serve o nome para designar qualquer objeto ou entidade; porém, adquire especial importância, no que concerne à identificação de cada indivíduo, constituindo uma marca exterior”.[27]

Verifica-se, portanto, que nome é de tal importância que não se pode conceber, na vida social, um ser humano sem atribuição de nome. Aliás, a Lei 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos) preceitua que as pessoas devem ser identificadas na sociedade pelo nome. Trata-se de interesse público imposto pelo próprio Estado.

Sua necessidade é de ordem pública, impedindo que uma pessoa se confunda com outra, bem como facilita a aplicação da lei, o exercício de direitos e o adimplemento das obrigações.

Nesse sentido, Maria Helena Diniz pontua que “o nome integra a personalidade por ser sinal exterior pelo qual se designa, se individualiza e se reconhece a pessoa no seio da sociedade; daí ser inalienável, imprescritível e protegido juridicamente”.[28]

Assim, é vital a sua necessidade para o convívio em sociedade, individualizando o indivíduo perante os seus pares, possibilitando sua relação jurídica com os mesmos.

2.3. Natureza jurídica.

Há muitas discussões acerca da real natureza jurídica do nome, dando margem a diversas opiniões[29].

No entanto, em diversos sistemas jurídicos nos mais diferentes países, a natureza jurídica do nome mais aceita é a que o considera um direito da personalidade, ao lado de outros, como o direito à vida.

O nome é atributo da personalidade, equiparando-se a fisionomia, a saúde, a honra, e todas as particularidades físicas e morais necessárias à existência do indivíduo no meio onde ele se encontra.

Nesse sentido, podemos considerar o nome civil como um dos direitos inerentes à personalidade, com fundamento no princípio da dignidade humana, esculpido no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal.

Para sacramentar a natureza jurídica do nome como um direito da personalidade, afastando qualquer outra teoria que exorte de forma contrária, o Código Civil, como dito alhures, dedicou capítulo próprio dispondo dos direitos da personalidade, estando entre eles o nome civil.

Em suma, trata-se de um direito reconhecido pelo costume, pela doutrina, pela jurisprudência e também pela lei.           

2.4. Características do nome. 

Em síntese, o nome completo de uma pessoa é formado pelo prenome e o sobrenome.

O prenome, conhecido popularmente como nome de batismo ou primeiro nome, é o nome próprio de cada pessoa, e serve para distingui-la perante os membros da família e, por conseguinte, na sociedade.

Os prenomes podem ser simples ou compostos (José Roberto, Jorge Henrique, p.ex.). Este último pode ser duplo, triplo ou até mesmo quádruplo, não devendo necessariamente ser limitado a dois prenomes.

Já o sobrenome, é mais conhecido como nome de família. Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves:

“sobrenome é sinal que identifica a procedência da pessoa, indicando a sua filiação ou estirpe. Enquanto o nome é a designação do indivíduo, o sobrenome é o característico de sua família, transmissível por sucessão”[30].

Completa Roberto Senise Lisboa que “sobrenome ou nome de família é o nome que seque o nome próprio ou prenome, adquirido pelo simples fato do nascimento”.[31]

O prenome pode ser escolhido livremente, desde que não exponha o portador ao ridículo, situação em que os oficiais do Registro Público poderão recusar o registro com fundamento no art. 55, parágrafo único, da Lei nº 6.015/1973[32].

Em relação ao sobrenome, o supracitado dispositivo legal não se aplica, tendo em vista a sua imutabilidade, sendo adquirido no momento do nascimento. A respeito do assunto, Maria Helena Diniz é categórica ao dizer que “o sobrenome é o sinal que identifica a procedência da pessoa, indicando sua filiação ou estirpe, sendo, por isso, imutável, podendo advir do apelido de família paterno, materno ou de ambos”.[33]

No decorrer deste trabalho verificaremos vários doutrinadores e julgados mencionando em seus escritos ou julgados as frases “alteração do nome”, “averbação ou retificação do nome”, “mudança do nome e gênero do transexual”, etc.

Como vimos, o nome é formado pelo prenome e o sobrenome, sendo este último imutável.

Portanto, primando pela melhor técnica, quando mencionarmos as frases acima exemplificadas e outras colocações, utilizaremos a expressão prenome em substituição da palavra nome.  


3. PRINCÍPIOS.

Conceito e sua distinção de normas e regras.

Não é tarefa fácil se aventurar na busca de um conceito para a expressão “princípios”.

Primordialmente, é imprescindível esclarecer que se trata de um termo cuja interpretação pode ser dada de várias maneiras, não havendo um sentido exato ou mais completo. Logo, estamos diante de um termo plurívoco, eis que este apresenta mais de um valor e sentido.

No conceituado dicionário Aurélio podemos extrair a seguinte definição: “Preceito, regra. Proposições diretoras duma arte, duma ciência”[34]. Já no conhecido dicionário eletrônico Priberam, dentre os vários resultados encontrados na busca pelo termo em comento, retiramos os que trazem conotação jurídica, são eles: “Aquilo que regula o comportamento ou a acção de alguém; preceito moral. Frase ou raciocínio que é a base de uma arte, de uma ciência ou de uma teoria”.[35]

Não obstante a amplitude do significado de “princípios”, verificamos que mesmo em apertada síntese os dicionaristas já nos guiam para que possamos compreender o significado do referido verbete. Contudo, não é o suficiente para que possamos discorrer sobre o presente trabalho, sendo pertinente maiores considerações e um mínimo de aprofundamento, razão pela qual recorremos a ilustres doutrinadores.

Luiz Alberto David Araújo sustenta que princípios “significam os pontos básicos, que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio Direito. Indicam o alicerce do Direito”[36]. O mesmo autor acrescenta dizendo que os ‘princípios’ revelam o conjunto de regras ou preceitos, que se fixaram para servir de norma a toda espécie de ação jurídica, traçando, assim, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica.

Nesse mesmo sentido, os constitucionalistas Celso Antônio Bandeira de Mello[37] e José Afonso da Silva[38], de modo singelo e preciso, definem princípio como “mandamento nuclear de um sistema”.

Trilhando pela mesma vereda, Carlos Ari Sundfeld esclarece que “O cientista, para conhecer o sistema jurídico, precisa identificar quais os princípios que o ordenam. Sem isso, jamais poderá trabalhar com o direito”.[39]

Luís Roberto Barroso é categórico e didático ao dizer que:

“o vocábulo ‘princípio’ identifica as normas que expressam decisões políticas fundamentais – República, Estado democrático de direito, Federação -, valores a serem observados em razão de sua dimensão ética – dignidade da pessoa humana, segurança jurídica, razoabilidade – ou fins públicos a serem realizados -, desenvolvimento nacional, erradicação da pobreza, busca do pleno emprego”.

Ainda o mesmo autor:

“(...) princípios normalmente apontam para estados ideais a serem buscados, sem que o relato da norma descreva de maneira objetiva a conduta a ser seguida. Há muitas formas de respeitar ou fomentar o respeito à dignidade da pessoa humana, de exercer com razoabilidade o poder discricionário ou de promover o direito à saúde. Aliás, é nota de singularidade dos princípios a indeterminação de sentido a partir de certo ponto, assim como a existência de diferentes meios para sua realização”.[40]

Em conceito mais específico, os constitucionalistas Gomes Canotilho e Vital Moreira assim se posicionam a respeito de princípios: “núcleos de condensações nos quais confluem valores e bens constitucionais”.[41]

Com base nesses conceitos e características, concluímos que os princípios têm caráter fundamental no sistema jurídico e são imprescindíveis para o ordenamento, devido à sua posição hierárquica e seu nível de alcance, ou porque determinam a própria estrutura do sistema jurídico, sendo que essa ideia é condição “sine qua non” para análise da integração social do transexual.

 Feitas essas considerações, é pertinente, para uma melhor compreensão do leitor e desenvolvimento deste trabalho, apresentar, em apertada síntese, as diferenças entre princípios, normas e regras, evitando colocações desordenadas e equivocadas.

Pois bem, avançando diretamente para a teoria mais usual proposta pelo ilustre professor José Joaquim Gomes Canotilho, vislumbra-se que o constitucionalista português defende que um sistema jurídico de um Estado Democrático de Direito deve ser formado por normas, nelas compreendidos os princípios e as regras. Em outras palavras, os princípios e as regras seriam espécies do gênero norma.

 Em capítulo próprio sobre esta questão, Canotilho, em sua obra Direito Constitucional e Teoria da Constituição, assevera sua posição:

“A teoria da metodologia jurídica tradicional distinguia entre normas e princípios (Norm-Prinzip, Principles-rules, Norm und Grundsatz). Abandonar-se-á aqui essa distinção para, em sua substituição, se sugerir: (1) Regras e princípios são duas espécies de normas; (2) a distinção entre regras e princípios é uma distinção entre duas espécies de normas”.[42] 

Vale dizer que a teoria indicada pelo renomado doutrinador é seguida por vários outros, tais como Jorge Miranda[43], José Afonso da Silva[44], Celso Ribeiro Bastos[45] etc.

Posto isso, seguindo as lições de Canotilho, temos que norma é termo abrangente que engloba os princípios e as regras, sendo estas duas últimas espécies distintas.

A tarefa de distinguir princípios de regras é complexa, sendo que grandes estudiosos já se debruçaram sobre o assunto, criando inúmeros critérios diferenciadores. No entanto, valemos-nos dos critérios sugeridos na obra de Canotilho, ipsis ilitteris:

“a) Grau de abstração: os princípios são normas com um grau de abstração relativamente elevado; de modo diverso, as regras possuem uma abstracção relativamente reduzida. b) Grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto: os princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadas (do legislador do juiz), enquanto as regras são susceptíveis de aplicação directa. c) Carácter de fundamentalidade no sistema das fontes de direito: os princípios são normas de natureza ou com papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex.: princípios constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex.: princípio do Estado de Direito). d) Proximidade da ideia de direito: os princípios são stantards juridicamente vinculantes radicados nas exigências de justiça (Dworkin) ou na ideia de direito (Larenz); as regras podem ser normas vinculativas com um conteúdo meramente funcional. e) Natureza normogenética: os princípios são fundamento de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenética fundamentante”. (grifei)       

O mesmo autor continua:

“(...) os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fácticos e jurídicos; as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência que é ou não cumprida; a convivência dos princípios é conflitual, a convivência de regras é antinómica; os princípios coexistem, as regras antinómicas se excluem”.[46]

Não obstante a distinção entre princípios e regras seja complexa, requerendo trabalho árduo e delongado, o professor Canotilho a faz com maestria, acentuando a dicotomia entre estas espécies de normas, facilitando a identificação de cada qual individualmente.

Diante do acima alinhavado, para melhor situar o leitor neste trabalho, passaremos a citar princípios e regras como espécies de normas jurídicas, filiando-nos às lições do supracitado constitucionalista europeu.

Princípios Constitucionais.

Toda Constituição, como se sabe, é fruto do poder constituinte originário. As demais alterações são oriundas da manifestação do poder constituinte derivado[47].

Pode-se dizer que a cada nova constituição instaura-se uma nova ordem jurídica. O Estado continua sendo o mesmo em termos geográficos. Não o é, porém, juridicamente.

Nesse sentido, quando se elabora uma Constituição, leva-se em consideração valores jurídicos fundamentais dominantes na sociedade. Estes valores, quando da elaboração de uma Carta Política, são diretamente projetados nos princípios constitucionais.

Estes princípios são pilares e diretrizes a serem seguidas pelo legislador infraconstitucional, garantindo a proteção de direitos básicos e fundamentais dos cidadãos, de modo não apenas buscar a pacificação social, mas sim possibilitar a felicidade destes na vida em conjunto.

Os princípios constitucionais se constituem no fundamento de todo o sistema jurídico constitucional, não somente servindo de meio estruturante e organizador da Constituição, mas se organizando em normas constitucionais de eficácia vinculante para a proteção e garantia dos direitos fundamentais.

Nesse diapasão, Cármem Lúcia Antunes Rocha, abordando a questão dos valores sociais abrangidos pelos princípios constitucionais, faz a seguinte colocação:   “Os valores superiores havidos na sociedade são postos como raiz meta do sistema constitucional, encarnando-se nos princípios abrigados na Constituição e dotados de normatividade jurídica e eficácia plena”.

Adiante, a autora acrescenta:

“Os princípios constitucionais são, assim, o cerne da Constituição, onde reside a sua identidade, a sua alma. A ordem constitucional forma-se, informa-se e conforma-se pelos princípios adotados. São eles que mantêm a sua dimensão sistêmica, dando-lhe fecundidade e permitindo a sua atualização permanente”.[48]

No mesmo sentido é a lição do autor Luís Roberto Barroso: “os princípios constitucionais são, precisamente, a síntese dos valores principais da ordem jurídica”[49].

Dessa forma, é coerente a conclusão no sentido de que os princípios constitucionais irradiam-se por todo o ordenamento, influenciando a interpretação e aplicação das normas jurídicas em geral e permitindo a compreensão moral do Direito.

O caractere da generalidade[50] ou não determinabilidade dos princípios constitucionais traz exatamente a ideia de que eles não regulam miudezas ou pontuam casos específicos, mas sim são norteadores para aplicação e desenvolvimento da hermenêutica do direito positivo. 

Não há como conceber um sistema formado apenas por regras jurídicas, pois, em que pese em um primeiro momento possam trazer segurança jurídica, devido a sua especificidade, de outro lado, o sistema estaria sempre em descompasso com a evolução social, não havendo margem às interpretações extensivas ou restritivas das regras que norteiam determinado caso concreto.

Ao reverso, os princípios, por serem abstratos, permitem que a Constituição cumpra seu papel fundamental, não amarrando a sociedade à modelos regradores inflexíveis ou definidos. Assim, podemos afirmar que um sistema jurídico completo é aquele formado por princípios e regras.

O direito deve acompanhar a evolução social, normatizando de modo diferente ou em intensidade diversa situações que não são mais tão importantes para os indivíduos. Os princípios cumprem exatamente esse papel, não sendo necessária a mudança constante do direito positivo, sendo imprescindível, apenas, um esforço do intérprete, no qual, através desta atividade, revelará o significado, conteúdo e alcance de uma norma, tendo por finalidade fazê-la incidir em um caso concreto. 

Precocemente estabelecendo um estreito liame entre este tópico e o tema desta monografia, podemos verificar que na vigente Constituição Federal da República Federativa do Brasil, estão presentes vários princípios que garantem o respeito ao transexual, tais como o da dignidade da pessoa humana, igualdade e outros princípios implícitos, como, por exemplo, o da felicidade.

Não há diplomas legais que regrem a situação desses indivíduos, de modo que suas conquistas e o atendimento de seus anseios têm advindo dos tribunais. Enquanto o poder legislativo mantém-se estático a respeito de questões complexas e desprovidas de regramento, o poder judiciário tem-se movimentado, preenchendo, através da jurisprudência as lacunas existentes no sistema jurídico.

Entrementes, é visível que o atual ordenamento jurídico é norteado por outros princípios que acabam por conflitar com o desejo dos indivíduos que sofrem de transtorno de identidade de gênero.

A partir daí, é necessário discorrer em apertada síntese sobre essa colisão de princípios, de modo a tentar harmonizá-los para a melhor aplicação do direito, buscando, acima de tudo, a felicidade do transexual e a tolerância social.

3.3. A colisão de princípios e sua coexistência.

A maioria dos doutrinadores mencionados acima sustenta que um sistema jurídico completo é aquele formado por regras e princípios. Essa dualidade é de extrema importância[51].

Um sistema norteado apenas por regras engessaria a evolução social, não cabendo aos intérpretes a possibilidade de valorar preceitos determinantes e de pronta aplicação aos casos concretos. As prescrições se dariam por simples subsunção, ou seja, o fato que se enquadra em determinada regra por ela deve ser disciplinado. 

Nesse sentido, Luiz Alberto David Araújo pontua:

“A Constituição deve ser compreendida como um sistema aberto de regras e princípios. Não é possível conceber um sistema jurídico formado apenas por regras, pois este, embora pudesse ser considerado um ‘sistema de segurança’, não permitiria a sua própria complementação e o seu desenvolvimento”.[52]

Por outro lado, um sistema formado só por princípios causaria insegurança jurídica, pois devido às suas características de generalidade e abstração, haveria diversas interpretações, possibilitando ao intérprete, em casos similares, diversas soluções. Esse não seria o modelo ideal.

A esta situação, o mesmo autor adverte: “Da mesma forma, um sistema exclusivamente constituído por princípios seria inaceitável, por conduzir à indeterminação e incerteza, devido à inexistência de regras precisas.”

José Joaquim Gomes Canotilho, com a autoridade que já lhe é típica, discorre sobre o assunto:

“Um modelo ou sistema constituído exclusivamente por regras conduzir-nos-ia a um sistema jurídico de limitada racionalidade prática. Exigiria uma disciplina legislativa exaustiva e completa – legalismo – do mundo e da vida, fixando, em termos definitivos, as premissas e resultados das regras jurídicas. Conseguir-se-ia um sistema de segurança, mas não haveria qualquer espaço livre para a complementação e desenvolvimento de um sistema, como o constitucional, que é necessariamente um sistema aberto. Por outro lado, um legalismo estrito de regras não permitiria a introdução dos conflitos, das concordâncias, do balanceamento de valores e interesses, de uma sociedade pluralista e aberta. (...) O modelo ou sistema baseado exclusivamente em princípios levar-nos-ia a consequências também inaceitáveis. A indeterminação, a inexistência de regras precisas, a coexistência de princípios conflituantes, a dependência do possível fáctico e jurídico, só poderiam conduzir a um sistema falho de segurança jurídica e tendencialmente incapaz de reduzir a complexidade do próprio sistema.[53]”    

Não se afastando do tema deste tópico, devemos saber que o ordenamento jurídico não tolera antinomias ou contradições. Em se tratando de regras, sempre que a sua previsão se verificar em dada situação, valerá para esse evento exclusivamente a sua conseqüência jurídica, afastando-se qualquer outra regra que dispuser de modo contrário, pois no sistema não podem coexistir normas incompatíveis.

A título de conhecimento, para os conflitos entre regras foram elaborados pelo legislador e pela doutrina critérios de solução que, na maioria das vezes, são eficazes. São eles: cronológico, hierárquico e da especialidade[54]. Não nos convém aqui discorrer sobre qualquer um deles, pois, ao que nos parece, são óbvios os seus conceitos.

Em relação aos princípios, o mesmo discurso não se aplica.

É certo que em uma ordem jurídica pluralista em que vivemos a Constituição Federal carregue consigo princípios que apontem em diversas direções, gerando tensões e eventuais colisões entre eles.

Essas tensões existentes entre as normas é conseqüência da própria carga valorativa inserta na Constituição, que, desde sua origem, incorpora, em uma sociedade pluralista, os interesses das diversas classes componentes do poder constituinte originário. Esses interesses, como não poderia deixar de ser, em diversos momentos não se harmonizam entre si em virtude de representarem a vontade política de classes sociais antagônicas.

Sobre conflito de princípios, Canotilho exorta que:

“O fato de a constituição constituir um sistema aberto de princípios insinua já que podem existir fenômenos de tensão entre os vários princípios estruturantes ou entre os restantes princípios constitucionais gerais e especiais. Considerar a constituição como uma ordem ou sistema de ordenação totalmente fechado e harmonizante significaria esquecer, desde logo, que ela é, muitas vezes, o resultado de um compromisso entre vários actores sociais, transportadores de ideias, aspirações e interesses substancialmente diferenciados e até antagônicos ou contraditórios. O consenso fundamental quanto a princípios e normas positivo-constitucionalmente plasmados não pode apagar, como é óbvio, o pluralismo e antagonismo de ideias subjacentes ao pacto fundador.

Como vários princípios constitucionais têm o mesmo valor jurídico, o mesmo status hierárquico, a prevalência de um sobre o outro não pode ser analisada em abstrato. Somente diante do caso concreto será possível atribuir maior força ou importância a um do que a outro. Haveria nesse caso um critério de ponderação.

Nessa esteira, continua Canotilho:

(...) os princípios não obedecem, em caso de conflito, a uma ‘lógica do tudo ou nada’, antes podem ser objeto de ponderação e concordância prática, consoante o seu peso e as circunstâncias do caso”[55].

Verifica-se que a colisão entre princípios constitucionais não se resolve no campo da validade, mas no campo do valor.

Se uma determinada situação é proibida por um princípio, mas permitida por outro, não há que se falar em nulidade de um princípio pela aplicação do outro. No caso concreto, determinado princípio terá maior relevância que o outro, havendo, portanto, um critério de preponderância.

Não se pode aceitar que um princípio reconhecido pelo ordenamento constitucional possa ser declarado inválido, por que não aplicável a uma situação específica. Ele apenas recua frente ao maior peso, naquele determinado caso, de outro princípio também reconhecido pela Constituição.

A solução do conflito entre regras, em síntese, dá-se no plano da validade, enquanto a colisão de princípios constitucionais no âmbito do valor.

Na resolução da colisão entre princípios constitucionais devem-se levar em consideração as circunstâncias que cercam o caso concreto, para que, pesados os aspectos específicos da situação, prepondere o preceito mais adequado. A tensão se resolve mediante uma ponderação de interesses opostos, determinando qual destes interesses, abstratamente, possui maior peso no caso concreto.

A tensão entre princípios constitucionais, como visto, não é eliminada pela invalidação de um deles, nem, tampouco, pela introdução de uma cláusula de exceção em um dos princípios, de modo a limitar sua aplicação em casos futuros.

Não existem relações absolutas de precedência de um princípio sobre o outro, pois sempre serão imprescindíveis as circunstâncias do caso concreto.

Não existe um princípio que, invariavelmente, prepondere sobre os demais, sem que devam ser levadas em consideração as situações específicas do caso. Em última análise, inexistem princípios constitucionais absolutos que, em colisão com outros princípios, precederão independentemente da situação posta.

A existência de princípios absolutos, capazes de preceder sobre os demais em quaisquer condições de colisão, não se mostra consoante o próprio conceito de princípios jurídicos.

No entanto, não se pode negar, por outro lado, a existência de mandamentos de otimização relativamente fortes, capazes de preceder aos outros em praticamente todas as situações de colisão. Pode-se citar, como exemplo, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana[56].

É com base neste princípio que o transexual tem buscado a realização de seus desejos, qual seja, a alteração de sexo e a adequação de seu novo prenome e gênero nos registros civis.

São inúmeros os julgados que atendem pedidos dos transexuais para alteração de prenome após a cirurgia de transgenitalização. A grande maioria desses julgados toma por base o princípio da dignidade humana, mesmo que este princípio esteja em rota de colisão com outros princípios.

Como já pudemos verificar no presente trabalho, o transexual busca a adequação de seu sexo psicológico com o biológico, tendo em vista ser portador de patologia incurável. A melhor solução atualmente é a redesignação sexual.

Tal método de intervenção-médica implica em várias situações que, inevitavelmente, esbarra em convicções religiosas, morais e sociais, bem como em princípios de proteção da coletividade.

Diante disto, o juiz, quando decide pela prevalência de determinado princípio constitucional que se mostra em confronto com outro ou outros, em vista das circunstâncias do caso concreto, deve basear sua decisão não somente em convicções de foro íntimo, mas em argumentos e razões jurídicas plenamente aceitas pela sociedade e consentâneas ao ordenamento normativo vigente.

No caso do transexual, ainda não há diplomas legais que regrem especificamente a situação dos mesmos, de modo que os princípios, em razão de sua generalidade e abstração, são o caminho certo para a efetividade e atendimento dos anseios destes indivíduos.

O supramencionado princípio da dignidade, por exemplo, é princípio necessário e básico para a proteção do transexual. Não é digno ser infeliz, não é digno ser discriminado, não é digno ser tratado com indiferença, não é digno ser isolado da sociedade etc.

Diante dessa celeuma, necessário se faz abordar na medida certa os dois principais princípios protetores do transexual.

3.3.1. Princípio da dignidade da pessoa humana.

Em consagrada obra conjunta[57], Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco dissertam a respeito do princípio da dignidade da pessoa humana.

Referidos autores entendem que o citado princípio ostenta hierarquia supraconstitucional, fazendo a ressalva de que não se trata de princípio absoluto, mas que simplesmente se sobrepõe aos demais princípios.

Asseveram que não existem princípios absolutos, pois todos estão sujeitos a ponderações, em cada situação hermenêutica, com outros bens e valores dotados de igual hierarquia constitucional.

É inegável que o princípio da dignidade da pessoa humana carrega consigo forte carga valorativa. Não é a toa que o mencionado princípio se faz presente em vários documentos internacionais, tais como a Carta das Nações Unidas, de 26.06.1945; na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10.12.1948; no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 19.12.1966; e no Estatuto da Unesco, de 16.11.1945. Tais textos invocam a dignidade da pessoa humana como uma reação aos horrores e violações perpetrados na Segunda Guerra Mundial. 

Em nossa Constituição, o princípio da dignidade da pessoa humana é explicito e sua matriz constitucional está esculpida no artigo 1º, inciso III. É também um dos fundamentos da Carta Magna.

Sobre o princípio da dignidade humana, é fundamental a transcrição dos dizeres de Luís Roberto Barroso:

“A dignidade da pessoa humana é o valor e o princípio subjacente ao grande mandamento, de origem religiosa, do respeito ao próximo. Todas as pessoas são iguais e têm o direito a tratamento igualmente digno”.[58]

A dignidade da pessoa humana abrange uma diversidade de valores existentes na sociedade. Trata-se de um conceito adequável a realidade e a modernização da sociedade, devendo estar em conluio com a evolução e as tendências modernas das necessidades do ser humano.

Nesse sentido, preceitua Ingo Wolfgang Sarlet ao conceituar a dignidade da pessoa humana:

“(...) temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”.[59]

Muito se questiona a amplitude e a aplicação de modo abstrato do princípio da dignidade da pessoa humana, pois, como dito, por ser considerado um princípio supraconstitucional, afasta todos os demais. Qualquer colisão entre princípios constitucionais, por ter intensa carga valorativa, o princípio em comento parece sair incólume. 

Como vimos, nenhum princípio é absoluto, sendo, no caso concreto, ponderados a fim de que diversos interesses sejam compatibilizados. Busca-se sempre uma harmonia.

O princípio da dignidade da pessoa humana tem sido o alicerce para a busca dos direitos dos transexuais. A falta de normas, gerais ou especiais, dão espaço a aplicação deste princípio, sendo através dele, notadamente pela sua abstração, que os julgados estão se consolidando no sentido de atender os anseios dos transexuais, sendo o primeiro deles a mudança de sexo, seguido da alteração do prenome e gênero nos seus assentos civis.

Diante disso, há críticas para com as decisões consubstanciadas tão somente no princípio da dignidade da pessoa humana, posto que, por ser de altíssimo alcance, acabam diminuindo a segurança jurídica.

Essa crítica é notória quando lemos os escritos de Luís Roberto Barroso, que afirma:

“Dignidade da pessoa humana é uma locução tão vaga, tão metafísica, que embora carregue em si forte carga espiritual, não tem qualquer valia jurídica. Passar fome, dormir ao relento, não conseguir emprego são, por certo, situações ofensivas à dignidade humana. O princípio, no entanto, não se presta à tutela de nenhuma dessas situações. Por ter significativo valor ético, mas não se prestar à apreensão jurídica, a dignidade da pessoa humana merece referência no preâmbulo, não no corpo da Constituição, onde desempenha papel decorativo, quando não mistificador”.[60]                                                                                                       

Assim, fica evidente que o princípio, objeto deste item, sofre grandes críticas e impugnações, posto que sua aplicação está longe de ser específica e determinada.

No entanto, como já abordamos, os princípios não devem ter a mesma natureza das regras, cuja aplicação é restritiva e alcança casos específicos, mas, ao reverso, devem fornecer instrumental para a interpretação, instruir o intérprete, transmitindo valores, indicando o caminho correto do Estado na solução dos conflitos.

A dignidade da pessoa humana deve servir de guia para a busca da efetividade dos direitos constitucionais.

Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho é primordial que a dignidade do ser humano não seja desprezada: “o reconhecimento de que, para o direito constitucional brasileiro, a pessoa humana tem uma dignidade própria e constitui um valor em si mesmo, que não pode ser sacrificado a qualquer interesse coletivo”.[61]

Como já vimos, o transexual vive em um conflito permanente. O indivíduo tem exata convicção de que pertence ao sexo oposto. Se homem, tem vontade de viver como mulher; se mulher, tem vontade de viver como homem.

A cirurgia de redesignação sexual é a terapia mais eficaz, sendo a mesma comprovada e atestada por diversos especialistas, concedendo ao transexual felicidade quase que plena.

 No entanto, com a mudança de sexo o transexual busca adequar a sua nova realidade à sua identidade. Ocorre que na busca pela alteração de seu prenome e gênero nos documentos particulares, os transexuais esbarram em outros princípios, uns de ordem constitucional e outros de ordem infraconstitucional.

Quando abordarmos as conseqüências jurídicas da alteração do prenome e gênero do transexual, traremos essa discussão à baila.   

3.3.2. Princípio da felicidade.

Primeiramente, antes de discorrer sobre o princípio da felicidade, é importante, mais uma vez, recorremos aos dicionaristas para saber ao certo o significado de felicidade.

O dicionário Aurélio é sucinto ao trazer o seguinte significado: “Qualidade ou estado de feliz. Bom êxito; sucesso”.[62]

Em consulta ao dicionário eletrônico Priberam, encontramos a seguinte conceituação: “Concurso de circunstâncias que causam ventura. Estado da pessoa feliz”.[63]

Podemos dizer que a felicidade é a finalidade da natureza humana. É um bem supremo que a existência humana busca e persegue.

Nas palavras de Luis Alberto David Araújo, “a felicidade é um estado de ventura, que atende à multiplicidade de valores e anseios do ser humano, individualmente considerado”.[64]

Nossa Constituição não dispõe expressamente sobre o direito de acesso à felicidade. Apesar disso foi prodigiosa por reconhecer expressamente uma série de direitos fundamentais, em suas várias dimensões, de maneira a garantir um mínimo existencial para a preservação da pessoa humana enquanto portadora de uma dignidade.

No entanto, ainda que implícito o princípio da felicidade, é inegável que um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é promover o bem de todos; é o que determina o art. 3º da Carta Política[65]. Aliás, o que se entenderia por promoção do bem de todos sem preconceitos, garantia do desenvolvimento nacional, construção de uma sociedade livre e solidária senão a busca pela felicidade?

 Assim, nos parece que o princípio da felicidade encontra-se implícito na Constituição Federal.

Não há razão de ser que os indivíduos se submetam a um ordenamento jurídico senão para buscar felicidade. A afirmativa de que o direito serve tão somente para pacificação social é inconsistente. Noutras palavras, o direito não existe como forma de tornar amarga a vida de seus destinatários, senão de fazê-la feliz.

As normas de conduta para a busca da pacificação social são de extrema relevância, desde que não sufoque os anseios lícitos e morais de uma sociedade. Ninguém quer o caos. Ninguém deseja viver em uma anarquia. No entanto, ninguém deseja ser infeliz.

O Estado tem como objetivo desenvolver mecanismos que possam possibilitar o atendimento dos anseios de cada indivíduo e permitir a busca da felicidade em projetos pessoais.

Nessa vertente, em novembro de 2010, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado aprovou a denominada "PEC da Felicidade". Tal projeto de emenda constitucional, de autoria do senador Cristovam Buarque[66] (PDT/DF), inclui a "busca da felicidade" entre os direitos fundamentais do cidadão como emenda à Constituição. O projeto segue para votação no plenário do Senado, e, se aprovada, passará ainda Câmara dos Deputados.

Caso a proposta venha a ser sancionada pelo Congresso Nacional, o artigo 6º da Constituição Federal passaria a ter o seguinte teor:

"são direitos sociais, essenciais à busca da felicidade, a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados".

A PEC da Felicidade não obrigaria o governo a criar projetos para garantir a felicidade dos cidadãos. O objetivo do projeto, segundo Buarque, seria o de carimbar no imaginário da sociedade a importância da dignidade humana. Pondera que a possível alteração na Constituição Federal não autoriza um indivíduo a requerer do Estado ou de um particular uma providência egoística a pretexto de atender à sua felicidade.

Fica evidente que caso a proposta de emenda à Constituição venha a ser aprovada, o princípio da felicidade, atualmente implícito na Carta Política, passaria a ter referência expressa, ou seja, será positivado, ganhando novo status, servindo de forte justificativa para atendimento de pleitos na seara judicial.

Os Tribunais Superiores já se utilizaram do princípio da felicidade como um dos fundamentos de suas decisões, notadamente a respeito das causas que tratam da união homoafetiva, guarda, previdência social e transexualismo: (RE 477554 MG, Relator: Ministro Celso de Mello, Data de Julgamento: 16/08/2011, Segunda Turma, Data de Publicação: 26-08-2011; CC 108442 SC 2009/0194206-4, Relator: Ministra Nancy Andrighi, Data de Julgamento: 10/03/2010, S2 – Segunda Seção, Data de Publicação: DJe 15/03/2010; RE 328232 AM, Relator: Min. Carlos Velloso, Data de Julgamento: 04/04/2005, Data de Publicação: DJ 20/04/2005).

Patrícia Corrêa Sanches, em obra coordenada pela Douta Maria Berenice Dias, em capítulo específico sobre o transexualismo e o princípio da busca pela felicidade, traz a seguinte lição:

“(...) a geração de fatores que propiciem a felicidade é um dos papéis do Estado, presente em cada uma das três esferas de poder, inibindo qualquer constrangimento e ao preconceito, bem como gerando mecanismos de realização pessoal. Portanto, cabe ao Legislativo impedir, através da criação de leis, qualquer situação que desvie desse propósito; assim como cabe ao Executivo, para tanto, fazer implantar políticas públicas; e ao Judiciário garantir o livre exercício do direito à felicidade”.[67]

No caso do transexual, a busca pela felicidade está intimamente ligada à cirurgia de redesignação sexual, bem como as alterações de prenome e gênero. É inegável que isso trará conseqüências jurídicas para terceiros, como veremos mais a frente.

No entanto, a dignidade da pessoa humana juntamente ao princípio da felicidade, bem como outros princípios fundamentais como o da igualdade e da não discriminação, devem ser observados pelo julgador no momento da análise do caso dos transexuais.

Será digno e feliz exigir do transexual que viva com seu conflito até a morte? O Estado estará promovendo a felicidade do transexual dificultando a sua integração social? Entendemos que não.

Todos têm o direito de buscar a felicidade e o Estado deve, além de não atrapalhar esse intento, auxiliar esta busca.


4. ALTERAÇÃO DO PRENOME E GÊNERO DO TRANSEXUAL.

4.1. Pós-cirurgia: ausência de normas positivas para a alteração de prenome e gênero do transexual.

Até aqui, verificamos que o transexual passa por árduo caminho até a efetivação da cirurgia de transgenitalização, direito este reconhecido em face da autorização concedida pelo Conselho Federal de Medicina, através de resolução já comentada alhures.

São vários os requisitos a serem observados para a cirurgia de redesignação sexual, conferindo ao indivíduo genitália compatível ao seu sexo psicológico, diminuindo, a princípio, suas agonias e infelicidade, dando-lhe uma nova perspectiva de vida. Como dito, trata-se de cirurgia eminentemente terapêutica e não mutilatória.

Vimos que o Conselho Federal de Medicina é o órgão competente que regula as intervenções cirúrgicas de alteração de sexo, sendo prescindível a autorização judicial para sua realização.

Ocorre que os percalços não acabam por aí, havendo um novo problema a ser enfrentado. Depois de realizada a cirurgia, o transexual passa a enfrentar um grande problema, qual seja, a alteração de seu prenome e gênero nos registros civis.

É verdade que mesmo após a cirurgia de redesignação sexual, o transexual continua passando por sessões de psicoterapia, uma vez que o indivíduo precisa reconhecer e se adaptar ao seu novo corpo, sendo esta a ciência mais eficaz nessa transição.

Entretanto, não basta o acompanhamento psicológico, tratamento hormonal e manutenção dos caracteres secundários do seu “novo sexo” para a ressocialização do indivíduo. A sua identidade registral dissonante à sua nova aparência causam ao indivíduo indiscutíveis constrangimentos.

O diploma normativo que disciplina os registros públicos é a Lei 6.015/73. No que tange a alteração do prenome a lei, em seu artigo 58[68] e parágrafo único, recepciona o princípio da imutabilidade, autorizando a retificação do prenome só nos casos ali descritos.

A imutabilidade do nome civil é um princípio de ordem pública, em razão de que sua definitividade é de interesse de toda a sociedade, constituindo garantia segura e eficaz das relações de direitos e obrigações correlatas. Procura-se evitar que a pessoa natural a todo instante mude de prenome, seja por mero capricho, ou até mesmo má-fé, neste último caso visando ocultar sua identidade, o que poderá se traduzir em prejuízo a terceiros.

Não há dispositivo legal que disciplina especificamente a situação do transexual, cabendo aos operadores do direito um incessante exercício na interpretação de regras e princípios de modo a buscar amparo jurídico para esta tormentosa questão.

A respeito disso, a Lei de Introdução ao Código Civil, atualmente denominada Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, em seu art. 4º, é clara ao dispor que “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

Nesse sentido, assevera Maria Helena Diniz, referindo-se às lacunas existentes no direito positivo brasileiro que, estando estas presentes, o juiz deverá averiguar se existe, na própria legislação, uma similitude entre fatos diversos, fazendo o juízo de valor de que essa similitude se justapõe às diferenças. Em não encontrando, deverá recorrer às normas consuetudinárias, inexistindo estas, lançará mão dos princípios gerais do direito e, finalmente, a equidade. Reforça, ainda, que “sua solução ao caso concreto não poderá ser conflitante com o espírito desse sistema. De modo que a norma individual completamente do sistema não é e nem pode ser elaborada fora dos marcos jurídicos”.[69]

Diante disso, os juristas têm observado os preceitos constitucionais, mormente aqueles estatuídos nos artigos 3º, incisos I, III e IV[70], 5º, inciso X[71], 196[72] e 199[73] da Constituição Federal, como forma de atender o pedido de alteração de prenome e gênero dos transexuais em seus documentos.

Ademais, em capítulo específico, verificamos que a dignidade da pessoa humana é princípio basilar da Lei Maior, sobrepondo-se a imutabilidade do prenome esculpido na lei infraconstitucional, qual seja, a Lei dos Registros Públicos.

Dessa forma, mesmo diante da importância da imutabilidade no sentido de sua conveniência na individualização da pessoa, não pode o transexual, na sua nova aparência física, ser exposto ao ridículo.

Há quem dê interpretação extensiva ao disposto no parágrafo único do art. 55 da Lei dos Registros Públicos onde diz que “os oficiais do registro civil não registrarão prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores. (...)”. Esta interpretação busca abarcar a situação dos transexuais, pois, com a “nova aparência”, serão expostos ao ridículo quando da apresentação de seus documentos.

Nessa vertente, têm sido muitos os julgados permitindo a alteração do prenome e gênero do transexual, senão vejamos.

Em 2007, a 1ª. Câmara Cível do TJRJ reconheceu o direito de transexual de adequar seu prenome e sexo no Registro Civil. Reza a ementa:

“Transexual. Registro civil. Alteração. Possibilidade. Cirurgia de transgenitalização. Aplicação do art. 4º da LICC diante da ausência de lei sobre a matéria. Sentença que atende somente ao pedido de alteração de nome. Reforma parcial para também permitir a alteração do sexo no registro de nascimento. Provimento do apelo. A jurisprudência tem assinalado a possibilidade de alteração do nome e do sexo no registro de nascimento do transexual que se submete a cirurgia de redesignação sexual, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana” (AC 2006.001.611108, Des. Vera Maria Soares Van Hombeeck, j. 06.03.2007).”

No mesmo sentido, a 6ª Câmara Cível do mesmo Tribunal, em 15 de agosto de 2007, autorizou a adequação de prenome e sexo:

“Apelação cível. Registro civil. Alteração. Possibilidade. Transexual. Cirurgia de transgenitalização. Sentença que atende somente ao pedido de alteração do nome. Reforma do julgado para permitir a alteração do sexo no registro de nascimento. Precedentes deste tribunal. Recurso provido” (Ap 0012432-13.2005.8.19.0021 [2006.001.61104], Des. Francisco de Assis Pessanha, Ementário: 06/2008, n. 15, 14.02.2008).

Ainda seguindo esse raciocínio, a 8º Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, por maioria, negou provimento ao recurso do Ministério Público, determinando a alteração do prenome e do sexo do interessado. Segue a ementa:

“Retificação de registro civil (assento de nascimento). Transexualismo (ou disforia de gênero). Sentença que autorizou a modificação do prenome masculino para o feminino. Controvérsia adstrita à alteração do sexo jurídico no assento de nascimento. Admissibilidade. Cirurgia autorizada diante da necessidade de adequação do sexo morfológico e psicológico. Concordância do Estado com a cirurgia que não se compatibiliza com a negativa de alteração do sexo originalmente inscrito na certidão. Evidente, ainda, o constrangimento daquele que possui prenome ‘Vanessa’, mas que consta no mesmo registro como sendo do sexo masculino. Ausência de prejuízos a terceiros. Sentença que determinou averbar nota a respeito do registro anterior. Decisão mantida. Recurso improvido”[74].

Com vista a este último acórdão podemos ver a congruência no pensar do julgador, pois se o Estado permite a cirurgia de transgenitalização[75], oferecendo assistência para que ela possa ser realizada aos transexuais, seria uma incompatibilidade dentro do próprio sistema não permitir a adequação do prenome e gênero no assento de nascimento e, consequentemente, nos demais documentos.

Negar a mudança do prenome e sexo aos transexuais seria o mesmo que postergar seu direito à plena felicidade. Seria contraditório permitir a cirurgia de adequação sexual, impedindo o reconhecimento a uma nova identidade, que nada mais seria do que atestar uma nova realidade.

Imagine-se, por exemplo, um atleta transexual masculino que passou pela referida intervenção cirúrgica dividindo o vestiário com as demais atletas. Sua aparência física com o sexo já redesignado e os caracteres secundários já aperfeiçoados, não traria nenhuma sensação de insegurança ou qualquer outro sentimento às demais companheiras. No entanto, ao terem acesso aos seus documentos pessoais, poderão verificar que se trata biologicamente de um homem, o que traria, incontestavelmente, constrangimento ao transexual ou, melhor dizendo, ex-transexual.

Podemos citar outro exemplo. Imagine-se, pois, um transexual operado, ao ser interceptado por uma autoridade policial no trânsito, identificando-se. Ao entregar seus documentos, haveria claro constrangimento, trazendo-lhe sentimentos de vergonha e angústia, sem contar as implicações em provar de que aquela identidade não é falsa, mas sim retrata seu sexo de nascimento.

No tocante a jurisprudência, esta não tem ficado só em segunda instância, mas sim alcançando o Superior Tribunal de Justiça. Em 22.03.2007, ao julgar caso procedente do Rio Grande do Sul, o STJ, tendo como relator o saudoso Min. Carlos Alberto Menezes Direito, deliberou sobre o assunto, decidindo favoravelmente pela adequação do prenome e sexo. Eis a ementa:

“Mundança de sexo. Averbação no Registro Civil. 1. O recorrido quis seguir o seu destino, e agente de sua vontade livre procurou alterar o seu registro civil a sua opção, cercada do necessário acompanhamento médico e de intervenção que lhe provocou a alteração da natureza gerada. Há uma modificação de fato que não se pode comparar com qualquer outra circunstância que não tenha a mesma origem. O reconhecimento se deu pela necessidade de ferimento do corpo, a tanto, como se sabe, equivale o ato cirúrgico, para que seu caminho ficasse adequado ao seu pensar e permitisse que seu rumo fosse aquele que seu ato voluntário revelou para o mundo no convívio social. Esconder a vontade de quem a manifestou livremente é que seria preconceito, discriminação, opróbrio, desonra, indignidade com aquele que escolheu o seu caminhar no trânsito fugaz da vida e na permanente luz do espírito. 2. Recurso especial conhecido e provido” (STJ, Resp 678.933/RS, 3ª T., rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito). (grifei)

Conforme o exposto e diante das colações das jurisprudências acima, podemos verificar que os juízes e promotores, atualmente, estão se debruçando em estudos, acompanhando os pareceres da medicina e os problemas relacionados aos transexuais, tornando, cada vez mais, solidificado o entendimento, deferindo os pedidos para alteração do prenome e gênero.

No entanto, como não há norma especifica que trate dessa problemática, os indivíduos que sofrem de disforia de gênero, tem que buscar seus direitos na justiça, ficando à mercê do entendimento dos juízes que, nem sempre atendem os anseios destes cidadãos.           

4.2. Alteração de prenome e gênero sem a realização da transgenitalização.

Muito se discute se é possível a alteração do prenome e gênero do indivíduo sem que este se submeta à cirurgia de transgenitalização.

Tal dúvida não surge do acaso, mas de uma simples reflexão: E se o transexual, diante dos riscos cirúrgicos, não desejar que seja feita a ablação de seu órgão genital? Realmente não é tarefa fácil enfrentar esta questão.

Ao analisarmos um transexual masculino, por exemplo, podemos facilmente confundi-lo com uma mulher, tendo em vista os vários tratamentos a que se submete, dentre eles, o consumo de hormônios femininos ou masculinos e alterações dos seus caracteres externos, tais como corte de cabelo, unhas, uso de cosméticos (batom, maquiagem e outros), cirurgias plásticas, vestimentas, etc.

Dessa forma, estaremos diante de uma aparência totalmente feminina ou masculina, sendo esta a sua real exteriorização.

Quantas vezes definimos as pessoas pertencentes a este ou aquele sexo sem precisar ver suas partes intimas? Seria racional pedir para que o indivíduo mostre sua genitália para confirmação de seu sexo biológico? Evidente que não.

Portanto, nesse linear, é comum inserimos as pessoas em determinado grupo sexual pela sua aparência exterior e pela forma com que elas se relacionam com as pessoas, e não pela sua genitália, o que, aliás, não fica a mostra. 

Nessa ótica, obrigar o transexual a passar pela cirurgia de redesignação de sexo para que pudesse ter seu gênero alterado em sua certidão de nascimento, poderia aplacar o preconceito, fechando-se os olhos para a realidade, agindo cruelmente em face da situação do transexual. Seria, talvez, negar o direito a, socialmente, adequar seu assento de nascimento à sua verdadeira identidade.

Diante do exposto em linhas acima, poderíamos ser abundantemente questionados: A simples alteração do prenome e gênero do transexual, sem a intervenção cirúrgica, seriam bastantes a trazer-lhe felicidade? O mais importante para o transexual não seria a cirurgia que amolde sua genitália para que fique tal como a do seu sexo psicológico?

São perguntas difíceis de responder. De fato, não se pode mensurar o grau de felicidade que este indivíduo teria apenas alcançando vitória no que diz respeito à alteração do seu prenome e sexo no assento de nascimento. O que é inaceitável, e com toda certeza, é obrigar que o indivíduo passe por riscos de morte ou venha a ter sua saúde abalada.

Fica tudo mais claro quando verificamos o caso do transexual feminino, que se identifica como homem.

Como abordamos, a cirurgia de neofalosplastia, que consiste na construção de um pênis, é realizada, ainda, em caráter experimental[76], considerando as dificuldades técnicas ainda presentes para a obtenção de bom resultado tanto no aspecto estético como funcional. Vale ressaltar que a cirurgia não irá trazer à paciente virilidade, razão pela qual tal intervenção apenas se mostra razoável no que tange ao aspecto estético.

Dessa forma, no caso de transexual feminino, seria pouco razoável que o indivíduo, já atestado por laudo médico sendo portador de transtorno de identidade de gênero[77], tivesse que ter como pressuposto a intervenção cirúrgica para alterar sua identificação.

Exigir a submissão do transexual à transgenitalização, notadamente a do tipo neofaloplastia, devido a sua alta periculosidade e caráter experimental, seria ultrajante, havendo total desprezo do transexual como um cidadão com direitos e garantias fundamentais. Obrigar o transexual a se sujeitar à cirurgia para ter a tão sonhada identidade, seria satisfazer mero capricho social.

Nesse sentido, desafiadora é a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, proferida pelo magistrado Dr. André Côrtes Vieira Lopes, em que concedeu a mudança de gênero sexual feminino para o masculino, que mesmo passando pelas quatro fases do procedimento transexualizador, recusou-se a enfrentar a última fase, qual seja, a cirurgia para colocação do pênis, devido seu alto risco e caráter experimental:                                              

“Em que pese não ter sido realizada a cirurgia de redesignação, tal situação encontra pleno amparo no fato de ainda não ter a medicina conseguido, muitas vezes, segundo os relatos médicos, um novo pênis com funções e dimensões normais. Os cirurgiões são quase unânimes ao afirmarem que a adequação do transexual feminino em homem é muito mais complicada tecnicamente, por isso, esta é menos solicitada.      

A resolução parece ter sido cumprida na hipótese dos autos, existindo inclusive pareceres favoráveis da equipe multidisciplinar no juízo.

(...)

Daí por que, crendo que todos os indivíduos têm o direito de viver harmonicamente na sociedade e serem respeitados como pessoas humanas, nos termos do art. 1.º - III da Constituição da República, julgo procedente a pretensão autoral para determinar a averbação das alterações pretendidas, no sentido de que A. P. R. V., nascida como do sexo feminino, passe a ser considerado do sexo masculino, alterando-se o nome para G. R. V., devendo consta no registro a referência ao presente processo, mencionando-se nas certidões que se seguirem que ‘o assento foi modificado por decisão judicial, em ação de retificação de registro civil. Transitada em julgado a presente sentença, expeça-se mandado de averbação. Condeno, agora, o ‘autor’ nas custas processuais, com observância do disposto no art. 12 da Lei 1060/50. Sem honorários’”.

Verificamos que a decisão reconhece o transexual pelo aquilo que ele é e, primordialmente, pela forma que se apresenta à sociedade. No entanto, não podemos deixar de notar a cautela do jurisconsulto em determinar que conste que a alteração se deu por determinação judicial, havendo nítida preocupação com a segurança jurídica e com os terceiros de boa-fé.

No mesmo sentido da decisão acima, vejamos alguns acórdãos:

“Registro civil. Transexualidade. Prenome. Alteração. Possibilidade. Apelido público e notório. O fato de o recorrente ser transexual e exteriorizar tal orientação no plano social, vivendo publicamente como mulher, sendo conhecido por apelido, que constitui prenome feminino, justiça a pretensão já que o nome registral é compatível com o sexo masculino. Diante das condições peculiares, nome de registro está em descompasso com a identidade social, sendo capaz de levar seu usuário à situação vexatória ou de ridículo. Ademais, tratando-se de um apelido público e notório justificada está a alteração. Inteligência dos arts. 56 e 58 da Lei 6015/73 e da Lei 9708/1998. Recurso provido” (TJRS, AC 70001010784, 7ª. Câm. Civ., rel. Des. Luis Felipe Brasil Santos, j. 14.06.2000).”

 “Apelação cível. Registro civil. Alteração do registro de nascimento relativamente ao sexo. Transexualismo. Possibilidade, embora não tenha havido a realização de todas as etapas cirúrgicas, tendo em vista o caso concreto. Recurso provido” (TJRS, AC 70011691185, 8ª Câm. Civ.., rel. Des. Alfredo Guilherme Englert, j. 15.09.2005).”

“Alteração de registro civil. Transexualidade. Cirurgia de transgenitalização. O fato de o apelante ainda não ter se submetido à cirurgia para a alteração de sexo não pode constituir óbice ao deferimento do pedido de alteração de registro civil. O nome das pessoas, enquanto fator determinante da identificação e da vinculação de alguém a um determinado grupo familiar, assume fundamental importância individual e social. Paralelamente a essa conotação pública, não se pode olvidar que o nome encerra fatores outros, de ordem eminentemente pessoal, na qualidade de direito personalíssimo  que constitui atributo da personalidade. Os direito fundamentais visam à concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual, atua como sendo uma qualidade inerente, indissociável de todo e qualquer ser humano, relacionando-se intrinsecamente com a autonomia, razão e autodeterminação de cada indivíduo. Fechar os olhos a esta realidade, reconhecida pela própria medicina, implicaria infração ao princípio da dignidade da pessoa humana, norma esculpida no inc. III do art. 1º da CF, que deve prevalecer à regra da imutabilidade do prenome. Por maioria, promoveram em parte” (TJRS, AC 70013909874, 7ª. Câm. Civ. rel. Des. Maria Berenice Dias, j. 05.04.2006).” 

“Pedido de alteração de registro de nascimento em relação ao sexo. Transexualismo. Implementação de quase todas etapas (tratamento psiquiátrico e intervenções cirúrgicas para retirada de órgãos). Descompasso do assento de nascimento com a sua aparência física e psíquica. Retificação para evitar situações de constrangimento público. Possibilidade diante do caso concreto. Averbação da mudança de sexo em decorrência de decisão judicial. Referência na expedição de certidões. É possível a alteração do registro de nascimento relativamente ao sexo em virtude do implemento de quase todas as etapas de redesignação sexual, aguardando o interessado apenas a possibilidade de realizar a neofaloplastia. Recurso provido, por maioria” (TJRS, AC 70019900513, 8ª Câm. Civ., rel. Des. Claudir Fidelis Faccenda, j. 13.12.2007).

Vale frisar que nosso entendimento é no sentido de permitir a alteração do prenome sem a redesignação sexual apenas nos casos de neofaloplastia, eis que patente os riscos advindos dessa intervenção cirúrgica, como já dito alhures. 

Não há como entender qual seria a razão de se chegar ao extremo de se mudar o sexo do transexual masculino em seu assento civil antes de submetê-lo à neocolpovulvoplastia, mantendo suas características masculinas originais, quando poderia alterá-las cirurgicamente sem riscos, já que, sendo portador de transtorno de identidade, muito mais drástico para o transexual é ter em seu corpo as feições físicas que a natureza lhe deu, não condizente com o seu sexo psíquico, do que simplesmente ter um documento com prenome e sexo condizente com este.

No entanto, como em várias passagens desse trabalho frisamos, a falta de regramento específico não traz a segurança jurídica devida aos transexuais, havendo inúmeras decisões desfavoráveis a estes, ou seja, na vereda de não autorizar a alteração do prenome e gênero sem antes verificada a redesignação sexual. Vejamos alguns julgados:

“Registro civil. Assento de nascimento. Alteração de Pedido de retificação de nome e alteração de sexo no registro civil c.c. autorização para cirurgia de reatribuição sexual. Inviabilidade. Transexualismo que reclama tratamento médico que só pelo especialista pode ser deliberado. Admissibilidade da cirurgia de transgenitalização mediante diagnóstico específico e avaliação por equipe multidisciplinar, por pelo menos durante dois anos (CFM, Resolução 1.652/02). Apelante inscrito em fila de espera para o tratamento, que deve ser definido por equipe multidisciplinar, independentemente de autorização judicial, por se tratar de procedimento médico, competindo ao médico a definição da oportunidade e conveniência. Recorrente que, por ora, é pessoa do sexo masculino. Alteração no registro civil que poderá ser tratada oportunamente após resolvida, no âmbito médico, a questão de transexualidade. Apelo desprovido (TJSP 10ª Câmara de Direito Privado Ap. 9110831-89.2005.8.26.0000. Rel. Des. Carvalho Vianna j. 09.10.2007).”

“Registro civil – Pedido de retificação de nome masculino (Luciano) para feminino (Luciano) sem o concomitante pedido de alteração do sexo anotado no assento – Inadmissibilidade – Autor com aparência externa de mulher mas que não realizou a cirurgia para alteração de sexo, permanecendo com a genitália masculina – Necessidade de compatibilidade entre os elementos do assento para impedir confusão na identificação das pessoas – Pedido indeferido – Recurso desprovido (TJSP 2ª Câmara de Direito Privado – Ap. 9215854-24.2005.8.26.000. Rel. Des. Morato de Andrade j. 09.05.2006).”

“Retificação de registro civil – Pretendida alteração de prenome masculino para feminino por transexual – Carência da ação – Cabimento – Pleito que não pode ser apreciado no mérito, posto que não realizada a cirurgia de transgenitalização – Assento de nascimento que indica o autor como sendo do sexo masculino – Impossibilidade de prosseguir a pretensão deduzida no caso específico dos autos, diante da disparidade que passaria a existir entre prenome e sexo – Recurso desprovido (TJSP 6ª Câmara de Direito Privado Ap. 9100784-17.2009.8.26.0000. Rel. Des. Sebastião Carlos Garcia j. 26.11.2009).”

“Retificação de registro civil – Pedido realizado por transexual – Inclusão de prenome feminino – Não cabimento – Interessado ainda não submetido à cirurgia de transgenitalização – Falta de interesse de agir – Caracterização – Sentença confirmada – Recurso não provido (TJSP 7ª Câmara de Direito Privado Ap. 0033051-03.2006.8.26.0451. Rel. Des. Sousa Lima j. 19.10.2011).”

“Registro civil – Retificação – Homem que deseja modificação de prenome masculino por feminino em razão de sua opção sexual – Impossibilidade jurídica do pedido – Irrelevância de como é conhecido no meio social – Cerceamento de defesa afastado – Sentença mantida – Recurso improvido (TJSP 7ª Câmara de Direito Privado Ap. 9064845-49.2004.8.26.0000 Rel. Des. Álvaro Passos j. 31.08.2005).”

Em suma, com base em todas as considerações feitas acima, bem como a colação de vários julgados, chegamos à nítida conclusão que é possível a alteração do prenome e gênero do transexual sem que este tenha se submetido à cirurgia de redesignação sexual.

Em que pese existam ainda decisórios em sentido contrário, o que vem sendo a minoria, vislumbra-se que o aspecto do gênero sexual é muito mais um prisma social do que biológico, por isso a não compulsoriedade do procedimento cirúrgico para a alteração do sexo.

Importantíssimo reforçar que quando falamos em transexual, estamos nos referindo ao indivíduo que assim foi atestado por junta médica, não sendo de modo algum sofredor de outras anomalias ou que a sua vontade de pertencer ao sexo oposto seja episódica.                       

4.3. Caso emblemático: Roberta Close.

Um caso de mudança de prenome e de gênero que teve repercussão nacional foi o da transexual, conhecida também internacionalmente, Roberta Close. Nascida com o nome de Luís Roberto Gambine Moreira, Roberta, desde a infância, sempre apresentou características atribuídas às meninas, gostando de brincar com bonecas, bem como fazer uso de utensílios femininos.

Ao atingir a maioridade era perceptível que sua personalidade em muito se compatibilizava com a do sexo oposto, apresentando acentuada silhueta e características de mulher.

Roberta sofreu muitos dissabores na vida social, não lhe restando outro caminho senão a busca terapêutica mais adequada para sua situação, qual seja, a cirurgia de redesignação sexual.

Após ser examinada por vários médicos, chegou-se a conclusão de que a transgenitalização era a medida mais indicada para diminuir os sofrimentos de Roberta.

Assim, no ano de 1989, se submeteu à cirurgia de mudança de sexo, de homem para mulher, na Inglaterra.

Realizada a cirurgia, Roberta ingressou em juízo pleiteando a retificação de seu prenome e sexo no registro de nascimento, obtendo em 1992, em sentença de primeira instância, proferida pela Juíza da 8ª Vara da Família do Rio de Janeiro, Doutora Conceição Mousnier, êxito em seu pleito.

Segue um trecho da decisão:

“Manter-se um ser amorfo, por um lado mulher, psíquica e anatomicamente reajustada, e por outro lado homem, juridicamente, em nada contribuiria para a preservação da ordem social e da moral, parecendo-nos muito pelo contrário um fator de instabilidade para todos aqueles que com ela contatasse, quer nas relações pessoais, sociais e profissionais, além de constituir solução amarga, destrutiva, incompatível com a vida”. (...) “A escolha do sexo independe, pois do determinismo biológico e resultará do tratamento que lhe coube desde a mais tenra infância. Nessa medida, ser homem ou mulher independe de ser macho ou fêmea. O sexo psicossocial se põe além do sexo morfológico ou hormonal e por estas razões, em termos psicanalíticos, a sexualidade não está absolutamente relacionada a aspectos biológicos”[78].

Contudo, o representante do Ministério Público recorreu e a sentença acabou reformada pelo Supremo Tribunal Federal, em 1997.

É bem verdade que à época em que se intentou a ação, poucos eram os diagnósticos acerca do transexualismo, bem como havia pouca literatura a respeito do assunto. 

É inegável, ainda, que naquele tempo grande era a discriminação e preconceito para com os transexuais, especificamente pelo fato de ser um fenômeno peculiar com poucos pareceres científicos.

Cerca de 12 anos após a realização da intervenção cirúrgica, Roberta propôs nova ação, juntando aos autos diagnósticos oficiais recentes sobre o transexualismo, bem como jurisprudência e legislação nacional e comparada. Vale dizer que, ao tempo dessa nova ação, já estava em vigor a Resolução 1.482/1997[79] do Conselho Federal de Medicina que, como vimos, autorizava a cirurgia.

Em 10 de março de 2005, quinze anos depois de sua primeira tentativa legal, Roberta Close conseguiu, finalmente, ter garantido o direito da mudar o prenome de Luís Roberto Gambine Moreira para Roberta Gambine Moreira. Uma nova certidão foi então emitida pelo cartório da 4ª Circunscrição do Rio de Janeiro. Nela, lavrou-se: "em 7 de dezembro de 1964, que uma criança do sexo feminino, nascida na Beneficência Portuguesa, recebeu o nome de Roberta Gambine Moreira."

Essa certidão garante à modelo a expedição no Brasil de documentos, como carteira de identidade, C.P.F. (Cadastro de Pessoa Física) e passaporte, como sendo do sexo feminino.

A conclusão feita por especialistas que acompanharam Roberta desde a sua mudança de sexo até o êxito na alteração do prenome e gênero, confirmaram a importância da cirurgia e da adequação dos documentos para a melhoria da sua saúde.

Portanto, fica claro que a intervenção cirúrgica para o transexual atinge resultados satisfatórios e, quando conjugada com a alteração do prenome e gênero nos registros civis, pode levar estes indivíduos à plena felicidade.


5. A PUBLICIDADE DA ALTERAÇÃO: AVERBAÇÃO OU RETIFICAÇÃO?

5.1. Conceito de averbação e de retificação.

Antes de iniciar a conceituação de averbação e retificação é importante que se deixe claro que ambas são espécies do gênero alteração. Noutras palavras, alteração tem como espécies a averbação e a retificação. Passemos a identificá-las.

Para a busca do conceito de averbação e retificação, mais uma vez, primeiramente, recorremos aos dicionaristas.

Novamente se valendo do dicionário Aurélio, ao consultarmos a palavra ‘averbação’ temos como resultado: “Escrever em verba, à margem de. Registrar, anotar. Declaração ou nota em certos documentos”[80]. Já em relação à palavra ‘retificação’, encontramos o seguinte: “Corrigir, emendar”.

Em consulta ao dicionário eletrônico Priberam, a palavra ‘averbação’ aparece com o seguinte o significado “Escrever em verba à margem de um documento”[81]. Com base neste mesmo, temos como resultado ao consultar a palavra ‘retificação’ o seguinte: “Ato de corrigir”.

Temos que admitir que os conceitos encontrados em ambos os dicionários não são amplos o bastante para podermos separar com exatidão os dois verbetes. Em razão disso, nos socorremos da doutrina de Walter Ceneviva. O referido doutrinador esclarece que “Averbações são lançamentos à margem de registros existentes, destinadas a os modificar ou esclarecer e Retificações são alterações destinadas a corrigir assentamentos”[82].

A retificação sempre deverá ocorrer quando um dado existente no registro encontra-se eivado de erro, em desacordo com a realidade. Dessa forma, promove-se uma retificação do registro, de modo a fazer constar aquele dado, até então errôneo, de forma a espelhar a situação fática, real.

A averbação, de outro lado, não pressupõe qualquer vício no registro. A mesma visa a anotação à margem do assento existente de algum fato jurídico que, de qualquer forma, o modifica ou cancela, sem alterar seu objeto nuclear.

Após estas conceituações fica evidente a importância e o impacto social que a retificação ou averbação podem causar, trazendo várias críticas e repercussões sociais no que tange à decisão judicial que determine esta ou aquela espécie de alteração do prenome e gênero do transexual, de modo que o enfrentamento desse tema, ainda que árduo, não pode ser deixado para trás. Nessa esteira, passemos a definitivamente fazê-lo.

5.2. Prenome e gênero do transexual: Averbação ou retificação?

Depois de várias abordagens pertinentes ao desenvolvimento de qualquer trabalho sobre o transexualismo, verificamos que atualmente não há diploma legal específico regrando a situação do transexual, razão pela qual este indivíduo acaba ficando ao arbítrio das decisões judiciais que, vale frisar, são muito divergentes quanto ao seu conteúdo.

Há decisões que sequer ainda autorizam a alteração do prenome e gênero do transexual[83]; há decisões que autorizam[84] e não[85] a modificação do prenome e do sexo do transexual ainda não submetido à transgenitalização; decisões que são omissas quanto à espécie de alteração[86]. Enfim, como repetidamente foi dito nesse trabalho, enquanto não houver legislação específica pacificando estas questões, os transexuais ainda irão se deparar com vários tipos de decisões judiciais, ora concedendo as alterações, seja na forma de retificação ou averbação, isto quando não for omissa nesse sentido, ora negando-as.

A única questão que se encontra atualmente pacificada é a prescindibilidade da autorização judicial para a transmutação sexual, pois de acordo com a atual Resolução 1.955, de 12.08.2010, do Conselho Federal de Medicina, é permitida a intervenção cirúrgica, seja ela a neocolpovulvoplastia ou neofaloplastia, esta última ainda em caráter experimental. Desse modo, apenas acerca da cirurgia, que há tempos era uma barreira a ser transposta pelos transexuais, é que se pode falar em harmonização da jurisprudência no sentido de aceitá-la, notadamente pelo teor da supracitada resolução do Conselho Federal de Medicina. 

A tormentosa questão se apresenta quando nos perguntamos como deverá constar a alteração no assentamento civil do transexual? Averbação ou retificação? Esta é a questão central a ser desenvolvida neste trabalho.

Nessa ótica e diante da lacuna legislativa, o Poder Judiciário tem dado várias interpretações diante dos casos concretos que envolvem a questão do transexual. Em capítulo próprio verificamos que a possibilidade à alteração é certa na maioria dos casos, sendo que este entendimento está cada vez se solidificando nos tribunais.

É cristalino que para se concluir algo a respeito, há que se meditar e analisar os aspectos favoráveis e os pontos adversos. Não é tarefa simples encontrar solução jurídica que satisfaça plenamente a vontade do transexual e a proteção dos interesses de terceiros, que porventura venham a ser induzidos em erro essencial sobre a pessoa, por exemplo.

O conceito de retificação, contemplado alhures, é claro no sentido de expor que a alteração não deixará vestígios na certidão de nascimento, não havendo como saber qual era o conteúdo anterior contido nesse documento. Altera-se o objeto nuclear.

Nesse caso, o transexual pós-operado pode buscar na justiça a retificação, ou seja, a alteração pura e simples de seu prenome e gênero, sem constar à margem do registro tal modificação.

Sem dúvida está é a espécie de alteração mais almejada pelo transexual, haja vista que não haverá rastros ou indícios da alteração de seu anterior prenome e sexo, de modo que não é equivocado afirmar que constrangimentos futuros deixarão praticamente de existir.

Nesse sentido, colacionamos os dizeres de um transexual que teve retificado em seu registro civil o prenome e o gênero, isto é, sem constar qualquer anotação relativa a seu estado anterior:

“(...) nunca imaginei que o documento pudesse transformar tanto minha vida. Só agora sinto que tenho uma identidade e o direito de levar uma vida normal, com mais segurança e sem medo de virar motivo de conversa. Quero esquecer todas as situações constrangedoras que enfrentava no meu dia-a-dia. A partir de agora, tenho um futuro.”[87]

Com a retificação não haverá como saber se determinado indivíduo alterou seu prenome ou passou pela cirurgia de redesignação sexual, ficando, em outras palavras, omisso qualquer conteúdo nesse sentido na sua certidão de nascimento e demais documentos pessoais. 

O transexual que obtiver na justiça o direito à retificação de seu prenome e gênero poderá livremente apresentar seus documentos (certidão de nascimento, registro geral, cadastro de pessoa física, carteira nacional de habilitação, titulo de eleitor etc) sem passar por constrangimentos, extinguindo qualquer discriminação ou ridicularização que possa ser-lhe direcionado sobre sua atual condição sexual.

Não podemos perder de vista que, na maioria das vezes, antes mesmo da redesignação sexual o indivíduo já se apresenta com os aspectos secundários totalmente compatibilizados com o de seu sexo psicológico, havendo total feição com o sexo oposto[88].

Uma das primeiras decisões a enxergar a necessidade da retificação do prenome e gênero, evitando-se qualquer tipo de discriminação ao transexual, transitou em julgado em abril de 1989. O Magistrado, José Fernandes Lemos, da 3ª Vara de Família e Registros Públicos do Recife, ao proferi-la, asseverou:

“Alterando-se no assentamento do registro civil o sexo do requerente, impõe-se como corolário, deferir a mudança no prenome, como forma de não expô-lo a situações ridículas e vexatórias, que sem dúvida alguma lhe adviriam com o prenome masculino. Embora seja a imutabilidade do prenome conveniente pela importância que exerce na individualização da pessoa, a regra comporta flexões, quais sejam: o erro gráfico, ou quando exponha o indivíduo a situações vexatórias. Por ensejar situação discriminatória, a certidão a ser expedida não deve conter referência de que o assentamento contém elementos de averbação”.

Nessa mesma esteira decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo, tendo como relator o Desembargador Elliot Akel. Vejamos:

“REGISTRO CIVIL - Retificação - Assento de nascimento - Transexual - Alteração na indicação do sexo - Deferimento - Necessidade da cirurgia para a mudança de sexo reconhecida por acompanhamento médico multidisciplinar - Concordância do Estado com a cirurgia que não se compatibiliza com a manutenção do estado sexual originalmente inserto na certidão de nascimento - Negativa ao portador de disforia do gênero do direito à adequação do sexo morfológico e psicológico e a conseqüente redesignação do estado sexual e do prenome no assento de nascimento que acaba por afrontar a lei fundamental - Inexistência de interesse genérico de uma sociedade democrática em impedir a integração do transexual - Alteração que busca obter efetividade aos comandos previstos nos artigos 1º, III, e 3º, IV, da Constituição Federal - Recurso do Ministério Público negado, provido o do autor para o fim de acolher integralmente o pedido inicial, determinando a retificação de seu assento de nascimento não só no que diz respeito ao nome, mas também no que concerne ao sexo”. (Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação Cível n. 209.101-4 - Espirito Santo do Pinhal - 1ª Câmara de Direito privado - Relator: Elliot Akel - 09.04.02 - V. U.).

Ambas as decisões tem como fundamento o princípio da dignidade da pessoa humana, sobrepondo-a a qualquer outro princípio, tais como o da segurança jurídica, o da publicidade e o da imutabilidade dos registros públicos.

Nesse sentido é o que a doutrina moderna vem entendendo, seguida pelos estudiosos Luiz Alberto David Araújo, Flávio Tartuce, Maria Berenice Dias, Caio Mario da Silva Pereira e Antonio Chaves.

Referidos doutrinadores afirmam, em uma orientação liberal, que a alteração do prenome e gênero do transexual deve ser feita na modalidade retificação, não devendo constar qualquer averbação ou anotação no registro de nascimento ou em qualquer outro documento. Ensinam que a averbação só continuaria trazendo constrangimentos aos portadores de disforia de gênero, de modo que seus anseios não seriam integralmente atendidos.

Interessante salientar que este entendimento, mesmo que benéfico aos transexuais, contraria disposição literal contida na Lei 6.015 de 31.12.1973 (Lei de Registros Públicos), especificamente o art. 29, §1º, letra f, que informa a necessária averbação da alteração ou abreviaturas de nomes[89].  

Por outro lado, a doutrina e jurisprudência mais conservadora defendem que a alteração deve ser feita na modalidade de averbação, sendo imperiosa a anotação de que a alteração deu-se por sentença judicial. Dessa forma, resguardaria o interesse público, evitando que terceiros de boa-fé fossem induzidos a erro.

Seguindo esse raciocínio, Tereza Rodrigues Vieira parece propor a solução ideal, equilibrando o interesse do particular e o interesse público:

“Até a presente data, persistimos na averbação e não na criação de um registro completamente novo, para evitar, por exemplo, que um determinado indivíduo contraia casamento, sem conhecer a condição transexual do outro nubente (...). Na certidão de nascimento poderá constar apenas ‘com observações’ ou ‘com averbações’. Assim, dependendo do motivo para o qual o ‘ex-transexual’ esteja exibindo o documento, não se indagará o motivo da inscrição acima”.

De forma veemente e esclarecedora, o Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou a favor da averbação. Em 22.03.2007, ao julgar caso procedente no Rio Grande do Sul, o saudoso Min. Carlos Alberto Menezes Direito deliberou sobre o assunto, decidindo favoravelmente pela adequação do prenome e sexo, desde que houvesse a publicidade dessas alterações. Eis a ementa:

“Mundança de sexo. Averbação no Registro Civil.

1. O recorrido quis seguir o seu destino, e agente de sua vontade livre procurou alterar o seu registro civil a sua opção, cercada do necessário acompanhamento médico e de intervenção que lhe provocou a alteração da natureza gerada. Há uma modificação de fato que não se pode comparar com qualquer outra circunstância que não tenha a mesma origem. O reconhecimento se deu pela necessidade de ferimento do corpo, a tanto, como se sabe, equivale o ato cirúrgico, para que seu caminho ficasse adequado ao seu pensar e permitisse que seu rumo fosse aquele que seu ato voluntário revelou para o mundo no convívio social. Esconder a vontade de quem a manifestou livremente é que seria preconceito, discriminação, opróbrio, desonra, indignidade com aquele que escolheu o seu caminhar no trânsito fugaz da vida e na permanente luz do espírito.

2. Recurso especial conhecido e provido”

(STJ, Resp 678.933/RS, 3ª T., rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito). (grifei)

Assim, fica evidente que a averbação além de resguardar direito de terceiros de boa-fé, atende também, de certa forma, o desejo do transexual que é o reconhecimento de sua nova identidade.

Os demais documentos dos transexuais (ou ex-transexuais, como preferem alguns) não teriam qualquer anotação ou menção a respeito da averbação constante em seu assento civil, de modo que a apresentação dos documentos de praxe jamais os exporia ao ridículo ou a situações vexatórias.

 Mesmo em casos excepcionais que se exigisse a certidão de nascimento do transexual, nesta só seriam visíveis as seguintes expressões: “consta averbação”, “anotação”, “com observação” ou “alteração no registro por força de decisão judicial”. Este conteúdo não seria capaz de trazer angústia ao redesignado, razão pela qual nos parece a melhor saída, harmonizando os interesses de um modo geral.

Exatamente a propósito dessa posição, existem o Projeto de Lei n. 70-B, de 1.995, de autoria do Deputado José Coimbra, e o Projeto de Lei n. 6.655 de 2.006, este de autoria do Deputado Luciano Zica.

O primeiro projeto tem como objetivo a legalização das operações de redesignação sexual e a posterior mudança no registro civil.

O deputado José Coimbra propõe a inclusão de novo parágrafo no artigo 129 do Código Penal, com o intuito de excluir do crime de lesão corporal a cirurgia de adequação sexual. Tal modificação visa sedimentar o entendimento de que a conduta do médico, ao realizar a cirurgia de readequação sexual, não constitui crime de lesão corporal[90], reforçando o que já dispõe a atual Resolução 1.955, de 12.08.2010, do Conselho Federal de Medicina.

Além disso, o deputado também propõe alterações no artigo 58 da Lei nº 6.015 de 31/12/1973 (Lei dos Registros Públicos). Com a aprovação do projeto, o artigo passaria a possuir três parágrafos. O primeiro praticamente idêntico ao original. O segundo parágrafo prevê nova hipótese de alteração do nome relacionada à realização da cirurgia de transgenitalização. O terceiro parágrafo dispõe sobre a averbação de ser a pessoa transexual no registro de nascimento e documento de identidade[91].

A comissão de Constituição e Justiça e de Redação fez ressalva sobre o parágrafo terceiro do projeto. A comissão insurgiu-se contra a determinação de averbação no sentido de constar no registro que a pessoa é transexual, com fundamento no art. 5º, X, da CF, que protege, entre outras coisas, a privacidade da pessoa. Além de agredir a privacidade da pessoa, a menção ao fato de ser transexual a expõe ao ridículo.

A comissão, então, propôs nova redação ao citado parágrafo, que passou a ser a seguinte: “No caso do parágrafo anterior, deverá ser averbado no assento de nascimento o novo prenome, bem como o sexo, lavrando-se novo registro”. Foi apresentada, ainda, emenda aditiva que inclui mais um parágrafo ao artigo 58. O quarto parágrafo tem a seguinte redação: “É vedada a expedição de certidão, salvo a pedido do interessado ou mediante determinação judicial”.

Contudo, há inúmeras questões que não foram abordadas no projeto. Apesar de seu valor e iniciativa, o projeto possui diversas lacunas e ainda não poderá resolver completamente os problemas dos transexuais.

O referido projeto é omisso quanto à necessidade ou não de autorização judicial para a realização da cirurgia. Não explicitou os destinatários da norma; não determinou o estado civil do transexual para que possa submeter-se à operação e deixou de estabelecer as garantias para que ele exerça os direitos decorrentes do seu novo estado sexual. Conseqüentemente, não delimitou o alcance jurídico desse reconhecimento e, por fim, também deixou de fixar os respectivos deveres.

Embora reconheçamos que o Projeto de Lei 70-B, de 1995, de louvável iniciativa do deputado José Coimbra, seja um primeiro passo para solução dos problemas dos transexuais no Brasil, o mesmo, lamentavelmente, não se mostra adequado a resolver, definitivamente, a difícil situação em que se encontram os transexuais em nosso país.

Já o projeto de Lei de autoria do Deputado Luciano Zica propõe a alteração do artigo 58 da Lei de Registro Públicos, de forma a autorizar a alteração do prenome, mesmo sem ter passado pela intervenção cirúrgica. Já em relação ao sexo, o parlamentar propõe que seja feita a anotação de se tratar de um transexual[92].

Por fim, o projeto mais recente (Projeto Lei 1.281 de 2011), atualmente apensado aos outros dois supramencionados, de autoria do Deputado João Paulo Lima, propõe a inclusão do Art. 58-A na Lei de Registros Públicos, no sentido de autorizar a alteração do prenome independentemente de decisão judicial, desde que comprovado por laudos médicos a sua condição de transexual.

Infelizmente, os projetos de lei, em que pesem ser de boa iniciativa no sentido de minimizar os sofrimentos dos transexuais, parecem propor um retrocesso, não se coadunando com o princípio da dignidade humana. Num primeiro momento, poderíamos dizer que a proposta de incluir no registro que a pessoa é “transexual” é degradante e aviltante. É como se criasse um novo gênero, um ser diferente.     

Seguindo esse raciocínio, oportuno citar o entendimento do ilustre Luiz Alberto David Araújo:

“Autorizar a operação, mas manter a inscrição ‘transexual’, é comportamento que não define a situação do transexual. Resolve apenas o problema da aparência, assumindo o sexo desejado, mas não a questão da integração social. Embora tenha a aparência do seu sexo psicológico, na vida civil, ostentará a anotação ‘transexual’, para que firme marcado como anormal para sempre. Como se a sociedade, num gesto magnânimo, lembrasse sempre ao transexual que ele pode parecer-se com o que pretende, mas nunca será realmente o que pretende. O grilhão amarrado ao pé do transexual será sempre exibido, como pena perpétua, impedindo sua integração social”.[93]

Posto este aparato geral, passemos a pontuar as mais polêmicas situações em que a retificação e averbação do prenome e gênero do transexual estão envolvidas, contrapondo-as de modo a obter a melhor solução para o atendimento do transexual e os terceiros de boa-fé.

5.2.1. A publicidade do registro nos casos em que pode haver dificuldades na identificação do indivíduo relativo às suas obrigações civis e criminais.

Muitos podem se questionar, num primeiro momento, se a cirurgia de transgenitalização, seguida da alteração no prenome e gênero, não poderia ser uma forma de o indivíduo se escusar das obrigações civis e criminais, neste último caso, fugindo do registro de antecedentes criminais.

Em relação às pessoas que não são portadoras de distúrbio psíquico de identidade sexual, parece-nos um pouco utópico e, podemos dizer, fantasioso, um indivíduo passar por todo o procedimento previsto na atual Resolução do Conselho Federal de Medicina, moldando o seu corpo tal como o do seu sexo oposto, para fugir de obrigações com os particulares e com o poder público.

Primeiramente, tendo em vista o rigoroso procedimento previsto na citada Resolução, dificilmente uma pessoa passaria pelos inúmeros laudos médicos e teria atestada sua condição de transexual uma vez que não fosse. Ademais, seria difícil de imaginar uma pessoa alterar a sua genitália e se moldar ao sexo oposto para se escusar do cumprimento de avenças ou se responsabilizar pelos seus atos na esfera criminal. Em outras palavras, farsas e fraudes seriam quase que nulas.

Ainda que o indivíduo fizesse operações clandestinas, sem passar pelo crivo e análise de médicos especialistas, no momento de comprovar em juízo os motivos que levaram a alterar seu sexo para conseguir o deferimento da alteração de seu prenome e gênero, estaria ausente o conteúdo probatório que o atesta como sendo pessoa transexual.

Portanto, tratando-se de pessoa não sofredora de disforia de gênero, acreditamos que a situação é de difícil concretização, não merecendo, neste trabalho, a nossa atenção.

Já em relação aos verdadeiros transexuais, atestados assim por laudos médicos, poderíamos nos indagar se a retificação de seu prenome e gênero dificultaria a sua identificação, inviabilizando a execução de obrigações outrora firmadas – isto é, antes do processo transexualizador -, bem como a identificação de um criminoso.

A situação posta parece ser de fácil solução. Para evitar qualquer discussão no sentido de que o processo de redesignação sexual possa vir a beneficiar o transexual, dificultando sua identificação por crime anterior cometido ou no caso de inviabilizar sua localização no registro de antecedentes criminais, bastaria que o juiz, antes de autorizar a alteração do prenome e sexo, deferisse a expedição de ofícios aos órgãos das cidades em que o transexual já residiu. Desse modo, mesmo após a nova identidade, haveria a atualização de seus antecedentes criminais.

Nesse sentido, em 2008, decidiu a 10ª Turma do Tribunal de Justiça de São Paulo, tendo como relator o Des. Maurício Vidigal, autorizar a adequação de prenome e sexo de pessoa que possuía pregresso envolvimento criminal. Vejamos a ementa:

“Registro civil. Nome. Mudança de prenome e sexo. Transexual que se submeteu à ablação do órgão externo masculino. Retificação do registro deferida. Apelação do Ministério Público. Desnecessidade de conversão do julgamento em diligência, em face da existência de anterior envolvimento criminal. Impossibilidade de aceitação de que alguém pudesse se submeter à cirurgia castradora apenas para poder mudar de nome e escapar ao registro de antecedentes criminais. Possibilidade de expedição de ofício aos órgãos de registro das cidades ou estados onde residiu o requerente para atualização dos registros criminais. Proibição de mudança do prenome que não é absoluta. Neuro discordância de gênero que pode induzir situações de constrangimento no dia a dia e que podem ser resolvidas com a retificação do registro civil. Recurso desprovido (TJSP, AC 427.435-4/3, 10ª Câm. Dir. Priv. Rel. Maurício Vidigal, j. 11.11.2008)”.           

 Verifica-se que o julgador, na ementa acima, entendeu por bem deferir a alteração na forma de retificação, mas atualizando esse novo registro com os antecedentes criminais.

Com relação às dívidas contraídas com terceiros, nos parece que a alteração feita na espécie de retificação não seria o melhor caminho.

O indivíduo, antes de passar pelo processo transexualizador, incluindo-se aí a alteração do prenome e gênero, foi sujeito de direito e obrigações. Por certo, vários negócios jurídicos com terceiros foram entabulados e, alguns deles, porventura, ainda não foram totalmente adimplidos.

Nesse sentido, em eventuais ações de cobrança, quando deferida a expedição de ofícios para órgãos com grande acervo cadastral no sentido de localizar o devedor, haveria, obviamente, o retorno negativo, não havendo como localizar o inadimplente.

Por outro lado, havendo a averbação à margem do registro, haveria possibilidade de localizar o indivíduo que passou pela redesignação sexual e teve seu prenome e sexo alterados.

Essa situação é tema objeto da ação direta de inconstitucionalidade nº. 4275-1, da relatoria do Ministro Marco Aurélio Mello, atualmente em trâmite no Supremo Tribunal Federal. Nesse feito, houve a Advocacia Geral da União por expressar, em sua manifestação, a necessidade de preservação dos dados anteriores que são objeto da alteração requerida pelo transexual. Vejamos:

“A possibilidade de retificação do registro público sem qualquer referência ao antigo estado implicaria no desaparecimento do sujeito de direito anterior, o que inviabilizaria (ou, ao menos, causaria sérios embaraços), por exemplo, a efetivação da cobrança de débitos civis e tributários, bem como a investigação, persecução e execução penais que eventualmente recaíssem sobre o transexual em razão de atos por ele praticados anteriormente à tal retificação.”

Adiante, conclui:

“A manutenção do prenome e do sexo civil anteriores reveste-se, portanto, de interesse público, além de concorrer para a efetivação do princípio da segurança jurídica (artigo 5ª, caput, da Constituição), por resguardar a verdade que o registro deve ostentar”.            

A averbação, sem sombra de dúvida, sempre será a melhor forma em aliar os interesses de terceiros com o desejo de alteração do prenome e sexo do transexual.

A retificação, por outro lado, além de dificultar a identificação do indivíduo, sendo necessárias determinações no sentido de acautelar problemas futuros, fecha os olhos para os direitos de terceiros de boa-fé, inviabilizando o cumprimento de obrigações avençadas com os transexuais.

5.2.3. A publicidade do registro nos casos de casamento do transexual.

Talvez seja esta a situação que mais traz polêmica quando o assunto é retificação ou averbação do prenome e gênero do transexual.

Antes de adentrarmos no mérito do tópico, deixamos claro que nosso entendimento é no sentido de permitir o casamento do transexual, filiando-se ao entendimento do já inúmeras vezes citado Luiz Alberto David Araújo.

Tal entendimento encontra respaldo na recente decisão do Supremo Tribunal Federal que, em sessão plenária realizada em 05 de maio de 2011, por unanimidade, julgou Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132, reconhecendo a união homoafetiva. Desse modo, tendo em vista que o transexual vê seu relacionamento na ótica heterossexual, mesmo que não se reconheça seu sexo psicológico, há possibilidade do reconhecimento da união afetiva por analogia à histórica decisão do Pretório Excelso.

É fato notório que, por vezes, é quase impossível se identificar um transexual, posto que moldam suas feições e vozes por meio de cirurgias e hormônios, transfigurando-se totalmente ao seu sexo oposto.

Desse modo, não é raro e incomum que uma pessoa venha a se apaixonar e manter um relacionamento com um transexual sem, contudo, saber a sua real biologia, pois esta nunca irá mudar.

Pois bem, tal como qualquer outro relacionamento, pode haver o amadurecimento dos sentimentos e a relação se tornar tão agradável que tanto o terceiro e o transexual consintam em unir-se em matrimônio.

Pode acontecer, ainda, que o transexual não venha a expor seu verdadeiro passado, informando ao futuro cônjuge que nasceu homem ou mulher, conforme o caso, razão pela qual o terceiro estaria totalmente induzido a erro.

Vale dizer que mesmo desconfiando de algo, havendo a retificação do assentamento civil do transexual, o terceiro não terá como saber o verdadeiro gênero de seu parceiro.

Por estas razões, nos parece que a averbação é a melhor maneira de evitar com que o terceiro de boa-fé seja levado a erro com relação ao seu parceiro transexual, devendo, portanto, constar em sua certidão de nascimento que o prenome e gênero foram alterados por decisão judicial.

Ilustrando bem essa problemática, em 2009, a 12ª Turma do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, tendo como relator o Desembargador Nanci Mahfuz, proferiu a seguinte decisão:

“Transexualismo. Mudança do sexo. Mudança de prenome. Possibilidade. Averbação no registro civil. Decisão judicial. Apelações cíveis. Mudança sexo. Declaratória de sexo feminino e alteração do prenome e patronímico. Transexual, portador de Síndrome de Klinefelter que fez cirurgias de amputação de pênis e construção de neovagina. Sentença de improcedência, com fundamento na estabilidade das relações jurídicas, na ausência de transformação do autor em mulher, e na preservação de terceiros de boa-fé. A alteração da legislação é mais lenta que as mudanças sociais e técnicas, pelo que o julgador deve aplicar a lei de forma a adequá-la a essas mudanças. A medicina atual faz distinção entre transexual, travesti e homossexual. Res. CFM. 1.652/2002 que estabelece as condições para a cirurgia de neocolpovulvoplastia, no caso de transexualismo, por reconhecer distúrbio psicossocial, por transtorno de identidade de gêneros. Reconhecimento pelo Ministério da Saúde de tratar-se de tratamento, pela Portaria 1.707 de 18.08.2008, que institui no âmbito do SUS o processo transexualizador dentro da integralidade da atenção à saúde. Hipótese a que se aplicam normas constitucionais do direito à saúde e à dignidade da pessoa humana, bem como a permissão excepcional do art. 13 do Código Civil de 2002, e não a proibição. Aplicação do art. 5º da LICC. Instrução do feito suficiente para o julgamento. Necessidade de modificação do nome e do sexo no registro civil, em razão da aparência física de mulher. Jurisprudência não pacificada com relação ao que deve constar, sendo necessária a ponderação entre os interesses em jogo. Preservação da boa-fé de terceiros e das normas registrais, devendo ser averbada a decisão no registro civil, constando nas certidões que as alterações de nome e gênero decorrem de ato judicial. Precedente do STJ no Resp 678.933. Inexistência de discriminação ilegítima. Reforma da sentença para julgar procedente o pedido, alterando-se o nome e o gênero. Provimento do segundo recurso, prejudicado o recurso ministerial (TJRJ, ApCiv. 0180968-76.2007.8.19.0001 (2009.001.11138), 12ª Câm. Civ., j. 08.09.2009, rel. Des. Naci Mahfuz).” Grifei

Não se verifica aqui qualquer ideia de preconceito. O que se proclama, ao contrário, pela própria natureza pública dos assentos relativos ao estado da pessoa, é a segurança jurídica de terceiros, ao qual o exclusivo e particular interesse não podem prevalecer. Até porque, como se tem dito incansavelmente, os documentos geralmente utilizados pelo interessado indicarão a sua atual condição de prenome e sexo, sem qualquer ressalva.

Flávio Tartuce, apresenta colocação destoante da apresentada:

“Entendemos que o argumento pelo qual terceiros de boa-fé podem ser induzidos a erro pelo transexual operado não pode prosperar. Isso porque é comum que o próprio transexual revele ao pretenso parceiro a sua situação. Primeiro, porque a patologia lhe traz choques psíquicos graves. Segundo, temendo represálias ou manifestações agressivas futuras.”[94]

“Data máxima vênia”, não seguimos os ensinamentos do ilustre doutrinador. Não se pode ter como garantia a confissão do transexual, sendo esta totalmente subjetiva, dependendo de cada caso.

O transexual pode omitir sua condição sexual passada exatamente por medo e receio de sofrer algum tipo de violência ou novas situações de constrangimento.

Seria aconselhável que o transexual revelasse seu passado antes mesmo de engatilhar qualquer relacionamento, mas isso, por certo, evitaria, na maioria das vezes, qualquer aproximação com outra pessoa.

Compreendemos a dificuldade da reintegração social do transexual, no entanto, não se pode descurar que devem ser preservados os direitos à dignidade e felicidade de todos os demais indivíduos da sociedade, que podem vir a namorar e se casar com um transexual por ignorar tal situação, atingindo sua personalidade, seja por questões éticas, filosóficas ou religiosas, não importa. Tal preservação, aliada ao interesse de alteração do prenome e gênero do transexual, só pode ser feita na forma de averbação.

Poderíamos ser surpreendidos com o seguinte questionamento: Se o transexual se molda tão perfeitamente ao seu sexo psicológico, com caracteres primários e secundários bem definidos, bem como pode ter êxito em pedido judicial que defira a retificação de seu prenome e gênero, como poderá ser identificado? A resposta para a questão nos parece fácil.

Como sabemos, internamente, a constituição física do indivíduo operado continua a mesma, ou seja, mantém seu sexo de origem. Apesar de perder várias características físicas do seu sexo de origem, continuará, conforme o caso, homem com seus cromossomos XY, ou mulher com seus cromossomos XX.

Um transexual masculino que fez a cirurgia de redesignação de sexo, por exemplo, jamais poderá gerar um filho (pelo menos diante da tecnologia médica e cientifica atuais), eis que houve apenas a mudança de sua genitália.

Dessa forma, mais cedo ou mais tarde, o parceiro do transexual o indagará ou irá levá-lo para exames, no sentido de saber por qual motivo seu cônjuge não pode gerar. Esta pressão culminaria, cedo ou tarde, na descoberta da real biologia do transexual. Isso, sem dúvida, causaria vários transtornos, tanto ao transexual como para o seu parceiro.

Uma mulher pode vir a não conseguir gerar um filho; porém, isto é uma hipótese. Já no caso do transexual masculino, a impossibilidade de gerar uma criança é uma certeza.

Nesse panorama, o Superior Tribunal de Justiça, através da 3ª Turma, decidiu por unanimidade, negar o segredo de justiça ao pedido de transexual para mudar o seu nome e sexo no registro civil. O saudoso relator Ministro Carlos Alberto Direito de Menezes, com a inteligência que lhe era peculiar, ressaltou em seu relatório que:

“Não creio que os argumentos postos no acórdão do TJRS tenham substância capaz de justificar a conclusão que acolheu, particularmente com a infeliz comparação com a mulher que por qualquer patologia não pode gerar. Aquela que não pode gerar tem a mesma benção da sua natureza daquela que pode. Ao dom da criação, que homem e mulher repartem, com a fecundação, fruto do amor e entrega, de doação e unidade, não se nega a origem nascida nem se esconde fato resultante de ato judicial. Não se trata de ato submetido ao registro civil. Não se trata de modificação da sua natureza.”[95]

É bem verdade que a esterilidade não é motivo para anulação do casamento. O fato de o cônjuge não poder gerar filhos não encontra respaldo no direito pátrio para a dissolução do matrimônio.

Nesse sentido, Washington de Barros Monteiro nos ensina:

“A instituição (casamento) não tem exclusivamente por fim a procriação; visa também ao estabelecimento de união afetiva e espiritual entre os cônjuges. Uma vez que essa união ao pode ser alcançada, inexistirá motivo para anular o casamento, só porque dele não adveio prole, em razão da esterilidade de um dos cônjuges. A jurisprudência é pacífica a respeito, tanto para a mulher como para o homem”.[96]           

Na mesma esteira, Luiz Alberto David Araújo apregoa: “(...) o casamento não tem como finalidade a procriação, mas o convício entre duas pessoas. Tanto isso é verdade que a impossibilidade de gerar filhos não é motivo para anulação do casamento”.[97]

Ocorre que na situação do transexual, o fato de não poder gerar irá levar seu parceiro a querer descobrir por qual motivo, o que levará, inevitavelmente, a descoberta do passado do mesmo, de modo que a anulação do casamento terá fundamento nos artigos 139[98], 1.556[99] e 1.557[100], todos do Código Civil. Trata-se de erro essencial sobre a pessoa.

Nessa hipótese, o cônjuge enganado tem direito a indenização por conta da omissão do transexual em relação a sua identidade. Tal direito teria por base a regra esculpida no art. 5, inciso V, da Constituição Federal[101].

No entanto, seria razoável permitir que o terceiro de boa-fé passasse por tal situação, sendo que poderia ter acesso ao assento civil de seu futuro cônjuge e verificar que constam averbações? Não seria melhor que o direito como um todo agisse de forma preventiva do que repressiva? Será que a indenização por conta de erro essencial amenizaria a dor de um indivíduo que viveu em matrimônio ou união estável com uma pessoa cuja verdade lhe foi omitida com a ajuda do poder judiciário?

Não se pode esconder no registro, sob pena de validarmos agressão à verdade que ele deve preservar, que a mudança decorreu de ato judicial. Trata-se de registro imperativo e com essa qualidade é que se não pode impedir que a modificação da natureza sexual fique assentada.  

A análise da questão aqui debatida, ante a colisão do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e do princípio da felicidade, deve ser harmonizada e ponderada em ponto certo que atenda aos anseios do transexual em ter um prenome e gênero compatíveis com a sua nova aparência, permitindo estas alterações no seu registro civil e atendendo-se aos anseios de todos os demais cidadãos, também titulares do direito à dignidade da pessoa humana.

Para isso, verifica-se a necessidade de que seja determinada a averbação do novo prenome e sexo no assento de nascimento, evitando-se, assim, um casamento indesejado com um transexual, ou dando-se a chance de se evitar uma união estável.  

Deferir a averbação, ao invés da retificação, conjuga a dignidade do requerente, evitando constrangimentos públicos e, de outro lado, preserva o interesse de terceiros.

Por fim, a certidão de nascimento, único documento em que constaria a averbação do prenome e gênero do transexual, é via de regra, documento exigido em limitadíssimas ocasiões, de modo que o constrangimento no dia a dia da vida se mostra quase que totalmente afastado com a utilização dos documentos de identidade e habilitação, por exemplo. Logo, a averbação é a espécie mais adequada de alteração para aliar o interesse do particular e o da coletividade.


6) CONCLUSÃO.

O princípio da dignidade da pessoa humana encartado no artigo 1º, III, da Constituição Federal, é, como ficou demonstrado, a norma base que possibilita a alteração do prenome e gênero do transexual, seja antes – maiormente nos casos da neofaloplastia - ou depois da redesignação sexual.

Na realidade, observou-se que o princípio da dignidade da pessoa humana, verdadeira cláusula geral que tutela os direitos da personalidade, é o apropriado paradigma a ser observado na resolução dos litígios que versam sobre o prenome e gênero dos transexuais, podendo-se afirmar, sem receio algum, que referido preceito é o alicerce que possibilita uma interpretação da Lei de Registros Públicos e do Código Civil de modo favorável aos anseios do transexual de ver alterado o seu prenome e gênero em seus assentos civis.

Enquanto leis reguladoras específicas não são editadas pelo legislador, tal comando basilar deve propiciar a solução dos conflitos gerados por novas tecnologias e pelo desenvolvimento social. O direito não deve engessar o desenvolvimento da sociedade; ao contrário, deve se desenvolver para atender aos seus desejos.  

O Judiciário não pode desconsiderar uma questão definida pela Medicina e pela Psicologia. O transexualismo existe, é uma doença e precisa ser tratado. E, inserida neste tratamento, está a cirurgia de adequação sexual. No entanto, de nada adiantará o tratamento se, posteriormente, o indivíduo não tiver seu prenome e sexo alterados, carregando por toda a vida acintosa humilhação e sofrimento.

Ademais, toda pessoa tem direito ao nome, erigindo-o a um direito inerente à personalidade do indivíduo. Nesse diapasão, o prenome jamais poderia ser motivo e fonte de humilhações e ofensas, situações constrangedoras e preconceituosas.

A personalidade há de ser protegida em grau máximo, e o prenome, principal signo identificador das pessoas, deve ser o primeiro direito a ser protegido.

Todavia, se de um lado o direito não pode permitir que a dignidade da pessoa humana do transexual seja violada sempre que o mesmo ostentar documentos que não condizem sua realidade física e psíquica, por outro não pode menosprezar a segurança jurídica.

Em vista disso e de tudo que foi exposto, verifica-se que o mais ponderável seria uma averbação e não uma retificação no registro civil do transexual, de modo a fazer constar apenas no mesmo que o prenome e o gênero foram alterados por força de sentença judicial.    

Dessa forma, ao que tudo indica, preservar-se-ia a dignidade do transexual sem jogar por terra a segurança jurídica dos terceiros de boa-fé.


7) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

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Notas

[1] Harry Benjamin foi um sexólogo de origem alemã radicado nos Estados Unidos. É principalmente conhecido por ser o pioneiro no trabalho com a transexualidade humana. Publicou vários artigos sobre medicina sexual em periódicos especializados e o livro The Transsexual Phenomenon em 1966.

[2] VIEIRA, Tereza Rodrigues. Transexualidade. apud Dias, Maria Berenice (Coord.). Diversidade sexual e direito homoafetivo. São Paulo: RT, 2011. p. 412.

[3] BARION, Ana Paula. Transexualismo, o direito a uma nova identidade sexual. Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2001. p 125 (Série Biblioteca de Teses).

[4] KLABIN, Aracy Augusta Leme. Aspectos jurídicos do transexualismo. Dissertação de Mestrado apresentada na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 1977, p.5.

[5] VIEIRA, Tereza Rodrigues. Nome e sexo: mudanças no registro civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 218.

[6] SHANCES, Patrícia Corrêa. Mudança de nome e da identidade de gênero. p. 435 apud Dias, Maria Berenice (Coord.). Diversidade sexual e direito homoafetivo. São Paulo: RT, 2011.

[7] VIEIRA, Tereza Rodrigues. Nome e sexo: mudanças no registro civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 220.

[8] MIELNIK, Isaac. Dicionário de termos psiquiátricos. São Paulo: Roca, 1.987. p. 31.

[9] VIEIRA, Tereza Rodrigues. Nome e sexo: mudanças no registro civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 219.

[10] Método de tratamento através de vibrações mecânicas.  

[11] Método intensivo para o tratamento de distúrbios neurológicos.

[12] Método de manipulação orgânica do cérebro para curar ou melhorar sintomas de uma patologia psiquiátrica.

[13] Tratamento psiquiátrico no qual são provocadas alterações na atividade elétrica do cérebro induzidas por meio de passagem de corrente elétrica, sob condição de anestesia geral.

[14] SILVEIRA, José Francisco Oliosi da. O transexualismo na justiça. Porto Alegre: Síntese, 1995, p. 138.

[15] Ibidem.

[16] Art. 129, §2º, inciso III, do CP: “Ofender a integridade corporal ou as saúde de outrem: Se resulta: perda ou inutilização de membro, sentido ou função; Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.

[17] Roberto Farina foi o primeiro cirurgião brasileiro a realizar, em 1971, na cidade de São Paulo, uma cirurgia de redesignação sexual em Waldir Nogueira consistente na ablação dos órgãos sexuais e na abertura de uma fenda, à imitação de uma vulva postiça, artificial, para onde transplantou a uretra.

[18] Processo n.° 799/76 - 17.ª Vara Criminal de São Paulo.

[19] A sentença condenatória, em seu relatório, faz menção à denúncia, na qual foi dito que da cirurgia resultaram problemas graves para o ofendido quanto ao seu comportamento social, além de lhe imputar o objetivo de propiciar “condições favoráveis para uniões matrimoniais espúrias”. APELAÇÕES Criminais. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 545, p. 364, mar. 1981. Posteriormente o médico foi absolvido, pois a justiça concluiu que a cirurgia era o único meio de aplacar a angústia do transexual operado. Além disso, o paciente possuía parecer favorável de uma junta médica do Hospital das Clínicas de São Paulo para intervenção cirúrgica como solução terapêutica (Processo n.º 799/76 – 17ª Vara Criminal de São Paulo).

[20] Cumpre ilustrar que a operação de reversão sexual realizada em 1981, deu ensejo ao proc. nº 2.698/85, na Vara Cível de Mangaratiba, RJ, cuja sentença proferida pelo juiz de direito Marco Antônio Ibrahim julgou procedente o pedido de alteração do registro civil, foi também realizada pelo Dr. Roberto Farina.

[21] Art. 23, inciso III, do CP: “Não há crime quando o agente pratica o fato: em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.”

[22] Guilherme de Souza Nucci conceitua exercício regular de direito como “o desempenho de uma atividade ou a prática de uma conduta autorizada por lei, que torna lícito um fato típico. Se alguém exercita um direito, previsto ou autorizado de algum modo pelo ordenamento jurídico, não pode ser punido, como se praticasse um delito. O que é lícito em qualquer ramo do direito, há de ser também no direito penal” (Manual de Direito Penal. 7ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. pág. 285).

[23] Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes. Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial.

[24] Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.

[25] SHANCES, Patrícia Corrêa. Mudança de nome e da identidade de gênero. p. 425 apud Dias, Maria Berenice (Coord.). Diversidade sexual e direito homoafetivo. São Paulo: RT, 2011.

[26] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 1: parte geral. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 148.

[27] VIEIRA, Tereza Rodrigues. Nome e sexo: mudanças no registro civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 26.

[28] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: 1. Teoria geral do direito civil. 28ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 225.

[29] Sobre as discussões que cercam o assunto da natureza jurídica do nome, ler as lições de Silvio de Salvo Venosa, em sua obra Direito Civil: parte geral. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 183 e 184.

[30] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 1: parte geral. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 154.

[31] LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil, v. 1: teoria geral do direito civil. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 235.

[32] Art. 58, parágrafo único: “os oficiais do registro civil não registrarão nomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores. Quando os pais não se conformarem com a recusa do oficial, este submeterá por escrito o caso, independente da cobrança de quaisquer emolumentos, à decisão do juiz competente”.

[33] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: 1. Teoria geral do direito civil. 28 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 229.

[34] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio: o minidicionário da língua portuguesa. 7.ed. – Curitiba: Ed. Positivo; 2008. p. 654.

[35] PRINCÍPIOS. In: Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2010. Disponível em: http://www.priberam.pt/dlpo/dlpo.aspx?pal=princípios Acesso em: 25 abr. 2012.

[36] ARAÚJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional do transexual. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 78.

[37] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de direito administrativo. São Paulo. Revista dos Tribunais, 1986, p. 230.

[38] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo. 30ªed. Ed. Malheiros. 2008. p. 91.

[39] SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público, São Paulo, Malheiros. Ed. 1992, p. 137.

[40] BARROSO, Luís Roberto.Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção de um novo modelo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 206 e 207.

[41] José Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira, Fundamentos da Constituição, Coimbra, Coimbra Ed., 1991, apud José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, 5. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1989, p. 82.

[42] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra. Ed. 4ª. Ed. Almedina, 2000. p. 1.124.

[43] MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 3. ed. Coimbra, Coimbra Ed. 1991, t. 2, p. 224.

[44] SILVA, José Afonso da. Direito constitucional positivo. Ed. 30ª. Ed. Malheiros: 2008. p. 92.

[45] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 138.

[46] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra. Ed. 4ª. Ed. Almedina, 2000. p. 1.124 e 1.125.

[47] Sobre poder constituinte originário e derivado, ler as lições de Pedro Lenza em sua obra Direito Constitucional Esquematizado, 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, páginas 112 e 115.

[48] ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Princípios constitucionais da Administração Pública. Belo Horizonte, Del Rey, 1994, p. 23.

[49] BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas, 3. ed., Rio de Janeiro, Renovar, 1996, p. 287.

[50] Sobre o estudo das várias características dos princípios constitucionais, ler as lições de Carmem Lúcia Antunes Rocha, em sua obra Princípios constitucionais da Administração Pública, Belo Horizonte, Del Rey, 1994, p.28 a 43.

[51] Para maior aprofundamento em matéria de regras e princípios, ler as lições de Sérvio Sérvulo da Cunha, em sua obra Princípios Constitucionais, São Paulo: Saraiva, 2006, p. 49 a 58.

[52] ARAÚJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional do transexual. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 85.

[53] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra. Ed. 4ª. Ed. Almedina, 2000. p. 1.126.

[54] Para análise aprofundada dos critérios de solução para os conflitos entre normas, leia as lições de Maria Helena Diniz, na obra Conflito de Normas. São Paulo: Editora Saraiva, 2003, p. 34 a 51.

[55] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra. Ed. 4ª. Ed. Almedina, 2000. p. 1.146.

[56] Art. 1º, inciso III, da Constituição Federal.                                                                                                 

[57] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. 4ª ed. ver. e atual – São Paulo: Saraiva, 2009. p. 172 e 173.

[58] BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção de um novo modelo. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 250.

[59] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 62.

[60] BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas, cit., p. 298.

[61] FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Comentários à Constituição brasileira de 1988. p. 19.

[62] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio: o minidicionário da língua portuguesa. 7.ed. – Curitiba: Ed. Positivo; 2008. p.401.

[63] "FELICIDADE", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2010, http://www.priberam.pt/dlpo/dlpo.aspx?pal=felicidade [consultado em 04-05-2012].

[64] ARAÚJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional do transexual. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 106.

[65] Art. 3.º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

[66] Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque é um engenheiro mecânico, economista, educador, professor universitário e político brasileiro, membro do PDT. Atualmente é senador pelo Distrito Federal. Foi Ministro da Educação entre 2003 e 2004, no primeiro mandato de Lula. Nas eleições de 2010, foi reeleito para o cargo de senador pelo Distrito Federal, com mandato até 2018.

[67] SHANCES, Patrícia Corrêa. Mudança de nome e da identidade de gênero. p. 442 apud Dias, Maria Berenice (Coord.). Diversidade sexual e direito homoafetivo. São Paulo: RT, 2011.

[68] Art. 58 da Lei 6.015/73: “O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios. Parágrafo Único: A substituição do prenome será ainda admitida em razão de fundada coação ou ameaça decorrente da colaboração com a apuração de crime, por determinação, em sentença, de juiz competente, ouvido o Ministério Público”.

[69] DINIZ, Maria Helena. As lacunas do Direito. São Paulo: RT, 1981.

[70] Art. 3º da Constituição Federal: “constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I) Construir uma sociedade livre, justa e solidária, III) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, IV) promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

[71] Art. 5 da Constituição Federal: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: X) são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”

[72] Art. 196 da Constituição Federal: “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

[73] Art. 199 da Constituição Federal: “A assistência à saúde é livre à iniciativa privada”.

[74] 8ª Câmara de Direito Privado do TJSP, Ap. Cível com revisão 439.257-4/3-00, rel. Des. Salles Rossi, vencido o revisor, j. 19.04.2007, m.v.

[75] O SUS (Sistema Único de Saúde), em  18 de agosto de 2008, editou a Portaria nº 1.707, que instituiu, em seu âmbito, o Processo Transexualizador a ser implantado nas unidades federadas, respeitadas as competências das três esferas de gestão.

[76] Ler artigo 2º da resolução nº 1.955/2010 do Conselho Federal de Medicina.

[77]  D-10 - Transexualismo - F-64.0

[78] Processo 1.876/1.991 – Rio de Janeiro.

[79] Revogada pela Resolução 1.652/2002 que, por sua vez, foi revogada pela atual Resolução 1.955/2010.

[80] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio: o minidicionário da língua portuguesa. 7.ed. – Curitiba: Ed. Positivo; 2008. p. 156.

[81] Averbação, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2010, http://www.priberam.pt/dlpo/dlpo.aspx?pal=averbação [consultado em 16-05-2012].

[82] CENEVIVA, Walter. Lei dos Registros Públicos Comentada. São Paulo: Saraiva, 2003. p 23.

[83] Civil. Sexo. Estado individual. Imutabilidade. O sexo, como estado individual da pessoa, é informado pelo gênero biológico. A redefinição do sexo, da qual derivam os direitos e obrigações, procede do direito e não pode variar de sua origem natural sem legislação própria que a acautele e discipline. Rejeitam-se os embargos infringentes (TJMG, EI 1.0000.00.296076-3/001 (na ApCiv 296.076-3), j. 22.04.2004. Rel. Des. Carreia Machado).

[84] Alteração de registro civil. Transexualidade. Cirurgia de transgenitalização. O fato de o apelante ainda não ter se submetido à cirurgia para a alteração de sexo não pode constituir óbice ao deferimento do pedido de alteração de registro civil. O nome das pessoas, enquanto fator determinante da identificação e da vinculação de alguém a um determinado grupo familiar, assume fundamental importância individual e social. Paralelamente a essa conotação pública, não se pode olvidar que o nome encerra fatores outros, de ordem eminentemente pessoal, na qualidade de direito personalíssimo que constitui atributo da personalidade. Os direitos fundamentais visam à concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual, atua como sendo uma qualidade inerente, indissociável de todo e qualquer ser humano, relacionando-se intrinsecamente com a autonomia, razão e autodeterminação de cada indivíduo. Fechar os olhos a esta realidade, reconhecida pela própria medicina, implicaria infração ao princípio da dignidade da pessoa humana, norma esculpida no inc. III do art. 1º da CF, que deve prevalecer à regra da imutabilidade do prenome. Por maioria, promoveram em parte”(TJRS, AC 70013909874, 7ª. Câm. Civ. rel. Des. Maria Berenice Dias, j. 05.04.2006).

[85] Retificação de registro civil – Pretendida alteração de prenome masculino para feminino por transexual – Carência da ação – Cabimento – Pleito que não pode ser apreciado no mérito, posto que não realizada a cirurgia de transgenitalização – Assento de nascimento que indica o autor como sendo do sexo masculino – Impossibilidade de prosseguir a pretensão deduzida no caso específico dos autos, diante da disparidade que passaria a existir entre prenome e sexo – Recurso desprovido (TJSP 6ª Câmara de Direito Privado Ap. 9100784-17.2009.8.26.0000. Rel. Des. Sebastião Carlos Garcia j. 26.11.2009).

[86] Transexual. Registro civil. Alteração. Possibilidade. Cirurgia de transgenitalização. Aplicação do art. 4º da LICC diante da ausência de lei sobre a matéria. Sentença que atende somente ao pedido de alteração de nome. Reforma parcial para também permitir a alteração do sexo no registro de nascimento. Provimento do apelo. A jurisprudência tem assinalado a possibilidade de alteração do nome e do sexo no registro de nascimento do transexual que se submete a cirurgia de redesignação sexual, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana”(AC 2006.001.611108, Des. Vera Maria Soares Van Hombeeck, j. 06.03.2007).

[87] JUSTINO, Denise. Transexualismo. Revista Consulex, 101, 31.03.2001.

[88] O portador de disforia de gênero desde cedo busca se adequar ao sexo psicológico. O consumo de hormônios, cirurgias plásticas e vestimentas são algumas das formas de diminuírem sua angústia, se apresentando da forma mais equiparada possível do seu sexo oposto.

[89] Art. 29. Serão registrados no registro civil de pessoas naturais: § 1º Serão averbados: f) as alterações ou abreviaturas de nomes.

[90] Com o projeto de Lei aprovado o art. 129 do Decreto-Lei nº. 2.848 de 7-12-40 (Código Penal) passaria a vigorar acrescido do seguinte parágrafo: "Art 129 (...). Exclusão do crime. § 9°. Não constitui crime a intervenção cirúrgica realizada para fins de ablação e órgãos e partes do corpo humano quando, destinada a alterar o sexo de paciente maior e capaz, tenha ela sido efetuada a pedido deste e precedida de todos os exames necessários e de parecer unânime de junta médica.

[91] Com a aprovação do projeto de lei, o art. 58 da Lei nº 6.015 de 31-12-73 (Lei de Registros Públicos) passaria a vigorar com a seguinte redação: "Art. 58. O prenome será imutável, salvo nos casos previstos neste artigo. § I ° Quando for evidente o erro gráfico do prenome, admite-se a retificação, bem como a sua mudança mediante sentença do juiz, a requerimento do interessado, no caso do parágrafo único do art. 55, se o oficial não houver impugnado. § 2° Será admitida a mudança do prenome mediante autorização judicial, nos casos em que o requerente tenha se submetido a intervenção cirúrgica destinada a alterar o sexo originário. § 3° No caso do parágrafo anterior deverá ser averbado ao registro de nascimento e no respectivo documento de identidade ser pessoa transexual.

[92] Com a aprovação do projeto o art. 58 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, passaria a vigorar com a seguinte redação: “Art. 58. O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição, mediante sentença judicial, nos casos em que: I – o interessado for: a) conhecido por apelidos notórios; b) reconhecido como transexual de acordo com laudo de avaliação médica, ainda que não tenha sido submetido a procedimento médico-cirúrgico destinado à adequação dos órgãos sexuais; II – houver fundada coação ou ameaça decorrente da colaboração com a apuração de crime por determinação, em sentença, de juiz competente após ouvido o Ministério Público. Parágrafo único. A sentença relativa à substituição do prenome na hipótese prevista na alínea b do inciso I deste artigo será objeto de averbação no livro de nascimento com a menção imperativa de ser a pessoa transexual.

[93] ARAÚJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional do transexual. São Paulo: Saraiva, 200. p.135.

[94] TARTUCE, Flávio. Mudança do nome do transexual. Disponível em: <http://www.flaviotartuce.adv.br/index2.php?sec=artigos&totalPage=2> Acesso em: 07 jun. 2012.

[95] STJ, Resp 678933/RS, 3ª T, j. 22.03.2007, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito.

[96] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 32ª. ed. rev., São Paulo, 1995, p. 99.

[97] ARAÚJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional do transexual. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 137.

[98] Art. 139. O erro é substancial quando: II – Concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa, a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante.

[99] Art. 1.556. O casamento pode ser anulado por vício da vontade se houve por parte de um dos nubentes, ao consentir, erro essencial quanto à pessoa do outro.

[100] Art. 1.557. Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge: I – o que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama, sendo esse erro tal, que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado.

[101] Art. 5. Todo são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.


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VIEIRA, Felipe Sousa. Prenome e gênero do transexual: averbação ou retificação?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4279, 20 mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31965. Acesso em: 5 maio 2024.